quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

O Despertar da Força

Comecei a freqüentar o cinema pra valer no início da década de 1980. Lembro bem de ter visto, na tela do Cine Santo Antonio, em Itabaiana, Sergipe, onde nasci e “me criei” – morei lá até os 18 anos – clássicos e pequenas pérolas “cult” da época, como “Conan, o Bárbaro”, "Robocop", "Uma Noite Alucinante", “O Exterminador do Futuro”, “Guerreiros do Bronx” (uma espécie de mistura italiana de "Fuga de Nova York" com "Warriors - Os Selvagens da Noite"), "Piranha 2 - Assassinas voadoras", de James Cameron, e “Conquista Sangrenta”, de Paul Verhoeven. Um dia fiquei sabendo que ia passar a continuação do primeiríssimo filme que vi, há muito tempo atrás, mas naquela mesma galáxia e naquele mesmo cinema. Era “O Retorno do Jedi” (me recuso a falar DE). Fiquei animadíssimo, pois tinha ótimas lembranças de “Guerra nas Estrelas” – tinha visto ainda criança, não sabia nem ler, e naquele tempo não existia filme dublado no cinema.

Pois bem: fui ver “O Retorno” e só lá, na sala escura, me dei conta que aquela era, na verdade, a terceira parte! Sério, passei batido pelo “Império Contra-ataca”. Normal, eu era criança e vivia no interior de Sergipe, numa época em que internet não era nem coisa de ficção científica – nunca soube de nenhuma FC que tenha previsto a rede. Desnecessário dizer que fiquei mais perdido que cego em tiroteio. Como assim, Luke é filho de Darth Vader? E que diabos aconteceu com Han Solo? Em todo caso, adorei. O filme reacendeu a chama, e logo voltei a ser um fanático por Star Wars. “O império contra-ataca” vi primeiro em VHS, e depois no cinema, na época da restauração e do relançamento, no final da década seguinte.

Desde o fim da terceira – que na verdade era a sexta – parte ficamos todos na expectativa da seqüência daquela história, que pudemos ver finalmente hoje, 17/12/2015, 32 anos depois. Valeu a pena a espera ...

“O Despertar da Força” é basicamente uma recriação do primeiro filme. A história é praticamente a mesma: jovem que vive uma vida medíocre num planeta desértico da periferia da galáxia é pego(a) de sopetão numa encruzilhada do destino por uma guerra entre rebeldes e forças “oficiais”, se descobre herdeiro(a) de uma tradição mística poderosa e ajuda a derrotar o lado negro da “força”, personificado numa figura sinistra e mascarada em trajes pretos e numa superarma a serviço de uma organização totalitária e fascista.

Isso é ruim? Depende do seu tipo de expectativa. Se é pela volta da saga aos trilhos, depois dos escorregões da trilogia “prequel”, sairá do cinema plenamente satisfeito. É uma espécie de recomeço, que te pega pela emoção ao mesclar com perfeição a apresentação de novos personagens com o retorno de velhos conhecidos. Mais importante: gera muita expectativa pelo que vem por aí ...

Prós e contras: O ritmo do filme é perfeito, com cenas de ação absolutamente fantásticas, mas o roteiro, além de excessivamente derivativo, peca pelo subaproveitamento de pelo menos uma personagem nova, a Capitã dos Stormtroopers Phasma – isso mesmo, uma mulher - e outra "clássica", a Princesa Leia, que fala pouco e muito pouco aparece. Há que se dar também, para uma plena apreciação do conjunto da obra, vários descontos pela forçação de barra de algumas soluções dramáticas, como o fato de que o império, representado aqui por uma falange fascista sucessora, continua bastante carente de engenheiros competentes, já que suas estações armadas supostamente indestrutíveis continuam assustadoramente vulneráveis aos ataques dos rebeldes ...

Adorei o sotaque britânico acentuado da protagonista, aliás muito bem interpretada por Daisy Ridley – excelente atriz. Já o Finn de John Boyega eu achei um tanto quanto exagerado e caricato – mas nada que comprometa irremediavelmente a atuação. BB8, o dróide que emula RD-D2, é perfeito. E Han Solo continua o mesmo – só que BEM mais velho, evidentemente. Ele parece ter se divertido com a possibilidade de voltar ao personagem, apesar dos diálogos sofríveis e das cenas soporíficas com Carrie Fischer. Já a interação com Chewbacca, o parceiro velho de guerra, segue divertidíssima.

O vilão era meu grande temor. A primeira impressão que tive, ao ver as primeiras imagens, foi de uma “recauchutagem” vagabunda do visual do Darth Vader, o que não deixa de ser verdade. Só que a idéia era justamente esta, e é ótima: Kylo Ren é uma versão “vacilante” do grande ícone Sith. O desenvolvimento psicológico do personagem é primoroso, conferindo ao mal uma nova face, para além da dicotomia binária e maniqueísta. Sua fraqueza é, paradoxalmente, o que o torna, realmente, perigoso.

“O Despertar da Força” não é uma obra-prima, mas chega perto! Seus deslizes e imperfeições estão perfeitamente inseridos na tradição da própria saga, que nunca primou por atuações impecáveis ou diálogos rebuscados – é sempre bom lembrar que uma das principais fontes de inspiração de “Guerra nas Estrelas” são as séries cinematográficas de óperas espaciais populares do início do século passado, como Flash Gordon e Buck Rogers, igualmente charmosas, também, por seus exageros. O novo filme cumpre com louvor o que se propõe: nos trazer de volta aos primórdios. Nos fazer sentir mais uma vez, na medida do possível, descontada a passagem inexorável do tempo, como quando vimos e ouvimos pela primeiríssima vez aquela trilha sonora explosiva e aquelas imagens e personagens absolutamente fascinantes.

De Zero a dez, acho que cravo uns 8,5 de nota.

A

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segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Dias Difíceis no Suriname ...

Plástico Lunar é uma banda sergipana, de Aracaju. E é uma das melhores bandas de rock em atividade no Brasil. Ponto.

Digo isso de forma absolutamente lúcida, pensada e repensada, e sem nenhum resquício de “bairrismo”. Pois bem: estabelecida esta verdade irrefutável, de fácil comprovação por qualquer um que se disponha a conhecer a música deles, devo dizer que acabaram de lançar o melhor disco já produzido por aqui. Ponto, de novo.

“Dias difícil no Suriname” teve uma longa gestação: começou a ser gravado em maio de 2012 e só foi finalizado dois anos depois. No processo, a banda perdeu um de seus principais componentes, o guitarrista Julio Andrade, que saiu para se dedicar a seu projeto principal, o duo The Baggios. Como fã, fiquei preocupado, pois era notória, nas apresentações que se seguiram, a dificuldade dos caras em se adaptar à uma nova formação, mais enxuta – normal, não deve ser fácil substituir um guitarrista como Julico. Mas sempre botei fé que iriam se ajustar. Só não sabia se a tempo de não prejudicar o novo álbum em gestação ...

Pois bem: o disco foi lançado há alguns meses, de forma virtual, e foi uma agradável surpresa. É magnífico! Já começa escancarando uma de suas principais influências, na “stoneana” “Todo pecado do mundo”, que abre com um excelente riff de guitarra. Julico toca nela e em mais quatro faixas. Em outras três, o auxílio vem de Rafael Costello, membro fundador, hoje morando em São Paulo. Little Mel, da Máquina Blues, aparece em “Labirinto”, e Fabrício Rossini em “A esperança”.

Foi assim, com uma ajuda providencial de amigos e ex-integrantes pra lá de talentosos, que a Plástico lapidou esta verdadeira obra-prima da música independente local. Que prossegue com uma velha conhecida, já lançada como single, a belíssima “Mar de leite azedo”. “Sentado no Arco-iris”, a terceira faixa, comprova, de certa forma, o talento dos caras, pois é uma composição de dois ícones do rock brazuca, Raul Seixas e Gileno Azevedo (da dupla “jovemguardista” Leno e Lillian), mas parece deles – e não sou só eu que tenho essa impressão: até hoje vejo gente se surpreender ao saber que se trata de um cover.  É, também, uma faixa bônus para quem comprar o disco físico, em CD, já que não havia feito parte do lançamento virtual por conta de imbróglios com a liberação dos direitos autorais.

O disco prossegue com “Cancioneiro”, uma robusta composição de Julico cantada por Marcos Odara, o baterista, que bate um bolão também como vocalista. É uma banda, aliás, que tem bons vocalistas de sobra – além de Daniel e Odara, Plástico Jr. também costuma entoar suas próprias composições.

“Quem diria”, que vem na sequencia, é uma emocionante ode ao aconchego do lar, com uma letra singela que Daniel compôs pensando em sua mãe. Emocionante. Daniel é um  compositor de mão cheia e excelente vocalista. Em parceria com Nara Loupe e Verlane Aragão, é o responsável por sete dos doze petardos que compõem o disco. O lado A – o disco foi pensado como um vinil – se encerra com outra dele – e dela, Nara – “Labirinto”, com uma letra psicodélica e surreal embalada por um ritmo cadenciado. Plástico Jr., baixo e voz, abre o que seria o lado B com a também psicodélica “Amanheceremos”, que tem uma perfomance marcante de Leo Airplane nos teclados. Leo Airplane que é, também, o produtor do disco, é bom que se diga...

“Algo forte” dá prosseguimento à viagem sonora de volta ao rock mais “hard”, com sensacionais riffs e solos de guitarra – quem? Ele, de novo. Julico. Mas a disputa é boa e Rafael Costello dá mais uma vez o ar de sua graça com mais uma levada tipicamente “stoneana” em “Persona non grata”. O solo é absolutamente sensacional, totalmente na tradição do melhor do rock “setentista”.

E então temos a mais pesada, “Quase desisto”, outra excelente composição de Julico, e “Nem aí”, mais uma de Junior – com uma letra totalmente “foda-se”, rock and roll! Encerrando tudo, a belíssima “A esperança”, levada no violão. Sintomático que o disco acabe com uma música com este nome. Temos esperança de que os dias passem a ser mais tranqüilos no Suriname e a banda siga em frente, apesar das dificuldades ...

Por fim, é preciso que se fale com um carinho especial sobre a concepção visual do projeto gráfico, com belíssimas artes conceituais produzidas por Thiago Neumann que valorizam muito o produto final. Salta aos olhos, também, a qualidade do material em que o digipack foi impresso. Impecável! Com direito, inclusive, a impressão na parte interna do envelope onde fica guardado o encarte. Um luxo! Bola dentro total da Rock Company, a gravadora paulistana que bancou o projeto.

“Dias Difíceis no Suriname”, o disco – físico, em CD - foi lançado em grande estilo no dia primeiro de novembro com uma apresentação concorrida no Teatro Atheneu. A gravadora promete para o início do ano que vem uma edição em vinil. Merece muito, tanta pela música, que soa sempre melhor quando ouvida através de uma agulha, quanto pela espetacular arte de “Cachorrão”.

Já tenho o CD, mas vou querer o LP! E se sair em k7, quero também ...

http://plasticolunar.com.br/

A.

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