segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Plínio contra os pilantras

No último dia 26 de janeiro (dia de meu aniversário, aliás) esteve por aqui, em Aracaju, o ex-candidato do PSOL à presidência da republica, Plínio de Arruda Sampaio – para quem este blog fez campanha no primeiro turno. Veio lançar seu novo livro, “Por que participar da política?”, e falar sobre sua cruzada em favor do socialismo.

O evento ao qual compareci aconteceu no Sindiprev, na Rua Vila Cristina. Comprei o livreto (64 páginas apenas) e entrei na fila para que o autor o autografasse. No meio do caminho, aproveitei o ensejo para desvirtualizar uma amizade que começou via facebook e espero que continue no “mundo real”.

Na palestra, que foi aberta por uma explanação de um rapaz do PSOL sergipano que terminou com uma frase de Trotsky (“toda revolução parece impossível até que se torne inevitável”), Plínio, com sua costumeira empolgação, já começou lamentando que a conexão com o twitter não tenha funcionado, pois pretendia transmitir ao vivo o evento via twitcan. Diante dos risos de todos, ele se pergunta: “não sei porque eu provoco risos sempre que menciono o twitter”, e pôs-se a louvar o alcance de tal ferramenta de comunicação, capaz de conectá-lo a milhares, às vezes milhões de pessoas, com um simples clique. Para mostrar que não estava brincando, relembrou o episódio em que ele “bombou” por lá e ficou atrás apenas de Obama na contagem mundial de acessos do site. Uma ferramenta (eu diria que a internet em geral, não apenas o twitter) que está permitindo, aos poucos, que se fure o bloqueio levantado pelo monopólio da informação que se encontra nas mãos da grande mídia, que a usa, evidentemente, de forma absolutamente pensada com o objetivo de conquistar “corações e mentes” para seu campo ideológico. Como exemplo, fez uma pergunta: “Se eu citar o nome de Robert Mugabe, presidente do Zimbabwe, qual a primeira coisa que virá à mente de vocês? Que é um ditador corrupto que incitou os negros a invadir e tomar à força as terras legitimamente pertencentes aos brancos naquele país, não é mesmo?”. É. Ele então se pôs a relatar suas viagens, a serviço da FAO, Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação, àquela nação africana, e a louvar o espírito democrático de seu comandante, que assumiu o poder no processo de independência mas garantiu a segurança dos descendentes dos colonizadores ingleses, fazendo com eles um acordo para viabilizar uma reforma agrária. Acordo este que, segundo Plínio, não foi cumprido, o que precipitou a medida extrema de incitar o povo para que fosse lá e retomasse a terra que, na verdade, pertencia a seus antepassados e lhes fora roubada pelo invasor europeu, mas sem derramamento de sangue, coisa que a televisão não mostrou.

Na sequencia, pôs-se a questionar a natureza do sistema capitalista em si, que não produz bens de uso, mas mercadoria para gerar lucro. O copo dagua que estava na sua frente, por exemplo, não era produzido para que as pessoas podessem usá-lo para beber água, mas para gerar lucro para o capitalista. Mencionou então a mudança do pensamento estratégico predominante na esquerda ao longo do tempo, começando pela idéia da aliança com uma suposta burguesia nacional contra o imperialismo, defendida pelo PCB, e passando pelo período de transição de natureza social-democrata do chamado “Programa Democrático e Popular” (PDP) do PT, que “embasou a política de conciliação de classes” e, com sua lógica de ‘ruptura democrática’ no marco da institucionalidade e das alianças com os partidos da burguesia, levou o partido, inevitavelmente, à capitulação. Explicou que o que ele propõe hoje é uma virada radical rumo a um projeto socialista, sem meios-termos, pois já ficou comprovado – e para tanto recomendou a leitura de um livro de Florestan Fernandes chamado “A revolução burguesa no Brasil” – que a burguesia no Brasil existe, é organizada, já fez sua revolução e atua diuturnamente num processo contra-revolucionário, fazendo aqui e ali concessões às classes trabalhadoras com o intuito de continuar detendo o poder de fato – vide o jogo de cintura de figuras como José Sarney, Renan Calheiros e Cia. Ltda, que se aninharam e têm grande influência no governo petista.

Isso tudo patrocinado pela cultura paternalista que impregna o estado brasileiro. Para dar um exemplo de como funciona esta cultura, ele citou o caso um vigia noturno da rua onde morava que lhe solicitou uma ajuda para retirar uma bala que se encontrava há anos alojada em seu maxilar. Pensou em simplesmente mandá-lo a um hospital, mas como sabia que não era bem assim que as coisas funcionavam em nosso sucateado (para o povo) sistema de saúde e o homem certamente já tinha tentado esta via mais óbvia sem sucesso, escreveu um bilhete destinado a um amigo que dirigia uma instituição hospitalar solicitando a gentileza de que desse prioridade ao portador do mesmo. Algum tempo depois, o indivíduo o abordou agradecendo a gentileza e informando que fora muito bem recebido e que sua assinatura tinha poder. Arrematou perguntando: “o senhor é político, não é, seu Plínio?”. “Sou, deputado federal”, respondeu ele, prontamente. “Então deve ter muitos problemas o incomodando, não têm?”. “Tenho sim, quem não os tem?”, retrucou o velho socialista. “Pois bem”, falou o homem, chamando-o a um canto discretamente, “se precisar de mim, saiba que eu sou homem pra qualquer serviço, certo? Estou à disposição”.

O que Plínio quis dizer é que a cultura do compadrio, do “toma-lá-dá-cá”, faz com que o povo não perceba que as pessoas têm direito, como cidadãos, a ter suas demandas supridas pelo estado sem que precisem, com isso, ficar devendo favor a quem quer que seja, o que prejudica, e muito, a formação política. Conclamou então os jovens a fazer um trabalho de base persistente e a acreditar nos resultados a longo prazo e na justeza da idéia do socialismo, que significa a emancipação do homem. Terminou sua explanação e foi aplaudido pelo auditório lotado, além de ovacionado com palavras de ordem pelos militantes de seu partido.

Em tempo: No maio da palestra a tal twitcam entrou finalmente no ar e os olhos de Plínio brilhararam, pediu desculpas a todos pelo transtorno e passou o resto do tempo dividindo sua atenção entre o público presente e a tela do computador. É um figura. Espero ter pelo menos metade de seu entusiasmo e vitalidade quando chegar em sua idade.

Por Adelvan Kenobi

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“Contra os pilantras, a política”. Foi assim, curto e grosso, que Plínio de Arruda Sampaio, candidato à presidência da república derrotado nas eleições do ano passado, defendeu o engajamento dos setores populares da sociedade. Em visita proporcionada pelo lançamento de seu último trabalho, o livro “Por que participar da política?”, o dirigente do PSOL recebeu os jornalistas sergipanos para reiterar o compromisso do partido com a luta dos trabalhadores e aproveitou a ocasião para mandar um recado aos militantes do referido bloco político. Segundo ele, a esquerda tem que curtir um período de dificuldades, atravessar o deserto, passar fome e frio para reencontrar o próprio rumo. “Lá fora, está tudo pegando fogo”.
A referência ao momento turbulento pelo qual a Europa vem passando não foi aleatória. Para Plínio, a intensa mobilização popular que assaltou o chamado velho mundo reflete os efeitos perversos da última crise econômica. “A economia é determinante. Se enfrentássemos alguma alteração no quadro econômico e a crise finalmente respingasse na gente, o retrocesso social teria colocado o povo na rua”.
No livro lançado ontem à noite, no auditório do Sindiprev, Plínio discorre sobre a formação do Estado brasileiro, os sistemas de governo parlamentarista e presidencialista, a Nova República e os impactos cotidianos da ação política na vida dos brasileiros. Na conversa franca que manteve com a imprensa local, falou muito claramente sobre o atual quadro político e resgatou o debate travado na última campanha, lamentavelmente marcada pelo baixo nível da discussão.
Plínio argumenta que não é possível jogar uma partida de futebol limpa sem jogadores leais e qualificados. O dirigente do PSOL conclui que, sem candidatos dispostos a um debate franco, qualquer embate eleitoral redunda no levante reacionário que assistimos todos pela televisão. “Quando eu falei em aborto, em legalização da maconha, cheguei a provocar desmaios”.
Jornalista gosta de colocar lenha na fogueira e Plínio já foi definido por muitos articulistas políticos como um verdadeiro incendiário. Numa sala reservada do Hotel da Costa, onde ficou hospedado, o dirigente octogenário não se amedrontou diante das provocações. Questionado a respeito da conduta criminosa do ex-presidente Lula durante a campanha e a sua adoração popular, Plínio não vacilou. “O comportamento de Lula feriu a Constituição brasileira. Infelizmente, a idolatria sempre resulta no comportamento irracional e irrefletido registrado pelas urnas”.
As ressalvas em relação ao PT, contudo (que na opinião de Plínio está muito longe da verdadeira esquerda), não turva o seu senso de justiça. Em relação à declaração da professora Avilete, candidata derrotada ao governo de Sergipe pelo PSOL, que condenou a militância da presidente Dilma Roulssef, Plínio esclareceu que o partido já abriu uma sindicância e defendeu uma punição rigorosa. “O passado de guerrilheira é o único traço simpático na biografia dessa senhora”.
Além do recente “Por que participar da política?”, Plínio de Arruda Sampaio já publicou “O capital estrangeiro na agricultura” (1977), “Construindo o Poder Popular” (1982), “O Brasil pode dar certo” (1994), “O que é corrupção” (2010) e dezenas de artigos sobre a realidade brasileira.
riansantos@jornaldodiase.com.br

CHEIRO DA TERRA

Há alguns anos a maior emissora de televisão do estado, não por acaso afiliada da Rede Globo, promoveu uma votação popular para eleger a música que melhor representava a cidade de Aracaju, uma espécie de Hino informal da capital. A vencedora foi, com toda justiça, "cheiro da terra". Sempre gostei muito desta música, ela meio que povoa meu inconsciente e desperta em mim (e quero crer que em todos os sergipanos, a julgar pelo resultado da votação) um sentimento de apego às raizes, às nossas origens. Tenho certeza que, se um dia for morar longe, mas longe mesmo, como meu camarada Juliano Mattos, prestes a se mudar definitivamente para a Republica Checa, sentiria muitas saudades de Aracaju toda vez que ouvisse, mais uma vez, esta canção.

O disco que a trouxe ao mundo, "viagem cigana", de 1983, do grupo Cata Luzes, é muito bom. Um verdadeiro marco da Música Popular Brasileira feita em Sergipe. Duvida? Baixe aqui, ouça e confira por si próprio. E olha que quem fala isso não é nenhum bairrista enlouquecido ou adepto incondicional da MPB, muito pelo contrário - eu sou do rock, e vou morrer sendo. Portanto, para corroborar minhas palavras, solicito o auxílio luxuoso do jornalista Rian Santos, cujo texto, publicado originalmente em seu blog "Spleen & Charutos", reproduzo abaixo:

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A informação veio num comentário fortuito do colega Pascoal Maynard, que guarda no humor cáustico e nos cabelos brancos a bagagem que falta à molecada cheirando a mijo das redações. Este ano, o grupo Cata Luzes completa trinta anos de atividade e pretende comemorar o feito com toda a pompa que a circunstância merece. Projetos destinados a celebrar a data certamente serão enviados aos entes públicos encarregados de zelar pelo patrimônio cultural do lugar, mas enquanto a realeza de nossa música não sobe no palco, vale a pena pegar o rastro da Viagem Cigana (1983) realizada pelo conjunto na época de minhas fraldas e ficar abestalhado com a vitalidade de um trabalho tão rico que simplesmente ignora as intempéries do tempo.

É consenso entre pesquisadores e especialistas que, nos idos de 1970, a música sergipana, enquanto expressão popular massiva, simplesmente não existia. Talvez por isso, a fórmula gasta de confundir o nome de determinado artista com o desenvolvimento da linguagem em que ele se expressa faça tanto sentido no caso do Cata Luzes. O grupo foi o primeiro vencedor do Festival de Música Popular Sergipana, realizado no início dos anos 80 – marco histórico e pedra fundamental da música produzida na terrinha –, abrindo a porteira para a caralhada de bons músicos e compositores que desembocaria na diversidade criativa de nossos dias.

A justiça do julgamento ficou registrada em dois LP’s da maior importância, garimpados ainda hoje pelos colecionadores mais dedicados dos quatro cantos do mundo. Na ambição de tal posse, a singularidade da inspiração de Cláudio Miguel (voz e vioão), Valdefrê (voz e violão), José Amaral (voz e percussão) e Tonho Amaral (voz e percussão).

Viagem Cigana – Um disco histórico. Aqui, o adjetivo extrapola o ornamento e se veste com bastante justeza do significado pretendido. É bem verdade que a participação do saudoso Paulo Moura, que assina os arranjos e a direção artística do rebento, empresta alguma mineirice e distinção ao produto. A força inata das canções, contudo, supera qualquer artifício estranho à criação.

Com apenas 16 canais, o Cata Luzes conseguiu mais do que muito músico entupido de recursos, trancado num estúdio moderno, sem nenhuma idéia na cachola e meio mundo de computadores à disposição. O segredo para alcançar a felicidade do resultado parece guardado na maestria dos músicos que acompanharam o quarteto durante as gravações. Estamos mencionando gente da estirpe de Jaques Morelenbaum, Joel Nascimento e Túlio Mourão, entre outros.

Além disso, uma intenção aventureira permeia as dez faixas de Viagem Cigana, como se a música do Cata Luzes futucasse o bandoleiro ressentido, o andarilho ressabiado, o romeiro vencido por um fardo de léguas e pelos fantasmas do medo que assombram a todos nós. O mesmo medo que, numa canção do conjunto, “Assusta, assalta/ os delinqüentes/ dos vis albergues naturais”.

riansantos@jornaldodiase.com.br

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domingo, 30 de janeiro de 2011

Hoje é o Dia do Quadrinho Nacional

Do Blog de André Forastieri - Dia do Quadrinho Nacional? Coisa de político. É bem mais fácil dedicar um dia a um homenageado qualquer do que levantar o traseiro da cadeira e homenageá-lo com ações, em vez de blábláblá.

Mas neste 30 de janeiro de 2011, até que há razões para celebrações entre os quadrinistas brasileiros. Se nas bancas a presença de autores brasileiros é cada vez menor (exceção feita, claro, à Maurício de Sousa Produções), nas livrarias a história é bem diferente.

Mais editoras estão publicando quadrinhos em 2011 que jamais antes na história deste país, como dizia lá o outro. Os governos compram, via programas diversos, quantidades razoáveis para bibliotecas e escolas. Isso passou a viabilizar o trabalho de muito quadrinista brasileiro.

Claro que nem toda livraria vai ter aquela recheada seção de quadrinhos. Para isso existem sebos, e sebos online (como a Estante Virtual), e tantas livrarias online, e a Comix, ainda a melhor livraria de quadrinhos do país, na internet e na velha loja da Alameda Jaú.

Se é por falta de recomendação que não te arriscas, listo aqui lançamentos recentes onde podes apostar sem medo.

MSP + 50, por Maurício de Souza e 50 Artistas. Minha birra pública com Maurício (por não dar crédito aos roteiristas e desenhistas da Turma da Mônica) não me impede de reconhecer que este livro é muito legal. Nem de reconhecer a ironia de que, para esta edição comemorativa, todo o crédito foi dado... A gente como Adriana Melo, Mozart, Allan Sieber, Rafael Grampá, Danilo Beyruth (este, autor de Bando de Dois, que não li ainda, mas que tanto amigo me recomendou que passo a dica).

Os Sertões - A Luta, roteiro de Carlos Ferreira e arte de Rodrigo Rosa. Adaptação do livro de Euclides da Cunha, igualmente liberal e fiel. Rodrigo tem poucos pares no Brasil.

Outro na mesma praia: Demônios, de Eloar Guazzelli, adaptado do conto de Aluísio de Azevedo. Um clássico da literatura brasileira de meter medo.

, de Jean Galvão. Conhecido da meninada por seu trabalho com tiras na revista Recreio, Jean é quadrinista de mão cheia. Sua personagem tem toda pinta de avó de verdade. Boa alternativa para quem curte Mônica e cia.

O Corno que Sabia Demais, roteiro de Wander Antunes, arte de Gustavo Machado e Paulo Borges. Picarescas e aventurescas crônicas de um Rio de Janeiro dos anos 50. Wander publica muito na França, embora more em Cuiabá. Dele também leia A Boa Sorte de Solano Dominguez.

Para fechar, recomendo a compra e leitura imediatas de qualquer dos álbuns de Níquel Náusea, de Fernando Gonzales; e de qualquer álbum assinado por Laerte, o único gênio da HQ brasileira, digno de qualquer lista de melhores do quadrinho mundial.

NOTA - Eu (Adelvan) recomendaria tambem qualquer coisa de Lourenco Muttarelli.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Marcio Sno, "gente que faz"

O fanzine de Marcio Sno me fez companhia no Hospital quando eu tive uma crise de asma que quase me levou desta para "melhor", em 1994. Nunca esqueço isso. Já ele, nunca esquece minha satisfação em poder usar confortavelmente, finalmente, minha jaqueta de couro, em São Paulo - sim, porque em Aracaju, era quase impossível. É o maior divulgador da cultura "underground" dos fanzines que eu conheço, e acaba de lançar a primeira parte de um documentário chamado "Fanzineiros do século passado", retratando o tema através de entrevistas com os editores daquelas charmosas publicações artesanais xerocadas. Antes, ele já havia lançado a cartilha "Fanzines de papel", espécie de obra definitiva sobre o assunto. O Escarro Napalm, que também já foi um fanzine de papel, é bom lembrar, entrevistou-o via e-mail (chega de cartas para mim, acabou meu fetiche pela farda dos carteiros). O resultado foi este que você pode ler abaixo.

OBS: Marcio Sno não é a garota, o garoto nem o cachorro da foto abaixo.

By (em ingrês é mais chique) Adelvan Kenobi

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Escarro Napalm - Vamos começar sendo didáticos?

Marcio Sno - Bóra, você é quem manda!

EN - Já que você é o cara quando se fala em divulgação da arte de se fazer fanzines (e não me venha com falsa modéstia), explique para a nossa meia dúzia de eventuais leitores o que vem a ser um fanzine, qual a idéia por trás da coisa, e como era/é produzido, divulgado e distribuído.

Sno - Menos, menos, meu caro! Existem nomes muito mais importantes que eu na arte de fazer e explicar fanzines… Mas vamos lá! Eu disse que você é quem manda, então, obedeço!

O fanzine, a grosso modo, seria uma espécie de “revista independente”, um meio de comunicação alternativo feito por pessoas que não se contentam em ficar de apenas um lado da notícia (leitor) e passam a ser produtores de informação, ou seja, editores de fanzines.

Nesses veículos, são divulgados, em sua maioria, artistas da cena underground, como músicos, poetas, quadrinistas, escritores, entre outros. Isso não impede que também sejam divulgados artistas do mainstream e assuntos além do submundo: principalmente nos que tem linhagem anarco-libertária, são discutidos assuntos da atualidade, mas sempre com uma visão diferente dos grandes meios de comunicação, mostrando um outro lado da notícia.

O fanzine em papel era e é feito de forma artesanal. Até meados dos anos 1990, a comunicação funcionava via carta, nosso computador era a máquina de escrever e nosso e-mail marketing era o flyer (uma espécie de cartão de visitas que circulava entre as cartas). Era tudo na unha, na raça. Pra quem hoje vê como a coisa funcionava, pode não acreditar, mas era assim mesmo: todo mundo se conhecia pelo correio, as bandas independentes faziam a trilha sonora e os fanzines eram o nosso meio de divulgação.

A gente recebia os materiais e fazia resenhas, entrevistas etc. e tal, datilografava e diagramava ao mesmo tempo, recortava, colava imagens, fotos, textos e chegava ao chamado original, que era copiado em xérox e distribuído via correio, em shows, eventos, reuniões ou colocados em alguns pontos estratégicos para serem vendidos ou mesmo dados.

EN - Como surgiu e idéia de registrar através de um documentário a obra dos “Fanzineiros do Século Passado”?

Sno - Na verdade a ideia desse documentário veio bem antes, lá por volta de 2006, quando eu estava na faculdade de jornalismo e era época de pensar no que produzir como trabalho de conclusão de curso no ano seguinte. Nessa época eu já tinha feito a cartilha Fanzines de Papel, que foi uma pesquisa que fiz sobre fanzines e, para mim, até então, o assunto “fanzine” já tinha se esgotado se fosse lançado em forma de monografia, não haveria o desafio no TCC. Só faria sentido manter o tema se eu fizesse um documentário a respeito. Mas para isso me faltava técnica (ainda falta), equipamento, tempo e grana para poder gravar com as pessoas que eu achava interessante. Então, foi shift+del para essa ideia.

No ano passado, a ideia retomou em minha cabeça após algumas conversas por telefone com José “Zinerman” Nogueira (Delírio Cotidiano), que fez com que eu resolvesse tirar essa proposta do fundo da gaveta do meu inconsciente. Mas eu não queria ser o único responsável por essa história: queria envolver o máximo de pessoas possível nessa aventura e bolei um projeto e distribuí por e-mail para os meus contatos dos fanzines. O retorno foi quase que imediato e total: todo mundo queria colaborar, dar depoimento, ajudar de alguma forma.

Um dos principais quesitos desse projeto era não ter deadline, pois todos nós crescemos, montamos famílias, ganhamos mais responsabilidades e pedir prazo para zerar um documentário feito sem fins lucrativos e nenhum incentivo financeiro, seria declarar um natimorto. Aí foram surgindo várias pessoas de todo canto do país para registrar imagens de determinadas localidades, como numa espécie de centrais regionais. Porém, por conta de todas essas responsabilidades que falei, isso ainda não se solidificou como eu imaginava, mas ainda acredito que isso ainda vai rolar.

Um grande amigo meu, que fez comigo o documentário INGs – Indivíduos Não Governamentais, Averaldo Rocha, tinha acabado de adquirir uma câmera fodona e me deixou usar como e onde eu quisesse. Só para ter uma ideia, ele nunca usou a máquina, podemos dizer que eu acabei com a virgindade dela! Bem, o principal eu já tinha e agora era botar a ideia em prática! E passei a gravar da minha forma, do meu jeito e com a minha técnica limitada, junto com meu filho Calvin, que me acompanhou na maioria das gravações que, além de me ajudar, pôde conhecer mais de perto a vida que me meti antes de ele nascer.

O primeiro entrevistado foi o Leonardo Panço e, até agora, consegui gravar 21 depoimentos e mais um gravado pelo Pedro de Luna.

EN - E os “fanzineiros deste século” existem? Ou seriam os blogueiros os novos fanzineiros?

Sno - Seria um pouco dos dois! Pode parecer estranho você pensar que ainda exista neguinho que nade contra corrente, publicando em formato impresso, quando se tem uma internet toda, lhe dando de mão beijada todos os recursos do mundo para você criar um veículo de comunicação. Mas ainda existem muitos fanzines na ativa até hoje, como é o caso do Juvenatrix do Renato Rossati (que tem centenas de exemplars lançados) e o Aviso Final do Renato Donisete, que acabou de completar 20 anos de existência! Também tem os clássicos QI de Edgard Guimarães e Top! Top! de Henrique Magalhães. Também têm os que começaram a fazer agora, como o Ricardo Chakal, com o Social Agression e o Diego El Khouri com o Cama Surta.

Apesar de todas essas boas notícias para o impresso, sejamos realistas: a produção de fanzines caiu drasticamente e boa parte dos fanzineiros migraram para os blogs ou simplesmente abandonaram tudo. Outros, para manter parte da característica dos impressos, distribuem os fanzines em formato pdf, para a pessoa baixar, imprimir e ler.

Curiosamente, muitos dos blogueiros que surgiram a partir dos anos 2000, têm em sua produção características semelhantes aos fanzines, porém, nem todos têm essa noção.

Por um outro lado, noto uma nova volta dos fanzines, por um caminho um tanto diferente do que se possa imaginar: muitos educadores e professores estão utilizando o fanzine como ferramenta para ajudar na formação de crianças e jovens, dentro do que se conceituou chamar educomunicação. Eu mesmo dei oficina para educadores da ONG onde eu trabalho, e eles multiplicaram para os seus educandos, que piraram na ideia, eles não conheciam o fanzine e acabaram adotando o agora “método”, para expor suas ideias e até mesmo reivindicar coisas em sua comunidade. E percebo que isso vem acontecendo em diversos lugares, como a exemplo de Gazy Andraus e Elydio dos Santos Neto, ambos doutores, que aplicam a técnica do fanzine para mestrandos na área de educação! Fernanda Meireles é uma pessoa que viaja o país dando oficinas de fanzines para diversos públicos em diversas realidades. Direto recebo e-mail de professores e pesquisadores querendo saber mais sobre fanzines, para ajudarem em suas teses e para aplicar com seus educandos.

Não vou me atrever em falar que os fanzines terão o mesmo gás dos anos de 1980, 90, mas, por conta dessa utilização educacional, ele vai demorar um pouquinho mais para sumir. E acho que vai conviver harmoniosamente com a internet e os blogs.

EN - Quais as principais dificuldades, técnicas e/ou conceituais que você teve para produzir o documentário?

Sno - Técnicas, todas! Afinal de contas, o que sei de gravação de imagens é o básico: dar play e mandar ver. OK, estou exagerando um pouco, mas é mais ou menos isso mesmo. Não utilizei iluminação, usei a luz ambiente. Isso prejudicou no resultado final de alguns personagens.

Outra coisa atrapalhou bastante foram os ruídos em algumas gravações, que prejudicaram alguns depoimentos, como no caso da Thina Curtis e do Gazy Andraus.

No caso do conceitual, a coisa veio meio que naturalmente. As perguntas foram meio que padronizadas, só em alguns casos que abordei outros assuntos. Quando já tinha essa totalidade de depoimentos acumulados, fui convidado para participar do 1° Ugra Zine Fest e um dos organizadores, o Douglas, perguntou se eu queria levar uma prévia do doc pro evento. Topei em fazer um apanhado. Mas durante a edição gostei tanto do resultado final, que resolvi pensar diferente: a ideia inicial era fazer um documentário único, com todos os depoimentos que eu iria colher pelo Brasil afora, por intermédio dos colaboradores, coisa e tal. Mas decidi lançar esse que seria uma prévia como o “Capítulo 1”, e dividir o doc em assuntos. Primeiro porque acho que seu fosse lançar conforme a ideia inicial, iria dar mais de duas horas, e pra segurar alguém em frente à tela por esse tempo todo, o cara tem que ser profissional, o que não é meu caso. E depois porque diminui um pouco a minha ansiedade e a do povo em geral que sempre pergunta “quando é que vai sair o doc?”. E acho que vai ser mais light pra todo mundo e talvez a pressão seja menor. E isso já é um grande ponto, pois por conta de algumas cobranças no meio do caminho, quase desisti, pois a partir do momento que rola a cobrança, a coisa passa a se tornar obrigação e aí o tesão vai embora. Deixei o documentário de molho por dois meses, para me livrar do peso da cobrança e depois que a poeira abaixou, passei a dedicar-me ao doc com mais carinho e cá estou.

EN - Há um bom número de gente já devidamente registrada nos depoimentos, como foi a logística para chegar a este povo todo? Os que não moram em SP, como obteve os depoimentos deles?

Sno - Boa parte do pessoal que está nesse primeiro capítulo são daqui, de São Paulo, aí foi mais no esquema de agendar mesmo e ir na casa de cada um para gravar. Mas no caso do Leonardo Panço (RJ), Fellipe CDC (DF), Daniel Villa Verde (RS), Gazy Andraus (Santos), aproveitei a vinda deles pra cá para fazer os registros, afinal não tive oportunidade de fazer viagens por enquanto. Sempre fico de olho em alguém que vem pra cá pra marcarmos. Agora haverá dois eventos em SP que trará pessoas de fora: o Prêmio Angelo Agostini e o Ugra Zine Fest. E eu pretendo levar a câmera na bolsa, o tripé e mandar ver!

EN - Existe alguma “meta” a ser alcançada no sentido de quantos e quem entrevistar? Caso positivo, como pretende cumpri-la – pretende viajar para colher depoimentos Brasil afora?

Sno - Talvez uma das metas é conseguir entrevistar as pessoas que considero “chave” dentro do universo dos zines. As que tiveram uma representatividade considerável no que se diz a respeito de zines. E talvez são as que mais terei dificuldades de conseguir pela distância e disponibilidade. Mas ainda teremos muito tempo para isso!

Outra meta é tentar com essa coleção de capítulos mostrar o que é definitivamente fanzines e o maior número de assuntos possíveis.

Mas o que eu queria mesmo é que acontecesse o lance de ter “pólos” em diversos lugares do país para, de fato, realizar um trabalho de equipe.

Puxa, viajar pelo Brasil para pegar depoimentos, eu pretendo sim! Mas estou com meus pés bem no chão. Esse trabalho não me trará nenhum retorno financeiro, muito pelo contrário, esse doc só aconteceu porque investi nele, com grana (para comprar fitas, bancar gasolina, passagem, energia elétrica) e com meu trabalho na captação de imagens, edição, que tomaram boa parte do meu tempo e que me privou, por exemplo, de estar junto com minha família.

Quero muito cair numas loucuras de pegar um final de semana e ir, por exemplo, para Aracaju e entrevistar figuras como Adelvan Kenobi, Rafael Jr., Adolfo Sá, Sylvio e outras figuras que movimentaram o underground sergipano. E fazer o mesmo no Rio, Curitiba, Joinville… Mas sei que isso é um sonho remoto, mas não custa pensar que isso pode sim acontecer.

EN - Quais os seus planos para o documentário, depois de pronto? Como pretende divulgá-lo e distribuí-lo?

Sno - Assim que acabar tudo, talvez nunca mais quero falar sobre fanzines! Uma vez na minha vida, pensei que nunca mais ia me envolver no assunto, mas como se pode perceber, estou comprometido até a testa!

A divulgação, já está sendo feita e a cada capítulo lançado, será da mesma forma: enviando para amigos, revistas, jornais, TVs, festivais, e o que mais aparecer para colocar a história para circular.

Por enquanto, estou distribuindo via carta e de mão em mão. Vou usar esse processo para as primeiras 300 cópias. Já distribuí quase 100. Depois, ou até antes de zerar as cópias, vou disponibilizar na internet pro pessoal baixar mais facilmente. Afinal, meu bolso ficará mais feliz também!

No finalzão disso tudo, quando não tiver mais assunto pra colocar, pretendo juntar tudo isso num só DVD. Aí sim, pretendo investir bastante para ter um material bacana, com encarte cheio de páginas, e tudo mais que se tem direito! Mas isso só vou me preocupar lááá na frente!

EN - Quais foram os fanzines que você publicou, até onde eles chegaram e qual o retorno que você teve de todo este trabalho?

Sno - Bem, meu primeiro fanzine foi o que mais me trouxe retorno: o Aaah!!, lançado em 1993. Ele durou 6 edições e teve diversos formatos e números de páginas, uma das edições chegou a ter 120 páginas e um miniposter. Também editei o Don’t Worry!!, em conjunto com a minha então namorada Joelma (que hoje é minha esposa). Nesse meio-tempo lancei o erótico Pleasure, que teve duas edições. Mais tarde, já casado e com filho, lancei o fanzine de bolso Ejaculação Precoce, que a partir da terceira edição passou a chamar Lady Die! e acabou na quarta edição. Quando tudo relacionado a zines para mim já fazia parte do passado, o Xan Brás me chamou para dar uma oficina de zines no Sesc Barra Mansa e foi quando eu lancei a primeira edição da cartilha Fanzines de Papel (que teve a segunda edição revista e ampliada em 2007 – e hoje é uma referência para quem pesquisa sobre zines). Com o calor dos fanzines de volta, lancei duas edições do Arreia!, que talvez seja o que achei mais legal, no que pude explorar o que mais gosto de fazer: entrevistas. Paralelo a isso tudo, colaborei para diversos zines de diversas temáticas, estados e países, com textos, desenhos, entrevistas e o que mais coubesse.

Nessa minha carreira, fiz contato com muita gente, que colaborou nos meus zines, mandou material de suas bandas, seus desenhos e poesias. Pessoas de todos os tipos, formatos, ideologias que se possa imaginar! Nos meus fanzines eu abria espaço para qualquer tipo de pensamento (claro, evitando os preconceituosos e extremistas) e, com isso, fiz amizade com pessoas. Muitas. Muitas mesmo! Muito mais que os amigos que tenho hoje no facebook. Talvez o triplo ou o quíntuplo, ou mais.

E com isso, o maior retorno que tive nessa história toda, foram as amizades que conquistei nesse caminho. Tenho amigos da época das cartas que até hoje mantemos a amizade. Você, Adelvan, é uma dessas. Pessoas que extrapolaram o limite da divulgação em zines, ou trocas de informações, para quase fazer da minha família. Meu padrinho de casamento é o Jean Marim (Sonidos, Ruídos y Ideas), conheci nesse meio, e ele é também padrinho do meu filho e eu padrinho dele de casamento também. O Marlos (And Chimarrão for All!) é um irmão pra mim (que inclusive casou-se com a fanzineira Karol, e hoje moram em Londres)… Bem, esses são alguns exemplos de quão forte era a nossa rede de amizades na época.

O reconhecimento de nossos esforços acho que também é um retorno bacana. Você ouvir pessoas falarem que se inspiraram no seu zine para fazer um, é uma grande recompensa! Outras te procurando para falar sobre zines, seja em uma oficina, palestra, debate, ou mesmo para uma consultoria, é muito legal, e eu gosto muito disso! Procuro sempre me disponibilizar para dar uma força.

EN - Como aconteceu seu primeiro contato com esta rede “subterrânea”? Foi uma identificação imediata, ou só aos poucos você foi se interessando em participar ativamente do processo?

Sno - Confesso que no começo tinha um certo preconceito com o underground. Eu lia muito a revista Bizz, cheguei a ser assinante por alguns anos, inclusive. Aí, passei a ler a Rock Brigade, Dynamite e por aí foi. Nessas revistas haviam seções para divulgação de bandas desconhecidas, como o Headbanger Voice. Demorei para tomar coragem – e me despir dos preconceitos – para escrever para uma dessas bandas. Resolvi escrever para várias. Só escrevi para bandas que não eram da capital paulista, por vergonha mesmo, eu era muito tímido. Lembro que os primeiros a me mandarem demos foram a Scum Noise, Soutien Xiita, Anarchy Solid Sound, Ñrü, Prophecy, No Violence. Passei a perceber que tinha muita coisa boa no subterrâneo e, aos poucos, aquele preconceito foi pro saco definitivamente!

Nessas cartas, recebi muito flyers de outras bandas e fanzines. Peraí: fanzines? O que era isso? No Headbanger Voice também tinha uma seção para esses tais de fanzines. Não tive coragem de perguntar o que era isso. Naquela época não tínhamos o Google, que ajudaria muito a tirar essa dúvida. Resolvi escrever para alguns e perguntando quanto que era pra receber o fanzine. Quando recebi o Secret Face, pude tera noção na prática do que era o fanzine.

Como eu ja tinha contato com alguma galera de bandas na época, um dia, indo trabalhar, me veio na cabeça: “porra, eu também posso fazer um fanzine!”, comecei a correr atrás, me baseando nos que eu havia recebido nessa época, como o Gnomo da Tasmânia, Mensageiro, Alta Tensão, entre outros. Aí não teve mais volta. Minha rede de contatos foi aumentando assustadoramente ao ponto de eu receber pacotes de cartas todos os dias e começar a ter problema para responder as cartas em tempo hábil.

EN - Como você vê a situação atual desta rede “analógica” se comparada ao que era nos anos 80/90? Você acha que há futuro para este tipo de troca de informações ou “resistir é inútil” e tudo será, inevitavelmente, substituído pela troca de arquivos digitais via internet?

Sno - A rede analógica, passou para a digital e não tem mais volta. Só usamos o correio quando temos que mandar alguma coisa que não é possível via internet. Isso é fato e não tem lógica voltar atrás. Porém, essa rede digital só pôde ser constituída com o passado analógico.

Os arquivos digitais acho que podem ser o futuro mais certo que consigo ver. Alguns zines já são lançados assim, como é o caso do Juvenatrix, Inferno Pub, Pensá, por exemplo. São zines que os editores montam e botam em um site ou enviam pelo e-mail mesmo pra galera baixar, com a opção de imprimir ou não.

Porém, ainda haverá sempre uma galera que manterá essa história de trocar materiais via correio, pois tem alguns tipos de materiais que são bem mais bacanas em formato físico, como por exemplo: livros, CDs e DVDs com encartes fodas. Mas, sem dúvidas, será num ritmo infinitamente menor que antigamente.

EN - Você ainda produz e/ou pretende continuar produzindo este tipo de material impresso? Por quê?

Sno - Pretendo sim, inclusive noutro dia estava conversando com o Luciano Irrthum (desenhista de Belo Horizonte que contribuiu para diversos zines, inclusive os meus) e estamos para lançar uma campanha para retomarmos os fanzines impressos e trocarmos via correio, como antigamente, com a intenção de mantermos a chama acesa como antigamente. A única “exigência” será que os fanzines terão que ter pelo menos 16 páginas em meio ofício, para haver mais justiça nas trocas.

E para essa campanha, já estou elaborando o fanzine que estou chamando de Me, Myself and I, no qual vou publicar somente coisas minhas, que inclui textos, desenhos nunca publicados e os que eu faço durante reuniões. Mas o plus desse zine será a entrevista que terá comigo. Pedi para alguns amigos mandarem perguntas de variados assuntos. Sim, vai ser uma ode ao meu umbigo! E uma terapia! Não sei se as pessoas se interessarão em saber sobre mim, mas não tô nem ai, o zine é meu!!

Na verdade será a primeira vez que lançarei um zine sem colaboradores e isso acho que vai ser um grande desafio, pois tudo dependerá exclusivamente de mim! Agora veremos quem é quem! Ahahah!

Por quê? Bem, acho que por resgatar um pouco como é esse lance de fazer o zine da forma antiga, retomar um pouco o passado. Talvez para ter sensação parecida que um cara tem ao ouvir vinil em épocas de MP3.

EN - Deixe a gente conhecer um pouco do Márcio Sno como pessoa – fale-nos de sua vida pessoal, quem é você, quais são suas origens, o que anda fazendo da vida...

Sno - Bem, acho que eu não mudo muito do que as pessoas me conhecem por intermédio dos zines. Mas vamos lá…

Meu pai é de origem japonesa (meu nome verdadeiro é Márcio Mitio Konno) e minha mãe é de uma cidade pequena de Minas Gerais, chamada Jequeri. Nasci aqui mesmo em São Paulo, tenho três irmãs e desde cedo tive que me virar pra conquistar minhas coisas: comecei a trabalhar aos 13 anos. Passei a namorar a Joelma aos 16, com quem casei aos 22 (quase 23), no ano em que nasceu o Calvin (1998).

Talvez a minhas raízes orientais tenham me feito uma pessoa muito paciente e que consegue compreender algumas situações com certa facilidade e a dar tempo ao tempo. Também sou muito correto e odeio injustiças. Pode ser por isso que muitas pessoas buscam conselhos comigo e são eternamente gratas!

Não costumo criar muitas expectativas sobre as coisas, faço a minha parte e espero que os resultados venham por eles mesmos. Talvez essa pode ser meu maior defeito tendo em vista esse mundo capitalista e competitivo. Mas acho que não mudarei esse jeito até a segunda ordem. Sei que recebo muita cobrança externa sobre isso (principalmente de minha família), mas apoiando-se em minha “pseudo-sabedoria”, o tempo dará as melhores respostas!

Trabalho há 13 anos e meio em uma ONG (www.acomunitaria.org.br), no Núcleo de Cultura & Lazer e, em algumas ações, utilizo a experiência e vivência que tive com os zines.

Me formei em jornalismo em 2007, mais para realizar um sonhodo que pra investir no mercado de trabalho, que sempre soube que era fechado.

Gosto muito de música, filmes, futebol, literatura, teatro e adoro conversar sobre isso. E, consequentemente, gosto de pessoas que conversem sobre esses assuntos.

Sou basicamente isso aí. Odeio holofotes na minha cara, prefiro o backstage.

EN - Espaço aberto para considerações finais e/ou para falar de assuntos que considere importantes e eu não mencionei.

Sno - Olha, acho falei bastante coisas e acredito que o leitor não terá mais muita paciência para que eu entre em algum assunto.

Quero deixar bem claro aqui que esse documentário foi idealizado apenas para que a memória da produção dos fanzines impressos seja conservada e registrada em formato audiovisual. Não quero e nem pretendo utilizar essa produção para me aparecer ou querer representar um marco na histórias dos zines, ao contrário do que algumas pessoas pensam e espalham. Não quero ser mártir. Com esse projeto, não fiquei esperando que alguém fosse tomar a iniciativa. Eu simplesmente resolvi fazer. Ponto. Ao invés de ficar reclamando: “ah, falta fulano, falta cicrano, eu não participei, devia ter feito assim, assado”, resolvi fazer.

E eu não vou ficar parado pra ficar discutindo essas coisinhas. Porra, estou prestes a completar 36 anos, sou pai de família, tenhos minhas responsabilidades profissionais… Não tenho tempo pra coisas pequenas. Nesses momentos me vem a frase de Raul Seixas: “eu tenho uma porção de coisas pra conquistar e não posso ficar aqui parado”. E assim eu sou: vivendo intensamente, produzindo insanamente e sem ter a mínima ideia onde tudo isso vai dar.

Agradeço de coração a você, Adelvan, meu amigo de anos a fio, por esse espaço concedido em seu blog! É um grande orgulho estar aqui, pois você é um grande batalhador da cena sergipana e é uma das pessoas que segue a mesma linha que eu: “Se ninguém faz, façamos!” Longa vida a você e para todos os seus projetos e ações! Que a força esteja com você!

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quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Fábio Massari: outro estilo

Marcelo Viegas, um dos editores do blog "zinismo", entrevistou o Reverendo Fábio Massari para a revista Outro Estilo. Duas perguntas ficaram de fora, e a Escarro Napalm Unauthorized Reproductions inc. traz elas até você:

Papo bom é papo que rende. O entrevistão que fiz com o Fabio Massari para a revista Outro Estilo, que está nas bancas, foi publicado quase na íntegra. Apenas 3 perguntas ficaram de fora. De fora, mas não esquecidas:

ZINISMO: No começo da Rolling Stone Brasil você era do Conselho Editorial da revista. Qual era o papel desse Conselho?

MASSARI: (risos) Esse conselho editorial era quase uma coisa metafísica. Era Twilight Zone (risos). De fato a galera se encontrou algumas vezes, principalmente no começo, mas a função do conselho era mais conversar filosoficamente sobre os caminhos da revista. Mas com o tempo foi ficando uma coisa individualizada, de cada conselheiro falar com o editor, mas era quase um cargo de fantasia. (risos)

ZINISMO: Você grava mixtapes para os amigos?

MASSARI: Eventualmente. Sob solicitações, várias vias (risos). Já gravei mais. Tinha uma época que fazia muito k7 pras baladas. Tinha um camarada com habilidade pros desenhos, e ele fazia as capinhas bonitinhas. Eu queimo vários CD’s pra levar coisas pra rádio, e esses CD’s depois eu acabo passando pros camaradas. Mas não é uma coisa com dedicação...

ZINISMO: Li uma entrevista em que você fala que estudava umas coisas sobre o IRA (Exército Republicano Irlandês) e terrorismo. Isso é simplesmente uma curiosidade pessoal ou tem algum embrião de livro aí?

MASSARI: A Irlanda é um país que sempre figurou na minha rota de pesquisas musicais, literárias, acabei descobrindo várias coisas, e me interessei pelo lugar. E, por conta da minha ignorância no assunto, acabei me interessando pelos “troubles” , pela situação da Irlanda do Norte. Aí comecei a ler sobre o assunto e me interessei bastante. Li muitas coisas, vi filmes, e procurei me informar sobre o assunto. Nada além disso. Estive na Irlanda do Norte algumas vezes, meio que para ver essas coisas, mas também para entrevistar bandas, etc. Entrevistei uns caras que foram do IRA, visitei os redutos, fui no cemitério onde os caras estão enterrados... um cemitério famoso em Belfast, com uma parte específica só para os caras do IRA, e foi nesse cemitério que um protestante chegou num enterro de um cara do IRA e saiu metralhando todo mundo... Uma desgraça! E fui pra lá nos anos 90, que era ainda um período “casca”. Belfast era OK, mas aquela outra cidade, Derry, era uma vibe estranhíssima. Mas enfim, foi uma coisa pessoal que foi se intensificando... Ah, entrevistei o Jim Sheridan, diretor de “Em Nome Do Pai”, e outros filmes legais. Tem um livro que estou preparando, uma espécie de coletânea de coisas antigas e perdidas, e que tem um pedaço de coisas irlandesas. Até que é um espaço bem grande. Ou seja, algo sobre a Irlanda vai aparecer. Já saíram algumas coisas na Folha de SP, como uma entrevista com o Danny Morrison, que foi do IRA nos anos 80. Ele não era um cara da “ação”, ele era da “inteligência” do IRA. Um cara dos bastidores, digamos assim. E olha que doido: estava num pub, numa quebrada de Belfast, entrevistando esse cara, e ele ficava “você entrevistou a Björk, que demais, me conta da Björk”... (risos) Eu querendo saber como eram as tretas na cadeia e ele me perguntando da Björk! (risos) Lembro que a gente saiu do pub, era meio-dia, e essa região de Belfast é totalmente católica, e tinham ainda as forças de segurança inglesas tomando conta... Aí passou um carro (tipo tanque) dos ingleses, e todo mundo “fuck you! Fuck you! Fuck you!” Era bem intenso ali. Hoje está mais tranquilo, mas é incrível: uma região tão pequena e tão efervescente. Tem um muro no meio da cidade, é muito bizarro.


quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

(ainda) Vivendo e não aprendendo

40 Anos Hoje, ao meio-dia (assim falou minha mãe). “Envelheço na cidade”. Entrei para o time dos “enta”. É curioso, porque na minha cabeça não faz muito tempo que eu tinha 15 e estava começando a mergulhar pra valer nesse tal de rock and roll. Já curtia o rock nacional que tocava nas rádios, Camisa de Vênus, Titãs, Legião, Plebe Rude, Ira! (vivendo e não aprendendo) e afins. Não lembro bem, mas acho que já havia tido, inclusive, contato com o mundo do rock “pauleira”, via Iron Maiden (“Somewhere in time”) e AC/DC (“Fly on the wall”). Sei com certeza que já havia vislumbrado quão vasto era este universo ao tomar conhecimento, via Rock In Rio, de termos como “new wave”, “punk rock” e “Heavy Metal”. Mas o marco zero desta minha iniciação “roqueira” foi a primeira Revista Bizz que comprei e li inteira, de cabo a rabo. Era a 16ª Edição, de novembro de 1986. A SET ainda não existia e por isso cabia à Bizz, dentro da Editora Abril e do mercado editorial nacional como um todo, dar uma geral no universo da sétima arte, o que me influenciou bastante, também. Lembro de ficar curioso ao notar como eram idolatradas bandas das quais eu nunca tinha ouvido falar, como Bauhaus, The Doors (que na épora era “cult” e só voltou a ser relativamente popular depois do filme de Oliver Stone, algum tempo depois) e Siouxsie & The Banshees, prestes a tocar pela primeira (e creio que única) vez em Terra Brasilis. Quis conhecer estas e outras bandas, como o Vzyadoq Moe, que era retratado na sessão “porão”, e aí fudeu: não parei mais. Nem de comprar discos, nem de colecionar a revista que fez, definitivamente, minha cabeça. Tenho praticamente todas as edições lançadas posteriormente, com um pequeno hiato de cerca de 1 ano referente ao período do início dos anos 90 em que a dance music imperou e eu me recusei a comprar edições com coisas como Soup Dragons e Bomb The Bass na capa – uma atitude, vista de hoje, extrema, já que eu não parei de comprá-la em sua pior fase, quando mudou de nome para “Show Bizz” e ficou direcionada para o publico “teen”. Cheguei a ter, inclusive, uma edição de meu zine resenhada na revista, para meu imenso orgulho – e posterior decepção, já que, por conta desta resenha, só recebi cartinhas de fanzinhas do Aerosmith que só conheciam o rock via MTV. Os “flyers” que fazia e colocava nos envelopes das cartas renderam contatos bem mais interessantes.

25 anos de rock, portanto. Para comemorar, reproduzo abaixo a tal resenha do zine, publicada na edição #101, com o Pearl Jam na capa, e boa parte do conteúdo da edição # 16, a revista que mudou a minha vida. Editora Abril, por favor, não me processe nem peça ao Google pra tirar meu blog do ar. Espero que gostem – mas lembrem-se: o ano era 1986! A URSS ainda existia, Ronald Reagan era presidente dos Estados Unidos e José Sarney (des)governava o Brasil, a internet ainda era um delírio futurista e os discos de vinil ainda vendiam muito mais que os CDs, que eram um artigo sofisticado e de luxo, pra “barão”. Outros tempos, enfim.

A.

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zines zines zines zines zines zines

Escarro Napalm nº4, 24 págs., formato meio-ofício, posters encartados, xerox. O editor deste zine de Aracaju é também vocalista da banda ETC (Eu Te Como ou ETCetera), além de fã de Mutarelli e dos Pixies. Adelvan (este é o nome dele) faz do EN um zine híbrido, mezzo HQ, mezzo música. O número em questão tem geral sobre guitar bands, notas sobre underground (nacional e local), zines e HQs. Honesto. Escreva: Escarro Napalm, a/c Adelvan, Av. São João Batista, 548, CEP 49097-000, Aracaju-SE

Revista Bizz # 101 – dezembro de 1993

por Gabriela Dias

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BIZZ # 16 – NOVEMBRO DE 1986

Caso você ainda não tenha reparado, as telas de cinema estão sendo tomadas de assalto por toda uma nova geração de atores e atrizes. Cada um deles tem suas qualidades e suas manias e, invariavelmente, todos estes artistas já aportaram no Brasil, via celulóide - nomes como Matt Dillon, Emilio Estevez, Mickey Rourke, Kim Basinger, Demi Moore, Rob Lowe. Para passar em revista esta safra cinematográfica chamamos Rubens Ewald Filho.
Aos 48 anos Tina Turner está no topo de sua popularidade, com um novo álbum escalando rápido as paradas de sucesso e uma turnê mundial engatilhada. Achamos Tina gravando um programa de TV em Miami e conversamos com ela. Soubemos, até, de seus pianos de vir cantar no Brasil!
Enquanto Tina brilhava, Boy George mergulhava num pesadelo pessoal - seu flerte com a heroína terminou na Justiça e nas páginas dos jornais sensacionalistas. Mas nem por isso Boy deixou de dar sua versão dos fatos. Maria Luiza Fontenelle tez um apanhado de várias declarações de George e construiu uma ótima reportagem, que começa na pág. 38.
Belo encontro é o de Caetano Veloso e Ana Maria Bahiana no Entrevistão deste mês. Caetano fala de meia-idade, rock´n´roll, Lobão, Paralamas do Sucesso, violão, cinema e juventude. E, ainda em terras brasilis, Tom Leão entrevistou a moçada do Plebe Rude. De quebra, uma Cabra Cega simplesmente clássica e hilariante.
Por sua vez Marcel Piasse radiografou a carreira do Bauhaus e Sonia Maia descobriu que Kiko Zambianchi está de namoro com o underground após anos cavalgando a crista do supersucesso.
Um presente especial: a seção Ao Vivo está fervilhando de atrações - Legião Urbana, Van Halen, Flora Purim, Lobão, Capital Inicial, Eurythmics e Miles Davis.
O mestre Miles também é o assunto da Discoteca Básica desta edição. KInd of Blue, de 1959, foi devidamente dissecado por José Augusto Lemos.

Por Jose Emilio Rondeau

SHOW BIZZ

O VENOM VEM AÍ (MESMO)

Os headbangers brasileiros podem ir se preparando para um banquete pré-natalino. No mês que vem chega ao Brasil um dos principais expoentes da pauleira batizada como black metal, o Venom.
O roteiro dos shows é o seguinte: dia 3 em Brasília, 5 em Belo Horizonte, 7 no Rio de Janeiro, 10 em São Paulo e 13 em Porto Alegre. Todos eles serão abertos pelo Exciter, uma banda heavy inglesa, e ainda por uma banda local.
A promoção é um trabalho conjunto entre a Red Door Productions e a Cacá Prates Empreendimentos, uma parceria que promete muitos frutos para o ano que vem e que segue a saudável prática de só anunciar os shows de bandas estrangeiras quando o contrato estiver assinadinho e as datas devidamente marcadas.

NOTA TRISTE

Na noite de 26 para 27 de setembro último, após um show em Estocolmo, o ônibus da excursão européia do Metallica sofreu um terrível acidente na estrada para Copenhague. Faleceram o baixista Cliff Burton, o roadie John Marshall (que vinha substituindo James Hetfield na guitarra desde que este quebrou o braço andando de skate), e o motorista.
A excursão, que vinha sendo um grande sucesso (ver Heavy Metal desta edição), obviamente foi suspensa e, na data de fechamento da revista, aguardavam-se ainda maiores informações.

PINK FLOYD E CLASH: RENASCENDO DAS CINZAS?

Dois membros do bom e velho e extinto Pink Floyd - David Gilmour e Nick Mason - preparam-se para gravar sem Roger Waters, o sacramentado líder da banda. Se eles vão ou não usar o nome Pink Floyd é, portanto, pura especulação.
Enquanto isso, em Nova Iorque, Joe Strummer fez as pazes com Mick Jones e colabora no novo LP do Big Audio Dynamite, que deverá se chamar Worse. Comentário do velho e bom Joe sobre o Clash depois da saída de Jones: "Um fracasso completo".

ROCK IN NOVA IGUAÇU

Entre 24 e 28 de setembro o Rio de Janeiro - mais precisamente o município de Nova Iguaçu - viveu o maior evento de rock do Estado desde o Rock in Rio: o Festival da Primavera, que tinha tudo para ser inesquecível e grandioso, mas quase pereceu pela falta de uma das preciosas matérias-primas de empreendimentos do gênero - público.
Não deixou de ser uma réplica modesta do Rock in Rio: 70 mil metros quadrados de terreno, estacionamento para 20 mil automóveis, área de camping, quase 200 estandes de venda, boate em forma de circo e um aparato de segurança suficiente para conter até rebelião em presídio.
O equipamento sonoro e a bateria de luzes empregadas eram de primeira. E tudo funcionou perfeitamente. Afinal, por que não deu certo o Festival da Primavera?
Os motivos podem ter sido muitos. O preço do ingresso - Cz$ 80,00 diários - era alto demais para aquela área do Estado. O horário - os shows terminavam, invariavelmente, às três da manhã - era impróprio às pessoas do público que precisavam acordar cedo em Nova Iguaçu, uma das maiores cidades-dormitório do Rio. E a chuva caiu , trazendo com ela sua inseparável correligionária: a lama.
Dos esperados 60 mil pagantes diários apenas 20 mil compareceram, computados os cinco dias de festival. A estréia, numa chuvosa quarta-feira, foi melancólica, com mais pessoas trabalhando do que assistindo aos shows. No fim de semana houve grande melhora - chegou, na noite de encerramento, a ser computada a passagem de cinco mil pessoas pelas roletas.
A grande surpresa musical foi proporcionada pela safra local de bandas de rock. A maioria delas passeia com competência entre o funk e o reggae, bem longe do pop-wave de apartamento da zona sul. Um dos grupos de Nova Iguaçu, o Toque de Midas, interessou especialmente o produtor Ezequiel Neves, que pediu fitas demo e prometeu futuro contato.
Entre os artistas melhor recebidos pela platéia, o Kid Abelha, Biquini Cavadão (show empolgante), Celso Blues Boy (altamente etilizado), Jorge Ben (acompanhado em quase toda sua apresentação por Blues Boy), Cazuza (totalmente sóbrio), Eduardo Dusek (totalmente Tom Waits e repetindo músicas) e Léo Jaime.

GRAMMY BRASILEIRO

Voltou a ativa o Prêmio Anual do Disco que a Associação Brasileira de Produtores de Discos utilizará até 1981 para celebrar o talento musical nacional. Ainda sem nome - ele já se chamou Villa-Lobos e, numa única ocasião, Vinicius de Moraes - o Prêmio do Disco será uma espécie de Grammy brasileiro e chega (ou melhor, retorna) num momento em que o país tem mais rockn´roll por metro quadrado do que em qualquer outro da história. Se antes as revelações eram João Nogueira, Fagner, Luiz Gonzaga Jr. e Simone, é bem possível que Paulo Ricardo tome o lugar de Roberto Carlos no posto supremo de campeão invicto que vem sustentando até agora o Brasa.

NOVOS PRETENDERS

Rufem os tambores! Toquem as trombetas! Está pronto, após dois anos de deliberação, o novo álbum dos Pretenders. Ou melhor, o primeiro disco da nova banda que Chrissie Hynde batizou de Pretenders - da formação anterior sobra apenas o guitarrista Robble Mclntosh. Entraram o baixista T. M. Stevens e o baterista Blair Cunningham, ambos negros. O disco foi produzido pelos mesmos Jimmy Iovine e Bob Clearmountain que pilotaram o Once Upon A Time, do Simple Minds. Steve Lillywhite produziu uma faixinha: uma versão de "Room Full of Mirrors", de Jimi Hendrix.

SIOUXSIE NO BRASIL!

Até que enfim! Adivinhe quem vempor aí? Siouxsie and the Banshees. Não engasgue, é isso mesmo. Serão cinco shows. Em São Paulo, dias 27 e 28 deste mês, no Anhembi. Em Santos, dia 29 de novembro, no Clube Caiçara. E, finalizando, Rio, dias 30 de novembro e 1º de dezembro, no Canecão.
Tem gente que diz que só acredita vendo. A WTR, responsável pela vinda, jura que é verdade.

PIL X PUNKS

Barra-pesada, a turnê do PIL pela Europa, com John Lydon e banda encarando no peito a fúria dos punks que vão aos shows para manifestar seu repúdio a quem consideram "traidor do movimento".
Em Viena, foi a vez de John McGeoch - um dos maiores guitarristas de sua geração, tendo passado pelo Magazine, os Banshees e o Armoury Show - levar quarenta pontos no rosto após ser atingido com uma garrafa de vinho de dois litros.
Moral da história: o resto oa excursão foi cancelado.

ROCK GAÚCHO A TODA

O rascunho do LP Rock Grande do Sul saiu da primeira edição do Festival Rock Unificado - ano passado em Porto Alegre. A Segunda edição aconteceu dia 13 de setembro, com a participação de doze bandas e o Ginásio Gigantinho lotado (mais de 10 mil pessoas). Duas bandas (Erga Omnes e Curto Circuito) praticamente estreavam, e as demais aproveitaram a lotação para apresentar músicas novas ou pouco conhecidas.
O maior destaque foi a ousadia do DeFalla, que subiu ao palco acompanhado por uma pequena cozinha de samba: um surdão, duas tumbadoras, repinique e caxeta, levando um ritmo inacreditável (funk-samba-tribal?). Também pesaram as participações especiais: Fuqueti Luz, ex-integrante do Bicho da Seda (maior projeção do rock gaúcho nos anos 70), cantando com a Bandaliera, e Nei Lisboa ao lado dos Engenheiros do Hawaii. Nei participa do LP do grupo cantando "Toda Forma de Poder". E também anda na mira da RCA.
A noite foi longa. Os Replicantes foram a penúltima banda a se apresentar e ainda assim o público pediu bis. Momento quente também foi a apresentação da TNT, quando todo o Gigantinbo cantou junto "Entra Nessa". Tudo visto dos bastidores por Tadeu Valério, "agente" da RCA que também cumpriu outras "missões": ir à estréia dos Cascaveletes e ouvir uma fíta do Apartheid. Ou seja: 87 vai continuar agitado para o rock gaúcho.

REGGAE IN THE URSS

O reggae invade a União Soviética: o UB4O começou em outubro uma mini-turnê em território russo, com shows em Moscou, Minsk e Leningrado. Toda a turnê será transformada num documentário em vídeo.

CLAUDETTE POODLE & SUA POLAROID

þ "Viadagem dá ibope, santa!" A lapidar frase foi colhida numa entrevista de Cauby Peixoto, que acabou se transformando no grande acontecimento do mundo musical em setembro. Assim começa mais uma primavera no Hemisfério Sul e desde que a Melody Maker resolveu dar uma de suas gloriosas capas ao David Bowie quando ele se declarou "bissexual", nunca este fascinante aspecto do show-biz internacional foi articulado em palavras tão adequadas ao coloquialismo tupi. Cauby - que também se declarou "sexualmente depravado"- acabou de alçar-se ao pedestal das minhas escusas preferências pessoais quando a repórter lhe fez aquela famosa pergunta que todos os mais calejados astros da MPB têm de aturar nestes tempos de vacas magras, importadas e radioativas. A pergunta é: "E o rock?´
Cauby: "Falar o quê, minha nega? RPM, Ultraje a Rigor... Tudo lixo. Modismo. Passa. Não fica".

þ "Alternativos", ai, "alternativos"! Eis uma palavra que não só provoca arrepios de cinismo em minha rosácea e aveludada coluna vertebral, como me dá o desejo incontrolável de fazer a bolsa e voltar às casas de ópio de Hong Kong.
Pois o leitor e/ou a leitora fiel (os infiéis também que se...) deve lembrar da entrevista que uma das raras e pensantes bandas da nação - o Ira! - deu neste vigoroso órgão de imprensa. A certa altura, o baterista André - dizendo que "chegou um momento em que tudo está na midia" - chamou a atenção para um fato notório e conhecido, qual seja o de que a rádio "alternativa" 89 é propriedade da Rádio Cidade. Alguma maldade, ou apenas uma informação para fazer o leitor matutar sobre a estrutura que faz sob a indústria "cultural" nativa? Maldade, ignominia e infâmia para os mandachuva do conglomerado radiofônico, que imediatamente cortaram toda e qualquer música do Ira! de sua programação. E quem é que perde? Os ouvintes, claro, que provavelmente terão de suportar um pouco mais de Rádio Táxi e Roupa Nova do que o habitual.

þ "Ver Johnny Rivers ao vivo é ver o rock na sua essência. "Eu já estava quase dormindo, embalada pelo ronronar da minha TV a cores, quando esta frase do locutor do Jornal da Globo perfurou-me os tímpanos, a inteligência e a sensibilidade, arrancando-me do envolvente torpor que me envolvia. Dias antes, todos os cabelos da minha rosácea e aveludada nuca já haviam arrepiado com o furo (n´água) do caderno "cultural" da Folha de S.Paulo. A manchete: "Os anos 60 estão de volta!". A notícia: "Johnny Rivers e James Taylor se apresentam no Brasil". Só mais tarde é que consegui, finalmente, relaxar e gozar. Afinal, não é todo dia que um representante do circuito dos cabarés dos Holiday lnn da terra de Titio Sam, vovó Reagan e comadre Stallone recebem o tratamento de super-astro neste paisinho que vos viu nascer e passar fome. Não, não é todo dia - só umas duas ou três vezes ao ano, no máximo.
Tem dias que dá vontade de ir para a cama e só acordar na década de 80.

þ Aaarrá! A Edilene, de Curitiba, escreve uma breve missiva para reclamar dos comentários tecidos sobre Guilherme "Zero" Isnard nesta coluna que vos injeta um pouco do espírito cosmopolita que consagrou Bernard Shaw, Evelyn Waugh e Gore Vidal, entre outras célébrités que deviam ser tão lidas quanto Claudette Poodle.
"Eu acredito no amor e acho que o Guilherme vai fazer tanto sucesso quanto o RPM", diz Edilene e eu concordo em gênero, número e grau. Afinal, todo mundo sabe que em termos de ego, são os dois mais bem-dotados do Brasil.

AMOR MATA

Este é o ano de dois filmes fundamentais na história da cultura pop: Absolute Beginners, de Julien Temple, e Sid and Nancy, de Alex Cox. Tão fundamentais quanto foram, no seu tempo, o Selvagem, com Marlon Brando, e Juventude Transviada, do mestre Nicholas Ray, com o mito Dean. Mas as diferenças entre esses dois épicos 86 são brutais. Definem uma visão de mundo - e uma visão de marketing - à qual a garotada precisa estar muito atenta.
Temple é inglês e fez fama e fortuna com a indústria do vídeo (Stones, Bowie, Kinks). Estudou em uma tradicional escola de cinema inglesa. Seu filme custou 12 milhões de dólares. Tem a pretensão de querer contar a história de toda a adolescência pop, desde os anos 50 até os 80 (refletida nas inserções musicais, que abrangem todas as tribos e estilos). É uma produção recheada de estrelas (Bowie, Sade, Ray Davies). Por que, em última análise, Beginners é um suntuoso fracasso? Porque, na sua ânsia de generalização, Temple trata a adolescência como um fashion show.
Cox também é inglês, mas nos últimos sete anos mora na Califórnia. Não participou do boom vídeo (fez apenas um, para os Pogues, depois de rodar Sid and Nancy). Estudou na UCLA, a escola de cinema que revelou Coppola e Lucas, entre outros. Seu filme custou menos de um milhão de dólares - uma miséria para os padrões americanos. Não teve a pretensão de contar a história do punk - só John Lydon e Malcolm McLaren seriam capazes disso -, mas uma simples e trágica história de amor com o punk de hackground. Seu filme não tem estrelas. E fica na mente porque explode de gana, tesão e imaginação.
Quando encontrei Alex Cox no festival de cinema de Cannes - a première mundial de Sid and Nancy - coloquei esses pontos para ele. Deu um sorriso maroto... e não disse nada. Só transversalmente: "O meu filme também é bonito, como o de Julian Temple, mas de outra maneira. A fotografia de Roger Deakins é excepcional. Mas eu não quis estetizar o universo punk. Quis fazer um filme quente em termos técnicos".
Cox não poderia dar uma resposta direta porque é um outsider na indústria do cinema anglo-americano, ao contrário de Temple, que posa de revolucionário mas está com as costas quentíssimas em companhias milionárias (Virgin, Palace e Goldcrest). Cox nem mesmo parece um diretor de cinema: alto, desengonçado, cabelo espicaçado, boné de beisebol, jeans rasgado, camiseta e casaco de couro com a inscrição Love Kills em tachinhas (O Amor Mata, título inicial de seu filme). É inglês na organização. Mas tem uma inventidade tipicamente caiforniana.
Também com uma miséria - 150 mil dólares - Cox fez seu primeiro longa-metragem, Repo Man, o definitivo cult movie de 85. Repo Man foi tão essencial para definir a loucura da América anos 80 quanto Easy Rider retratou a América anos 60. Cox brincou com todos os temas: assassinos, OVNIs, cientistas loucos, complôs, Los Angeles como uma cidade de passagem - semelhante aos pesadelos de Win Wenders -, solidão, drogas, carros e o sonho impossível de escapar da miséria cotidiana. Uma pequena obra-prima cool que o preparou para a barra pesada de Sid and Nancy.
Cox define seu épico junkie como "uma história de paixão e pizzas (Sid Vicious era tarado por pizza), ou como "o mistério de um assassinato". A história, em síntese, vocês conhecem. Sid é o baixista dos Pistols, o míssil nuclear que esmigalhou o rock em 76. Nancy é uma groupie nova-iorquina, amiguinha de Debbie Harry e Iggy Pop. Alguns dias depois de se conhecerem, fazem um pacto de sangue: viver sua paixão como uma vertigem, até o limite, a morte "nas chamas da glória" (a frase é de Nancy). Mas afundam-se cada vez mais na heroína. Sid termina esfaqueando Nancy em um sórdido quarto do Chelsea Hotel, em outubro de 78. É preso, liberado sob fiança e, alguns dias depois, morre de uma overdose de heroína.
Cox armou o filme como uma tragédia moderna: "Meu objetivo, desde o início, foi fazer um filme romântico. Mas ele não glorifica Sid e Nancy. A fantasia de Nancy era morrer em uma chama de glória, antes dos 21 anos. Mas o fim dos dois não foi nada glorioso".
Claro que a garotada hip dos dois países, autoqualificada como PHD em punk, vai cair de unhas e dentes em todas as (poucas) falhas da reconstituição histórica. Isso não preocupa Cox: "0 principal é que é uma história de amor. E um filme antidroga. Quero que as pessoas saiam chorando do cinema. Quando Sid fazia seus últimos concertos, no Max´s Kansas City, em Nova York, as pessoas lhe jogavam papéis com heroína e speed. Se ele tivesse caído fora das drogas, hoje seria uma lenda viva do rock´n´roll. Era um showman genuinamente hardcore. E tinha um tremendo senso de humor. Esse filme é antidroga e pró-amor. Isso não quer dizer que seja um filme moralista".
É, sem dúvida, um filme de amarga beleza. Certos momentos mitológicos, reencenados na tela, nos provocam calafrios. É o caso dos primeiros shows dos Pistols, da famosa festa organizada por McLaren em um barco no Tâmisa, durante o jubileu da Rainha (terminou todo mundo preso), e da gravação de Sid, em Paris, para o vídeo de My Way: "É uma das minhas seqüências favoritas. Esta música foi adotada pelos frustrados e perdidos de todo o mundo como um hino de desafio ao sistema e sarcástica autoglorificação. Filmei tudo classicamente, fixando-me em Gary Oldman (o ator de teatro que interpreta Sid) e suas expressões corporais, idênticas às de Sid no vídeo original".
Cox confirmou que seria impossível achar alguém para representar John Lydon (ex-Rotten) e Malcolm McLaren e convencer os céticos. Mesmo porque ambos eram - e são - inimitáveis atores. Fora isso, entra-se fácil no espírito punk. Cox passa toda a sua revolta e infantilidade, as cuspidas e as vomitadas, a solidão e o niilismo raivoso. A filmagem é dinâmica, 50% do filme com a câmera na mão, e uma foto quase surreal compondo algumas seqüências extremamente poéticas. Cox estetiza mas não abusa: vai de panorâmicas aéreas, quando o ônibus dos Pistols cruza o deserto da Califórnia (em cima, grafitado, um gigantesco Fuck 0ff!), e filma sem concessões a longa e exasperante seqüência da morte de Nancy, no lúgubre cubículo do Chelsea Hotel, totalmente improvisado por Gary Oldman e Chloe Webb (Nancy).
Esse filme precisaria urgentemente passar no Brasil. Mandem cartas, pressionem os distribuidores. É fundamental como documento histórico - um resumo aproximado do estouro da raiva punk - e como a história de dois garotos cuja energia caiu no vazio. Quando o amor mata (Love Kills), dilacera antes. Cox, debaixo do sol de Cannes, rodeado de yuppies, concluiu, pensativo: "Sid e Nancy não foram nem tão punks quanto se pensa. Para eles, só existia essa paixão. Ficarem inseparáveis até a morte. O que interessa nessa história não é o escândalo, as manchetes de jornal. É uma história muito humana, fascinante, trágica, capaz de emocionar qualquer um".
Sid e Nancy, com toda sua raiva e energia, só conseguiram deixar sua marca sobre o mundo de uma maneira trágica. A nós, que continuamos, resta transformar a raiva em vitória.

por Pepe Escobar

A NOVA GERAÇÃO DAS TELAS

Quando um grupo de adolescentes mandou um abaixo-assinado para Francis Ford Coppola, em 83, pedindo que ele adaptasse para o cinema o livro predileto deles (The Outsiders, no Brasil Vidas sem Rumo, da escritora S.E. Hinton),nem imaginavam o surto que estavam provocando. O livro, sobre uma gangue de rapazes pobres - os greasers -, tinha uma visão romântica da amizade masculina, e o filme nem fez tanto sucesso. O importante foi que Coppola, sem querer, reuniu toda uma nova geração de atores: Matt Dillon, Ralph Macchio, Rob Lowe, Emilio Estevez, C. Thomas Howell, Tom Cruise.
Não satisfeito, Coppola logo depois mostrou uma visão mais sombria da adolescência, a partir de outro livro da mesma escritora: Rumble Fish (no Brasil, O Selvagem da Motocicleta), novamente com Dillon, lançando ainda Mickey Rourke e seu próprio sobrinho, Nicolas Cage. Também este filme não estourou nas bilheterias. Mas aos poucos Outsiders e Rumble Fish foram conquistando um público, e acabaram virando cult movies.
E a febre estava disseminada. Macchio tomou-se o herói de Karate Kid. Rob Lowe é visto hoje, nas telas, em Veia de Campeão. Emilio Estevez foi o Repo Man. C. Thomas Howell protagoniza A Morte Pede Carona. Mickey Rourke fez O Ano do Dragão e Nove Semanas e Meia de Amor. Nicolas Cage, entre outros filmes, foi visto em Asas da Liberdade. Eles são jovens, bonitos, e hoje ganham milhões de dólares. Aparecem nas capas de todas as revistas, e para alguém realizar um filme basta que um deles concorde em estrelá-lo. Qualquer estúdio vai se apressar em topar a parada. Fora Clint Eastwood (56 anos) e Burt Reynolds (50 anos)! Os novos astros de Hollywood chegaram para lhes tirar o lugar.
E vão logo batendo recordes de bilheteria. Tom Cruise, aos 24 anos, já é o astro de maior sucesso deste ano nos EUA: Ases Indomáveis rendeu mais de 130 milhões de dólares. A nova safra de atores chegou com força total, e por um bom motivo. O público está cansado de ver sempre as mesmas caras, exige renovação. Mas, em vez de astros, o cinema tem oferecido outra atração: os efeitos especiais. Em E.T., nas séries Jornada nas Estrelas ou Guerra nas Estrelas, os atores eram muito menos importantes do que naves, robôs e monstros. Parece que a única exceção foi Harrison Ford, e mesmo assim por causa do charme que conseguiu imprimir ao personagem Indiana Jones, protagonista em mais uma série cheia de pirotecnia.
Mas os produtores começaram a perceber que algo estava errado. Afinal, um filme também se faz de conflito, interesse humano. E as estatísticas dizem que 75% das pessoas que freqüentam os cinemas americanos têm menos de 25 anos. O mais impressionante é que, em termos gerais do país, elas representam apenas 20% da população. E então os produtores apostaram em ídolos, atores e atrizes com quem os adolescentes pudessem se identificar. Esses ídolos nem têm que ser, obrigatoriamente, adolescentes. As atrizes de maior prestígio atualmente, Kathleen Turner, Kim Basinger e Sigourney Weaver, estão na faixa dos trinta anos. Nem por isso deixam de tomar sucessos A Jóia do Nilo, Nove Semanas e Meia de Amor e Alien II - O Resgate, respectivamente estrelados por elas.
Mas a verdade é que essas mulheres ainda são exceção. Na nova safra de astros continuam predominando os homens. E quase todos muito jovens, ao ponto da imprensa americana inventar um apelido para eles, Brat Pack - brat é moleque, pirralho, e pack, entre várias definições possíveis, é quadrilha. Quem soube aproveitar essa "quadrilha de moleques" como um todo foi John Hughes, escritor e diretor com muita sensibilidade para retratar o mundo dos jovens. Ele fez Gatinhas e Gatões, Mulher Nota Mil e A Garota de Rosa Shocking. Mas seu melhor trabalho está só agora chegando ao Brasil, e só em vídeo (da CIC): é o Clube dos Cinco. Não é uma pornochanchada de jovens perdendo a virgindade, no estilo de Porky´s. Ao contrário, é uma comédia dramática sobre cinco alunos de segundo grau que têm que passar um sábado de castigo na escola. Há um esportista (Emilio Estevez), um rebelde (Judd Nelson), um superdotado (Anthony Michael Hall), uma contestadora (Ally Sheedy) e uma ingênua (Molly Ringwald, a mesma de Gatinhas e Gatões e A Garota de Rosa Shocking). Todos têm em comum pecados secretos, um ressentimento contra os pais e a escola e a necessidade de fazer amigos reais. Pouca coisa acontece, só muito papo. Só que desta vez dizem coisas inteligentes e oportunas.
A quadrilha se reuniu outra vez, em um filme ainda mais bem-sucedido: O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas.
Este foi também o primeiro filme yuppie - termo que designa jovens urbanos sofisticados e bem de vida profissional. A história é simples: um grupo de colegas de faculdade, por volta dos 22 anos, tem problemas para se adaptar ao primeiro ano de vida "adulta". Há a jovem bonita que se droga (Demi Moore); o casal que tenta viver junto (Judd Nelson e Ally Sheedy), apesar do amigo comum apaixonado por ela (Andrew McCarthy, de Uma Questão de Classe); o rapaz que se apaixona por uma garota mais velha (Emilio Estevez); o músico que não se adapta bem à realidade (Rob Lowe). Com muito humor e romance, o filme mostra os "moleques" começando a crescer.
Embora os atores dos três filmes (Outsiders, O Clube dos Cinco e O Primeiro Ano...) sejam praticamente os mesmos, eles insistem em que a Brat Pack não passa de uma invenção da imprensa. Nem tanto. Procuram sempre trabalhar juntos e alguns até vivem juntos (como Emilio Estevez, que mora com Demi Moore desde as filmagens de O Primeiro Ano...). Outro detalhe curioso: grande parte dos novos astros de Hollywood descende de famílias ligadas ao show-biz. Muitos deles foram atores infantis: Rob Lowe fez a série de televisão A Kind of Family, C. Thomas Howell foi um garoto da turma de E.T. e Michael Fox, o ator canadense de De Volta Para o Futuro, começou na televisão de sua terra natal.
Em geral eles têm a quem sair: Emilio Estevez é filho do consagrado ator Martin Sheen (Apocalypse Now) e tem um irmão mais novo também fazendo carreira (Charlie Sheen, de A Inocência do Primeiro Amor). Lori Singer (Footloose) é irmã do ator Marc Singer (The Beatmaster). Timothy Hutton (de Gente Como a Gente e A Traição do Falcão) é filho de Jim Hutton, comediante dos anos 60 - mas, ganhando o Oscar logo na sua estréia (como ator coadjuvante), Timothy conseguiu um sucesso muito maior do que o pai teve em toda sua vida.
Essa ambição, a de superar dificuldades e injustiças que os pais sofreram, parece estar por trás das carreiras de outros como Mathew Broderick (filho do ator James Broderick), Sean Penn (filho do diretor Leo Penn), Melissa Gilbert (filha do humorista Paul Gilbert), Ally Sheedy (filha de uma agente literária) e até Molly Ringwald (o pai é um músico cego que se apresentava em festas de subúrbio).
Molly, a mais jovem desta safra de atores (tem apenas 18 anos), é também a mais bem-sucedida. A revista Time deu-lhe uma capa e decretou: Molly está na moda. As adolescentes americanas imitam seu jeito de vestir, suas maneiras desleixadas de se comportar (que a crítica Pauline Kael chamou de "carismática normalidade"). As imitadoras ganharam até apelido: são as ringlets. Musa do diretor John Hughes, Molly está agora se emancipando - está rodando um filme produzido por Warren Beatty, The Pickup Artist, uma comédia onde ela é uma jovem professora. E ao que parece ela está realizando o sonho dourado de muita adolescente: namorar Warren Beatty. Afinal, trinta anos de diferença de idade não devem ser obstáculo para a felicidade...
Rob Lowe (23 anos), que há alguns anos mantém um romance com Melissa Gilbert (21 anos) - a ex-estrela da série de televisão Os Pioneiros, que estreou no cinema com Sylvester -, é um dos atores que mais trabalham e mais saem em revista. Ele não se preocupa quando dizem que é bonito demais, tem o rosto perfeito. Afinal de contas, foi por isso que ele foi escolhido para ser o filho de Jacqueline Bisset em Uma Questão de Classe: era parecido com ela. Mas, nos últimos filmes, Lowe tem tido a preocupação de provar para todo mundo que é machão, que beleza não atrapalha a virilidade... Assim, foi campeão de remo em Oxford Blues, jogador de hóquei no gelo em Veia de Campeão e aparece barbudo e de óculos escuros no novo filme, About Last Night (ao lado de Demi Moore).
Outro que virou símbolo sexual foi Tom Cruise. Antes de Ases Indomáveis ele não era propriamente um astro. Baixo para os padrões hollywoodianos, com um perfil aquilino, ele foi descoberto por Franco Zeffireli para Amor sem Fim. Fez, ainda naquele ano, com Timothy Hutton e Sean Penn, Toque de Recolher, e conseguiu o primeiro sucesso com Negócio Arriscado, uma comédia com uma moral irônica que o colocou já em 83 como uma das dez maiores bilheterias daquele ano. Mas foi em Ases... que o diretor Tom Scott cuidou melhor dele, escolhendo o ângulo mais favorável, o enquadramento mais atraente. Cruise hoje é sinônimo de homem bonito. Mas não se pode esquecer que ele teve a sorte de trabalhar com algumas das mulheres mais interessantes de Hollywood. Em Negócio Arriscado foi com Rebecca de Mornay (23 anos); em Ases..., Kelly McGillis (25 anos).
Rebecca também foi descoberta por Coppola, que a contratou como aprendiz em seus estúdios. Mas aproveitou sua experiência (ela foi criada pela mãe viajando pela Europa) em filmes como Runaway Train, Fever Pitch e Trip to Bountiful. Kelly fez antes apenas dois filmes: Reuben, Reuben e A Testemunha.
Mas o predileto da crítica, principalmente a européia, é Mickey Rourke. Aos 29 anos, ele ganhou fama de sexy depois de seduzir Kim Basinger em Nove Semanas e Meia de Amor. Mais que isso: as cenas de sexo entre os dois, com toques de sado-masoquismo e visual de videoclip, foram consideradas tão ousadas que foram podadas na versão norte-americana da fita (o filme passou no Brasil em cópia mais completa). Cenas sensuais ao ponto de transformar Kim (até então mal conhecida por sua participação em Um Homem Fora de Série, de Robert Redford, Nunca Mais Outra Vez, um 007 com Sean Connery, e O Homem que Amava as Mulheres, com Burt Reynolds) na Marilyn Monroe desta geração.
Mas é Rourke que leva os elogios dos críticos. Seja como o detetive honesto de O Ano do Dragão, ou no novo filme que está rodando agora com Alan Parker, Angel Heart. Além do mais, Rourke foi revelado no filme mais erótico dos últimos anos, Corpos Ardentes (81), de Lawrence Kasdan. Não por coincidência, neste filme também estreavam no cinema dois dos nomes de maior prestígio desta geração: Willian Hurt e Kathleen Turner.
As cenas de amor entre os dois foram tão quentes que quase conseguiram eclipsar um fato: mais do que um belo casal, Bill e Kathleen representam um novo tipo de ator. Formado no palco, sem preocupação com sucessos de bilheteria, os dois são capazes de aceitar papéis ousados e fora do comum. Desde que confiem no diretor, na história. Foi o que fez Kathleen em Crimes da Paixão, de Ken Russell, onde ela fazia uma espécie de Belle de Jour - executiva de dia, prostituta à noite. E o que fez William Hurt, vindo filmar no Brasil O Beijo da Mulher Aranha, de Hector Babenco. Veio sem ganhar salário, para interpretar o papel de um homossexual. Arriscou-se muito e ganhou: foi melhor ator em Cannes e depois ganhou o Oscar 86.
Ser astro no cinema atual não traz nenhuma segurança. Não há mais os grandes estúdios com contratos de sete anos para garantir a estabilidade. E preciso brigar pelos bons papéis. E eles não são fáceis de aparecer. O primeiro pode surgir num golpe de sorte, como aconteceu - para falar do outro lado do oceano - com o ator francês Christophe Lambert, que estudou na Inglaterra (o pai era diplomata) e que foi escolhido para ser o novo Tarzan em Greystoke, de Hugh Hudson (83). Mas o que fazer depois? Lambert fez um filme com Catherine Deneuve (Paroles et Musique), uma aventura fantástica na Inglaterra (Highlander, de Russell Mulcahy), um filme de arte com Marco Ferreri (I Love You) e um filme new wave francês, ao lado de Isabelle Adjani (Subway). Resultado: é o herdeiro de Jean Paul Belmondo, como o astro número um da França. Não importa que seja vesgo, desligado, antidestro. O público jovem o adora.
Para todos a dificuldade é encontrar papéis. As vezes é mais fácil voltar no que já deu certo... Como Raplh Macchio (que tem 24 anos, mas aparenta dez menos), que alterna filmes de arte (Crossroads, de Walter Hill) e uma nova versão de Karate Kid - seu infalível êxito - com uma temporada de teatro ao lado de Robert De Niro, na peça Cuba and His Teddy Bear. Para as mulheres talvez seja ainda mais difícil. Daryl Hannah, uma das replicantes de Blade Runner, foi saudada como revelação em Splash, uma Sereia em Minha Vida. Mas, depois do fracasso de Clan of the Cave Bear, o máximo que ela conseguiu foi o terceiro papel de Perigosamente Juntos, secundando Robert Redford e Debra Winger.
A solução, segundo Rosana Arquette, é fazer muitos filmes - assim tem menos chance de errar. Ela começou também adolescente (em S.O.B.), alternou sucessos (Procura-se Susan Desesperadamente, After Hours) com desastres (The Aviator, Eight Millions Ways to Die).
Numa coisa Hollywood insiste: por mais famoso que alguém seja, é preciso que faça sempre filmes de sucesso, que confirme a cada fita que é uma autêntica atração de bilheteria. E uma batalha permanente que faz com que muitos jovens astros já procurem alternativas. Emilio Estevez, por exemplo, começou escrevendo roteiros e já dirigiu seu próprio filme (That Was When...). Sean Penn, depois de fazer Shangai Surprise com sua mulher Madonna e amargar um triste fracasso de bilheteria, está pensando em rodar um novo filme com ela. Só que agora quem vai dirigir é seu pai, Leo Penn.
É impossível prever o sucesso que um filme fará. Mas é fácil supor que Mathew Modine (que foi o Birdy em Asas da Liberdade, de Alan Parker) vai ter seu prestígio muito aumentado quando finalmente for lançado Full Metal Jacket, o novo trabalho de Stanley Kubrick, o diretor de 2001, Laranja Mecânica e O Iluminado. Ou que Nicolas Cage (o amigo de Birdy) tem a melhor chance de sua carreira no novo filme do tio Coppola, Peggy Sue Got Married, como par romântico de Kathleen Turner.
E que a fama de Michael Fox - não só por causa de De Volta Para o Futuro, mas também pelo seriado de televisão Family Ties (que lhe deu um prêmio Emmy) - deve crescer com o novo filme, In the Broad Day Light, dirigido por Paul Schrader (de Mishima e A Marca da Pantera). E que até mesmo um fato da vida pessoal, como o recente casamento de Timothy Hutton com Debra Winger, pode impulsionar a carreira de ambos... Em certas coisas, Hollywood continua a mesma.

Dillon, o patriarca dos pirralhos

Visual de James Dean, andar rebolado e arrogante à la Travolta, sotaque de trombadinha novaiorquino, aos 22 anos Matt Dillon é um astro do cinema. E um astro veterano, vale dizer.
Desde que Rumble Fish culminou nos Estados Unidos uma sucessão de longas bem-sucedidos comercialmente e saudados pela crítica, em meados de 1983, Dillon é um dos pontas-de-lança da novíssima geração de adolescentes do celulóide. Antes mesmo que a famosa Brat Pack pusesse suas manguinhas de fora, Dillon já habitava, com igual naturalidade, as páginas da Newsweek e das revistas femininas adolescentes.
O mergulho deste aquariano intenso ocorreu num destes acasos proverbiais. Matt - o quinto de uma família de seis irmãos de Westchester, subúrbio novaiorquino - participou de uma seleção de atores juvenis para o filme Over The Edge, e saiu da sala do "caça-talentos" Vic Ramos com o papel principal, o de Richie White, minivândalo que contra-ataca seu tédio quebrando caras e casas. Ramos se empolgou com Dillon, viu nele "um certo paralelo com os grandes astros dos anos 40, do período do film noir. E é lógico que disse a ele que o tornaria um grande astro". Precisa contar que Ramos se tornou empresário de Dillon?
Detratores podem reclamar de uma certa falta de variedade nos papéis vividos por Matt no cinema: invariavelmente ele é um adolescente problema, durão, brigão, audaz e cool, muito cool. Ao que Dillon retrucaria: "A minha vida toda estive representando - sendo malvadão, durão, cool".

Fernandinha: preferência nacional

O cinema brasileiro ganha popularidade, ajudado por uma nova geração de atrizes, em especial as talentosas Débora Bloch e Fernanda Torres. Fernandinha é a grande paixão nacional, com uma produção mais que interessante para quem acaba de completar 21 anos. O Prêmio de melhor atriz do Festival de Cannes deste ano, por Eu Sei Que Vou Te Amar, é a invejável consagração internacional. Ela é uma unanimidade, recolhendo elogios por toda a parte - e isso sem precisar fazer o gênero ninfeta. Ao contrário, ela prefere aperfeiçoar seu "rosto de borracha" e criticar-se com incansável bom humor.
Fernanda surpreende sobretudo pela capacidade de ser adaptar a vários tipos de papéis, interpretando a engraçadíssima Carula ( a caipira de A Marvada Carne, de André Klotzel) ou sobrevivendo à verborragia do filme de Arnaldo Jabor.
Ela começou ao 13 anos, em peças infantis, e já em 84 fazia Cordélia, a filha do Rei Lear, um clássico de Shakespeare, ao lado do experiente Sérgio Brito. Estreou nas novelas de televisão como neta da personagem Chica Newman, ninguém menos que sua própria mãe, a consagrada Fernanda Montenegro. Inocência, de Walter Lima Jr., foi a estréia de Fernanda no cinema, apenas um ensaio de seu estouro deste ano nas telas.
Em Com Licença, eu Vou à Luta, dirigida pelo marido Lui Faria, fez uma adolescente impetuosa. "Eu estava saindo da adolescência e foi genial, pois era um drama que eu já não estava no meio dele - podia olhar para trás e dizer: "que loooucura!!". Acho que eu trabalhei em cima de uma personagem sem humor, a vida para ela é muito séria. Eu acho que fiquei mais bem-humorada desde que saí dessa fase. "Essa capacidade de se diferenciar de sua geração sem parecer características de Fernanda.
De novo na televisão, ela fez Simone em Selva de Pedra, um papel que consagrou Regina Duarte em 73. Foi sua tarefa mais difícil, como a personagem-mártir do dramalhão obsessivo de Janete Clair.
Em sonho sem Fim, de Lauro Escorel, ela está nos cinemas outra vez ao lado de Débora Bloch. É absolutamente permitido se apaixonar...

Filmografia selecionada

AMANHECER VIOLENTO * (Red Dawn, 84; dir. John Milius, com C, Thomas Howell, Patrick Swayze, Lea Thompson)
ANO DO DRAGÃO, O * (Year of the Dragon, 85; dir. Michael Cimino, com Mickey Rourke, John Lone)
ASAS DA LIBERDADE * (Birdy, 85: dir. Alan Parker, com Mathew Modine, Nicolas Cage)
BEIJO DA MULHER ARANHA, O * (85; dir. Hector Babenco, com William Hurt, Raul Julia, Sonia Braga)
BLADE RUNNER * (82; dir. Ridley Scott, com Harrison Ford, Sean Young, Daryl Hannah)
CLUBE DOS CINCO * (The Breakfast Club, 85; dir. John Hughes, com Molly Ringwald, Emilio Estevez, Judd Nelson, Anthony Michael Hall, Ally Sheedy)
CORPOS ARDENTES * (Body Heat, 81: dir. Lawrence Kasdan, com Kathleen Turner, William Hurt, Mickey Rourke)
CRIMES DA PAIXÃO * (Crimes of Passion, 85; dir. Ken Russell, com Kathleen Turner, Anthony Perkins)
DE VOLTA PARA O FUTURO * (Back to the Future, 85; dir. Robert Zemeckis, com Michael J. Fox, Christopher Stone)
GAROTA DE ROSA SHOCKING, A (Pretty in Pink, 86; dir. John Hughes, com Molly Ringwald, Andrew McCarthy)
GATINHAS E GATOES * (16 Candles, 84; dir. John Hughes, com Molly Ringwald, Anthony Michael Hall)
GREYSTOKE, A LENDA DE TARZAN * (Greystoke, 84: dir. Hugh Hudson, com Christophe Lambert, Ian Holm)
HORA DA VERDADE, A * (Karate Kid, 84; dir. John Avildsen, com Ralph Macchio, Pai Monta)
HONRA DO PODEROSO PRIZZI, A * (Prizzi´s Honor, 85: dir. John Huston, com Jack Nicholson, Kathleen Turner, Anjelica Huston)
JOGOS DE GUERRA * (War Games, 83: dir. John Badhan, com Mathew Broderick, Ally Sheedy)
JUVENTUDE EM FÚRIA * (Bad Boys, 83; dir. Rick Rosenthal, com Sean Penn, Ally Sheedy)
KARATE KID II-A Hora da Verdade Contínua (Karate Kid II,86: dir. John Avildsen, com Ralph Macchio, Pat Morita)
LADYHAWKE, O FEITIÇO DE AQUILA * (Ladyhawke, 85; dir. Richard Donner, com Mathew Broderick, Rutger Hauer)
MORTE PEDE CARONA, A * (The Hitcher, 86: dir. Robert Harmon, com C. Thomas Howell, Rutger Hauer)
NEGÓCIO ARRISCADO * (Risky Business, 83: dir. Paul Brickman, com Tom Cruise, Rebecca de Mornay)
PERIGOSAMENTE JUNTOS * (Legal Eagles, 86: dir. lvan Reitman, com Robert Redford. Debra Winger, Daryl Hannah)
PRIMEIRO ANO DO RESTO DE NOSSA VIDAS, O * (St. Elmo´s Fire, 85; dir. Joel Schumacher, com Rob Lowe, Andrew McCarthy, Demi Moore, Emilio Estevez, Juddy Nelson, Ally Sheedy)
PROCURA-SE SUSAN DESESPERADAMENTE * (Desperately Seeking Susan, 85; dir. Susan Seidelman, com Madonna, Rosana Arquette)
QUESTÃO DE CLASSE, UMA * (Class, 83; dir. Lewis J. Carlino, com Rob Lowe, Andrew McCarthy, Jacqueline Bisset)
REPO MAN * (84; dir. Alex Cox, com Emilio Estevez, Harry Dean Staton)
SELVAGEM DA MOTOCICLETA, O * (Rumble Físh, 83; dir. Francis Coppola, com Matt Dillon, Mickey Rourke, Nicolas Cage)
9 1/2 SEMANAS DE AMOR * (9 1/2 Weeks, 86; dir. Adrían Lyne, com Mickey Rourke, Kim Bassinger)
SPLASH, UMA SEREIA EM MINHA VIDA * (Splash, 84; dir. Ron Howard, com Daryl Hannah, Tom Hanks)
SUBWAY * (85; dir. Luc Besson, com Christophe Lambert, Isabelle Adjani)
TESTEMUNHA, A * (Witness, 85; dir. Peter Weir, com Harrison Ford, Kelly McGillis)
TOQUE DE RECOLHER, UM * (Taps, 81; dir. Harold Becker, com Timothy Hutton, Sean Penn, Tom Cruise)
TOP GUN - ASES INDOMÁVEIS (Top Gun, 86; dir. Tony Scott, com Tom Cruise, Kelly McGillis)
TUDO POR UMA ESMERALDA * (Romancing the Stone, 84; dir. Robert Zemeckis, com Kathleen Turner, Michael Douglas)
VIDAS SEM RUMO * (The Outsiders, 83; dir. Francis Coppola, com Rob Lowe, Emilio Estevez, Ralph Macchio, C. Thomas Howell, Tom Cruise, Patrick Swayze)

(os filmes assinados com * são disponíveis em vídeo)

por Rubens Ewald Filho

O TEATRO DO MEDO

"Agora que eles concordaram em nos deixar continuar, vamos encerrar o Bauhaus." Com estas palavras, Mier van der Rohe, último diretor do Instituto Bauhaus, despedia-se do regime nazista em 1933. Era o fim de um projeto criado em 1919 por Walter Gropius, que tinha por lema "Arte e Tecnologia".
Desce o pano.
Quatro décadas depois, encontramos Kevin Haskins, baterista de um grupo punk de Northampton, o Submerged Tenth,procurando um guitarrista. Encontramos Daniel Ash, então. Este, por sua vez, escrevia umas bobagens com Peter Murphy, que conhecia desde a idade escolar. Alguma coisa em comum eles tinham, pois, em vez de Danny, Kevin foi quem acabou sendo recrutado pela dupla. Havia um baixista, também, mas não muito eficiente. Um fã de reggae chamado David Jay foi convidado apressadamente para substituí-lo nos pequenos shows iniciais. "Legal e quando é o próximo?", ele perguntou. "Amanhã à noite."
Assim surgia, sessenta anos após o nascimento original, a segunda encarnação de Bauhaus, a princípio denominada Bauhaus/l919. Uma recordação de arte esmagada pelo fascismo. Um nome oprimido, uma estética angustiada. Temas potenciais.Na contracapa do primeiro compacto, um fotograma de O Gabinete do Dr. Caligari, ícone do cinema ex-pressionista alemão, apropriadamente de 1919. Sombras sobre fundo branco. A capa inevitável: Bela Lugosi como o vampiro Nosferatu. A imagem do horror clássico. E a canção: "Bela Lugosi´s Dead" (1979).
Sua principal influência foi o glam rock, do qual tiraram todas as cores e converteram em teatro do medo, apoiados num impacto cênico que tinha em Pete a figura central. Pete, de olhos azuis faiscantes, belo como uma heresia, sempre de preto, saia de couro, atraindo meninos e meninas até o backstage.
"The passion of lovers is for death", ele ensinava. A voz no limite do gutural, arrastando-se no chão, enquanto a guitarra de Danny se transformava em guinchos de morcego. Danny com um raio pintado no rosto, David de terninho mod e impenetráveis óculos escuros, Kevin de casaco de couro e brilhantina. A crítica, entretanto, não queria saber dessas máscaras. "Monstro de pomposidade e pretensão", acusava, caindo de pau.
Nada aconteceu quando lançaram o primeiro LP, o autoproduzido In the Flat Field (1980). Mask (1981), embora mais elaborado e menos sujo, também não entrou nas paradas. The Sky´s Gone Out (1982) e o ao vivo Press the Eject and Give me the Tape, incluído nas cópias britânicas deste disco (e posteriormente editado como um álbum separado), tiveram destino semelhante. Sua influência já era sentida nos novos grupos do então chamado "positive punk", mas sua fama ainda era pálida como seus rostos. Foi preciso gravar uma velha canção de David Bowie para chegar à parada de sucessos. Nada menos do que "Ziggy Stardust".
Bauhaus já excursionara pelo terreno das versões com seu quarto compacto: Telegram Sam", de Marc Bolan. "Third Uncle", de Brian Eno, abria seu terceiro LP e também acompanhava a canção de Bowie no lado A do compacto. O B, por sua vez, trazia uma versão ao vivo de "I´m Waiting for my Man", de Lou Reed.
Burning from the Inside (1984) foi o último LP. Mais acústico e ácido. Trazia um pequeno hit: "She´s in Parties", obra-prima jamais reconhecida, que chegou a ganhar versão dub. Ao mesmo tempo, "Bela Lugosi´s Dead" voltava à evidência, com a performance do grupo na abertura do filme The Hunger (Fome de Viver). Gravam ao vivo em Paris, quase fazem sucesso.
O clip de "Ziggy Stardust" é bastante significativo como instantâneo do grupo. Pete cantando numa jaula, enquanto o público-zumbi, de preto e camisetas Bauhaus, avança. Imagens que vêm à mente junto à expressão: "I can´t take the pressure ("Eu não agüento a pressão").
"Quando estávamos em New York eu consumi muita cocaína", confessa Pete. "Eu estava me dando mais energia nervosa do que precisava. Isso me causava mais paranóia do que euforia." O fato de sua figura estar sempre em evidência começou a pesar: ´Eu acabei me identificando com as idéias que os outros tinham de mim". E, no entanto, "havia canções que eu estava cantando e que não tinha composto".
Para resolver seu problema existencial, Pete abandona a banda. Sua posição é clara: "Gostaria de passar mais tempo desenvolvendo alguma espécie de música em que eu possa estar totalmente envolvido e não apenas numa quarta parte".
Seu projeto com o ex-baixista do grupo Japan, Mick Karn - intitulado Dali´s Car (título de uma música de Captain Beefheart) -, foi uma experiência musicalmente oposta ao Bauhaus. A essência é o som do Japan, aliado a letras de tal forma luminescentes que chegam a assustar olhos acostumados com a escuridão. Um compacto e o LP The Waking Hour foram os únicos registros desse projeto. Apenas este ano Pete decidiu-se pela carreira solo, através de três compactos e do LP Should the World Fail to Fall Apart, para variar bombardeado pela crítica.
David Jay prometeu nunca mais ter grupo fixo. Virou David J, em trânsito pelos Sinister Ducks, Jazz Butcher, Jaywalkers (veja discografia em Cartas & Serviços, BIZZ 15), até juntar-se novamente com Haskins e Ash, que trocaram seu segundo grupo, Tones On Tail (que mantinham com o ex-roadie Glenn Campling), por uma pálida lembrança chamada Love And Rockets (Porão de BIZZ 6). A imprensa não poupou seu LP, Seventh Dream of Teenage Heaven. Talvez Tones On Tail tenha sido melhor. Talvez Bauhaus tenha sido melhor...
Danny e Pete continuam amigos até hoje. Encontraram-se e tocam juntos. Quem sabe, apreciem a coletânea de compactos recém-editada pela sua ex-gravadora, Beggar´s Banquet: 1979-1983, feito uma lápide. Um álbum duplo, ainda por cima - que realizou a façanha de penetrar nas paradas.
Agora que concordam em deixá-los continuar, não existem mais. Uma piada suja. E o refrão é: "We love our audience".

por Marcel Plasse


PLEBE RUDE - OS FILHOS BASTARDOS DE BRASÍLIA

A turma de Brasília mudou-se quase toda para o Rio e a maioria escolheu como base o aprazível bairro da Gávea, na extrema zona sul. Já andam até dizendo que o rock de Brasília mudou de nome e virou "rock da Gávea".
Numa tarde gostosa de primavera, Tom Leão esteve reunido com a Plebe Rude, que é composta por André (baixo), Philippe (guitarra solo e voz), Jander Bilaphra (guitarra base e vocais) e Gutje (bateria e vocais), na casa do André, que fica onde? Na Gávea. Depois de um papo que girou em torno de passado, presente e futuro de uma banda em ascensão, foram todos jogar fliperama num shopping próximo, onde uma máquina de pinball chamada Atlantis cismava em não deixar Philippe marcar mais que 50 pontos.

BIZZ - Falem da proposta inicial do seu trabalho; visualizando os horizontes de Brasília na época...
Philippe - Bem, no começo nós tínhamos a proposta de nos divertir, de colocar algo pra fora, exprimir os sentimentos... mas não era algo assim sério em termos de profissão. Mas era algo legal, muito sincero, porque a gente realmente sentia aquilo, vivia aquilo. Essa era a nossa proposta.
André - O que fez tudo começar é que Brasília foi um ponto de encontro de várias pessoas com o mesmo interesse, que era o que tava acontecendo de punk na Inglaterra naquela época.

BIZZ - Quando pintou a decisão de descer para o eixo Rio-São Paulo, como foi sair de casa?
Philippe - Tudo começou com o disco, óbvio. Havia rumores, já há uns cinco anos atrás, que o Plebe iria gravar. Lembro o André um dia dizendo pra mim: "Esse ano ainda a gente vai gravar um compacto. Senão gravarmos um compacto este ano a gente vai acabar" (André ri). E isso há quatro anos atrás. Aí a gente foi levando, até as coisas ficarem mais sérias...
Jander - Quando a gente veio para gravar o disco, já veio procurando apartamento, já decididos a ficar e a trabalhar aqui.
André - Infelizmente no Brasil os únicos lugares são Rio ou São Paulo, para divulgar o trabalho...
Philippe - Mas é legal porque foi um passo superimportante na nossa carreira e na vida de cada um, pois afinal não é todo dia que todo mundo sai de casa.
Gutje - Só eu já era casado e morava sozinho.
Philippe - Mas para nós três... mudar de cidade, viver de seu próprio trabalho, acho que aumenta bastante as responsabilidades e é um lance superlegal. Eu e o Jander estamos morando juntos. Posso dizer que foi o passo mais importante da minha vida até agora. Uma vez que você sai de casa não volta mais. Não que seja ruim em casa, mas quando você mora sozinho é outra coisa. E teu espaço.

BIZZ - No disco, o som da Plebe Rude apresenta-se mais elaborado que nos shows. Expliquem.
André - Deixa a gente fazer um show com uma aparelhagem ótima...
Philippe - Hummm. Sabe que não tem muita diferença? A diferença é que tem alguns overdubs atrás, uns cellos em "Até Quando".
Jander - A diferença é que no disco você consegue ouvir as três vozes sem embolar, as guitarras limpas, o baixo, a bateria.
Philippe - Isso porque a gente não tá viajando com toda a aparelhagem, mas daqui a um tempinho, logo, se Deus quiser, a gente vai começar a viajar com toda a nossa aparelhagem...... Todo mundo vai poder ouvir melhor o som. A gente já está viajando com técnico. Acho o disco superfiel. Mas acho que para alguém realmente conhecer o Plebe, além de comprar o disco, tem de ir ver o show. Tudo bem, a gente não tem sax ao vivo, não vai levar um naipe de metais para o palco, rebocar a Fernandinha (da Blitz, que faz backing vocais em "Sexo & Karatê", N.R.). O André até queria rebocar a Fernandinha. O violoncelo, o André faz no baixo.

BIZZ - Vocês se consideram filhos legítimos do punk?
André - Pra mim o punk não deixou nenhum filho legítimo não, cara. São todos bastardos! (risos).
Philippe - Puuuta! Eu vou levar porrada por causa disso.
Jander - Estou quase concordando com isso. Estou pensando um pouquinho sobre essa proposta nova.
Philippe - O que é um filho legítimo? (gritando) Roar! Argh! É isso que é um filho legítimo do punk? Influenciou pacas, influenciou muito, motivou.
Jander - E a legitimidade de punk não era isso (referindo-se aos gritos). Era ser agressivo da maneira que fosse. O cara do Buzzcocks, o Pete Shelley, cantava totalmente diferente de Johnny Rotten e nem por isso era menos punk.
André - A gente não pode negar as influências, mas o importante é que a ideologia se mantenha, fique no trabalho. Isso nós sempre levaremos dentro da nossa música.

BIZZ - O mini-LP de vocês está sendo um sucesso desde o lançamento. Foi aclamado por toda a crítica. Como é sair do gueto e ir para a grande mídia? Preocupa?
André - Preocupa é entrar na grande máquina...
Philippe - Mas a grande máquina está aí para ser usada. O problema é que não está sendo muito bem usada. Ela está usando. Você tem, por exemplo, o Chacrinha. E legal porque o Brasil inteiro vê o Chacrinha e isso é uma responsabilidade muito grande. Todo mundo vê o Chacrinha. A gente vai lá e as pessoas ficam dizendo aquelas palhaçadas, "ah, vocês estão vendidos". Ser vendido é ter seu trabalho divulgado para o resto do Brasil? Então eu acho legal, ao invés do esquema te usar, você usar o esquema, usar as rádios, as televisões.
André - Mas eu acho que tem que se ter muito cuidado. De repente, você vira outro... sei lá. Você não pode sair na rua, não pode fazer nada. Teu cachê é tão alto que você não pode mais dar shows nos lugares que gostava, tem que se superproduzir. Chega um certo ponto que você não sabe se seu trabalho vai ser superior ao último. Acho que tem que se tocar para gente que quer te ouvir, que queria te ouvir naturalmente, sem imposições da mídia, sem irem a seu show só porque você é superfalado.
Philippe - Teve uma vez, quando a gente deu um show no Clube Caiçaras, que eu pensei comigo: "Cara, se eu tocar nesse show para o resto de minha vida está ótimo, porque você está tocando para pessoas interessadas no teu trabalho. E teu público. Isso é legal. Agora, para as pessoas ficarem conhecendo, é aquele lance, tem que ser pelas rádios. A partir do momento em que todo mundo te conhece, fica fiel, já conhece o trabalho, sabe quem vocês são, vão ao show não pelo balanço, pelo fato de ser uma música de rádio, vão por gostar, por se identificar, isso é legal. Acho que o caminho que os Paralamas estão seguindo é ótimo. Eles estão fazendo o que estão a fim, num esquema de shows legais para eles e estão indo super-bem. O Legião já está nessa também, de fazer o que está a fim. Não entrar no esquema de vinte shows por semana, sete shows por dia, mil shows em não sei quantos meses, aí você passa a tocar de má vontade, cansado. E melhor tocar um pouco menos, mas cheio de tesão, para pessoas que tem a ver com você. Não tocar em buracos. Eu acho que você chega a um certo ponto em que pode escolher o que vai fazer. Não tem que ficar abrindo as pernas para tudo. Isso é o que está começando a acontecer com o Plebe.

BIZZ - Vocês sentem que, à medida que a quantidade de shows vai aumentando, o som do grupo vai se renovando, a atuação do repertório varia, músicas tomam novas formas?
Philippe - Cada show nosso é totalmente diferente do outro e as interpretações das músicas também variam dependendo de muitos fatores. Pra começar temos mesmo um repertório definido. A lista é feita dez minutos antes do show, no camarim. Tem dias que não estou a fim de cantar determinada música.
André - É. Também, mudamos muito os começos e fins de músicas, dependendo do show. As vezes fazemos "Proteção" com fim funk. E bom sempre renovar para não enjoar.
Philippe - Tem uma filosofia que a gente segue de testar músicas novas com o público. Eu particularmente não acho legal fazer uma música num quarto fechado e por no disco. Acho legal sentir a troca, a reação do público, sentir o que tem mais pique ao vivo antes de registrar no disco que será uma coisa que vai ficar para sempre.
Gutje - E um saco ficar tocando exatamente as mesmas músicas na mesma ordem sempre. E bom variar.

BIZZ - Já tem alguma coisa delineada para o próximo disco?
Gutje - Estamos exatamente com a metade de um novo disco, com bastante impulso para outra metade.
Jander - Agora, temos acumulado um material que dá para uns dois Sandinista! (o álbum triplo do Clash). Temos quilos de letras antigas para serem musicadas, acabadas.
André - Possivelmente alguma coisa, fragmentos desse trabalho antigo, entre, algumas frases.
Philippe - De repente tem algumas idéias minhas, mas tem mil coisas velhas que continuam atuais..

BIZZ - A propósito, será que em quatro, cinco anos apresentando o mesmo repertório ele não caducou?
André - Pega um exemplo, a música "Censura". Viu quantas músicas já foram censuradas este ano, sem falar nos filmes? Pô, tá ultra-atual.

BIZZ - Que vocês dizem quando alguém comenta que uma música da Plebe lembra o Buzzcocks, outra o Joy Division, Gang of Four etc.?
Philippe - Isso é coisa de críticos, não? Em vez de respeitar a música no seu contexto, pegam uma partezinha parecida e pronto. Taí, parecida com Joy Division: que Joy Division o quê!
André - lsso é um escândalo. Nenhuma é parecida. Nossa consciência está limpa quanto a isso. A gente não pára e diz: "Aí, vamos fazer uma música tipo Buzzcocks". Nunca. Acho bom que se denuncie quando uma coisa for plágio descarado. Tem muita coisa por aí que é cópia mesmo.
Philippe - Digamos, uma cópia servil. Aí é foda.

BIZZ - Como uma banda de filhos de diplomatas chama-se Plebe Rude?
André - Ninguém é filho de diplomata aqui. Rumores vindos de São Paulo. Meu pai é professor, o do Gutje é professor, o de Jander, bancário e o de Philippe, tradutor.
Philippe - Teve um show que gritaram pra gente: "Voltem para casa, filhos de ministros!" E um saco.
Jander - Filhos de diplomatas e de ministros também podem se revoltar.,.
Gutje - Ser filho de diplomata é pejorativo? Você não é gente, não?

BIZZ - Vocês acham que fazem, trazem realmente algo de novo?
Jander - Eu acho novas as coisas que fazemos. Pelo menos para mim são.
Philippe - Se é novo novo, não sei. Para mim tanto faz. A gente está adorando o que está fazendo e isso é importante. Se um cara fica em casa tocando Beatles e isso é o que lhe motiva, está ótimo.

BIZZ - Qual a opinião de vocês quanto ao trabalho dos outros da turma de Brasília, como o Legião, Capital Inicial, Finis Africae?
Jander - O novo disco do Legião deve ser muito bom, mas por enquanto eu só ouvi "Eduardo & Mónica", que toca o dia todo na rádio. O Capital eu achei legal, mas o resultado final de som, mixagem, não gostei muito.
André - Eu esperava mais deles.
Philippe - O Capital fez o contrário da gente, que fez um disco superfiel. Eles botaram mil arranjos em cima.
Jander - Finis eu acho um trabalho superlegal e íntegro.
André - E da turma inicial de Brasília só restam duas bandas que ainda não gravaram, Escola de Escândalo e Elite Sofisticada.
Jander - E o Arte no Escuro.

BIZZ - Há bandas que não sejam dessa turma que vocês curtem? As novíssimas de Brasília?
Jander - O Detrito Federal, hoje em dia, eu acho superlegal.
Philippe - E tem mil outras que continuam surgindo, boas e ruins.

BIZZ - E do exterior, tem alguma que bata tão forte atualmente quanto aquelas de 77/78?
Jander - Estou achando tudo muito normal demais. Prefiro Ramones.
André - A única coisa que me empolgou esse ano foi o Jesus & Mary Chain. Ouvi direto várias vezes. Mas ainda espero o último disco dos Stranglers com a mesma ânsia.
Philippe - Eu vou fazer uma confissão aqui. Eu tenho um poster do Yngwie Malmsteem pendurado no meu quarto. Mas só entre nós, viu?
Gutje - Eu acho que as coisas estão ficando iguaizinhas ao tempo em que o punk teve que surgir. Todos se acham o máximo e não são.

PLEBE RUDE

Cabra-cega

"Why Theory?", Gang of Four
André (certeiro) - Gang of Four.
Philippe - Não sei o nome da música, mas isso é do Solid Gold. É muito bom, cara! Adoro esse baterista. Andy Gill é um dos guitarristas que me influenciaram.

"Maracatu", Egberto Gismonti
André - Que é isso? Frankenstein? Eu não gosto de música assim. Everything but the Girl...
Jander - "A Volta de E.T. à Terra dos Smurfs."
Philippe - Esse piano parece Capital Inicial no começo...

"Happiness is Easy", Talk Talk
Jander - Isso é "Aprenda a Programar sua Bateria Eletrônica", com Tantão e Santanésio, do Black Future.
Philippe - Isso parece Weather Report, ou algo assim, com aquele baterista do Sting, Omar Hakin...
André - O que estragou a música foi esse vocal. Horrível!
Philippe - Peraí. Já ouvi isso em algum lugar. Isso é aquele cara do "It´s My Life", como é o nome?
André - "Broken Wings"?
Philippe - A voz desse cara marca que nem a voz do John Lydon, só não consigo lembrar o nome dele.

"Corridor", Massacre
Philippe - Violeta de Outono?
André - Jimi Hendrix?
Jander - Se não for Black Flag, é Jesus & Mary Chain.
André - Eu acho legal isso.
Philippe - Essas guitarras lembram Robert Fripp. Isso poderia ser a primeira formação do, Zero, com duas guitarras, ou Herbert Vianna experimentando o Mesa Boogie novo.
André - É Durutti Column? Obviamente é uma guitarra sintetizada.

"Brother", Jorge Ben
Philippe - Renato Russo.
Jander - Geraldo (Escola de Escândalo) tocando pandeiro com Renato Russo.
André - Cara, isso é demais! Isso é altamente psicodélico. Estou sentindo ácido na voz dele. Aqueles hippies. Pô, é muito bom. Eu dava uma festa só com esse disco.
Philippe - Lembra aquele filme Hair? É isso que o pessoal cantava antes de começar o filme.
André - Isso é o que o Cult tentou fazer e não conseguiu.
Philippe - Mas essa voz é negra. Não é brasileiro. A não ser que sejam os Golden Boys com dor de barriga.

"What Are We Going To Do Tonight?", Mekons
André - Mekons. "What Are We Going To Do Tonight", né?
Philippe - Tem um amigo nosso em São Paulo, o Alex Antunes, que disse que o Plebe tá mais para Mekons que para Gang of Four. Agora, a facção brasileira que conhece Mekons não entendeu muito bem o que ele quis dizer. Nem a gente entendeu. Acho que nem ele.

"Yu-Gung (Futter Mein Ego)", Einstürzende Neubauten
Philippe - Isso é um prato passado de trás pra frente.
Jander - Aquele começo eletrônico de "Alagados", não é isso?
André - Einstürzende Neubauten é superlegal. Isso é a segunda faixa do LP Halber Mensch, chama "Futter Mein Ego", alimente meu ego.

"Alguém", Kiko Zambianchi
Philippe - Prince. Yeah, yeah, yeah! Ah, não! Isso é Kiko.
André - Eu acho que é Prince.
Philippe - Não. É Kiko Zambianchi com uma certa influência do Prince.
André - Prince Zambianchi?

ENTREVISTA - CAETANO VELOSO

Na véspera de seu aniversário de 44 anos Caetano Emmanuel Vianna Teles Veloso se trancou no escritório do empresário ipanemense Guilherme Araújo para falar sobre seu projeto voz-violao-e-mais-nada, cristalizado em Totalmente Demais, disco e show. Era o término de um ciclo acidental - cantar desacompahado fora, na verdade, um acaso motivado pela insistência de amigos - e o início da gestação do álbum seguinte, a ser feito com uma banda.
Caetano - um falador contumaz e compulsivo - tinha assuntos a fartar: o programa de televisão com Chico Buarque, o lançamento de um disco nos Estados Unidos, seu primeiro trabalho como diretor de cinema e - óbvio! - o insólito bigode (que ele raspou uma semana depois).
Pois foi na despedida dos 43 anos que Ana Maria Bahiana capturou Caetano, que, por sua vez, estava em rara ebulição. Era, provavelmente, o centésimo trilionésímo encontro jornalístico da dupla. Como que por tradição, a conversa começou (e terminou)em rock´n´roll.

BIZZ - No começo de sua carreira você fez um desvio voluntário de curso do establishment e abordou aquele rock que era Mutantes e que, enfim, deu na Tropicália. Como você vê a cena de rock hoje, no Brasil? O impulso é o mesmo daquele pessoal (do seu tempo)?
Caetano - É muito difícil falar do impulso deles. Posso falar do que eu percebi, no início dos anos 80, sobretudo com o marco de "Você Não Soube Me Amar"... teve um esboço disso antes, no lançamento da Cor do Som, mas, na verdade, a coisa veio acontecer, mesmo, com força mais tarde - a coisa foi se adensando, se complexizando em estilos, pessoas. E eu recebi isso como um acontecimento auspicioso, como uma espécie de sinal de vida e saúde no organismo da música popular do Brasil.
O que eu acho é que os temas da Jovem Guarda, do Tropicalismo e até da Bossa Nova já foram encontrados digeridos por essa geração. E não vejo hoje algo semelhante (aos anos 60), porque era um desbravamento de gente que se queria muito experimental. Tanto que o Serginho (Dias Baptista), dos Mutantes, diz freqüentemente que o rock é careta hoje em dia.
E um outro momento. E, no entanto, eu acabei de ver um espetáculo dos Paralamas do Sucesso, no Canecão, e fiquei empolgado! E lindo, é comovente! Pra mim foi uma confirmação do lado mais otimista que eu tinha em relação a essa geração.
Ali tinha, ao mesmo tempo, o rock e o Maracanã! E não podia ser mais brasileiro. Não é porque eles cantam um pedaço do samba do Aldir e do João Bosco, mas porque têm Led Zeppelin no meio! (Herbert Vianna) cantar uma parte do samba do João Bosco é apenas um comentário alegre e sábio de ver o que está acontecendo. É isso que faz com que os grupos de rock brasileiros tenham um interesse particular, comparados com os grupos do resto do mundo. Existem muitos (grupos) na Argentina, Espanha, Portugal, Itália e França. Eu vi nestes países que, em termos de grupos, é mesmo uma coisa inglesa e não americana. O americano ainda é o da figura individual, mesmo. Os Beatles inventaram esse negócio de um grupo de pessoas funcionar como um indivíduo, como um ídolo. E (os ingleses) mantêm isso até hoje e exportam para o mundo.

BIZZ - E a coisa de dupla de compositores, também: Lennon/McCartney, Jagger/Richards...?
Caetano - Morrissey/Marr. É uma coisa tendendo para a equipe.

BIZZ - Eles inventaram o futebol, né?
Caetano - Muita gente no Brasil dizia: "Ah, mas isso é uma ameaça à tradição da música brasileira, descaracteriza". Eu, pessoalmente, nunca gostei muito desse tipo de preocupação defensiva da nacionalidade ou das características nacionais e das raízes. Eu achei isso meio furado. (O rock) acontece no Brasil porque é uma coisa do mundo! Nós somos de um país que quer ser do mundo e não fora do mundo.
O que acontece é que no Brasil a tradição da música popular é uma coisa de tal força; o público se sente tão espelhado, tão expresso através da canção popular, que a relação entre as pessoas que consomem e os produtores resulta numa coisa diferente do que pode acontecer na Argentina, na Espanha e na França. As vezes um grupo argentino pode ser tecnicamente superior, mais modernizado, mais sofisticado, mais "inglês" do que um grupo brasileiro - o que não quer dizer que os grupos de rock brasileiros sejam os melhores do mundo. Não são.
Mas no Brasil a tendência natural é de que a reação é tão apaixonada -- a relação entre a platéia, o consumidor e o produtor é tão intensa - que resulta numa terceira coisa que ninguém sabe o que é e que faz com que as coisas produzidas no Brasil ganhem uma brasilidade de fato, uma brasilidade pela vivência no Brasil, né? Não é uma questão de dizer "nós conseguimos fazer um grupo de rock tão moderno quanto os ingleses. E pronto! Não importa que o público burro, desinformado e atrasado não entenda". No Brasil não é assim!
O show dos Paralamas no Canecão tinha tudo: a escola de samba, a atualidade dos conjuntos ingleses,tinha o estar no mundo moderno, individualidade. Era um prato cheio! Fiquei empolgado. Afora que eu gosto também de muitas outras coisas. Acabei de assistir ao show da Marina e achei lindo, seguro. E gostei muito do disco do Lobão e da atitude de rebeldia. Gosto muito de não perder a capacidade de rebeldia, porque encontrar tudo digerido, mastigado poderia transformar essa geração numa verdadeira geração de meros mantenedores; ou, então, sem agressividade. Você vê a violência da rebeldia do Lobão... e com qualidade técnica, porque aquela gravação de "O Rock Errou" é linda! A idéia de "O Rock Errou" é linda. É uma coisa de valor internacional, como coisa dita, o modo de dizer, o trocadilho. Fosse o Português uma língua conhecida no mundo, seria uma brecha crítica de importância para o rock no mundo todo.

BIZZ - Tem uma coisa que você falou que tem conexão com isso. Quando surgiu o rock, agora, as pessoas disseram que ia ameaçar. De repente é o mesmo filme de 1968, quando o establishment também se sentiu ameaçado porque havia guitarras! Como você explica essa reação cíclica e incurável de duas metades que parecem se estranhar para sempre?
Caetano - Eu acho que é um pouco de atraso, mesmo (risos). Acho que isso é a inércia do Brasil - que é um país fascinante e eu tenho muita alegria de ser brasileiro, sabia? Só o fato de você morar num país tão grande, na América, e cuja língua é o Português. E um acinte! E um desafio, a América portuguesa que somos. Mas o Brasil é um país de muitos atrasos. E um país que não se soube fazer economicamente e socialmente. É um país arcaico em muitas coisas. Então é como se fossem grandes latifúndios improdutivos que pesam, que seguram, que têm verdadeiro desespero de que qualquer aspecto de sua moral estética, estrutura econômica, religião ou qualquer desses aspectos seja ameaçado, por mais remotamente que seja. Em suma, é um reacionarismo arraigado, ridículo, mesmo. E isto se manifesta até em pessoas amigas, de quem eu gosto - eu às vezes converso e vejo aquilo, aquele "latifúndio improdutivo".

BIZZ - Parece que existe ciúme de espaço, do tipo "onde já se viu esses molecotes ganhando Disco de Ouro!".
Caetano - Mas isso é algo que você não pode querer arrancar do ser humano, é algo de básico (risos). Quando nasce um irmãozinho, as crianças sentem vontade de cortar o pescoço dele. E o aspecto mais mesquinho da coisa, mas é natural que haja, mais ou menos inconscientemente, uma reação desse tipo. Eu, pessoalmente, quando esses grupos apareceram, fiquei alegre. Senti uma espécie de alívio, parecia alguma coisa que faria com que o ar se tomasse mais respirável, entendeu?

BIZZ - E isso tem um subtexto, também, tem aquilo de "ser incompetente", de não ter credencial para vir e ameaçar. E aquela história dos três acordes.
Caetano - Mas foi assim que os Beatles apareceram... e os Rolling Stones não aprenderam os outros acordes! Tentaram e fingiram que iam imitar os Beatles. E não deu certo! Aí disseram: "vamos ficar de basic rock" (afetado). E fizeram o maior charme com isso. Era o charme do Mick Jagger, né?

BIZZ - Já que você falou do Jagger... ele dizia que morria mas não cantava "Satisfaction" com 40 anos. E acabou cantando, com tudo a que tinha direito. E você,Caetano?
Caetano - Eu nunca disse nada disso! Quando entrevistei (Mick) eu falei que os negros parecem não ter esse tipo de problema e aí ele começou a pensar no que John Lennon falava dele, que era ridículo um homem de 40 anos rebolando, andando como um menino, ao invés de se casar e ser um pai de família. E Jagger dizia, então, que realmente você não pode ter 40 anos e fingir que tem 18, mas enquanto puder dançar, você dança. E não tem nada que o impeça. "O John tinha inveja de mim", dizia Mick, "porque ele era péssimo no palco - não sabia, não gostava de cantar no palco".

BIZZ - Idade é um assunto na sua cabeça?
Caetano - É um assunto. Eu vou fazer 44 anos amanhã. E um assunto e não pode deixar de ser.

BIZZ - Se passasse um anjo e dissesse que você poderia passar a ter 24 anos de novo.., você aceitaria voltar 20 anos atrás?
Caetano - Aceitaria, mas dependeria das condições. Eu teria que falar com ele sobre os aspectos da questão, sobre os detalhes.

BIZZ - E se fosse para fazer tudo de novo? Sem saber do que você sabe hoje?
Caetano - Mas isso já aconteceu, porque tudo que eu fiz foi não sabendo. E se eu fizesse de novo é como se não tivesse feito. O que a gente faz não sabendo, faz infinitas vezes, é eterno, porque é uma vez só.Esse é o segredo da eternidade.
Sabendo seria outra coisa - somente para ter 24 anos, o corpo mais jovem, mais um tempo de vida, mais oportunidade? Aí é claro que eu queria.

BIZZ - Tem alguma coisa da juventude de hoje que você tenha vontade de fazer? Existe alguma coisa que você inveje ou da qual você diga ´´no meu tempo era melhor"?
Caetano - Além da mera juventude... (risos). Eu invejo a mera juventude, mas não é tão mera, pois quem tem hoje 19 anos tem a probabilidade de ficar mais tempo nesse mundo para ver até onde mais as coisas podem chegar. Eu tenho pena de não ver as coisas que vão acontecer, porque eu vou morrer antes (dos jovens de 19 anos) - hipoteticamente - e não vou ver.
Quando você é jovem não tem tanta noção do que faz. Parece que não dá tempo pra nada. A gente acha que não vai conseguir, é um inferno e depois a gente vê que dava muito tempo. A gente fica aflito quando é jovem. Neste aspecto eu gosto da idade que tenho agora. Tenho menos tempo, mas tenho mais tempo internamente, por estar mais velho.

BIZZ - Como você desempenha o papel de pai?
Caetano - Eu duvido que seja como John Lennon dizia que alguém deve ser. Adoro John Lennon, menos esta parte de restauração moral. Detesto tudo que é restauração. E uma das coisas que acho chatas hoje em dia é uma tendência para restauração. Acho até natural que haja um refluxo. No período final dos anos 60 e no início dos anos 70 a coisa foi muito de expansão, foi muito centrífugo. Então, algumas forças centrípetas são saudáveis: noção de limites, um pouco de autodefesa; enfim, um pouco mais de maturidade no modo de pensar, né? Noção de organização é bom, é útil.
O refluxo para mais contenção, depois de um período de tão grande expansão - com aqueles sonhos revolucionários totais de mudar desde o vestuário até comida, religião, organização social, relações sexuais. Mudar tudo? Que negócio é esse? Era linda a idéia e foi bom experimentar sofrer e também enriquecer o mundo com isso. O simples fato de (a gente) ter passado por aquilo é como se diz: tira o cabaço, entendeu? Você perde a ingenuidade, perde a inocência. E não há inocência reconquistada, seria uma espécie de falsidade. A idéia de restauração não é saudável. Mas a de contenção é socialmente saudável.
Como pai a minha tendência natural é de ser totalmente apaixonado pelo meu filho e de aceitar tudo que ele quiser, para ele ser totalmente feliz o tempo todo. Isso, evidentemente, toda pessoa sensata sabe que não é bom para a educação de um filho, porque a criança precisa de repressão, precisa de noção de limite. Então eu preciso colocar limites, por ele.

BIZZ - Ele tem tendências musicais?
Caetano - Tem, ele gosta de música. Toca violão - um pouquinho - e canta. Mas aí é que eu acho que sou um mau pai, porque esse negócio de deixar rolar resulta no fato dele não ser disciplinado para estudar, treinar. Ele tem talento, sacação, é inteligente, comenta tudo e a gente conversa muito de igual para igual. E nem sempre isso é muito bom para a formação da criança. Precisa de uma autoridade e de saber que a vida tem que ser chata também, por um lado. Para você tocar pandeiro, que é uma coisa divertida, você tem que passar horas treinando, cria calo na mão. E de minha parte eu não propicio a ele ser uma pessoa disciplinada, em termos de treinamento,de ter saco para estudar e tal.
A gente tem uma relação superamorosa e muito rica. Ele toca violão e guitarra. Fica procurando fitas do Jimi Hendrix - que ele conhece o mito. Mas não através de mim. Ele traz isso do colégio! Para esses meninos de 14 anos o Hendrix é uma espécie de Deus! Ele me perguntou se tinha mesmo visto o Hendrix de perto e respondi que sim, que tinha visto a última apresentação do Hendrix. E ele: "p*.q*.p*" (meditativo). E eu cresci muito diante dos olhos dele, só pelo fato de ter visto o Jimi Hendrix.

BIZZ - O que você - um ex-crítico de cinema - escreveria de você hoje, agora?
Caetano - É, eu sou um crítico frustrado. Ah, eu preciso pensar muito. E eu não tenho pensado (risos). Eu faria elogios a este disco (Totalmente Demais) e também faria críticas. Os elogios seriam mais ou menos assim: "Ele tem uma sensibilidade muito aguçada para saber colocar no mesmo universo coisas muito díspares. Como tratamento de um repertório selecionado, sobretudo. O modo como é encarado o lance das canções e com aquela amplitude de assuntos, estilos, épocas e tendências". Eu não elogiaria só esta capacidade de escolher, essa abertura para tanta coisa, pois num determinado momento poderia até ser negativo, por você ser aberto para tudo. O bonito é que, apesar de ser aberto para tudo, tem algo que está centrado ali e que possibilita que tudo aquilo seja apresentado de uma maneira autêntica, íntegra e nova. Então eu me elogiaria neste aspecto.

BIZZ - E criticaria o quê?
Caetano - Criticaria uma negligência no apuramento técnico. Acharia que, para fazer um trabalho desta natureza, o artista deveria ter se preparado e esperado mais um pouco para fazer uma coisa que estivesse à altura das próprias observações que eles insinua, fazendo aquilo. A atitude de resgate que ele toma nem sempre se justifica, uma vez que ela é tão ambiciosa... e ele é tão desleixado no preparar-se para exercê-la! De todo modo ele tem sorte (risos).

BIZZ - Você começou a entrar mesmo no mundo do cinema, dirigindo um filme, O Cinema Falado.
Caetano - É, eu estava interessado em dirigir um filme, o que é um puta trabalho, muda a minha vida. Eu sou um homem da noite. O músico trabalha à noite. Quando fiz o filme, estava de pé todos os dias às sete da manhã. Não era só um esforço físico e um pique diferente, como também um assunto, um trabalho totalmente diferente, de outra natureza e que me estava interessando muito.
O filme retoma as pontes daquele crítico de cinema da Bahia, sim, porque eu sempre gosto de falar em cinema. Vejo filmes, e me interesso por isso, e mantenho uma coisa que tem a ver com o fato de eu ter sido crítico de cinema durante um pequeno período... mas nunca entrei numa redação de jornal. Eu escrevia colaborações para o Diário de Notícias, de Salvador, e para outras publicações da cidade. Era apaixonado por cinema e escrevia sobre cinema e queria fazer filmes.
Nesse filme fala-se muito sobre cinema e sobre filmes; é mais gente falando. O filme tem letra e não tem música (risos).
Ao fazer o filme confirmei a minha suspeita de como a preguiça me atrapalha. Fiz o filme em 21 dias, montei em duas semanas e mixei em dois dias. E um longa-metragem, de lh50min.

BIZZ - Você afirma esta ligação ao cinema. Videoclip interessa a você?
Caetano - Muito! Eu escrevi um artigo sobre clips para uma revista de cinema de Salvador e a Folha de São Paulo reproduziu depois. Eu adorei ter feito o clip de "Terra" (que ele dirigiu para um especial da Rede Manchete). Quando gravei Velô queria fazer "Podres Poderes", mas não deu tempo. E para produzir um clip você termina gastando tanta energia e tempo quanto se estivesse fazendo um filme de longa-metragem.

BIZZ - E a televisão? O programa (Chico & Caetano) está lhe satisfazendo?
Caetano - Está. E uma vez por mês e o Chico é ótimo, o (Roberto) Talma (diretor do programa) é carinhosíssimo, dirige com a maior tranqüilidade. E é bom que tenha eu e o Chico na televisão. O Chico foi quem moveu tudo. O Daniel Filho tinha pedido ao Chico que fizesse o programa e o Chico ,tinha dito que "só se o Caetano fizer comigo". Aí eles me telefonaram e me chamaram.

BIZZ - Você estava falando de restauração. O Chico sempre foi o bom moço e você sempre foi o moço rebelde.
Caetano - Eu sou sapequinha e ele é direitinho. Mas isso é um número que cada um de nós faz. Calhou de ser assim (risos).

BIZZ - Outra: Gil se internacionaliza e Caetano se nacionaliza.
Caetano - Na verdade eu acabo de gravar um LP em Nova York. Eu queria que tivesse saído um duplo com Totalmente Demais, complementaria. Sai pela etiqueta Nonesuch, da Elektra (subsidiária da WEA norte-americana). Eles fazem coisas especiais. É ao contrário do Gil. O Gil é pop, canta em vários lugares do mundo, entra no mercado. E o meu é uma coisa tipo anti-mercado. E só para quem se interessa - sei lá para quem é! O disco (que se chama Apenas Caetano Veloso) sairá em março. E em dezembro começo a gravar um outro disco, para o mercado brasileiro.

BIZZ - E você já está indo por algum caminho especifico em direção a este disco que ainda vai gravar?
Caetano - Não estou fazendo nenhuma canção agora. Estou pensando em voltar a transar somente com banda. Eu quero pensar mais no tipo de som que eu quero... fico imaginando, procurando na cabeça. E difícil quando você não é uma pessoa daquelas que têm sintetizadores em casa, teclados e bateria eletrônica. Eu não tenho nada disso para poder escolher. Eu tenho que ficar pensando na cabeça. Eu podia ter aquilo tudo, mas a preguiça leonina existe. Acho que eu faria genial se tivesse tudo em casa. Ia ser original como o Prince.

BIZZ - E este seu bigode?
Caetano - Moreno disse que eu estava parecido com o Prince - deve ser porque ele deixa o bigode bem ratinho. Estou deixando o meu para parecer um árabe. E para você não saber se eu sou um terrorista líbio ou um puto marroquino.

BIZZ - Qual é a sua parada de sucessos? Quais os discos que são os seus 10 Greatest Hits caseiros?
Caetano - Da minha casa agora é difícil dizer, porque acabou de chegar o novo disco do João Gilberto (Ao Vivo em Montreaux). Mas antes eu ouvia o (LP) dos Paralamas e o do Lobão muito. Sem querer de modo algum tentar neutralizar ou participar da polêmica entre os dois famosos. Em seguida, fiquei ouvindo não só o disco de Montreaux, mas também os três primeiros discos do João no Brasil (Chega de Saudade, João Gilberto e Amor, Sorriso e A Flor). E me impressionou muito como a qualidade da gravação do violão era muito melhor. Prince, também, o Parade, que é maravilhoso. Ouvi muito também a faixa de Nana Caymmi no disco Corsário do Rei, "Bancarrota Blues". Ainda não ouvi o disco novo dos Rolling Stones. Olho para ele mas, como tenho que fazer outras coisas, acabo não tendo tempo pra ele. Mas só a capa ser tão colorida, antidark, me dá uma alegria e me dá uma informação tão importante que já vale.

BIZZ - Falta um para completar o hit parade.
Caetano - Ouvi Schoenberg. Sobretudo ouvi também "La Nuit Transfiguré".

PORÃO

STAN RIDGWAY

Stanard Ridgway III é velho de guerra. Foi caixeiro-viajante, balconista de bar, motorista de táxi, palmilhou as estradas da Califórnia arranhando a guitarra ou o banjo e soprando sua gaita de estimação. Queria ser ventríloquo - quando era moleque, seu boneco era um bom papo. Foi vocalista e líder do Wall of Voodoo, um mítico grupo que lançou três LPs entre 80 e 82, e até emplacou um hit: "Mexican Radio". Depois esteve dando um tempo, fora aparições esporádicas. Uma foi em Lost in the Stars, o LP em que Lou Reed, Tom Waits, Sting, Rep Butler e outros interpretam canções de Kurt Weil/Bertolt Brecht. Outra foi a canção-tema "Don´t Box Me In", em parceria com Stewart Copeland, na genial trilha sonora de Rumble Fish (o filme de Coppola que deve estrear ainda este ano no Brasil, como O Selvagem da Motocicleta).
Stan voltou agora com um LP solo: The Big Heat. A lógica do som é mais ou menos a do velho Wall. O grupo foi formado em Hollywood - originalmente, seria uma firma dedicada à gravação de trilhas para filmes de terror... Rhythmboxes espasmódicas, teclados carregados - um feito ghost-in-the-machine a máquina mal-assombrada -, guitarradas de western-spaguetti. E o farto material recolhido por Stan em suas andanças, recitado em seu vocal catatônico, anasalado e fundo a uma só vez. Uma profusão de vagabundos, operários, piranhas, malandros de diversos calibres. Flashes da América, editados com o mesmo humor dúbio com que Stan faz animações quadro-a-quadro com sua velha câmera super-8.
A novidade é o sucesso - não só o compacto com "Camouflage" ascendeu ao Top Ten das paradas inglesas (e vá alguém explicar por quê: é a história de um soldado-fantasma na guerra da Coréia, em uma looonga faixa à la Ennio Morricone...) como os antigos discos do Wall of Voodoo estão vendendo mais que nunca. O grupo, além do mais, voltou com um LP (Seven Days in Sammystown) e um cantor novos.
Stan lançou agora outro single, com a faixa-título do LP, que faz com "Drive She Said" um belo par de historietas na tradição de Dashiel Hammett e Raymond Chandler. Talvez o LP tenha uma diversidade excessiva de produtores (as faixas foram gravadas em períodos e estúdios diferentes) e músicos (dos irmãos Fowler - ex-Zappa -, nos sopros, a Hugo Burnham - ex-Gang of Four -, na percussão). Ao vivo, na estrada, com a banda encabeçada pela mulher - a tecladista Pietra Calhoum - é que Stan tem estado mais à vontade para contar suas amorais fábulas da América.

EXPRESSO ORIENTE

A banda Expresso Oriente atravessa o deserto. O que a move? Pergunte ao rapaz tímido de óculos, pai, viúvo e parte do show. Ele é o cantor, compositor e guitarista Julio Reny. Sua experiência musical começou há dez anos, via pesquisas/furtos de discos recomendados pela revista Pop (lembram?). Barra pesada, juventude transviada, polícia, drogas e rock´n´roll. Todos os ingredientes para um sucesso de bilheteria.
O Expresso Oriente chegou ao Saara após fracassadas paradas anteriores. Algumas famosas. A banda Km Zero implodiu quando o guitarrista Edu K entrou para o DeFalla e Julio foi convidado pra ser vocalista na Urubú Rei. Urubú Rei implodiu porque nasceu antes da hora. "Seria uma cult band, hoje", avalia Julio. Era por demais inglesa e as menininhas Fiorucci ainda não tinham começado a andar vestidas de negro. Assim, após seu enterro, as cordas do grupo (Castor, guitarra; Flávio Santos, baixo) acompanharam Julio num encontro com a cozinha da Km Zero (Renato G., irmão de Julio, bateria; Fred Lamachia, percussão).
O que se escuta não é um trem desgovernado. A noite está clara, a lua está cheia. E a música quase conforta. "Sonhos são manequins em vitrines/ ... Não chore Lola/... Você vai comprar um vestido novo/ Vai mudar o penteado/ Vai fumar outro cigarro/ Mas o que importa é a cama vazia/ O filme sem ilusões."
Música redonda, mix de porradas culturais. Bossa-nova distorcida num juke box. Pop inglês contrabandeado por um imigrante caribenho ilegal. Amor caliente, saleroso. Morte urbana, melancólica. Um som nada morno. Na solidão do Saara. Porto Alegre.

VZYADOQ MOE

Quando a fita aterrissou aqui na redação, os primeiros ouvidos logo questionaram: "O que é isso? De onde vêm? Quem são?" Isso era uma mistura inspirada no expressionismo alemão e na poesia dadaísta, usando latas como bateria e percussão, e um vocal antivocal, fora do ritmo. Eles vêm de Sorocaba, interior de São Paulo, e são o Vzyadoq Moe.
Nossos ouvidos não mentiram. Apesar de terem montado o grupo há apenas sete meses, esses garotos (15 a 17 anos) já têm seus caminhos muito bem definidos. "Queremos chegar à Europa. Tem muita gente que acha que banda nacional não presta. Queremos mudar isso. Temos condições de arrebatar o cetro de Londres. Lá está tudo morto! As únicas coisas novas e que realmente prestam são Smiths e Jesus and Mary Chain", dizem praticamente em uníssono.
E aqui? "Mercenárias, Akira S & as Garotas que Erraram, Cabine C, Chance e Fellini", concordam. Orlak acrescenta: "Mercenárias estão acima dos outros". "Mas o Vzyadoq está acima de tudo", conclui Fausto.
O nome foi feito à base de sorteio de letras. No mais, minimalismo e preocupação de não parecer com nada. "Virou até paranóia. Descartamos muitas músicas, porque achamos que pareciam com alguma coisa. Além disso, o que torna o som característico é o fato de todos os instrumentos estarem direcionados para a idéia da banda, e não o contrário", vão completando um após o outro.
Edgard (baixo), Fausto T. (vocal e letras), Orlak (guitarra), J. Calegari Jr. (guitarra) e Marcos (percussão) não estão sendo arrogantes. O Vzyadoq é diferente, é novo, é demente, é idéia pura. Que venha o vinil para que todos possam conferir.

AO VIVO

CONTÁGIO TOTAL

Noites Cariocas (RJ) - 15 e 16/08/86
O Noites Cariocas acabou um dos lendários redutos de show e dança do Rio já era. A concha acústica voltará a abrigar shows mais sóbrios, como há dez anos, e o rock perde um de seus espaços mais transados. E, como no rock não se chora, se comemora, durante cinco fins de semana rolou o bota-fora do rock, e quem esteve lá nos dois primeiros foi o grupo Legião Urbana lançando o álbum Dois.
É difícil comentar o show sem se emocionar: foi uma das melhores performances do grupo que já presenciei. Durante uns noventa minutos, apresentaram todo o repertório do novo disco, bastante coisa do primeiro e, em nenhum momento, houve espaço para bocejos ou dispersão de público. Totalmente contagiante.
Na primeira noite, Renato Russo estava com os diabos. Alucinadamente lúcido, ele enfrentou a difícil platéia carioca, mais disposta a pular niu-eivemente que a se ligar nos toques das letras. De enfiada, tocaram todo o novo álbum na ordem das faixas, exceto as acústicas, enquanto o pessoalzinho pedia "Geração Coca-Cola" e "Química", que pintou no final do show de sexta em versão acústica.
Renato esteve demais, e a banda tinha que acompanhá-lo de qualquer modo, pois ele mudava o andamento das músicas e esquecia algumas letras. Em "Fábrica", sacadas legais de Russo: ele notou que as duas belas e frondosas árvores que habitavam o salão haviam sido impiedosamente cortadas. Na sexta, enfiou em meio às músicas e no sábado cantou "Gimme Shelter" inteirinha dentro de "Ainda é Cedo". Será que a moçada sacou o Stones?
O fato é: os dois shows foram sensacionais e praticamente diferentes um do outro. A banda mostrou que progrediu bastante sem com isso perder o punch que a caracteriza e o público saiu do Morro da Urca satisfeito com o espetáculo e doido para escutar o novo disco. Ouviu-se muito o comentário da rapaziada nos dois dias, que dizia: "Isso é que é show, onde tudo acontece sem estar previamente ensaiado e sem parecer bagunça". Afinal, foi isso o que pregaram os grupos que fizeram a cabeça dos legionários: nunca perder o contato com o público, nunca ser inatingível.

LOBO BOM

Projeto SP - 30/08/86
Com onze anos de história dentro do rock nacional, mais um disco vigoroso e bem elaborado e todo o apoio de divulgação, Lobão merecia uma platéia mais ativa e numerosa. No entanto, apenas o centro do Projeto estava lotado, ficando as laterais totalmente vazias. Foi o primeiro show a que assisti onde o palco fervia mais que as cadeiras de espectadores.
Com uma garrafa de uísque na mão ele entrou saudando a platéia. E no repertório desfilaram, além das músicas do LP O Rock Errou, as velhas pérolas. Lobão iniciou o show com "Corações Psicodélicos" e acrescentou depois "Cena de Cinema", "Me Chama", "Decadence avec Elegance", "Robô", "Abalado" e "Tô a Toa Tóquio". Esta última é uma das melhores canções do LP Ronaldo foi para a Guerra, de autoria de Alice Pink Pank. Enfim, uma retrospectiva imperdível.
No meio do show, Lobão protestou contra a crítica a seu LP, publicada na BIZZ 11 (sem citar o veículo e o crítico). Esclareceu não estar defendendo o lado junkie em "Glória" (também chamada "Junkie Bacana"), mas disse que "dentro da própria miséria também há beleza". Em seguida tocou "Mal Nenhum" - parceria com Cazuza - frisando o refrão: "Eu não posso causar mal nenhum/ a não ser a mim mesmo".
Apesar de mirrado, o público era visivelmente fiel e urrou pelo bis, que ficou por conta de "Baby Lonest" e "Revanche". Fiel, também, é uma série de artistas e admiradores que o respeitam por não compactuar com o esquemão e pelo seu senso crítico. Ao se despedir, Lobão completou: "Um beijão! Saúde... Paz... E amor para todos nós".

LAR DOCE LAR

Circus Show (Brasília) - 16/08/86
Se antes o público da capital chegava a desprezar as bandas candangas, agora que algumas delas são sucesso nacional ele lota seus shows entusiasticamente. Santo de casa só merece credibilidade se faz os milagres fora. O recorde de bilheteria do Circus, que era do RPM, já tinha sido derrubado pela Plebe Rude no lançamento de O Concreto Já Rachou. No mesmo rastro, Capital Inicial e Finis Africae levaram ainda mais gente para dançar: quase seis mil ingressos vendidos. O Finis abriu o show, mostrando um som amadurecido desde a participação na coletânea Rumores. Para o Capital, foi uma espécie de volta ao lar-doce-lar, pinceladas de saudosismo e agradecimentos à familia. Os intervalos entre as músicas foram pontuados por discursos. O guitarrista Loro Jones mencionou os irmãos músicos (Geraldo, da Escola de Escândalo, e Rogério, da Elite Sofisticada) no melhor estilo sem-vocês-nada-disso-teria-sido-possível.
O vocalista Dinho confessou o quanto era bom estar de volta, e fascinou homens e mulheres movimentando-se com desenvoltura no palco, vendendo sensualidade em gestos lentos ou nervosos. Ele cantou com um coro de mil vozes um dos grandes hits da noite, "Veraneio Vascaína", transpirando o prazer de desafiar o proibido (um despacho da Censura ou do delegado da Polícia Federal, Romeu Tuma, ainda poderá recolher os discos que a Polygram colocou nas lojas, com essa faixa proibida). Nos metais, Bispo e Paulinho, convidados.
Tudo muito bom, público satisfeito, músicos comemorando no camarim e uma boa nova: a disposição dos produtores em levarem as bandas às cidades-satélite. Nessa periferia há uma legião de seguidores do rock, mas em Brasília essa música - que surgiu falando das coisas da gente da rua - ainda é privilégio das elites.

O MANIFESTO

Palácio das Convenções do Anhembi - 13/09/86
Frisson: deus desce à Terra. Miles Dewey Davis III, o homem que operou sucessivas revoluções no jazz e no rock das três últimas décadas, pisou o palco do Anhembi. Público extasiado, a banda se espalha rápida pelo palco e ataca sumariamente a bombástica "Decoy", ao longo de dez minutos - é o tempo que os fotógrafos, num acordo entre a imprensa e os produtores, por exigência de Miles, têm para trabalhar. Depois de disparados os últimos clicks o show começa pela segunda vez, agora com uma música mais relaxada. E é aí, entre temas alternadamente carregados e poppies, que Miles revela não só o grande instrumentista que todos já comentaram, mas um homem com firmes concepções de trabalho em banda, de música, de arte e de vida.
Já se ouviram reclamações do tipo "pô, o cara é um puta trumpetista e só faz uns solinhos de vez em quando, o resto do tempo fica lá de costas dando uns acordes naquele teclado". Isso sem falar nas infindáveis comparações com o tradicionalista Wynton Marsalis, nas acusações de traidor do jazz, etc., etc., etc. Miles e música já resolveram sua relação - ele já a formulou e reformulou como linguagem, do bop ao cool, do blues ao rock (confira na Discoteca Básica, pág. 114). Pop não é traição tocar sucessos de Michael Jackson ou Cindy Lauper é só tomar outros pretextos para repetir, ainda uma vez, seu manifesto de negro liberto. E o mesmo gosto que Miles tem ao processar os guardas que freqüentemente o fazem parar nas estradas da Califórnia, afinal que diabo é isso de criolo dirigindo uma Ferrari? Não é rancor. É um estado de humor muito particular, transposto em estética.
Seu grupo é uma verdadeira banda de rock: maciça, pesada. E um combo de jazz, com fartos improvisos. Mas há sempre o maestro, editando a duração das partes, indicando aquelas viradas harmônicas conjuntas que você nunca sabe se é arranjo ou repente. As vezes o Miles regente contém os dois teclados, guitarra, baixo, sax, bateria e percussão, e vem para a frente, solando seu trumpete em surdina. Depois solta os cachorros.
Em São Paulo ele estava de bom humor. Jogava para cima e aparava objetos imaginários, passeava solando, pelo palco, como quem caminha pelo parque, ouvia sua própria performance com a cabeça quase dentro das caixas de retorno. Em "Human Nature"(de Michael Jackson), desceu do palco e solou, sucessivamente, para três mocinhas da primeira fila. A primeira ficou estarrecida, e passou o resto do show beijando o companheiro. A segunda teve tempo de preparar uma performance mais "fatal", e ficou sussurrando sei lá o quê para o velho Miles. A terceira, cool, ficou só olhando com cara de "que peculiar, você aí, tocando para os meus peitos". Essa ganhou um apertão mais carinhoso no nariz e uma piscada, por baixo dos indefectíveis óculos escuros do trumpetista...
Quanto à banda: nos teclados, o sobrinho (e responsável pelo retorno de Miles, depois do sumiço de 75/81, às voltas com drogas pesadas) Robert Irving III e um outro, convidado, ambos fazendo usos de timbres fortemente eletrônicos, mas muito adequados à química do som. Um saxofonista e um guitarrista prolixos, Bob Berg e Adam Holzman, um com um pé para cá e outro com um pé para lá da linha do exagero. Mas nada muito grave. Felton Crews, baixo discreto e bem competente, cresceu muito ao longo da apresentação. Vince Wilburn Jr., o baterista que, ao lado de Bob Irving, participou da histórica volta de Miles, sempre brilhante. O percussionista Steve Thornton, dono de um estilo único de solar tumbadora com a mão direita e timbales com a baqueta na mão esquerda, ou tudo como se fosse uma bateria, outro destaque do show. E Miles no centro desse sistema, reluzente em lamê prateado, movendo-se como um misto de felino e lagarto, sorridente e assustador... Não um deus, um homem raro.

DOCE VINGANÇA

The Pier (NY) - 08/09/86
O culpado de tudo é um cozinheiro Hare Krishna, que alimentou os Eurythmics na excursão de 85. Conquistada pelo tempero sensual do mestre-cuca, Annie Lennox se casou. A união durou pouco, diz Annie: "Eu estava na estrada, trabalhando demais, me sentindo muito sozinha, muito vulnerável. E encontrei alguém que soube tirar vantagem disso. Foi um erro, só isso".
Mas o erro deu no maior acerto. Revenge (Vingança), o último LP dos Eurythmics, é a prova de que a vingança não tem apenas um sabor delicioso. Tem também um som maravilhoso. No palco do Pier 84, logo que se abriu a cortina preta fechada por um gigantesco zíper prateado, Annie Lennox e Dave Stewart deram um dos melhores espetáculos de rock desta temporada, em Nova York.
Para Revenge e a atual turnê, Annie e Dave criaram uma banda completamente nova, tão louca que parece sempre a ponto de perder o controle. Annie deixou para trás os cabelos cor de cenoura e a imagem andrógina. Lourinha, de sutiã de renda preta na capa do disco, ela consegue evocar uma sensualidade enorme, mas sem dar a impressão de que é um objeto sexual. Ela própria está no comando.
É arte, arte mesmo, de primeira. Uma coisa consciente, controlada, teatral e eficaz, construída ao redor da voz e das composições de Annie, e dos mil instrumentos e dez mil arranjos de Dave Stewart.
Ele também mudou de imagem, está mais limpo e mais bonito, com uma cabeleira loura bem lavada e óculos escuros, típico guitar-hero.
A mudança musical foi ainda mais positiva. A frieza sintetizada do passado foi trocada por um estilo quente, íntimo, sensual, todo na linha rock-blues de "Missionary Man". Até sucessos passados estão soando diferente. "Who´s That Girl" agora é uma balada acústica, incisiva, poderosa. "Here Comes The Rain Again" tornou-se um rock-hino com um emocionante solo de guitarra de Dave.
Em resumo, Annie e Dave estão agora muito longe daquela música pop inglesa que invadiu os Estados Unidos há três anos, na chamada "Segunda Invasão Britânica". Estão muito mais próximos do verdadeiro rock´n´roll, mas conseguiram manter sua personalidade, fazendo uma música muito mais elevada que a maioria das bandas atuais. Uma música que conta, acima de tudo, com a voz elegante, clara, emocionante e emocionada de Annie Lennox. Atrás dela, além de Jimmy Zavala, está um tecladista como poucos, Patrick Seymour, capaz de arrancar de seus teclados uma sonoridade e uma dicção tão claras quanto as da voz de Annie.
Revenge e esta excursão não provam apenas que os Eurythmics são a banda mais durável e talentosa a sair da Inglaterra, em muitos anos. Provam também que, mantendo este ritmo de criatividade, eles vão continuar sendo maravilhosos, requintados - e populares - durante muitos anos mais. Vai ser preciso esperar. Logo depois das três noites no Pier 84, todas lotadas, Dave Stewart teve um problema de coluna. E o resto da excursão americana foi cancelado.

MELHOR SEM ELE

New Jersey (EUA) - 28/07/86
David Lee... de quê mesmo? Na platéia completamente lotada da Brendan Byrne Arena, pertinho de Nova York, cartazes como este demonstravam que os fãs do Van Halen não estão ligando a mínima para a saída de David Lee Roth, substituído (e como!) por Sammy Hagar. Noutro cartaz, sob uma foto do Van Halen com David todo rabiscado, a mensagem era ainda mais clara: Chega de palhaços! E é verdade mesmo. Sem David, o LP disparou para o topo das paradas três semanas após o lançamento, e a banda continua delirante, mas com uma dupla personalidade - graças à guitarra de Sammy - que transforma o show da banda de power-rock mais popular dos EUA em uma atração dobrada.
Sem David, o próprio ambiente nos bastidores perdeu a terrível tensão que sua presença causava. David era tão vaidoso que proibia qualquer outro componente da banda de usar cabelo louro. Também não permitia a presença das esposas do guitarrista Eddie Van Halen, do baixista Michael Anthony e do baterista Alex Van Halen. Desta vez todas estavam lá, inclusive a de Sammy.
Eddie estudou para ser pianista clássico. Percebe-se nas amostrinhas de Beethoven, Mendelssohn e Debussy, que aparecem mais agora que as palhaçadas de David não estão lá para mascarar as coisas. O melhor do Van Halen são as estruturas musicais fora das convenções, as filigranas do maior virtuosismo nos solos de Eddie, entrando em labirintos musicais que parecem não ter saída possível.
Sammy aceitou o convite para ser o vocalista principal depois de uma carreira solo de nove anos e dez LPs. É experiência para dar e vender. Em vez do deboche de David, ele deu à banda um sorriso delicioso, um bom humor contagiante como sarampo. E, além de sua excelente guitarra, um vocal muito mais bem dotado que o de David. Além de todos os truques de Roth, ele tem a capacidade de chegar a notas muito altas, como as de Robert Plant no Led Zeppelin.
É sexo, muito sexo, que as garotinhas adoram. A todo momento Sammy pára e cheira as calcinhas e sutiãs que elas jogam ao palco. Não tem medo de palavrões, nem de cantar seu "I Can´t Drive 55"´ do alto de uma plataforma de quinze metros de altura. Ele adora a banda, adora a platéia e é adorado. Afinal, há espaço de sobra no rock para este novo e maravilhoso Van Halen. E para tudo que David Lee Roth sabe fazer tão bem...sozinho.

PARA AMERICANO VER

Canecão (RJ) - 31/08/86
Flora Purim e Airto Moreira, os dois brasileiros que ficaram famosos pelas graças de Chick Corea e seu Return to Forever, lotaram o Canecão com um público mordido pela curiosidade. Tudo bem, eles têm nome no exterior e a nossa imprensa diz que eles abafam, mas a gente conhece o trabalho deles. E será que esse trabalho é tão bom assim?
Bem, o show do Canecão foi...multifacetado. O evento, na teoria, deveria ser Jazzista, mas o que se viu foram artistas meio pop, metidos numa salada tropical com momentos de bossa, blues, funk e até um reggae. Coisas boas e outras chatas. Difícil de classificar. Airto abriu com um solo climático na percussão, com cantos a la Hermeto. Depois entrou a superbanda, de nível realmente internacional, e Flora detonou sua voz forte e de timbre meio mulato. Seguiram-se, então, duas horas de diversidade total: desde um bolero cantado por Airto (brega nota dez),precedido de uma longa explicação sobre sua infância em Curitiba, até uma missa, cantada no bis.
A sensação era de indefinição: aparentemente, um show de música popular, mas com músicas longas, e amplo espaço para a improvisação dos músicos. Que, aliás, eram um dos destaques: Ricardo Peixoto (guitarra) e Mary Madalena Ferry (sax)fizeram performances modernas e criativas em cima dos arranjos do pianista Marcos Silva.
No geral, com composições de Stanley Clarke, Jamil Joanes e dos próprios Airto e Flora, foi um show razoável, sem grandes novidades musicais. Na América seria uma "explosiva mistura de jazz e samba". Para nós, for export only seria a melhor qualificação.

MÚSICA PURA

Espaço Mambembe (SP) - 12/09/86
Casa tomada, público atento. Silêncio para que o som entre direto pelos poros e chegue até o plexo solar. Como pisando em papel de arroz, o trio entra no palco e solta os primeiros ventos. "Outra Manhã" é tocada e a platéia aplaude, assovia e silencia - não quer que o ouvido perca nem uma nota! "Outono" é a próxima música. "Espelhos planos/saídas para a solidão" é a frase que se fixa. Mas o melhor mesmo é o instrumental.
Voltando à terra, é bom falar um pouco do grupo e o porquê deste trio agradar, indistintamente, a gregos e troianos. Questão de talento, questão de bom gosto... Sem cenários, sem fumacinha. Apenas música pura, bem executada, bem resolvida. A guitarra de Fábio (também vocal) leva o corpo para o universo. O baixo (Angelo) é a trilha, e a bateria (Cláudio) não deixa esquecer que se pode voar com swing e energia.
No meio do show, Fábio desempunha a guitarra e a toca no chão. Único "truque" durante todo o show. "Trópico" é apresentada assim. Um fotógrafo sobe no palco e distrai a atenção - que inconveniência!
Para finalizar, como sempre, o belíssimo arranjo de "Tomorrow Never Knows", dos Beatles. E, claro, o pedido de bis. Alguém grita: "Começa tudo de novo!" Eles soltam "Em Toda Parte" - novíssima - que pela extensão e beleza é mais que suficiente para satisfazer a todos.

MEU INSTRUMENTO

STANLEY JORDAN

A guitarra é um instrumento capaz de fazer mitos: Hendrix foi o rei e uma série de outros alcançaram o status de "deus" - começando por Eric Clapton. Mas a revolução musical causada por Stanley Jordan é diferente. Se um dia fizerem grafitti em sua homenagem, eles mostrarão paredes com dizeres tipo "Jordan é gênio", ou "intelectual da guitarra".
Esse guitarrista de 27 anos, que vive e respira música a maior parte do seu dia, começou tocando como pianista clássico, aos 6 anos. Aos 10, com a separação dos pais e a venda do instrumento, descobriu a guitarra, assim como o rock, o blues, o pop e seu herói, Hendrix.
De interessado, passou a apaixonado. "Eu já tocava com palheta ou com a técnica tradicional de mão direita. Mas o piano me deu noção de contraponto e eu precisava de novas formas de expressão para a música que me vinha à cabeça." É assim que ele explica como descobriu a técnica dos "finger taps" - as marteladas que seus dedos dão no braço da guitarra. Jordan aplicou, com simplicidade, a técnica pianística (igualmente baseada em marteladas) e passou a soar como dois músicos ao mesmo tempo. Como nos instrumentos de teclas, ele faz a harmonia - ou linhas de baixo - martelando com a mão esquerda (hammer ons e pull offs, recursos tradicionais de guitarra), enquanto a mão direita faz solos e ocasionais acordes pelos "finger taps". Pode parecer complicado, mas Jordan, formado em Música pela Universidade de Princeton, diz que foi um processo natural. "O que eu faço é expressar o que eu ouço. Na verdade, com dez anos de prática, mal penso na técnica e sim na música."
Ele não considera sua técnica melhor que a convencional, mas pensa que é o começo de uma nova era, com novas possibilidades para os guitarristas, que nem sempre primam pela criatividade. Ele acha que o instrumento tem muita expressividade, por isso abandonou o piano.
Jordan é um apaixonado pelo jazz, que considera uma música mais rica e criativa do que o pop. Ele acha, por exemplo, que Hendrix hoje estaria tocando jazz. Assim ele recomenda ouvir guitarristas criativos. Para ele, Wes Montgomery sempre funciona como fonte de inspiração. E,da nova geração, há dois que considera muito bons: Bireli Lagrene, que toca à la Django Reinhardt, e Allan Holdsworth, que não é exatamente jazz mas é muito bom.
Ele revela ainda que não toca seu instrumento na afinação tradicional, mas afinando-o por quartas, o que permite tocar sem mudar muito a posição das mãos. "Mas é só uma forma diferente de pensar. Posso tocar um instrumento tradicional e até pela técnica normal."
Ele tem flertado com instrumentos eletrônicos, como a guitarra sintetizadora e os computadores rítmicos, mas não pensa em utilizá-los no seu próximo disco. Quer mostrar o quanto ainda se pode fazer com seus "finger taps" e promete um disco com guitarra muito bem tocada e melhor, em termos de sensibilidade. ´´A minha técnica, seja ela qual for, é a música que vem à minha cabeça."

Ficha técnica

O principal instrumento de Stanley Jordan é a sua velha guitarra Travis Bean TB-1800, com braço de alumínio. Por causa de sua técnica, ela precisa ter a ação das cordas muito baixa. A grande vantagem do braço de alumínio é que ele dá mais sustain, fazendo com que as notas tocadas com a mão direita soem mais longas.
Ele tem muitos outros instrumentos: uma Ibanez Stanley Jordan (com braço de grafite e um damper - uma espécie de capo para abafar os ruídos das cordas soltas); uma Ibanez Guitar Synthesizer, que permite a ligação Midi com qualquer outro sintetízador, além de uma série de teclados.
Ele usa um amplificador Carver ligado em vários monitores pequenos. Prefere um som de guitarra quase pura, mas tem adicionado um rack da Rockman, com compressores e delay.

HEAVY METAL

þ O Metallica, segundo todos que assistiram, arrasou no início do ano última turnê americana de Ozzy Osburne, quando superou em muito o show do mestre do black metal e confirmou ser o mais importante do jovem metal atual. Em setembro, o Metallica iniciou sua excursão pelo Reino Unido. Leva consigo para abrir os shows a também americana Anthrax que, por sua vez, tenta conquistar território. Quando da excursão americana, num concerto em Long Beach, aconteceu um fato que poucos divulgaram, talvez receosos de prejudicar os artistas. Foi o seguinte: quatro headbangers chapados se esbaldavam na boca do palco durante a performance do Metallica em Jump in the Fire", e de repente foram caindo. Três foram levados a um hospital (um ficou paralítico) e o quarto morreu numa overdose de bebida e diversas drogas pesadas. Ele se chamava John Loftus e tinha 22 anos segundo o fanzine americano Nu Music Nus, que publicou o fato. Agora em julho - último, quando o Metallica estava em Indiana, o guitarrista-vocalista James Hetfield foi praticar skate e sofreu um acidente, quebrando um cotovelo, Mas nem isso cancelou a excursão, pois James continuou cantando e o roadie John Marshall desempenhou sua parte na guitarra. Nada como ter senso de profissionalismo e, ainda por cima, funcionários tão eficientes. Tem gente que, ao menor espirro, cancela tudo...

þ O Tokyo Blade gravava seu terceiro LP, Warrior of Rising Sun, quando o vocalista Vicki James os deixou e foi morar nos EUA. Era só o começo dos problemas. Sem selo certo para lançar o disco, o baterista Steve Pierce e o guitarrista solo Andy Bolton acabaram ficando sozinhos, os outros debandaram. Vieram então os novos elementos: o baixista Dave Donaldson (ex-Tygers of Pan Tang),o guitarrista Sean Cooper e o vocalista Peter Zito. O LP foi suspenso, novo material está sendo gravado na Alemanha e deve sair por uma gravadora de lá mesmo.

þ Ainda Ozzy. O mestre está livre daquela acusação de ter induzido ao suicídio (com as letras de "Paranoid" e Suicide Solution") o jovem John McCollon. Segundo o juiz de Los Angeles, John Cole, essas músicas estão garantidas por uma emenda da Constituição americana. E bom explicar e Ozzy explica: "Eu combato a dependência alcoólica em ´Suicide Solution´. Eu perdi um amigo alcoólatra. Ninguém está mandando ninguém se matar".

þ Como tem muita gente querendo saber, lá vai. Vinnie Vincent Invasion (selo Chrvsalis) é o LP de estréia cm carreira solo do ex-guitarrista do Kiss, Vinnie Vincent. O material foi produzido com o baixista Dana Strum, em Los Angeles. É um álbum, segundo Vinnie, sem frescuras dc sintetizadores e teclados. Uma das faixas é "Back on the Streets", composição de outro ex-guitarrista do Kiss, Ace Frehley. Com Vinnie e Dana estão o vocalista de Los Angeles Robert Fleischman (trabalhou em estúdio com o Journey), tido como um dos cinco melhores do estilo, e o batera Bobby Rock (meio Bonham, meio Moon). Se nada impediu, devem estar a na Europa. Ace, por sua-vez, anda ás voltas com o primeiro LP do Frehley´s Comet, contendo músicas de Russ Ballard e Thin Lizzy. E já anda fazendo comercial de guitarras em revistas musicais. Para variar, aqui não saiu nada ainda.

þ Michael Schenker está de volta e com um enorme cabelão. Para o baixista do Iron Maiden, Steve Harris, e o vocalista do Scorpions, Klaus Meine, Míchael é um dos maiorais da guitarra no rock atual. Livre das drogas pesadas e com família constituída, Michael ressurge com novo grupo: McAuley Schenker Group (mantendo assim a sigla M S G). O vocalista é Rob (ex-Far Corporation e Grand Prix); Steve Mann (ex-Lionheart) faz teclados e guitarra; Rock Newton (ex-Lionheart) é o baixo e na bateria está o austríaco Bodo Schope (ex-Falco, aquele mesmo). Durante agosto e setembro já aconteceram algumas apresentações pela Irlanda. No show de abertura, o Rogue Male, apresentando o material de seu segundo LP. No fim do ano, o novo M S G deve gravar seu LP pela Chrysalis.

AIR MAIL

A TV a serviço do povo na terra da Iron Maiden. O Whistle Test especial da BBC começou às cinco da tarde de um sábado e acabou às oito da manhã do domingo. O furor e o terror da era do clip, incluindo 80 por cento de lixo absoluto. Ficamos com os pontos altos: superentrevista de meia hora com Daddy Cool Bryan Feny (foto); os vídeos em super-8 de Derek Jarman para os Smiths - aulas de pureza surreal. Run-DMC e Aerosmith no faroeste definitivo entre heavy metal e hip hop. ZZ Top no Texas - mais far out impossível. E Big Mac e seus Bunnymen tocando inéditas em estúdios.

Depois de fazer o Easy Rider dos onos 80 (Repo Man) e quase quebrar a cara com a letal punk love story Sid and Nancy, Alex Cox foi fritar a cabeça e a câmera no sul do Espanha, filmando um spaghetti-western, Straight to Hell. Entre os infernais do elenco, Elvis Costello, Joe "Ex-porta-voz de uma geração como líder do Clash" Strummer, e o vocalisto dos Pogues, o grotesco Shane Macgowan. A próxima de Cox é na Nicarágua: vai infernizar os contras, auxiliados por um estéreo de metal e um estoque de fitas do Clash.

O pesadelo da tartaruga azul. Sting estava filmando sua próxima ego-trip em Trieste, e seu staff o ofereceu aos organizadores do festival de Veneza como um dos mestres da cerimônia de encerramento. Resposta: "No, grazie". É isso aí, ragazzi: chega dessa máfia do efeito rinsagem.

"Money changes everything." E como, não é, seu Morrissey? Os Smiths assinaram com a EMI por um punhado de libras - não menos do que um milhão, e agora seu celibatário "big-mouth" não precisa mais se jogar embaixo de um ônibus de dois andares, como andou advertindo em The Queen Is Dead. Breve, The Smiths em concerto com Duran Duran. Enquanto isso, como já avisamos aqui, Johnny "Not So Miserable Now" Marr acabou de atacar como guitarrista principal do novo LP de Bryan Ferry, e agora está brincando com um certo Keith Richards.

Saiu mais uma "definitiva" biografia de um certo David Jones (Alias David Bowie de Peter e Leni Gillman, dez libras e 95). Mais de 500 páginas, muitas historinhas, mas o homem continua um enigma. Já advertiu que biografia mesmo só a dele, quando se dignar a escrevê-la. Enquanto todos esperam sentados, o melhor é ler I, Tina, o similar de Tina Turner, que sofreu de A a Z nas mãos do sádico lke, mas um dia chegou lá.

O filme mais cool ,de 86 é uma saga bebop dirigida por um francês. Em Round Midnight (BIZZ 7), título monkiano, é claro, Dexter Gordon (foto) compõe com um sax, murmúrios e swing de corpo uma caracterização memorável de um músico de jazz na Paris do fim dos 50, resgatado da autodestruição por um adorador dedicado. O filme não ganhou o festival de Veneza porque o júri tinha outros lobbies. A cor é cool blue, carregada de cinza. A trilha é Chernobyl On The Rocks: tem Monk, Cole Porter, Gershwin, Gordon, Lester Young, Bud Powell... (o filme é baseado em episódios da vida desses dois últimos). Rezem para chegar aí antes de 1990.

Dois cult-movies de luxo estouraram no festival de Veneza e no máximo até o ano que vem chegam aí - pois são distribuídos pelas "majors" americanas. Em Big Trouble in Little China, de John Carpenter (o aterrorizante de Halloveen e Christine), temos um Indiana Jones caminhoneiro atacando fantasmas, assombrações, mitos milenares,fera de kung fu e malucos em geral na Chinatown de São Francisco. Satisfação garantida ou seus efeitos especiais de volta. O outro é Short Circuit, de John Badham, onde um robozinho mais humano que E.T. dança tango, frita omelete, vicia-se em TV, dirige caminhão e faz um Inferno dos diabos quando escapa de um laboratório ultra-hightech de inteligência artificial. A demência americana continua inimitável para reescrever o passado e antecipar o futuro.

Jean-Jacques Beineix, depois da colagem pós-moderna de Diva e do desespero estilizado de A Lua na Sarjeta, voltou matando em Betty Blue - esta a melhor saga francesa de amour fou em 86. Sexo, solidão e loucura - tudo banhado em amarelo e azul. A trilha, da fera Gabriel Yared, é melancolia bergamaniana. Beatrice Dalle - a bela e louca - tem um rosto de impacto tão forte quanto Bardot em sua época. Ao vivo, em Cannes, eu a achei meio creizona da Vila Madalena. 0k, é só não abrir a boca e a câmara abrir um dose nos lábios carnudos...

por Pepe Escobar

POLANSKI

"Quem é o anão?", pergunta o personagem de Jack Nicholson em Chinatown, gozando o tampinha interpretado pelo tampinha Polanski. A resposta é uma punhalada no nariz do gozador. "Aquele baixinho sujo!", diz a personagem de Sydne Rome em Quê? Adivinhe de quem ela está falando. "Atriz Sharon Tate assassinada - ela e o marido Polanski envolvidos em drogas e ocultismo", ou "Polanski violenta adolescente", berrou a imprensa sensacionalista, nos infelizes episódios de 69 e 77. A conclusão é do próprio Roman ,na abertura de sua autobiografia: "Desde quando posso me lembrar, a linha entre fantasia e realidade tem estado irremediavelmente embaçada".
Judeu e adolescente na Polônia de 1940, do gueto da Cracóvia ocupada pelos alemães à duvidosa liberdade sob influência soviética, Polanski aprendeu a se virar sozinho. Só os porcos vão ao cinema, pichava a resistência polonesa. Polanski, que não tinha nada de colaboracionista ou ingênuo, nunca se furtou a essa paixão. O teatro juvenil e as novelas radiofônicas, por mais que cheirassem ao "realismo socialista" stalinista, foram os próximos passos. Foi como ator para a escola de cinema de Lodz, apaixonou-se pela direção. Seus curtas fascinantes e inclassificáveis lançaram Polanski em uma carreira internacional.
Na Paris da nouvelle vague, Polanski achou o terreno ideal: cinema criativo a baixos custos. Desenvolveu, também, suas parcerias mais significativas: com o roteirista Gerard Brach combinou idéias mórbidas a finas sacadas da condição humana; com o pianista de jazz Christopher Komeda rebatia a tensão de suas histórias com um som cool. Hollywood o recrutou. Uma seita de hippies tarados assassinou-lhe a esposa, a atriz americana Sharon Tate. De sucesso em sucesso, de escândalo em escândalo, de briga em briga contra produtores-censores, Polanski firmou mil imagens desconcertantes. Playboy internacional, sedutor de suas atrizes (inclusive Nastassja Kinski) e de menores inocentes, tanto faz. Mas gênio do cinema, homem dos mil instrumentos (diretor-roteirista-ator), dono de uma filmografia brilhante, que em 86 retorna com Piratas, isso é certo.

FILMOGRAFIA COMPLETA
(os filmes com o sinal * são disponíveis em vídeo): Generation (54, só como ator); The End of the Night (55, só como ator); Knife in the Water* (A Faca na Água, 62); Repulsion* (Repulsa ao Sexo, 65); Cul-de-Sac (Armadilha do Destino,66); The Vampire Killers (A Dança dos Vampiros, 67, também como ator); Rosemary´s Baby* (O Bebê de Rosemary, 68); Macbeth (Macbeth, 71); What? ou Diary of Forbidden Dreams* (Quê?, 72, também como ator); Chinatown* (Chinatown, 74, também como ator); The Tenant* (O Inquilino, 76, também como ator); Tess* (Tess, 80); Pirates (86)

VÍDEOS

LANÇAMENTO
QUÊ? (What?, 72)
Direção: Roman Polanski. Com Marcello Mastroianni, Sydne Rome, Hugh Griffith, Roman Polanski, Henning Schluster. Polevídeo.
Inédito nos cinemas, agora está disponível em vídeo o sétimo longa-metragem de Polanski, bem mais leve que a média sangrenta de seus filmes. Quê? retoma o clima mágico de seus primeiros trabalhos, principalmente A Faca na Água e Armadilha do Destino, mas com o humor e a inconseqüência da Itália, onde foi filmado.
É a história de uma atraente hippie americana (Sydne) que chega a uma villa mediterrânea abraçada a seu estúpido diário de viagem. Lá não faltam tipos exóticos, desde um ex-gigolô (Mastroianni) até um excêntrico mergulhador (o próprio Polanski), todos mais ou menos interessados em conquistá-la. Quê? também tem muito das obsessões (padres, refeições, perversões sexuais) e das situações surrealistas de Buñuel. Intrigante e divertido.

DRAMA
MIXED BLOOD (84)
Direção: Paul Morrissey. Com Marília Pera, Richard Ulacia, Linda Kerridge.
Morrissey, o colaborador de Andy Warhol (Flash, Trash, Heat, Dracula e Frankenstein), convidou Marília Pera para estrelar seu filme após o (relativo) sucesso americano de Pixote. Ela é Rita LaPunta, líder de uma gangue de brasileiros que, sem a menor "ética profissional", invade o território de negros e latinos na distribuição de drogas em Nova York. Um filme bastante violento e eventualmente hilariante, quando Rita, irritada, explode em xingamentos em português, ou, feliz, imita Carmen Miranda. Na trilha sonora, Andy "Sugar Coated" Hemandez.

GARBO TALKS (85)
Direção: Sidney Lumet. Com Anne Bancroft, Ron Silver, Carne Fisher, Catherine Hicks.
Simpático e despretensioso filme do diretor de Rede de Intrigas e Um Dia de Cão. Bancroft faz uma ativa defensora dos oprimidos e não hesita em roubar supermercados que remarcam seus preços, ou em escalar um andaime para repreender os operários que dizem besteiras para as moças passantes. Mas ela descobre que está doente, com os dias contados, e seu filho tenta realizar seu último desejo: a mulher é fã número um de Greta Garbo e quer vê-la antes de morrer. Inédito nos cinemas.

ANJOS DE CARA SUJA (Angels With Dirty Faces, 38)
Direção: Michael Curtiz. Com James Cagney, Pat O´Brien, Humphrey Bogart, Ann Sheridan, George Bancroft.
Do diretor de Casablanca, um clássico com um grande elenco. Cagney e O´Brien representam os colegas de infância e adolescência, arruaceiros de rua, que tomam rumos antagônicos: um vira gângster, outro vira padre. Quando eles se encontram em seu velho bairro, redescobrem a amizade e a sua própria história repetida entre os jovens delinqüentes.
O padre tenta educá-los, mas é o gângster que eles idolatram... Entretanto, o criminoso continua metido em seus negócios escusos, ameaçado por outro gângster (Bogart), seu ex-sócio, e eles partem para o acerto de contas final. A cena da cadeira elétrica, no fim do filme, é memorável.

SUBURBIA (83)
Direção: Penelope Spheeris. Com Chris Pederson, BiIl Coyne, Jennifer Clay, Thimothy Eric O´Brien, Andrew Pece.
Um dos filmes que tentaram retratar a juventude punk americana, Suburbia é ingênuo, amador e muito mal conceituado. Mas não é tão ruim quanto a crítica quer fazer crer: há alguns momentos interessantes e verdadeiros na vida da comunidade instalada em um bairro deteriorado, "Suburbia", uma utopia classe média. A vizinhança se incomoda, e começa a perseguir os garotos.
Bons momentos também nas apresentações das bandas no clube punk local, inclusive com uma aparição do T.S.O.L. Os punks, pelo menos, devem gostar.

POLICIAL
CHINATOWN (74)
Direção: Roman Polanski. Com Jack Nicholson, Faye Dunaway, John Huston, Roman Polanski.
Um dos filmes mais festejados de Polanski, Chinatown é uma cuidadosa reconstituição do clima dos films noir das décadas de 40 e 50, com um roteiro (de Robent Towne) muito inspirado nas histórias de Raymond Chandler. Jack Nicholson também está perfeito no papel do detetive Jack Gittes, um investigador de casos sujos, tipo adultério.
Em um de seus casos mais simples, ele descobre que na verdade está envolvido em uma trama complexa, com toda a corrupção na prefeitura e na burguesia de Los Angeles por trás. John Huston, o diretor do clássico noir O Falcão Maltês, foi homenageado por Polanski com um convite para o papel do velho coronel prepotente e metido em negociatas sujas. Faye Dunaway é sua filha que, lógico, conquista o detetive durão. Polanski aparece de bandido em uma ponta, só para retalhar o nariz de Gittes com um punhal.

CORRUPT (83)
Direção: Roberto Faenze. Com Harvey Keitel, John Lydon, Nicole Garcia, Leonnard Mann.
Mais uma história de corrupção, desta vez com um atrativo muito especial: John Lydon, o vocalista dos Pistols e do PiL, em sua estréia nas telas. Ele é um maníaco envolvido no assassinato de policiais novaiorquinos, que descobre o apartamento secreto que um investigador mantém para seus encontros homossexuais com outro policial. O investigador o seqüestra, enquanto tenta avaliar qual é o real perigo que o doido representa. Um clima carregado de paranóia e violência, com uma esplêndida trilha sonora de Ennio Morricone. Muito inquietante.

O ULTIMO GOLPE (Thunderbolt and Lightfoot, 1974)
Direção: Michael Cimino. Com Clint Eastwood, Jeff Bridges, Geoffrey Lewis, George Kennedv.
Filme de estréia do diretor de O Ano do Dragão, com um Eastwood atípico, no papel de bandido. "Corisco" e "Pés Leves" se encontram na estrada, e acabam descobrindo que formam uma boa dupla nas coisas da estrada e do crime. O primeiro saiu da cadeia pronto para recuperar o produto de um velho roubo, mas antes vai Ter que se acertar com dois de seus ex-comparsas. Um filme bastante curioso e divertido.

DOCUMENTÁRIOS
CABRA MARCADO PARA MORRER (1984)
Direção: Eduardo Coutinho.Com Elizabeth Teixeira.
Documentário nacional muito interessante, talvez o melhor filme brasileiro de 84/85. O golpe militar de 64 interrompeu as filmagens do Cabra... original, uma dramatização sobre a vida de um líder camponês da Paraíba. Vinte anos depois, o diretor Coutinho tenta localizar todos os camponeses envolvidos na filmagem. Elizabeth, a mulher real do líder assassinado, interpretaria a si mesma. Com o golpe, tomou-se clandestina, escondida no sertão do Rio Grande do Norte, e sua família se espalhou pelo país. Coutinho junta os depoimentos a trechos do filme antigo em um brilhante exercício de cinema de intervenção, interessante até para quem detesta política e documentários.

COMÉDIA
CREATOR (1983)
Direção: Ivan Passer. Com Peter O´Toole, Mariel Hemingway, Vincent Spano, Virginia Madsen.
O ótimo O´Toole é um cientista que guarda células vivas de sua falecida mulher, certo de que irá reconstitui-la um dia. Spano (Asas da Liberdade) é seu jovem assistente, e os dois estão sempre metidos, contra a vontade, nas escaramuças do Conselho Universitário de sua escola de Medicina. Entre ameaças de demissão, o amor do professor pela esposa morta e a sedução da doce Manriel Hemingway, Passer compõe uma bela comédia dramática.

SUSPENSE
O INQUILINO (Le Locataire, 1976)
Direção: Roman Polanski. Com Polanski, lsabelle Adjani, Melvin Douglas, Shelley Winters.
Baseado em uma novela de Roland Topor (o diretor do desenho Planeta Selvagem), Polanski volta a um de seus temas prediletos: a semente do mal germinando em velhos apartamentos, como em Repulsa ao Sexo e 0 Bebê de Rosemary. Polanski tomou, também o papel principal, o do polonês radicado na França, Trelkowski, que começa a ter estranhas alterações de comportamento ao ocupar o apartamento de uma suicida. O filme, excelente, joga com um terror sutil, desdobrado em episódios misteriosos e em uma tensão crescente, até a loucura do inquilino. Nem Adjani, no papel de sua namorada, consegue tranquilizá-lo, contra a pressão de seus terríveis vizinhos. Um horror.

MUSICAL
SIOUXSIE & THE BANSHEES-ONCE UPON A TIME (1983)/ NOCTURNE (1984)
Estes são os dois vídeos oficiais da banda. Once Upon a Time é uma coletânea de singles/clips: "Hong Kong Garden", "The Staircase" e "Play-ground Twist" com a formação original do grupo (com Kenny MorrIs e John McKay); "Happy House", "Christine" e "Red Light" com Budgie já ao lado de Severin; "Israel", "Spellbound" e "Arabian Knights" já com o guitarrista John McGeoch integrado. Belos clips, acompanhando as concepções visuais que sempre preocuparam Siouxsie. Nocturne é o registro do famoso show de 83 no Royal Albert Hall, com todos os hits e o repertório básico do LP A Kiss in a Dream house, inclusive as belas "Cascade" e "Cocoon". A bombástica abertura com Stravinski e "Israel" é genial, e Fat Bob Smith está na guitarra.

FANTASIA
A COMPANHIA DOS LOBOS (The Company of Wolves, 1984)
Direção: Neil Jordan. Com Angela Lansbury, Sarah Patterson, Graham Crowden, Micha Bergese.
Uma curiosa mistura da história do Lobo Mau com o mito do Lobisomem, em clima de sonho e fábula. O diretor Jordan é um dos novos talentos do cinema inglês, e rodou seu filme totalmente em estúdio, com uma floresta artificial que lembra a de A Lenda. Há também momentos de terror, como a transformação do camponês em lobisomem. A cantora Danielle Dax aparece como mulher-lobo.

EM CARTAZ

OS AVENTUREIROS DO BAIRRO PROIBIDO

O americano John Carpenter tem muito de oportunista - lançou-se com Halloween em plena onda de filmes de terror, respondeu ao ET com Starman, e este Aventureiros vem firme na trilha de Indiana Jones -, mas é também um bom diretor. Na melhor tradição do cinema "B" de Hollywood, como o de Roger Corman, transforma orçamentos limitados, prazos curtos e idéias sensacionalistas em filmes curiosos e inovadores.
Este é o caso. O "galã" Kurt Russell (um especialista em seriados de televisão, como Bonanza, O Fugitivo e Gunsmoke) combina tiradas à moda do herói de Spielberg com doses pesadas de anti-heroísmo e canastrice deliberada. Ele é um motorista de caminhão, aliás transportador de porcos, que ajuda um amigo chinês a recuperar a noiva das mãos da Máfia de Chinatown. Mas, para além dos conflitos das famílias e gangues, está um grande mistério oriental, com fantasmas de 2000 anos, maldições milenares, muita feitiçaria e artes marciais.
Com o reforço dos ótimos efeitos especiais de Richard Edlund (premiado pela série Guerra nas Estrelas e por Caçadores da Arca Perdida), a dupla, acompanhada por uma galeria de tipos exóticos, mergulha em uma esfuziante e divertida fantasia chinesa, bem mais provocadora do que Spielberg costuma ser. A trilha sonora, do próprio Carpenter, é outro ponto alto. Boa diversão.

HANNAH E SUAS IRMÃS

Woody Allen recuperou o humor de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa e Manhattan. Em Hannah e suas irmãs ele volta a falar dos medos e manias das pessoas, depois do cético Broadwa Danny Rose e o melancólico A Rosa Púrpura do Cairo. Hannah traz Woody outra vez em seu habitat natural: Nova Iorque. É uma história de família, com todas as paixões em torno das irmãs e as competições encobertas.
O filme e a biografia de Mia Farrow se tocam em vários pontos. Ela é Hannah (Woody parece realmente encantado com a delicadeza dela), a irmã-que-dá-certo; Dianne West faz uma Holly comovente; Barbara Hershey é Lee, a casadoira; Maureen O´Sullivan, mãe de Mia, é sua mãe também no filme. Ela e Lloyd Nolan (que faz o pai) são dois veteranos de Hollwood e representam um casal de artista em decadência.
E, como não podia faltar, Woody faz piada outra vez com sua origem. É o seguinte: judeu, Mickey (Woody) resolve converter-se ao catolicismo. "Por que o catolicismo?", pergunta-lhe um padre. "Porque já é uma religião bem estruturada", diz Mickey - e compra um crucifixo na esquina mais próxima.
Em outra de suas depressões, Mickey pensa que, no final das contas, nenhum dos grandes gênios da humanidade, como Freud, Sócrates ou Nietzsche, teve respostas às grandes perguntas do tipo "de onde viemos e para onde vamos?". Woody também não tem, mas até se dá ao luxo de um final feliz, com um filme que começa e termina num Dia de Ação de Graças. Woody é um pessimista que dá graças a Deus.

LANÇAMENTOS

DISCOS

INVISIBLE TOUCH - Genesis (RCA)
As meticulosas filigranas que eram a marca registrada dos primórdios do Genesis foram substituídas por ritmos marcados, agressivos, e por melodias marcantes e facilmente memorizáveis. Em poucas palavras, o Genesis caiu de boca no pop.
Esta guinada rendeu bons discos e enorme popularidade. Mas este Invisible Touch parece preguiçoso perto de Abacab (para citar o próprio grupo) e uma mera sombra dos super-hits de Phil Collins. Até mesmo os Mechanics de Mike se saíram melhor.
A faixa-título e "Throwing It All Away" são os pontos fortes (pop desavergonhado e musculoso).
J.E.R.

LABYRINTH - David Bowie (EMI-América)
Bowie continua a brilhar no cinema, agora como estrela principal de Labyrinth, a nova superprodução de George Lucas, dirigida por Jim Henson (o criador dos Muppets).
Enquanto o filme não vem, você pode se contentar com a trilha sonora original do filme que a gravadora antecipa no mercado. O ator escapa da tela e entra no estúdio para representar o papel de músico, compositor e arranjador, contribuindo em quase todas as faixas do disco (as outras são instrumentais de Trevor Jones).
Em "Underground", Bowie contrasonora seu vozeirão e vocais de fundo de Cissy Houston, Chaka Khan e Luther Vandross, embalando contagiante toque gospel à música.
C.A.

EAT´EM AND SMILE - David Lee Roth (WEA)
David não marcou. Ele sabia que para enfrentar seu ex-grupo, o Van Halen, com categoria, teria que caprichar. E, para tanto, pegou o guitarrista Steve Vai (ex-Zappa e Alcatraz), que logo na faixa de abertura, "Yankee Rose", dá um show, fazendo seu instrumento até "vocaliar" junto a David. Mas não é só de pauleira que vive Roth. O LP tem de tudo: hard, swing, heavy, R&B, rock tradicional, boogie-woogie e até orquestra. E uma continuação de Crazy from the Heat, do ano passado.
Vai tocar em FM, e muito headbanger vai arrotar em cima. Mas, apesar dos gritinhos e das comercialidades, é um bom disco, com um bomtrabalho de baixo e bateria.
L.R.

THE BEST OF B.B. KING (WEA)
A gravadora continua aproveitando a passagem do mestre do blues por aqui, em agosto. A antologia traz três músicas do último lançamento, Live at Cook County Jail (a saber, "How Blue Can You Get", "Sweet Sixteen" e "The Thrill is Gone". E deixa de lado sucessos como "Worry,Worry, Worry", presentes em quase todas as apresentações da banda. De resto, há até blues de branco ("Hummingbird", de Leon Russel, o píanista branco que já tocou com os Stones), e a habilidade e tranqüilidade com o instrumento adquiridos pelo Blues Boy King em suas décadas de estrada. Com a boa utilização dos metais (introduzida no blues por T. Bone Walker), B.B. King cumpre o que promete: um delírio para os blueseiros.
J.E.M.

BIG & BEAUTIFUL - Fat Boys (WEA)
Nestes últimos anos o funk também teve sua explosão new wave, com o surgimento de grupos e estilos totalmente contrários aos mellows e pós-discothéques até então reinantes. Do super-rapper L. L. Cool J ao heavy-funk do Run-D.M.C., muita coisa boa pintou. Entre os bons desse novo time estão os Fat Boys, que numa comparação brincalhona estão para o fank atual como o também trio de gordos Hüsker Dü está para o rock.
Em sua estréia brasileira, tratados um pouco com descaso pela gravadora, eles abrem o salão com uma homenagem "racha-soalho" a James Brown, em uma nova versão para "Sex Machine", e daí em diante arrombam qualquer festa-baile com mais oito faixas. É Krush Groove total.
T.L.

BREAK EVERY RULE - Tina Turner (EMI-Odeon)
Superar Private Dancer - o álbum que elevou Tina Turner da categoria de sobrevivente a superstar - talvez estivesse nas cabeças de Tina e seu empresário (Roger Davies, sobre o qual fala-se muito na pág. 44). Afinal, Break Every Rule bebe das mesmas fontes de que se nutriu o álbum anterior. Mas não é mera repetição de fórmula. Se tanto, a reconvocação de conhecidos arquitetos musicais provou que Tina poderia ir muito mais além do que Dancer ameaçara.
Como em "Girls" por exemplo, presente de Bowie, o David: aqui Tina exercita o perigo. Ou em "I´ll Be Thunder", a faixa que encerra o álbum com coruscantes pirotecnias vocais. E em "What You Get Is What You See" ela reedita o calor de "Steel Claw", num rockão básico e levado. Aos 48 anos, Tina pode crescer mais ainda.
J.E.R.

EMERSON, LAKE AND POWEL - (PolyGram)
Grupos que marcam época deviam estar mais atentos ao momento oportuno de encerrar a carreira e ficar na história em grande estilo.
Ao lado de King Crimsom, e Yes, entre outros, Emerson, Lake e Palmer foram pioneiros do rock progressivo.
O trio pôs no vinil um repertório de importância indiscutível. Ouçam "Tarkus", "Trilogy", ou a versão tecno do clássico de Mussorgsky, "Pictures at an Exhibition".
A troca de Palmer, o ex-percussionista do grupo, por Powel, só foi providencial mesmo na semelhança sonora do nome.
Este lançamento é a prova de que, às vezes, é melhor sumir do mapa que decepcionar uma legião de fãs.
C.A.

GOSTO DO PRAZER - A Cor do Som (RCA)
Em tempos longínquos, a fusão baiana praticada pela Cor acertava o alvo em cheio: a combinação dos ritmos nordestinos, aliada ao talento instrumental dos músicos, criava uma opção inteligente de rock brasileiro. Fizeram sucesso, não só por roquinhos inofensivos, mas por trabalhos instrumentais de qualidade. O problema foi manter o pique: o grupo se viu na obrigação de fazer hits, perdendo a criatividade.
Esse disco traz mudança de time, com a entrada de dois irmãos de Pepeu (Jorge e Didi Gomes, na bateria e no baixo, respectivamente). O resultado é uma tentativa razoável de reeditar o clima do passado, mas meio sem cor.
AD.

KNOCKED OU LOADED - Bob Dylan (CBS)
No verão setentrional deste ano, Dylan empreendeu uma de suas melhores excursões, levando a tiracolo Tom Petty & The Heanbreakers. De um lado, houve quem tivesse visto nos shows da turnê verdadeiras epifanias. Por outro, houve quem dissesse que Dylan, na verdade, estava precisando de um pouco de grana.
O mesmo tipo de reação - opostos viscerais para explicar uma mesma coisa - foi gerado por este álbum, gravado entre um show e outro da turnê. Para estes ouvidos que vos escrevem, no entanto, Knocked Out Loaded pode não ter altos focos; "Brownsville Girl" (co-escrita por Dylan, mais Sam Sheppard) pode ser complacente e pretensiosa demais; uma parceria com Carole Bayer Sager pode ser panaquice excessiva. Mas há quanto tempo Dylan não soa tão esperto, tão interessado, tão rock´n´roll?
José Emilio Rondeau

A KIND OF MAGIC - Queen (EMI-Odeon)
O Queen virou especialista em trilha sonora para filmes. Começou em Flash Gordon. Depois de outros tantos agora é com o épico Highlander, representado em algumas faixas desse LP, sendo "One Vision" de outro filme, Iron Eagle. Arranjos perfeitos, cheios de (cine)efeitos o tempo todo, solos e vocais certeiros, mas e aquela batidinha de funk de branco dançar (para não chamar disco) que só visa o caminho das FMs comerciais? Tem também temas mais românticos, como "One Year Love" e "Who Wants To Live Forever", com Fred se destacando junto a belos solos de sax. Era o que faltava para uma bela cena de amor ao luar num filme piegas. Se não fossem algumas boas intervenções da guitarra de Brian May ia ficai tudo melado demais. Dá a impressão de que o Queen atualmente não passa de acompanhamento de Mercury, e a gente sabe que ele vai vender e tocar horrores, por isso não adianta esbravejar. E comprem suas pipocas e guloseimas. Boa matinée.
L.R.

MINHA VIDA - Lulu Santos (RCA)
Lulu continua a desbravar um território inóspito (por paradoxal que possa parecer): o do pop nacional. Isso fica muito próximo do brega, e é por lá que muitas tentativas costumam se perder... Lulu não, ele acertou a receita.
Seu último LP, Normal, mais básico e pesado que os anteriores, rendeu dividendos. Por um lado, o tempero adequado para este simpático Minha Vida. Por outro, uma briga feia com sua ex-gravadora - da qual Lulu se desforra pesadamente em "Ro-Que-Se-Da-Ne" - e um humor aguerrido que permeia todo o disco.
A.A.

LIVE - Bob Marley & The Wailers (WEA)
Entre outras coisas, os shows de Marley no Lyceum, um teatro londrino, em 1975, lhe valeram a capa do Melody Maker e sua definitiva ascensão ao panteão pop. Uma apoteose, um exorcismo que teve bombástica participação da platéia e, de quebra, um dos melhores discos ao vivo da história. Só tem um porém... Este Live já havia sido lançado aqui, enquanto permanece inédito até hoje Babylon by Bus (outro "ao vivo" incendiário de Marley, só que duplo). Vamos aproveitar para completar o catálogo do filho predileto de Jah?
Aos neófitos, recomenda-se a leitura de Catch a Fire, de Stephen Davis, biografia que é alta literatura.
J.A.L.

BALANCE OF POWER - Electric Light Orchestra (CBS)
Com 15 milhões de discos vendidos no planeta, Jeff Lynne, o líder da ELO - e músico bem-sucedido nos resultados financeiros da pop music mundial -, considera este LP uma reviravolta no trabalho da sua banda elétrica.
Para a mudança desejada, trocou sua orquestra de trinta músicos "pela volta ao rock mais puro", em sua opinião.
A canção-chefe do disco, "Calling America", tem o mesmo clima de "California Dreams", dos Beach Boys.
Ao longo das dez faixas, um trabalho despersonalizado e bem ao gosto de quem não quer nada com nada enquanto ouve.
Baladas, canções relax, musak pra fundo de conversa. Pra não atrapalhar ninguém.
C.A.

HOME & ABROAD - The Style Council (Polygram)
Quando resolveu encerrar a carreira do iam, em 82, para no ano seguinte formar o Style Council, aparentemente o cantor e compositor Paul Weller tinha dado uma guinada radical, mudando de contestador para careta. Mas só aparentemente. O Style Council, com toda a sua sonoridade jazzy e soul, é uma continuação das idéias do engajado politicamente Weller, só que usando uma roupa chique. Auxiliado por Mick Talbot, ele apresenta aqui, basicamente, parte do repertório de seus dois primeiros discos, mais dois singles, tudo registrado ao vivo na Inglaterra e na vizinhança européia. Bom para os fãs e ótimo para os que não conhecem.
T.L.

RIPTIDE - Robert Palmer (WEA)
Palmer era mais um branco com mania de preto que vagava pelo mundo se associando a artistas igualmente fanáticos por soul e por rhythm´n´blues (é legendária sua colaboração com o Little Feat, nos anos 70, no álbum Pressure Drop) e lançando álbuns individuais que eram cultuados por poucos mas fiéis fãs. Bom de repertório, sempre cantara como um furacão sob controle.
Até que se tomou o vocalista do Power Station, caiu no gosto das garotinhas de 15 aninhos e - catabum! - virou sucessão de massa. Neste seu primeiro disco da fase pós-Power, vale "Addicted to Love" e também a produção de Bernard Edwards.
J.E.R.

REVENGE - Eurythmics (RCA)
Quando forem publicadas as listas de melhores de 86, com certeza Revenge, dos Eurythmics, figurará na de melhores elepês. Trata-se do quinto trabalho (não incluindo a trilha de 1984) do duo infernal Annie Lenox/David Stewart, que começou a carreira na virada desta década como The Tourists.
Na caminhada, já experimentaram o gélido tecno-pop de características alemãs, que os fez famosos mundialmente com Sweet Dreams, e depois pesquisaram as negritudes rock e soul americanas, com bastantes pitadas afro nos trabalhos subseqüentes, Touch e Be Yourseíf Tonight. Com Revenge parece que eles chegaram à conclusão de uma fase. Aqui tem tudo do que já foi mostrado antes com doses de profissionalismo e genialidade imbatíveis. É só ouvir.
A decepção só fica a cargo da prensagem nacional, murcha em densidade sonora, botando quase por água abaixo os esforços de Dave e Annie. Sorte de quem temo CD ou o importado. Ainda assim as faixas "Missionary Man", "Thorn in My Side", "When Tomorrow Comes", "Let´s Go" e "I Remember You" compensam.
T.L.

BACK IN BLACK - Whodini (ECA)
Caceta! A crítica mais ranheta andou reclamando que o Whodini não tem, em seus arrasadores funks, a substância das letras de bandas como Run DMC e Kurtis Blow. E que não dá para distinguir seus raps uns dos outros. Mas, como prova em seu terceiro LP, o primeiro lançado aqui, o Whodini nem precisa destas letras (que poucos de nós vamos entender, de qualquer maneira) e mostra, como diria nosso coleguinha Escobar, um vigor de entortar cangotes. "Nós fazemos batidas com ritmo e ritmo com batidas", declara Jalil Hutchins no rap "Funky Beat". O trio usa repetições, ecos, scratches e um sortimento de maneirismos do hip-bop num LP que deve figurar em qualquer pista de dança que se ache digna deste nome. Pode até ser que as músicas sejam muito parecidas. Mas com este swing quem é que na verdade se importa?
J.E.M.

DANCING ON THE CEILING - Lionel Richie (RCA)
Mais um melô-dramalhão-bailinho desta espécie de Barry Manilow negro de bigodão. Say,you say me saying all together: shit! E como se você colocasse um computador/compositor ouvindo 24 horas seguidas a pior FM, e lhe pedisse para fazer um disco com uma síntese de tudo. Ao ouvir deturpações de suas raízes como o pseudo-reggae "Se La", os negros devem estar olhando para o céu e dizendo, como aqueles dos versos de Castro Alves: "Oh, Deus, onde estás que não respondes?" Se respondesse, Richie talvez despencasse do telhado de onde inventou dançar ("Dancing on the Ceiling"). O pior, certamente, em tanta baboseira, é o baladão "Ballerina Girl". Um LP perfeitamente dispensável.
J.E.M.

HIPSWAY - (PolyGram)
Existem pencas de grupos pop, de toda parte do mundo, que surgem e desaparecem todo ano, após freqüentarem paradas de sucesso e ganharem uma grana que garanta a aposentadoria (ou boas férias) até a volta com outro nome. Eles se chamam A-Ha, Go West, Wham!, Pet Shop Boys e até Hipsway.
Qual o critério pra chamar esses grupos de bons ou ruins? Não existe. O que existe é que eles dão ao povo o que ele quer: muita música bonitinha e perfeita, ídolos para as adolescentes e grana para as gravadoras. O Hipsway preenche bem esses requisitos, traz um disco bem produzido, um ótimo cantor e dois excelentes hits: "The Honey Thief´ e "Ask the Lord". É tudo.
T.L.

BEBEL GILBERTO (WEA)
Quem viu Bebel ao lado de seu pai, João, cantando segura melodia difíceis em um especial da Globo, esqueça. Não se trata da mesma. A voz permanece igual: poderosa e promissora. Mas o repertório... Apesar de apoiada em músicos competentes, como Jorjão Barreto nos teclados e Téo Lima na bateria, Bebel aliou-se parcerias com Cazuza e Frejat e produziu pérolas de revolta adolescente como "Tomamos cerveja, queremos caminhos, sonhamos sozinhos"(em "Nós"), ou declarações como "Eu queria ser tua na lua" (em "Tua na Lua"). Ufa.
J.E.M

DEZESSETE BIG GOLDEN HITS SUPERQUENTES MAIS VENDIDOS DO MOMENTO - Língua de Trapo (RGE)
"Quem quiser publicar o nome inteiro do disco, decerto irá estourar sua matéria ou preterir informações importantes", diz o release... e eu gasto ainda mais seis linhas para repetir isto. Na verdade, não há mesmo muito a dizer...
O Língua é mais um expoente da piada-canção, que se apropria de qualquer gênero - rock, bolero, samba, tecnopop, brega - para uma boa gozação. Seu terceiro LP está muito eficiente (e superproduzido: 24 canais, mais de vinte músicos convidados, além do septeto), inovando na utilização humorística dos recursos de estúdio. Há uma faixa com quarteto de cordas em um canal, voz no outro e a sugestão de que você os ouça separadamente... Há outras músicas muito engraçadas, como "Hitler (ou: Foi Tudo Exagero da Imprensa)". Mas que boa piada resiste a mais de três audições?
A.A.

QUADRO VIVO - Kiko Zambianchi (EMI-Odeon)
Kiko envereda agora por um arremedo da cultura dark inglesa com portentos poéticos (?) como "Somos parte de um futuro errado que tentaram nos impor" (em "Estranho Prazer", onde há ecos de Bunnymen), ou "O homem está sempre à mercê de sua sorte" (em "Imaginação", uma qualidade que falta muito, no disco). Ou ainda "As flores não iriam nascer se soubessem o destino" (em "Mais uma Folha no Chão", com ecos do Cure). Sobram resquícios de Heaven 17 e Beatles na psicodélica (?) "Fly" e de um popismo hippie em "Naufrágio" - que, mais apropriadamente, poderia ser o título do LP. Kiko diz, em outra faixa, talvez numa autocrítica, "Não sei se estou bem certo, nem sei se deveria estar". O disco deve vender. Afinal, a faixa-título é hoje tema da novela das oito na Globo. E contém mais uma confissão: "E tão escuro e cada dia escurece mais". Luz! Mais luz!
J.E.M.

CANDY APPLE GREY - Hüsker Dü (WEA)
Das gravadoras independentes de fundo de quintal para o mundo, um power trio que agradará-a roqueiros de todas as facções (os hardcores americanos já aprovaram) com seu som simultaneamente agressivo e suave: Hüsker Du. Não o subestime.
É possível um grupo lembrar tanto os Beatles quanto o Black Flag e ainda assim ser totalmente diferente destes? É possível um grupo de três interioranos numa época tão tecnológica, munidos apenas de baixo, bateria e guitarra, produzir um som que cause tanta fissura com apenas audição de uma música? Pode acreditar que o Hüsker Du consegue. Da crítico-social "Crystal" - que abre o disco com uma porrada - em diante, é um prazer completo. Meus amigos, nem tudo está perdido.
T.L

PRESS TO PLAY - Paul McCartney (EMI-Odeon)
Talvez fosse disto que o velho Macca precisava para neutralizar a dormência criativa que o vinha atacando: cabeças diferentes, opiniões externas. Pete Townshend, Phil Collins, Carlos Alomar (guitarrista de Bowie), Eric Stewart (ex-lO cc) e zilhões de artistas de primeiro escalão deram sua contribuição ao melhor disco de Paul desde... quando, mesmo?
Com Eric Stewart repartindo a parceria em 60% das músicas e Hugh Padgham polindo uma produção ultra-moderna, Paul ressuscitou. Durará?
J.E.R.

CRIAÇÕES E RECRIAÇÕES - Martinho da Vila (RCA)
É difícil encontrar alguma novidade na linha do partido alto, já que ele é feito de harmonias, melodias e letras de grande simplicidade. Mesmo assim, neste território, Martinho, que já foi muito esnobado pela crítica e há alguns anos endeusado por Gilberto Gil, dá de dez, mostrando sempre um trabalho irretocável. Uma espécie de Jorge Ben - sempre parecido, mas sempre bem frito. Destaques para "Odilê, Odilá", um ponto ponto de umbanda recheado de percussão afro, e "Retrós e Linhas", na qual uma letra interessante utiliza a terminologia do corte e costura para condenar as relações baseadas na mentira.
J.E.M.

THE BEST OF THE DOORS (WEA)
A agulha pousa na primeira faixa do lado um do primeiro disco (trata-se de um duplo) e John Densrmore sai batucando um sambinha. Ray Manzarek dispara, no teclado, o baixo propulsor e aí vem a voz: "You Know the day destroys the night, night divides the day... Tried to run, tried to hide.. Break on tbrough to the other side!"
"Break on Through" abre também o primeiro LP do grupo, lançado há quase vinte anos(jan./fev. 67), e o video "Dance on Fire", com um dos primeiros clips da história, um exercício expressionista que envelheceu como vinho francês. Como, aliás, toda a obra dos Doors...toda não, digamos que os fundamentais sejam - além do primeiro (Discoteca Básica de BIZZ 5), Strange Days, LA. Woman, Absolutely Live e An American Prayer. Aliás, estes dois últimos não estão representados nesta coletânea quase perfeita - nem deveriam, são casos/obras à parte que precisam ser ouvidos por inteiro.
Por outro lado, entram as faixas luminosas de LPs menos inspirados "Five to One" de Waiting for the Sun, "Touch Me" de Soft Parade e "Roadhouse Blues" de Morrison Hotel/Hard Rock Café (este, talvez, o ponto mais baixo da carteira deles).
Se The Best of the Doors (com todas as faixas cortadas novamente pelo processo digital) só incluísse os dois épicos da banda - "When the Music´s Over" e "The End" - já valeria seu preço. No terreno baldio de cultura adolescente que é o rock, as duas estio fincadas como o monolito de 2001. Aos neófitos, recomenda-se a leitura de No One Gets Out of Here Alive, a biografia de Morrison (há uma edição portuguesa): sua vida é outra obra de arte.
J.A.L.

VIVENDO E NÃO APRENDENDO - Ira!" (WEA)
O Ira! É um grupo inatacável. Não tanto pelo seu som - vigoroso, mas contra o qual poderiam pesar acusações de pouca originalidade - ou por sua letras - sinceras, mas eventualmente ingênuas. Acontece que o Ira! É um grupo honesto ( com perdão do termo desgastado), um bom tapa na cara dos idiotas envolvidos nesse jogo mesquinho chamado "rock nacional". Não, não se ofenda: EUA e Europa também estão na merda. Mas, pelo menos, ela é invenção deles...Aqui, copia-se. O pior e melhor, indiscriminadamente. O barato é o oportunismo, e dá-lhe "darks" versus...O que o Ira! Tem a ver com isso? Nada.
Este segundo LP é conseqüência direta do anterior, fora os embaços e com o devido aprimoramento na produção. Um disco fluente, sem truques, sem destaques. Um dos melhores guitarristas do Brasil, Edgard, também bom vocalista; o vocal sólido de Nasi; o baixo poderoso e adequado de Gaspa; a bateria eficiente e gentil de André Jung; estilo próprio, ira tranquila. As curiosidades são o arranjo para cordas de "Flores em Você", e "Gritos na Multidão" e "Pobre Paulista" gravadas ao viv, repondo as broxadas mixagens ( à revelia da banda) do primeiro compacto. O Ira! Ajuda, antes de mais nada, a escrever a história que o rock brasileiro não tem.
A.A

BRING ON THE NIGHT - Sting (PoliGram)
Confesso que, na primeira audição do primeiro disco solo de Sting, The Dream of the Blue Turtles, tive uma reação semelhante à de muita gente: não é mais rock, mas ainda não é bem jazz. O disco ficou um tempo na estante até outras audições, que acabaram me revelando outras coisas. Como a densidade de música e letras e a fantástica voz de Sting em "Moon Over Bourbon Street", uma pequena obra-prima de fundo bachiano também presente neste novo LP, duplo e gravado ao vivo. As preocupações de Sting com elaborações mais jazzísticas já estavam presentes no quinto e último LP do Police, Sinchronicity, gravado em 83. Depois disso, o baixista, a quem tanta gente acusa ter um ego de proporções insurportáveis, desapareceu do mapa para ressurgir, dois anos depois, de guitarra em punho e com uma banda de notável amplitude e cintura. O batera Omar Hamim veio do Weather Report. O tecladista Kenny Kirkland tocou com Marsalis (Wynton), Dizzie Gillespie e Elvin Jones. O baixista Darryl Jones tocava com Miles Davis. O sax Branford Marsalis passou por Art Blakey, Gillespie, Davis, Wynton e Clark Terry. Isto sem falar nas vocalistas Janice Pendarvis (ex-Glass, Laurie Anderson) e Dollete MacDonald (ex-Talking Heads etc). O resultado não é nem rock, nem jazz, nem a cansada e rebarbativa fusion. E uma música que gera um prazer provocado por muito pouca gente nestes últimos tempos de vacas magras, tanto numa área quanto na outra. Canções do Police, como "Tea in the Sahara" (com um teclado econômico e certeiro e uma delicada costura do sax ao fundo) e "Bring on the Night" ganham roupagens surpreendentemente novas. Outras, como "The Dream of the Blue Turtles", revelam um autor maduro, firme, dedicado.
José Eduardo Mendonça

BACK IN THE HIGH LIFE - Steve Winwood
THE LOW SPARK OF HIGH HEELED BOYS - Traffic (WEA)
Não são minhas palavras, mas assino embaixo. Winwood é o tipo de artista que consegue cantar a lista telefônica e transmitir, no processo, uma coleção de diferentes emoções. O lançamento do quarto álbum solo de Winwood evoca uma emoção mais específica: a de boas-vindas ao pop tecnolatino e romântico que Stevem vem burilando desde o tempo em que era o menino-prodígio de Spencer Davis Group.
É, sem dúvida, uma declaração de princípios amorosos e um brinde ao reingresso de Winwood ao topo de sua forma e à fileira de seus iguais. A produção de Russ Titelman dá foco apurado e mais ataque a hits garantidos: "Highter Love" ( que já liderou a lista de compactos da Billboard), com os vocais fogosos de Chaka Khan e as guitarradas de Nile Rodgers; James Taylor balbuciando docemente a última frase da faixa-título; Winwood sacando do bandolim para uma dose ocasional de soul celta.
Bom companheiro para o Winwood/86 é o relançamento de Low Spark...um dos últimos (e melhores) álbuns do Traffic, banda que deu ao mundo, além de Steve, Jim Capaldi, Dave Mason e uma ala recheada de colaboradores ilustres. São apenas seis faixas. Mas, entre elas, pelo menos três clássicos: a faixa- titulo (imperdível!), "Hidden Treasure"e "Rainmaker".
José Emílio Rondeau

GRACELAND - Paul Simon (WEA)
Intrigado com os sons que saíam de uma fita cassete emprestada por um amigo, em 1984, Paul Simon resolveu fazer uma expedição exploratória à Africa do Sul, em fevereiro de 1985. Descobriu muito mais que a inspiração e a energia para fazer, de seu álbum seguinte, um statement vigoroso de amor ao espírito renovador da música: descobriu um continente de informação, um oceano de vitalidade e uma enciclopédia de coincidências e cruzamentos culturais capazes de maravilhar qualquer um. Tudo isto está em Graceland, um dos melhores discos de 86, um banquete para fazer a alegria de todo mundo que acredita que o pop não tem fronteiras senão as da inteligência humana. Trabalhando com gentileza e humildade com diversos grupos e compositores sul-africanos - principalmente o grupo Ladysmith Black Mambazo e seu líder, Joseph Shabalala - e com a colaboração de outros solistas e instrumentistas tão diversos quanto a guitarra esgarçada de Adrian Belew e a steel-guitar juju/rockabilly de Demola Depoju (do grupo de Kíng Sunny Adé), a percussão senegalesa de Youssou N´Dour, os metais funky do estúdio Hit Factory, o acordeão jive de Forere Motloheloa e as sonoridadess cajun do grupo Good Rockin´ Dopsie and the Twisters e americano-mexicanas do Los Lobos, Paul Simon reconstruiu uma verdadeira Atlântida musical, território comum entre África e América, jive e rockabílly, gospel e doowop e township jive, juju e cajun, Soweto e Memphis, Tenessee. Graceland é uma aventura, um convite generoso a todos os que têm cabeça aberta para entender.
Ana Maria Bahiana

DISCOTECA BASICA

MILES DAVIS - KIND OF BLUE (1959)

Há pelo menos oito discos de Miles que não podem ficar fora de nenhuma Discoteca Básica. A boa notícia é que parte deles está sendo relançada aqui. A boa pergunta é: por que, então, Kind of Blue na pole position?
O estudo da quilométrica carreira do trompetista não pode dispensar Mils Davis - A Critica Biography (Quartet Books, Londres)do músico/crítico Ian Carr. Segundo ele, Kind of Blue seria "talvez o disco a exercer maior influência na história do jazz" . Isto posto, vale lembrar que o próprio Mr. Carr concorda que o período 58/60 - quando gravou também Milestones, Porgy and Bess e Sketches of Spain - representa o primeiro pico do amadurecimento de Miles como band-leader, comparável apenas à fase elétrica/eletrônica (68/70) que abrange de Miles in the Sky a Jack Johnson, passando pelos "básicos" In a Silent Way e Bitches Brew.
Acontece que Kind of blue foi o primeiro disco da história totalmente improvisado. No texto da contracapa, Bill Evans explica que Miles só apresentou o "esqueleto" de cada tema horas antes da gravação - nenhum dos cinco temas jamais executados anteriormente pelos músicos.
Os músicos, um capítulo à parte. Completam a textura metálica dos sopros, os saxes de Cannonball Adderly (alto) e o gênio John Coltrane (tenor). Bill Evans é o pianista em todas as faixas, exceto "Freddie Freeloader" (em que Miles, pela simplicidade de blues tradicional do tema, o substitui por Wyn Kelly). A seção rítmica - Paul Chambers (baixo) e James Cobb (bateria) - não faz mais que armar a cama para metais e piano, em sua exuberante calma antivirtuose... o cool, enfim.
O amadurecimento anterior de Miles ocorrera à sombra de Charlie Parker, o canário alimentado a speed ball, que esgotou o jazz com sua fúria de meter 64 notas por compasso... o bebop, enfim. Quando sai para montar sua própria banda, ele persegue a direção oposta e encontra o parceiro ideal em Gil Evans - um arranjador que domina toda a tradição "erudita", mas carrega a convicção de que "a música mais expressiva vem dos guetos, livre de teorização, caso exemplar do blues e do flamenco". A partir dai, ambos minam o jazz como reduto do instrumentista por excelência e nasce o cool: onde importa o clima e o understatement (a frase que dispensa exclamações, seu forte são as reticências, o silêncio, o espaço aberto). O "Tipo de Blue" obtido segue a linha do argumento favorito de Brian Eno quando quer defender a música popular de sua "inferiorida-de" diante da erudita: a inovação existe sim, mas os bitolados a procuram no lugar errado - a harmonia - quando ela está na textura.
Tirando "Flamenco Sketches", o disco adota e/ou desmembra o blues tradicional de doze compassos, como suporte para essa busca e também para a espontaneidade que só a improvisação pode dar (desde que o ego seja deixado do lado de fora do estúdio).
A faixa de abertura, "So What", não emprega mais que duas escalas: é a redução máxima do disco, na estrutura modal típica dos cantos africanos de "chamado e resposta". Na seqüência, "Freddie Freeloader" apresenta o esqueleto do blues tradicional (numa transição quase imperceptível) que será progressiva e matematicamente desmontado até a última faixa, "All Blues". Ai o círculo fecha com uma série de cinco escalas, que podem ser percorridas durante o tempo que cada solista desejar... ainda assim, ela sai redonda, melódica, concentrada na variação da textura, que acompanha os timbres do trompete - ora aberto, ora abafado - do homem que rege. Fora do círculo, "Flamenco Sketches" esboça o gueto que seria trabalhado no LP seguinte, Sketches of Spain, orquestrado por Gil Evans.

por Jose Augusto Lemos

LETRA TRADUZIDA

* A música provavelmente refere-se a uma entrevista que Morrissey deu ao Melody Maker em 84, que teve uma forte repercussão negativa na seção de cartas do jornal. Na entrevista, ele lamentava o fato de Margaret Thatcher ter escapado ilesa a um atentado que sofrera semanas antes, num hotel inglês.

Morrissey/Marr Songs Ltd/Warner Bros Music Ltd

THE SMITHS

Bigmouth Strikes Again (Morrissey/Marr)
Sweetness, sweetness, I was only joking
when I said I´d like to smash every tooth in your head
Sweetness, sweetness, I was only joking
when I said by rights you should be bludgeoned in your bed

And now I know how Joan of Arc felt
as the flames rose to her roman nose
and her Walkman started to melt

(refrão)
Bigmouth strikes again
and I´ve got no right to take my place
with the Human race

And now I know how Joan of Arc felt
as the flames rose to her roman nose
and her hearing aid started to melt

(repete refrão)

O DESBOCADO VOLTA A ATACAR*

Doçura, doçura, eu estava só brincando
quando disse que gostaria de arrebentar cada dente da sua boca
Doçura, doçura, eu estava só brincando
quando disse que o certo era você ser coberta de cacetadas na sua cama

E agora eu sei como Joana d´Arc se sentiu
enquanto as chamas subiam até seu perfil romano
e seu Walkman começava a derreter

(refrão)
O desbocado volta a atacar
e eu não tenho mais direito de assumir meu lugar
entre a raça humana

E agora eu sei como Joana d´Arc se sentiu
enquanto as chamas subiam até seu perfil romano
e seu aparelho para surdez começava a derreter

(repete refrão)

PARADA

Fonte: Cash Box e Billboard (EUA); New Musical Express e Melody Maker, publicadas entre 06/09/86 e 27/09/86

Parada do Leitor (LPs)
1 (1) Rádio Pirata ao Vivo - RPM (CBS)
2 (7) Dois - Legião Urbana (EMI-Odeon)
3 (2) Selvagem? - Paralamas do Sucesso (EMI-Odeon)
4 (4) True Blue - Madonna (WEA)
5 (4) The Head on the Door - The Cure (Polygram)
6 (N) Capital Inicial - Capital Inicial (Polygram)
7 (13) Standing on a Beach - The Cure (Polygram)
8 (9) Songs to Learn and Sing - Echo & The Bunnymen (WEA)
9 (3) O Concreto já Rachou - Plebe Rude (EMI-Odeon)
10 (4) Cabeça Dinossauro - Titãs (WEA)
11 (R) Hatful of Hollow - The Smiths (WEA)
12 (R) Songs from the Big Chair - Tears for Fears (Polygram)
13 (N) Mudança de Comportamento - Ira! (WEA)
14 (N) Passos no Escuro - Zero (EMI-Odeon)
15 (7) Viva - Camisa de Vênus (RGE)

LPs (EUA)
1 (1) Top Gun - Trilha Sonora do filme (Columbia)
2 (2) True BIue - Madonna (Sire)
3 (9) Back in the High Life - Steve Winwood (lsland)
4 (N) Eat´Em and Smile - David Lee Roth - (Warner Bros)
5 (7) Raising Hell - Run D.M.C. (Profile)
6 (3) Invisibie Touch - Genesis (Atlantic)
7 (N) Dancing on the Ceiling - Lionel Richie (Motown)
8 (N) The Bridge - Billy Joel (Columbia)
9 (4) So - Peter Gabriel (Geffen)
10 (5) Control - Janet Jackson (A&M)

LPs (GB)
1 (N) Now That´s What I Call Music Vol.7 - Vários (EMI-Virgin)
2 (1) True Blue - Madonna (Sire)
3 (10) Dancing on the Ceiling - Lionel Richie (Motown)
4 (N) Silk and Steel - Five Star - (Tent/RCA)
5 (4) Revenge - Eurythmics (RCA)
6 (5) A Kind of Magic - Queen (EMI)
7 (N) Graceland - Paul Simon (Warner Bros)
8 (2) Into the Night- Chris De Burgh (A&M)
9 (N) Break Every Rule - Tina Turner (Capitol)
10 (N) Slippery When Wet - Bon Jovi (Vertigo)

LPs Independentes (GB)
1 (N) The Singer - Nick Cave and the Bad Seeds (Mute)
2 (1) The Queen is Dead - Smiths (Rough Trade)
3 (4) High Priest of Love - Zodiac Mindwarp (Food)
4 (N) Ungovernable Force - Conflict (Red Rhino)
5 (3) The Gift - The Sisterhood (Merciful Release)
6 (2) Giant - The Woodentops (Rough Trade)
7 (N) Watch Your Step - Ted Hawkins (Windows of the World)
8 (N) Thunderhead - The Janitors (Intape)
9 (6) Step on It!-Bogshed (Help Yourself)
10 (N) Holy Money - Swans (K422)

Compactos (EUA)
1 (9) "Take My Breath Away" - Berlim (Columbia)
2 (N) "Stuck With You" - Huey Lewis & The News (Chrysalis)
3 (7) "Dancing on the Ceiling" - Lionel Richie (Motown)
4 (N) "Friends and Lovers" - Carl Anderson & Gloria Loring (Carrere)
5 (3) "Higher Love" - Steve Winwood (Island)
6 (6) "Venus" - Bananarama (London)
7 (N) "Walk this Way" - Run D.M.C. (Prolife)
8 (N) "Words Get in the Way" - Miami Sound Machine (Epic)
9 (N) "Sweet Preedom" - Michael McDonald (MCA)
10 (N) "Dreamtime" - Daryl Hall (RCA)

Compactos(GB)
1 (N) "Dont´t Leave Me this Way" - The Communards (London)
2 (N) "We Don´t Have To" - Jermaine Stewart (l0/Virgin)
3 (2) "I Want to Wake Up With You - Boris Gardiner (Revue)
4 (N) "Glory of Love" - Peter Cetera (Full Moon)
5 (N) "Rage Hard" - Frankie Goes to Hollywood (ZTT)
6 (N) "Brother Louie" - Modern Talking (RCA)
7 (N) "(I Just) Died in Your Arms" - Cutting Crew (Siren/Virgin)
8 (N) "Human" - The Human League (Virgin)
9 (N) "Word Up" - Cameo (Club)
10 (N) "Holiday Rap" - Mc Miker "G" & Deejay Sven (Debut)

Compactos Independentes (GB)
1 (N) "A Question of Time" - Depeche Mode (Mute)
2 (2) "Panic" - Smiths (Rough Trade)
3 (1) "Like a Hurricane" - The Mission (Chapter 22)
4 (N) "Tokyo Storm Warning" - Elvis Costello (Imp)
5 (N) "Heard it All" - Bodines (Creation)
6 (N) "Come Here My Love" - This Mortal Coll (4 AD)
7 (6) "Serpentes Kiss" - The Mission (Chapter 22)
8 (N) "Shame of the Nation" - New Order (Factory)
9 (4) "Wild Child" - Zodiac Mindwarp (Food)
10 (N) "I´m on Fire" - Guana Batz (ID)

Convenções
( ) indica a posição na parada anterior
(N) indica novidades na parada
(R) indica retorno à parada