O Teatro Atheneu ficou lotado na última quinta-feira, dia 24
de abril, durante a exibição dos curtas produzidos com recursos da Secretaria
de Estado da Cultura. Fui ver com o espírito aberto, e devo dizer que me
diverti com o que vi – e não estou falando no sentido pejorativo, já que não
fui com a intenção de “catar piolho” e focar apenas nos defeitos do material
apresentado. Eles existem, e são muitos, mas não anulam o fato de que há um
esforço genuíno para a produção de material audiovisual em nosso estado e ele
precisa ser valorizado. Porque, principalmente, é muito bom ver nossa terra e
nossa gente retratada na tela grande.
A maratona começou com “Conflitos e Abismos: A Expressão
da Condição Humana”, em que minha
camaradinha “Teteca”, hoje conhecida como Everlane Moraes, seu nome de batismo,
faz uma bela homenagem a seu pai, o artista plástico José Everton. Utilizando-se
de efeitos gráficos interessantes e do auxilio luxuoso de Yuri Alves, figurinha
carimbada nos eventos alternativos da cidade, ela deu vida às imagens e
conceitos narrados em primeira pessoa pelo próprio homenageado. A narrativa,
entretanto, é um tanto quanto “truncada”, imprecisa e monocórdica, com um
discurso confuso e por vezes até contraditório, já que segue o fluxo de
pensamento do personagem, sem grandes elaborações teóricas – até porque ele não
é nenhum filósofo, no sentido acadêmico do termo. A montagem também é
deficiente, o que faz com que o filme termine de forma abrupta, de “sopetão”.
Mas o resultado é bonito e pra lá de satisfatório. Foi aplaudido efusivamente –
todos foram, o público estava animado ...
Em seguida tivemos “Morena
dos Olhos Pretos”, de Isaac Dourado. Um documentário sobre a
forrozeira Clemilda – ou seria sobre o forró em geral? Não dá pra saber, pois ficou
confuso, já que o diretor parece ter se empolgado demais e perdido o foco ao
ponto de terminar homenageando Josa, o vaqueiro do sertão, embora de forma um
tanto quanto questionável, mostrando-o muito doente, em estado crítico. Além
disso, a montagem é bastante deficiente, quase aleatória – o pessoal precisa
estudar melhor esta verdadeira arte em si que é, no final das contas, o coração
do filme, já que é através dela que se imprime o ritmo e a forma como a
história é contada na tela. Salta aos olhos – e
aos ouvidos –, também, a ausência de imagens do programa que Clemilda
apresentou por muitos anos na TV Aperipê, o “Forró no asfalto”. Temos, por
outro lado, importantes imagens de arquivo com entrevistas e trechos da
homenagem feita à cantora na penúltima edição do Forrocaju. No final das
contas, o curta serve mais como uma prévia do longa que, soube depois, está
prometido. Se for melhor trabalhado, especialmente na mesa de edição, pode
ficar muito bom.
“Madona e a Cidade Paraíso”, de André Aragão, cujo título faz uma ironia com o título até pouco tempo ostentado por
Aracaju, o de “capital da qualidade de vida”, é uma ficção baseada num fato real – e triste –: o assassinato da travesti “Madona”, no centro da
capital sergipana. O ponto forte do filme são as imagens documentais mostrando
o dia-a-dia da cidade durante a realização do pré-caju, auto-proclamada “maior
previa carnavalesca do Brasil”. Com direito a uma aparição relâmpago,
inclusive, do folclórico “Sapulha”, uma das muitas "criaturas das trevas" que
povoam nossas ruas. O clima de decadência festiva, típico do
cotidiano de uma parcela considerável de nosso povo, é bem retratado. Ao som da
versão de “like a virgin” cometida pelo grupo Asas Morenas, muito popular no
extrato social retratado, assistimos às peripécias do personagem principal, em
boa interpretação de Ivo Adnil, e sua amiga Folosa, vivida por Zelda
Leite. O roteiro, no entanto, é confuso e cheio de clichês. O maior deles está
justamente na cena final, em que playboys caricatos assassinam Madona de forma
bárbara nas imediações do Beco dos Cocos. Há uma clara tentativa de emulação de
cenas violentas de filmes norte-americanos da década de 70, tipo “warriors”,
representada na principal arma utilizada por um dos “meliantes”, um taco de beisebol,
pouco usual pelas bandas de cá. Somado às interpretações, muito fracas, e à
coreografia das cenas em si, um tanto quanto mambembes, temos ao final um
resultado não de todo ruim, mas bastante irregular. O que não deixa de ser um
avanço se comparado à estréia do diretor, que se deu com o badalado – e
profundamente equivocado – “Xandrilá”. Neste, assim como naquele, o destaque
vai para a fotografia, a cargo de Arthur Pinto - de bom gosto e com toques de
ousadia em ângulos inusitados.
“Para Leopoldina”, de Diane Veloso e Moema Pascoini,
é certamente, de todos, o mais bem acabado e “cinematograficamente adequado”,
digamos assim, muito embora tenho destoado dos demais por ter um ritmo mais
lento, reflexivo. Não por acaso, e paradoxalmente, foi o que eu menos me
diverti assistindo. Mas suas qualidades são inegáveis, notadamente as boas
intepretações, especialmente da protagonista, e o roteiro, enxuto e muito bem
conduzido, filmado num ritmo adequado – embora lento. A montagem, verdadeiro
calcanhar de aquiles da noite, é também muito bem resolvida. Fosse uma disputa,
ganharia “de lavada”. Não é, no entanto, uma obra perfeita: perde muito tempo,
por exemplo, mostrando o processo de seleção de um dos funcionários do asilo,
em cenas perfeitamente descartáveis, porque de pouca importância para a trama.
Mas segue firme e sustenta a narrativa até o final triunfal, com uma belíssima
imagem filmada em traveling num dia chuvoso.
“Operação Cajueiro – Um Carnaval de Torturas”, de
Fábio Rogério, Vaneide Dias e Werden Tavares, era o mais aguardado – por mim,
pelo menos, já que o tema me é caro – e foi, infelizmente, o que mais
decepcionou, como produto cinematográfico. Tinha a nobre intenção de resgatar
um episódio negro e nebuloso de nossa história, a “Operação Cajueiro”, ápice da
intervenção do regime ditatorial militar em solo sergipano, mas o fez de forma
canhestra, preguiçosa, sem um pingo de ousadia. Resume-se a uma sucessão de
imagens “chapadas” de depoimentos enfileirados, com montagem deficiente e sem
nenhuma intervenção ilustrativa da parte dos realizadores, já que as únicas
imagens de arquivo utilizadas estão no início e no fim do filme. Recursos
gráficos poderiam ter sido inseridos no meio das falas, para que se desse ao
espectador um descanso diante de tanta narrativa – no mais, prejudicada por
problemas na captação de áudio e na sincronização do som. Mas não foram. Uma
pena. O produto final, embora imperfeito, tem seu valor, em todo o caso:
finalmente alguém teve a iniciativa de registrar, de alguma forma, o sinistro
episódio do qual ouço falar desde os tempos em que participei de uma espécie de
“Curso de introdução ao marxismo”(ou algo parecido) promovido pelo PCB e
ministrado por Wellington Mangueira, no final dos anos 1980.
Encerrando a noite, um belo show da Coutto Orquestra.
Foi bom pra mim.
Me diverti.
A
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Um comentário:
Parabéns pelos comentários!!! Aqui me sinto confortável em comentar. Ando farta das polêmicas infundadas que surgem nessas terras tupiniquins. kkkk
Não assisti a tds os filmes, na verdade só vi Madona! E de todas as críticas que li, a sua me parece ser a mais coerente, levando em consideração a feita ao único curta assistido por mim. A cena precisa de críticos mais imparciais, como vc me pareceu ser, e menos puxa saco dos conhecidos.
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