segunda-feira, 30 de junho de 2014

"My Bloody roots", de Max Cavalera

“Desde a música “kaiowas”, em “Chaos AD”, em 1993, eu vinha me perguntando se seria possível entrar na selva e conhecer os índios. Eles possuem uma história riquíssima e nenhuma banda de rock tinha tentado fazer algo parecido antes. Mas seria uma empreitada perigosa: eles matam os brancos e estão sempre em guerra com os fazendeiros da região.”

O trecho acima ilustra bem o conteúdo de “My Bloody Roots”, autobiografia de Max Cavalera lançada recentemente no Brasil e disponível nas melhores livrarias: impreciso, exagerado, mas sempre intenso e apaixonado. Ao ler o livro você se imagina sentado na mesa de um bar ouvindo as histórias de vida do vocalista e guitarrista do Soulfly e do Cavalera Conspiracy, ex-Sepultura e Nailbomb. A linguagem é absolutamente informal e não existe nem mesmo uma preocupação maior com a precisão das informações no processo de revisão. Outro exemplo: ao comentar o documentário “Ruído das Minas”, no qual o Sepultura é acusado por alguns de seus pares de boicotar a cena local, Max nem se dá ao trabalho de dizer o nome correto do filme, referindo-se ao mesmo como “Metal de Belô nos primórdios” ou algo do tipo.

Não é grande literatura, evidentemente, portanto é recomendado apenas aos fãs e demais aficcionados pelo estilo. Mas mesmo estes sentirão falta de um maior aprofundamento nos detalhes de determinados fatos e acontecimentos. Tudo soa meio apressado, atropelado. Sentirão falta, também, da versão do “outro lado” em passagens como a que fala sobre o assassinato do filho de Gloria e a separação do Sepultura em 1996 - neste caso não há muito a ser feito, já que se trata de uma autobiografia. Na verdade muita coisa já foi dita sobre o assunto, mas ninguém, que eu saiba, rebateu a acusação - grave, a meu ver - de que alguém teria ligado da parte da produção da banda se passando por uma das filhas de Gloria e irmã de Dana para o necrotério onde seu corpo esperava pelo reconhecimento da mãe para que o mesmo agilizasse os procedimentos, dando a impressão de que o resto da banda gostaria, nas palavras de Gloria, esposa de Max e empresária do Sepultura na época, que eles jogassem seu filho às pressas num buraco e retornassem imediatamente aos palcos. Talvez porque ninguém nunca tenha assumido a autoria do tal telefonema. A principal suspeita, da parte de Max, recai sobre Monika Bass Cavalera, então esposa de Iggor, pela qual o autor nutre um ódio manifesto, ao ponto de chama-la de “piranha” e “acusá-la” de ter dado em cima dele – quando eu li sobre isso na imprensa entendi que tinha acontecido enquanto ela ainda estava com Iggor, mas no livro ele deixa claro que foi antes. Sendo assim, a “acusação” perde totalmente o sentido e na verdade denuncia o rancor nela embutido - além de um ranço machista lamentável, evidentemente. O fato é que, segundo Max, ela sempre invejou Gloria e, não por acaso, assumiu seu lugar logo após a separação ...

Picuinhas e exageros à parte, é deliciosa a leitura – para os fãs, repito.
Muito bom conhecer finalmente os detalhes da infância dos dois – Iggor é presença constante na narrativa, como não poderia deixar de ser. O impacto da morte do pai sobre seu comportamento – Max se afundou nas drogas e Iggor se tornou tímido e introspectivo – e a mudança para a capital mineira – que nem sequer é mencionada, você está lendo sobre eles em São Paulo e de repente já está em Belo Horizonte, ou “Belô”, como é carinhosamente chamada. Lá, acompanhamos o envolvimento cada vez maior com o universo do metal - com o apoio da mãe, que havia desistido de tentar disciplina-los para ir à escola regularmente. Mãe que é, também, uma grande influência para Max, principalmente no campo espiritual. Dela, ele herdou o interesse e admiração pelos cultos africanos do candombé e da umbanda. Especialmente saborosos são, também, os depoimentos de diversos personagens citados na história, estrategicamente incluídos na narrativa: David Vincent (do Morbid Angel), David Ellefson (do Megadeth), Mille Petrozza (Kreator), Corey Taylor (Slipknot), Dino Cazares, Sean Lennon, Sharon Osbourne, Jairo Guedes, Marc Rizzo (guitarrista do SOULFLY e amigo de longa data), Michael Whelan (o artista que criou as capas de 'Beneath the Remains', 'Arise', 'Chaos A.D.' e 'Roots'), Monte Conner (da Roadrunner Records), e João Eduardo (Cogumelo records), dentre outros.

Os primórdios do Sepultura são contados em detalhes mas naquela mesma linguagem de eterno moleque “metaleiro” interessado porém ligeiramente desinformado – ok, não dá pra exigir erudição de quem passava os dias inteiros bebendo, “zoando” e ouvindo Celtic Frost, Venom e Slayer no volume máximo. Mas engana-se quem tomar isso como burrice: Max é daqueles que demonstram ter uma inteligência intuitiva extremamente aguçada, o que se reflete na excelente produção musical que segue acumulando em sua carreira. É dono, também, de uma integridade inabalável: os desafetos de antes continuam os mesmos e ele não tem papas na língua ao dizer o que acha deles. Wagner Lamounier, da formação original do Sepultura e posteriormente fundador também do Sarcófago, outra banda seminal do metal mineiro, é descrito como desonesto e acusado literalmente de roubo – segundo Max, num determinado momento o pouco material que eles tinham começou a sumir, até que Wagner também sumiu. Max foi até sua casa perguntar o que estava acontecendo e os cabos roubados estavam lá! O "cleptomaníaco" tentou se justificar mas não teve perdão, foi expulso da banda. SHOW NO MERCY! Paulo, o baixista, é outro que é desancado impiedosamente ao longo da narrativa, descrito como “um babaca” preguiçoso que tinha medo de tudo e não conseguia aprender a tocar. Ao mesmo tempo ele é só elogios e compreensão com relação ao irmão, à esposa e a amigos de longa data como Jairo, o guitarrista que substituiu Wagner e precedeu Andreas. Andreas parece ser, por sua vez, uma das únicas exceções nesses extremos de amor e ódio: ao mesmo tempo em que ele credita ao seu veto a impossibilidade de uma volta da formação clássica do Sepultura, reconhece seu enorme talento e o companheirismo em alguns momentos difíceis, como na ocasião em que ele cantou e tocou no enterro de seu enteado Dana.

Para além dos detalhes importantes – e curiosos – de sua vida pessoal, Max nos brinda, também, com relatos saborosos sobre os processos de composição e gravação de todos os discos dos quais participou – e foram muitos! Está despertando em mim, inclusive, o desejo de dar uma nova chance ao Soulfly, banda que eu desisti de acompanhar por achar um tanto quanto “porralouca” – sempre achei que tinha muito ritmo tribal e palavras “exóticas” e sem sentido em português apenas para deslumbrar os gringos – e derivativa demais – tudo que eu ouço do Soufly me lembra algo que já havia sido feito antes, principalmente em “Roots”, do Sepultura. A sinceridade e a intensidade de Max está aos poucos me fazendo rever esta avaliação. Me fazendo enxergar a verdade que existe por trás de todo aquele exagero, que ele mesmo reconhece: num determinado momento diz que deveria estar sob o efeito de alguma droga pesada quando resolveu enterrar as masters do primeiro disco do Soulfly antes de entrega-las à gravadora. Por sorte, o material não se perdeu e a atitude pra lá de inusitada só resultou numa exclamação de interrogação assustada de Andy Wallace, responsável pela mixagem, ao receber as fitas empoeiradas ...

por Adelvan


#



sexta-feira, 27 de junho de 2014

panço, "tempos"

Um esporro apocalíptico explode nos auto-falantes para logo em seguida se esparramar num pianinho esperto a la “epic”, do Faith No More. É “Blood Secret”, faixa de abertura de “tempo”, primeiro disco solo de Panço – ex-guitarrista do Jason, Soutien Xiita, Cabeça e ET cétera. O vocal principal, gritado e desesperado, é feminino, e a letra é em inglês. O mesmo vale para a segunda, “sincerely”  – com Emily, da revelação potiguar “Far From Alaska”. Essa é menos “esporrenta”, mas não menos intensa. Ótimos riffs ...

A terceira tem uma melodia mais linear e um vocal discursivo. A letra, um poema em português, é declamada por Haroldo Paranhos, do Maguerbes. Termina no mesmo ritmo em que começou, sem refrões. Não é “pop”.  Quase a mesma estrutura da faixa seguinte, também cantada em português, só que por outro colaborador, Kaio Iglesias. Não é uma repetição, no entanto: a musica tem uma dinâmica diferente, com mais variações de ritmo e um teclado muito bem colocado que cria um clima sofisticado. O disco, na verdade, vai demonstrando ter uma unidade impressionante. É quase conceitual, no sentido de que as faixas fazem mais sentido quando ouvidas juntas. Um álbum, realmente. Uma coleção de canções que parecem ter sido feitas para estarem enfileiradas uma atrás da outra.

Ive Seixas conduz com um vocal elegante “A Busca”. O arranjo é primoroso – o teclado continua lá, entre camadas de guitarras e uma condução precisa da cozinha, comandada por David Oliveira (baixo) e Fabio Brasil (bateria). E o disco vai aos poucos crescendo em intensidade, com Larry Antha cantando “Josué”. Guitarras mais “na cara”, encorpadas. Guitarras que explodem de novo nos alto-falantes na faixa seguinte, “Broken Heart”. A estrutura é circular, pois voltamos ao início, com um som mais “Hard Core” e os vocais gritados pela mesma Karina Utomo da faixa de abertura.

Então temos algo mais melódico, sem perder o peso, cortesia de Gabriel Zander. Cada colaborador deixa sua marca: a faixa seguinte, “Pode crer que a gente é bem sertanejão”, tem, desde o título, a cara de seu autor, Quique Brown, herói punk non sense da Leptospirose. O elo de ligação, o fio condutor de tudo, no entanto, é o Panço. Ele é, a principio, o autor de todas as músicas – com as co-autorias creditadas abaixo, na ficha técnica que me foi permitido, gentilmente, reproduzir – e elas têm a sua marca. Muito por conta disso, o disco apresenta uma espécie de unidade nascida da diversidade. O que contribui para que o resultado final ganhe muito em originalidade.

Karina Utomo parece ter sido escalada para comandar o esporro e volta com tudo na faixa 10, “Far Right”, de apenas 46 segundos. É seguida por outra com um ritmo bem mais cadenciado, sem letra, mas com vocais “viajantes” de Nancy Viegas.  Tudo termina com “Uma vez mais”, letra de Cesar Mauricio cantada por Kaio Iglesias.

O resultado final impressiona e você poderá conferir em primeira mão hoje, no programa de rock, que executará pela primeira vez, com exclusividade, o disco inteiro, tocado na íntegra, na sequencia em que foi concebido. Você poderá, inclusive, cantar junto, pois as letras estão reproduzidas abaixo, junto com a ficha técnica deste impressionante trabalho solo/colaborativo. With a little help from his friends.

Leonardo panço é gente que faz ...

por Adelvan k.

Tempos

Todas as músicas por Leonardo Panço, exceto 3 (Panço, Dave e Fábio Brasil), 5 (Panço, Fábio Brasil, Dave e Henrique Geladeira) e 11 (Panço, Dave, Pedro Schroeter e Nancy Viégas)

Guitarras em todas as faixas por Panço - gravadas no Estúdio Dosol em agosto de 2013 por Henrique Geladeira, exceto guitarra do lado esquerdo na faixa 7 gravada no Estúdio Mobília Space por Lisciel Franco em agosto de 2013

Baixos gravados por Dave D´Oliveira (David David) e baterias por Fábio Brasil (1,2,3,4,5,6 e 8) e Pedro Schroeter (7, 9, 10, 11 e 12) no Estúdio Mobília Space por Lisciel Franco em agosto de 2013

Arranjos: Panço, Dave, Fábio Brasil e Pedro Schroeter

Marcelo Gomão - guitarras e big muff (lindos e perfeitos) em todas as faixas, exceto faixa 7
Gravado por Adriano Leão "Altovolts Rules" em Boa Vista Sessions no Estúdio Pântano - Recife, PE em 2014
Guitarras produzidas por Marcelo Gomão e Adriano Leão

Henrique Geladeira - guitarra contínua e difícil na faixa 3, guitarra lindona no meio da faixa 5 e teclados tipo Legião Urbana na faixa 4 - tudo gravado no Estúdio Dosol em agosto de 2013

Faixa 1 - voz por Karina Utomo - gravada em Easey St, Collingwood VIC, Melbourne - Austrália por Tom Lyngcoln
Gritos do apocalipse por Heron Uzomi no Estúdio Superfuzz - gravados em março de 2014 por Gabriel Zander
Piano gravado por Lucas Wirz em março de 2014 em Basel/Suíça

Faixa 2 - vozes por Emmily Barreto e Cris Botarelli gravadas por Henrique Geladeira em Natal, RN - 2014

Faixa 3 - vozes gravadas por Haroldo Paranhos - Magüerbes - no Glenwood Place Studios por Jacob Dennis - Los Angeles, EUA em maio de 2014

Faixa 4 - voz por Kayo Iglesias gravada no Estúdio Audio Rebel em Botafogo, RJ, por Matias Conejo em abril de 2014

Faixa 5 - voz por Ive Seixas - gravada no Estúdio Casa em Volta Redonda-RJ por Leandro Tolentino em março de 2014
Teclado por Gabriel Arbex gravado no Estúdio Superfuzz em maio de 2014 por Gabriel Zander

Faixa 6 - voz por Larry Antha - gravada no Estúdio Superfuzz em março de2014 por Gabriel Zander

Faixa 7 - voz por Karina Utomo - gravada em Easey St, Collingwood VIC, Melbourne - Austrália por Tom Lyngcoln

Faixa 8 - voz por Gabriel Zander - gravada no Estúdio Superfuzz em maio de 2014 por Gabriel Zander

Faixa 9 - voz por Quique Brown - gravada no Estúdio Sweet Home em Bragança Paulista, SP, em 2014 por Matheus Canteri
Coro: Quique Brown e Matheus Canteri

Faixa 10 - voz por Karina Utomo - gravada em Easey St, Collingwood VIC Melbourne - Austrália por Tom Lyngcoln

Faixa 11 - vozes, caxixi e berimbau por Nancy Viégas
Gravado no Estúdio Casa das Máquinas por Tadeu Mascarenhas em março de 2014 em Salvador-BA

Faixa 12 - metalofone e voz gravados por Kayo Iglesias no Estúdio Superfuzz por Gabriel Zander em março e maio de 2014
Vozes psicodélicas ao fundo por César Mauricio - gravadas em BH - 2014

Produzido por todos que ajudaram

01- Blood Secret (Panço e Karina Utomo)
02 - Sincerely (Panço e Emmily Barreto)
03 - Vê algo, fala algo (Panço, Dave D´Oliveira, Fábio Brasil e Haroldo Paranhos)
04 - Desorgulho (Panço e Lucas Wirz)
05 - A busca (Panço, Dave D´Oliveira, Fábio Brasil e Ive Seixas)
06 - Josué (Panço e Larry Antha)
07 - Broken Heart (Panço e Karina Utomo)
08 - Willpower (Panço e Gabriel Zander)
09 - Pode crer que a gente é bem sertanejão (Panço e Quique Brown)
10 - Far Right (Panço e Karina Utomo)
11 - Tempo Templo (Panço, Dave D´Oliveira, Pedro Schroeter e Nancy Viégas)
12 - Uma vez mais (Panço e Cesar Mauricio)

Blood Secret (letra: Karina Utomo)

You've got a bloody secret
Kept their worries at bay
Did it for the masses
Did it for you babe

Turn your back and look down
Fall into your grave

No one will learn
Not without truth in history

No, no one, no


Sincerely (letra: Emmily Barreto)

The lights are off, I can't see a thing from here
Regret is not a thing that I usually feel, but that's me
Oh, you didn't listen to any single word I said
And baby, now I regret, I regret I even woke up

You can't blame me for doing the things I've told you I'd do
Our lives are not one, I think you've noticed
Don't push me down, I know what I want, It's not you
So wash your mouth and stay out of trouble

See how ugly it is to reveal the real you?
See how ugly it is to speak the truth, the real you?

Yeah, Yeah.. Just pick your direction
Yeah, Yeah.. I'm proud of myself


Vê algo - Fala algo (letra: Haroldo Paranhos - Magüerbes)

se teu preço é um vicio,
se tivesse um motivo…
se o tormento que traz
te toma tanto tempo e acorda
pra meus versos
e se ao meu ver tudo isso me fez
e com isso sim,
se eu peço pro bem
porque esse é o fim
eu tento mais
eu sei quem cobra
e peco às vezes
sem pensar, sei
meu deus quem mais?
se o mesmo tempo que te traz
dizem que fica pra traz
e vejo. se eu perguntei porque sei
eu queimo tempo que tenho
te pego como um filho
e amo sempre
mesmo que incomoda,
se tô devendo
como? sei, vai ser foda
e te digo que me preparei
se eu faço
tudo pra te entender
se eu fiz quem faz mais?
se eu fiz com o que sobra…
mesmo sofrendo
não te incomoda
você sabe mais que eu também quiz
e todos sabem
nao há mal em ser feliz
eu tô bem vivo
e me declarei
se eu também danço e caço
e quando ou quanto eu viverei?
te digo mesmo em paz
sendo assim
meu deus dá mais
te agradeço sempre que possível
se eu pego fácil com uma fonte precisa
pois sei quem dá mais
eu sei quem te cobra
mesmo que atento
nunca me conta
mesmo que teme, eu cansei
se em teu universo eu descansei
eu sei que é assim
entre o vento que sopra mais
e o sedento que sangra e faz

Desorgulho (letra: Lucas Wirz)

Se atropelando
Pulando, pisando por cima da própria cabeça
Se transformando num quadrado sem lado
Torto triângulo redondo
Girando em círculos
Capotando em cinco respirando a mesma história riscada
dia a dia sucumbindo
se afundando num poço raso fundo
e desde então
sobrando, escorrendo
correndo, procurando
encontrar razão sem vazão pra tanto tiro de pólvora já morta
que jaz um pensamento viciado de tanto dar corda
e sentir a mola estourar
e o tempo escraquelar do fundo de um vulcão
derrentendo, dizimando, transformando em fumaça, fuligem
toda dureza em liquideza
Olho torturado, sai
Deixando o tiro pra depois
Nããããão!!

Destruição renascimento
uma parede sendo erguida dos escombros de um alicerce antigo
fadado a ser não mais que um fardo a moradia, a uma casa de portas abertas
que convidam o mergulho orgulhado a se retirar
reiterando, trazendo de volta, convidando
um sem fim de novas possibilidades

A busca (letra: Ive Seixas)

Quando me viu pela última vez,
costumava fugir, costumava esconder
Confortável, negligenciando sonhos, difundindo abandonos, consentindo com esses planos
estranhos, conspiratórios e inconscientemente desequilibrando

Quase sumir, quase desaparecer, sabotar a si
mesmo, anular, como se por merecer, não se permitir crescer

Quando as nuvens se afastam e o azul reage,
tudo muda na cidade, tudo muda nessa idade,
tudo muda...

Daqui pra frente, contemplando o horizonte,
buscando o que está adiante, mesmo que esteja distante
Sem hesitar, vou de encontro ao indefinido
Agora que estou mais forte, vou sentindo a boa sorte
chegando, se espalhando e acalmando a tempestade

Quando me vir pela próxima vez, não vai nem acreditar...


Josué (letra: Larry Antha)

Escovo os dentes três vezes ao dia
Mas você não quer me beijar
Escrevo livros, não vivo, não durmo
Sem você, não sei respirar
Eu ajustei minha hipocondria
Nas cervejas que deixei de comprar
Vejo suas fotos: tristeza, alegria
É tudo que eu não posso tocar
Será? Que tudo vai ficar como está!
Será? Que tudo vai recomeçar!
Agora você vem me dizer
Que não quer me ver
Que não quer meu jantar
Agora você vem me dizer
Que tem medo de mim
Ora vá se danar
Agora você vem me dizer
Que tem medo de mim
Ora vem me beijar
Agora você vem me dizer
Pra eu ficar calmo, pra eu relaxar

Broken Heart (letra: Karina Utomo)

I've got a broken heart
My bones aching from my guts
Tell me tell me tell me tell me tell me tell me tell me
What is right?

Cut/Refine it into dust
Haze/So true/Refine it into dust
Haze/So true/Refine it into dust

Haze/So true/I've got a broken heart


Willpower (letra: Gabriel Zander)

We're facing troubles once again, and you know
These scars are storytellers as you may have wondered
How many times we had to be here at this point of no return
It's up to you to fall or lift

And we know, I would say
We're fighting a battle
With no guns
With no shells
We're just believers
Every time you're left behind
I know you'll climb another time

Everyone should find their way
It's not fair to blame and never was

To deal
To breathe
To stop complaining and to do

To deal
To breathe
To stop complaining and to start


Pode crê que a gente é bem sertanejão (letra: Quique Brown)

O papel estava no cavalo
E eu entrei em Paraisópolis no Burro Preto
Apeei só de meia no banheiro (municipal/público)
Depois de um almoço com o Pedro Bento
E três dias na terra com o Zé da Estrada

Podre crê que a gente é bem sertanejão
Pode crê que a gente é

Far Right (letra: Karina Utomo)

Feel my right hand
Slap your ideas back into
Feel my right foot
Kick your head into the ground

This is it!
This is it!

Here is a knife
Here is a gun
Power to you son
Nowhere to run

This is how we get our answers
This is how we get it done
(March with your right foot into the ground)
This is how we get it done


Uma vez mais (letra: Cesar Mauricio)

Sinais e ruas
carros nas ruas
todos nós por ai
homens e mulheres
esquinas e flores. Você.
Nossos desprezo e pares
Tantas danças para que?
vitrines sorrisos animais
nós e a rua, você...
uma vez mais nós dois nessas curvas
os sinais e as flores, Voce
Não entendo os sinais
carne osso e mais
alguém que no banco
de trás sussurra
a vida que arde ao sol
sem flores mil sinais
avenida que se alarga e entope o ar de gás!
Pobre ruas e nós homens e as mulheres
vitrines mentiras animais.
E nós e as ruas uma vez mais...

#

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Talco no museu ...

O Aniversário de 50 anos de carreira de Clemilda, nossa maior “forrozeira”, foi comemorado ontem em grande estilo no Museu da Gente Sergipana, com o lançamento de uma exposição em sua homenagem e da versão em longa-metragem de “Morena dos Olhos pretos”, documentário dirigido por Isaac Dourado. Eu estaria mentindo se dissesse que sou um grande conhecedor e apreciador de sua música, porque não sou. Mas a época em que ela, Genival Lacerda, Zenilton e Sandro Becker, dentre outros, faziam sucesso no rádio com o então chamado “forró safado”, aquele com letras de duplo sentido em que muitas vezes se fazia um verdadeiro malabarismo lingüístico e até mesmo geográfico apenas para que se pudesse proferir um palavrão (“A capital do Equador/É Quito/Nunca Mudou/Foi sempre Quito”) foi parte marcante de minha infância. Além disso, admiro sua personalidade forte e batalhadora. Por isso fiz questão de prestigiar a festa.

Cheguei por volta das 19:30 e o saguão do Museu já estava tomado de gente, com o público embalado por um trio de forró “pé de serra”, na tradicional formação minimalista de sanfona, triângulo e zabumba. A exposição estava bonita, muito bem arrumada e interativa, com um design gráfico sóbrio, elegante e bastante informativo, muito embora um tanto quanto carente de objetos – haviam apenas alguns discos, troféus, o disco de ouro recebido por “Prenda o Tadeu” e o vestido usado na noite em que foi homenageada no Forrocaju e no Fórum de Forró. A animação já era grande, mas ficou ainda maior com a chegada de um grupo de senhoras extremamente animadas e devidamente paramentadas para um “reisado”. Fizeram uma apresentação empolgante e dinâmica, unindo-se ao trio na interpretação de canções do repertório da homenageada.

Minha maior expectativa, no entanto, era com relação ao filme. Havia visto a versão em curta metragem exibida no Festival da Secult e, mesmo reconhecendo as inúmeras falhas, senti que tudo poderia fazer mais sentido quando fui informado que aquela era, na verdade, uma espécie de prévia para um longa metragem. Estava certo: exibido para um auditório lotado, “Morena dos olhos pretos” me emocionou ao contar de forma passional e didática, sem grandes arroubos estilísticos ou tentativas de inovação narrativa desnecessária, a história dessa alagoana “arretada” que deixou sua terra natal no porão de um navio aos 23 anos, em 1960, e foi parar no Rio de Janeiro, onde se tornou uma “piolha de rádio”: era freqüentadora assídua das apresentações transmitidas ao vivo a partir do auditório da Radio Mayrink Veiga. Sentada sempre na primeira fila, acabou chamando a atenção de Raimundo Nobre de Almeida, diretor de um programa de grande audiência, “Crepúsculo sertanejo”, que um dia perguntou se ela cantava. Ela disse que sim, subiu ao palco e cantou. Impressionou Gerson Filho, sanfoneiro aclamado como o “Rei dos oito baixos”, que fazia outro programa chamado “Esse Norte é de morte”. Acabaram virando parceiros na vida e na arte e vindo parar em Aracaju, onde tinham uma música, “Rodêro Novo”, “estourada”. Criaram um programa de rádio – depois “exportado” para a TV – de grande sucesso, “Forró no Asfalto”, cujo nome foi “surrupiado” de outro produzindo no Rio pelo compositor Gordurinha – que foi informado e não se incomodou, já que era feito em outro estado – e por aqui ficaram, tornando-se verdadeiro patrimônio da música e da cultura popular sergipana.

No filme somos apresentados a essa história fascinante através de imagens de arquivo e entrevistas com especialistas, além de depoimentos de artistas consagrados que conviveram com Clemilda: Erivaldo de Carira, Amorosa, Anastácia, Genival Lacerda, Sandro Becker e Alcymar Monteiro, este último o autor de “Prenda o Tadeu”, seu maior sucesso. Seu depoimento sobre o fato é hilário: “Na época eu tava passando o maior perrengue em São Paulo, quebrado, dormindo no porão de uma pensão, e acabei entregando o ouro de mão beijada”. Igualmente engraçados – e emocionantes – são os relatos do também alagoano Sandro Becker, com quem ela dividiu, em parceria, um bizarro projeto de releituras “pop” de suas obras no qual, para as fotos de divulgação, teve que se ajustar ao figurino de Madona “sadomasô”.

Afora uma ou outra deficiência técnica – o áudio da entrevista com Becker, por exemplo, está terrível – o filme cumpre com louvor sua missão de resgatar para as novas gerações a luta desta verdadeira guerreira da cultura popular. Se encerra com um silencio emocionado de seu filho, comovido com a situação atual da mãe, que sofre dos males da idade avançada e convalesce de um AVC e de complicações com a osteoporose, e com um engraçadíssimo “sketch” de “Os Trapalhões” onde Renato Aragão faz o papel de Tadeu.

A exposição continua em cartaz. Vá ver. E aproveite para comprar o CD com a trilha sonora do filme, que tem seus maiores sucessos. A renda da venda será revertida para o custeio das despesas com o tratamento médico de nossa rainha do forró.

VIVA CLEMILDA!

Ela já é imortal ...

A

#

segunda-feira, 9 de junho de 2014

COMBATE NAS TREVAS

ALN (Ação Libertadora nacional), ANL (Aliança Nacional Libertadora), AP (Ação Popular), AP- ML (Ação Popular Marxista-Leninista), COLINA (Comando de Libertação Nacional), DI (Dissidência), MEP (Movimento de Emancipação do Proletariado), MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário), MOLIPO (Movimento de Libertação Popular), MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de outubro), OCML-PO (Organização de Combate Marxista-Leninista – Política Operária), ORM-POLOP (Organização Revolucionária Marxista – Política Operária), PCB (Partido Comunista Brasileiro), PCdoB (Partido Comunista do Brasil), PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário), PCR (Partido Comunista Revolucionário), PRC (Partido Revolucionário Comunista), POC (Partido Operário Comunista), POLOP (Política Operária), POR (T) (Partido Operário Revolucionário (Trotskista), PRT (Partido Revolucionário dos Trabalhadores), TL (Tendência Leninista), VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) e VAR – Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária – Palmares).

Atire a primeira pedra quem nunca ficou perdido em meio e esta sopa de letrinhas com a qual nos deparamos sempre que entramos em contato com a História da resistência à Ditadura militar no Brasil. A oportunidade para um melhor esclarecimento de seu significado e importância no contexto histórico está posta agora, com a reedição, via Editora da Fundação Perseu Abramo, em conjunto com a Editora Expressão Popular, do mais importante livro a enfocar a luta armada no período: “Combate nas Trevas”, de Jacob Gorender.

Militante do PCB por quase três décadas, Gorender rompeu com o “Partidão” logo após o golpe de 1964 por discordar de sua atitude passiva e conciliadora frente ao regime. Pensador autônomo, avesso a cartilhas esquemáticas, ajudou a fundar, com Mario Alves e Apolônio de Carvalho, o PCBR, uma espécie de meio termo entre o PCB, situado então à direita no espectro polítco, e o stalinismo – então flertando com o maoísmo – do PCdoB. Sempre esteve imerso na luta e, portanto, não fez nem nunca pretendeu fazer um livro “isento”. Seu ponto de vista perpassa toda a narrativa, com duras críticas aos rumos tomados por seus antigos companheiros, especialmente Prestes, cuja personalidade autoritária e egocêntrica é duramente dissecada, e Amazonas e Grabois, os dois principais líderes do PCdoB, presos, a seu ver, a uma ortodoxia cega e ao mesmo tempo contraditória, ora pendendo para o maoismo, o que resultou na guerrilha do Araguaia, ora voltando ao stalinismo, quando declararam a Albania o último bastião do verdadeiro socialismo. Sobrou até para Jorge Amado, implacavelmente defenestado num dos capítulos por conta do não reconhecimento de uma injustiça de sua parte cometida no livro “Os subterrâneos da liberdade”, escrito quando ainda pensava sob a égide da ilusão stalinista.

Isto não significa, no entanto, que o conteúdo do livro seja maculado por sua visão de mundo. Muito pelo contrário: para além das muitas discordâncias, Gorender, justamente por não ter um pensamento bitolado e dogmático, nos ajuda imensamente, em "Combate nas Trevas", na difícil tarefa de entender os impulsos e motivações por trás dos “rachas” que originaram tantas facções distintas, situando-os no contexto histórico e analisando as forças que atuavam na disputa pelos corações e mentes dos jovens brasileiros envolvidos na resistência. Explica, por exemplo, a diferença entre o “foquismo”, irradiado a partir de Cuba e adotado aqui, a princípio, pelo MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário), liderado do exílio por Leonel Brizola, e posteriormente pela ALN de Marighella e pela VPR de Carlos Lamarca, e o maoismo, adotado pelo PCdoB. No primeiro, a idéia era a de que um grupo guerrilheiro isolado no campo seria capaz de deflagrar a revolução, mesmo sem contar com o suporte de um partido político organizado ou um trabalho prévio de inserção na população. Trabalho este essencial sob o ponto de vista dos maoístas – daí o longo processo de preparação para a guerrilha desenvolvido pelo PCdoB antes da luta em si. São diferenças aparentemente pequenas, mas que resultavam em grandes discussões e infinitas divisões, dada a urgência do momento.

Vale ressaltar que o trabalho de Gorender vai além de suas impressões sobre o que viveu e viu: é também baseado numa vasta pesquisa em livros, documentos de organizações e na realização de dezenas de entrevistas, tudo devidamente relacionado ao fim de cada capítulo. Um trabalho de fôlego, portanto, mas que é apresentado de forma didática num texto fluente e de aprazível leitura, o que é fundamental para que possamos percorrer com maior clareza os labirintos criados por estruturas naturalmente obscuras, pois atuavam na clandestinidade. Não é por acaso que é considerado, até hoje, a principal obra de referência sobre o assunto.

Parabéns aos responsáveis pela reedição num momento tão oportuno, quando, em meio à passagem dos 50 anos do Dia da grande mentira, o acirramento da luta de classes, natural em momentos de crise – e a que vivemos é considerada por muitos a maior desde 1929 – nos leva a uma polarização perigosa, em que vicejam a desinformação e um revisionismo histórico canhesto que faz com que muitos, deliberadamente ou por pura ignorância, tendam a reabilitar o regime autoritário e colocar os carrascos na posição de vítimas.

Jacob Gorender faleceu no ano passado, aos noventa anos.

Faz Falta.

+ AQUI

A
#

domingo, 8 de junho de 2014

Cabo Anselmo - A Face da traição

Estava folheando descompromissadamente um livro ontem quando me deparo com uma informação que me deixou chocado: o Cabo Anselmo, maior símbolo do que pior existe no espírito humano, o traidor, é sergipano! De Itaporanga DAjuda! Juro que não sabia! Mais: ele talvez se esconda por aqui mesmo, nas antigas terras do Cacique Serigy. Foi o que me disse George, vocalista da Warlord – que está voltando. Há boatos de que ele freqüentava sempre um bar, "El Capitan", situado à beira mar na Rodovia José Sarney.

Que a infâmia o persiga sempre! Um homem que entregou, dentre muitos outros, sua própria companheira, grávida de seu filho, à sanha assassina do delegado Sergio Paranhos Fleury não merece viver – nem morrer! – em paz. Ele voltou a aparecer depois de, cinicamente, solicitar indenização – negada por unanimidade – à comissão de anistia. Deu, inclusive, pelo menos duas longas entrevistas à televisão, que se você tiver estômago forte pode assistir AQUI e AQUI. Vale uma olhada, nem que seja para fixar na mente a face da infâmia. Para que, caso seja reconhecido em público, que seja, pelo menos, insultado. Para que não viva em paz!

Abaixo, reproduzo duas matérias que o ajudarão a saber quem é o Cabo Anselmo e quem foi sua principal vítima, Soledad Barret – a mãe de Ñasaindy, cuja história também reproduzi, num post anterior que você pode acessar clicando aqui.

(**)Em 1970, de volta ao Brasil, Anselmo foi preso pela ditadura militar. Em troca da liberdade, delatou perseguidos políticos ao delegado Sérgio Paranhos Fleury, do Dops. A lista de denunciados incluía sua namorada, Soledad Viedma, que acabou morta devido à tortura.

Quem lê “Soledad no Recife” pergunta sempre qual a natureza da minha relação com Soledad Barrett Viedma, a bela guerreira que foi mulher do Cabo Anselmo. Eu sempre respondo que não fomos amantes, que não fomos namorados. Mas que a amo, de um modo apaixonado e definitivo, enquanto vida eu tiver. Então os leitores voltam, até mesmo a editora do livro, da Boitempo: “mas você não a conheceu?”. E lhes digo, sim, eu a conheci, depois da sua morte. E explico, ou tento explicar.

Quem foi, quem é Soledad Barrett Viedma? Qual a sua força e drama, que a maioria dos brasileiros desconhece? De modo claro e curto, ela foi a mulher do Cabo Anselmo, que ele entregou a Fleury em 1973. Sem remorso e sem dor, o Cabo Anselmo a entregou grávida para a execução. Com mais cinco militantes contra a ditadura, no que se convencionou chamar “O massacre da granja São Bento”. Essa execução coletiva é o ponto. No entanto, por mais eloquente, essa coisa vil não diz tudo. E tudo é, ou quase tudo.

Entre os assassinados existem pessoas inimagináveis a qualquer escritor de ficção. Pauline Philipe Reichstul, presa aos chutes como um cão danado, a ponto de se urinar e sangrar em público, teve anos depois o irmão, Henri Philipe, como presidente da Petrobras. Jarbas Pereira Marques, vendedor em uma livraria do Recife, arriscou e entregou a própria vida para não sacrificar a da sua mulher, grávida, com o “bucho pela boca”. Apesar de apavorado, por saber que Fleury e Anselmo estavam à sua procura, ele se negou a fugir, para que não fossem em cima da companheira, muito frágil, conforme ele dizia. Que escritor épico seria capaz de espelhar tal grandeza?

E Soledad Barrett Viedma não cabe em um parêntese. Ela é o centro, a pessoa que grita, o ponto de apoio de Arquimedes para esses crimes. Ainda que não fosse bela, de uma beleza de causar espanto vestida até em roupas rústicas no treinamento da guerrilha em Cuba; ainda que não houvesse transtornado o poeta Mario Benedetti; ainda que não fosse a socialista marcada a navalha aos 17 anos em Montevidéu, por se negar a gritar Viva Hitler; ainda que não fosse neta do escritor Rafael Barrett, um clássico, fundador da literatura paraguaia; ainda assim... ainda assim o quê?

Soledad é a pessoa que aponta para o espião José Anselmo dos Santos e lhe dá a sentença: “Até o fim dos teus dias estás condenado, canalha. Aqui e além deste século”. Porque olhem só como sofre um coração. Para recuperar a vida de Soledad, para cantar o amor a esta combatente de quatro povos, tive que mergulhar e procurar entender a face do homem, quero dizer, a face do indivíduo que lhe desferiu o golpe da infâmia. Tive que procurar dele a maior proximidade possível, estudá-lo, procurar entendê-lo, e dele posso dizer enfim: o Cabo Anselmo é um personagem que não existe igual, na altura de covardia e frieza, em toda a literatura de espionagem. Isso quer dizer: ele superou os agentes duplos, capazes sempre de crimes realizados com perícia e serenidade. Mas para todos eles há um limite: os espiões não chegam à traição da própria carne, da mulher com quem se envolvem e do futuro filho. Se duvidam da perversão, acompanhem o depoimento de Alípio Freire, escritor e jornalista, ex-preso político:

“É impressionante o informe do senhor Anselmo sobre aquele grupo de militantes - é um documento que foi encontrado no Dops do Paraná. É algo absolutamente inimaginável e que, de tão diferente de todas as ignomínias que conhecemos, nos faltam palavras exatas para nos referirmos ao assunto.

Depois de descrever e informar sobre cada um dos cinco outros camaradas que seriam assassinados, referindo-se a Soledad (sobre a qual dá o histórico de família, etc.), o que ele diz é mais ou menos o seguinte:

‘É verdade que estou REALMENTE ENVOLVIDO pessoalmente com ela e, nesse caso, SE FOR POSSÍVEL, gostaria que não fosse aplicada a solução final’.

Ao longo da minha vida e desde muito cedo aprendi a metabolizar (sem perder a ternura, jamais) as tragédias. Mas fiquei durante umas três semanas acordando à noite, pensando e tentando entender esse abismo, essa voragem”.

Esse crime contra Soledad Barrett Viedma é o caso mais eloquente da guerra suja da ditadura no Brasil. Vocês entendem agora por que o livro é uma ficção que todo o mundo lê como uma relato apaixonado. Não seria possível recriar Soledad de outra maneira. No título, lá em cima, escrevi Soledad, a mulher do Cabo Anselmo. Melhor seria ter escrito, Soledad, a mulher de todos os jovens brasileiros. Ou Soledad, a mulher que apredemos a amar.

(**) Publicado originalmente em www.cartamaior.com.br. Texto por Urariano Mota, 59 anos, natural de Água Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista, publicou contos em Movimento, Opinião, Escrita, Ficção e outros periódicos de oposição à ditadura. Atualmente, é colunista do Direto da Redação e colaborador do Observatório da Imprensa. As revistas Carta Capital, Fórum e Continente também já veicularam seus textos. Autor de Os corações futuristas (Recife, Bagaço, 1997), um romance de formação, que se passa sob a ditadura de Emílio Garrastazu Médici (1969–1974), e de Soledad no Recife (São Paulo, Boitempo, 2009)


(*)José Anselmo dos Santos é um enigma da história recente do Brasil. Ele desapareceu há 26 anos e, desde então, muito pouco se ouviu falar do jovem marinheiro que num discurso explosivo, pronunciado na solenidade de aniversário da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil, em 25 de março de 1964, acabou precipitando a queda do governo João Goulart, o golpe dos militares e, quatro anos depois, o mergulho do Brasil no longo período da ditadura do AI-5. O pretexto do golpe - a quebra da hierarquia militar - teve no marinheiro um de seus personagens principais, a ponto de muitos terem preferido vê-lo como um espião infiltrado da CIA, a agência de informações dos Estados Unidos.

Imaginava-se o cabo Anselmo morto ou vivendo em outro país. Ele saíra da sombra pela primeira e última vez em março de 1984, numa entrevista dada ao jornalista Octavio Ribeiro e publicada pela revista ISTOÉ. Naquele depoimento, Anselmo fornecia sua versão de como mudara de lado - da militância política na luta armada de esquerda ao extremo oposto, a colaboração com a polícia do delegado Sérgio Paranhos Fleury. De lá para cá, o cabo sumiu. Nem mesmo os próprios familiares pensavam que ele ainda pudesse estar vivo. Época o localizou. Esteve com ele numa visita-surpresa a parentes e amigos de infância na pequena Itaporanga d'Ajuda, a 26 quilômetros de Aracaju, em Sergipe. Quando ele chegou, sem aviso prévio, alguns pensaram assustados que fosse assombração. Diz o amigo de infância José Jessé de Oliveira, 60 anos, hoje vereador pelo PFL: "Como todo mundo por aqui, achei que já o tivessem assassinado". Ele está vivo, mas tem medo de morrer. Sabe que o ódio o cerca.

Em 1964, Anselmo era o marinheiro insuflador que levou à rebelião colegas da Marinha e conseguiu até a adesão espetacular de uma tropa de fuzileiros navais destacada para prendê-los. Foragido, depois de passar algum tempo preso numa delegacia e refugiar-se na embaixada do México, passou a usar o codinome Jônatas (na Bíblia, o leal amigo de Davi). Já era um ativo membro da Vanguarda Popular Revolucionária, a VPR, organização de esquerda que montou um ambicioso esquema de ações de guerrilha para derrubar o regime militar.

O que ocorreu com Anselmo, depois da prisão de 1964 - fuga do Brasil, curso de guerrilhas em Cuba, passagens pela Europa e missões como montar uma base de guerrilhas da VPR no Nordeste -, nunca se soube exatamente. Os órgãos de segurança silenciaram completamente e nenhuma pista ficou em seus arquivos. Documentos secretos foram destruídos. Os militantes de esquerda sabiam de alguma coisa, desconfiavam de uma infiltração fatal, de traição e delação, mas ignoravam o real papel desempenhado por Anselmo nos anos de chumbo. Nesta reportagem, ele aceitou narrar detalhes de sua trajetória até então desconhecidos ou mal explicados.

Anselmo conta tudo o que sabe, o que viu, como mudou de lado e como a polícia do delegado paulista Sérgio Paranhos Fleury o manteve como delator. A entrevista foi realizada em duas etapas - Aracaju e Itaporanga d'Ajuda, em Sergipe, e depois em Recife, Olinda e num sítio no pequeno município de Abreu e Lima, Pernambuco, palco de uma operação mista do Exército e do Dops de São Paulo, em janeiro de 1973, que resultou na morte simultânea de seis guerrilheiros e um golpe mortal dentro da VPR, privada abruptamente dos seus principais líderes. Nessa operação, desencadeada por Anselmo, foi assassinada Soledad Barret Viedma, a Sol, paraguaia, companheira do cabo, com sete meses de gravidez.

Antes da operação policial-militar em Pernambuco, Anselmo havia sido preso em São Paulo, em 1971. Dentro do Dops, ele passou por uma conversão política que teve a força de lavagem cerebral, feita pelo delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury, o temível chefe do Departamento de Ordem Política e Social. Foi quando aconteceu a grande transformação: Jônatas, o guerrilheiro combatente, passou a ser um privilegiado agente secreto do Dops infiltrado dentro da própria organização de luta armada, mantendo contatos normais, fazendo planejamentos e promovendo encontros. Até então, ele não era um militante qualquer. O ex-deputado pelo PCB, Carlos Marighella, o ajudara a escrever o discurso, em 1964, que tanto inflamara os militares. Marighella, já na guerrilha, ajudaria também a escrever, em Havana, o texto lido por Anselmo num encontro de revolucionários na conferência da OLAS, Organização Latino-Americana de Solidariedade, que "autorizou" a luta armada na América Latina. Essa perigosa vida dupla permitiu que os agentes da repressão política pudessem capturar - e em muitos casos matar - os quadros da liderança e militância, atônitos em perceber que, aos poucos, as organizações de esquerda, em particular a VPR, estavam sendo pulverizadas.

Como se deu a destruição? Era um grande segredo partilhado apenas por poucos membros do antigo Dops e dos serviços de informação do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Em conjunto, essas quatro forças da repressão promoveram ações simultâneas nos principais pontos da ação de guerrilha urbana - São Paulo, Rio de Janeiro e Recife - graças a uma estratégia que, sabe-se agora, parecia coisa de cinema. Anselmo passou a morar dentro do próprio Dops, um prédio de cinco andares, todo de tijolos avermelhados, construído em 19l0 pelo engenheiro Ramos de Azevedo. O edifício, um dos grandes símbolos da repressão política em São Paulo, fica no Largo General Osório. Ali, no inacessível quinto andar, o ex-marinheiro passou a residir numa sala especial, bem ao lado do Serviço de Informações - chamado de Serviço Secreto dentro do Dops e das Forças Armadas -, e tendo como vizinho cordial o delegado Romeu Tuma. Era esse o lugar onde se cruzavam as informações entre Dops e DOI-CODI, eram analisados os documentos apreendidos, planejadas as invasões de aparelhos da organização e orientados os agentes que iriam participar dos interrogatórios para arrancar confissões que permitiriam desdobramentos de outras operações policiais e militares. A luta armada no Brasil começava a ser minada por dentro - com o apoio de um homem que iniciou sua carreira política num campo e mudara de lado.

Nas horas de folga, Anselmo passou a distrair-se com tapeçaria. Mas dispunha de pouco tempo para isso, pois logo também foi requisitado para tornar-se um arremedo de professor exclusivo para os policiais dos segredos das organizações revolucionárias. Os agentes de polícia aprenderam como comportar-se nos contatos, usar codinomes para maior segurança pessoal e adotar um linguajar próprio dos militantes quando eram destacados para "cobrir pontos" - ou seja, comparecer a lugares públicos onde os encontros dos guerrilheiros urbanos e rurais eram previamente combinados. Desse modo, Anselmo substituiu o único teórico de análise marxista que o Dops possuía, o delegado Alcides Cintra Bueno.

A permanência de Anselmo no Dops foi devastadora. Quando a VPR estava praticamente aniquilada e da ALN - Ação Libertadora Nacional - nada mais restava, Anselmo retirou-se estrategicamente do cenário. O sistema mostrou-se reconhecido: montou um aparato secreto para que Anselmo, segundo seu relato, fosse internado com nome falso no Hospital Albert Einstein, no bairro do Morumbi, em São Paulo, para submeter-se a uma cirurgia plástica que iria mudar-lhe completamente o rosto. O médico também foi escolhido cuidadosamente pelo sistema: fez os exames preliminares em seu consultório, na Rua Groenlândia, e providenciou a internação, sem fazer perguntas ou pedir explicações. Fleury cuidou pessoalmente de tudo, até mesmo da escolta que o Dops realizou dia e noite no quarto do hospital. Tudo com o amparo de uma verba secreta. Feita a cirurgia, Anselmo ficou de quarentena de recuperação no apartamento de um delegado do Dops na Rua Mauá, no centro de São Paulo. Depois, o arremate do plano para Anselmo sair de cena e nunca mais ser reconhecido por ninguém: o fornecimento de uma carteira de identidade com o nome trocado e um cadastro de pessoa física, documentos que Anselmo usa até hoje. O Estado, conscientemente, usou o seu poder invisível para cometer crimes de falsidade ideológica. Todos esses cuidados foram considerados necessários porque suspeitou-se que Anselmo pudesse ser alvo de vingança.

Os serviços secretos das Forças Armadas, que o usaram ao máximo, também passaram a considerá-lo como um homem incômodo, perigoso, muito mais interessante morto do que vivo porque sabia de tudo e demais. Fleury, porém, foi grato - garantiu a segurança do delator e ainda arranjou-lhe um emprego na empresa particular de um delegado do Dops, que prestava assessorias para empresas e indústrias interessadas em descobrir funcionários com tendências políticas que consideravam perigosas.

Anselmo vai se lembrando de todas essas histórias aos poucos. Durante dez dias consecutivos, a entrevista se desenrola num apartamento em Aracaju, andanças pela Praia de Atalaia, nas emoções das reminiscências da infância e adolescência em Itaporanga d'Ajuda, numa viagem de carro para Recife, na lembrança do aparelho em Olinda. "Estou abrindo o meu coração", diz, em tom de desabafo, aparentemente querendo pôr os fantasmas para fora, como se pudesse se livrar deles.

Em plena praça central de Itaporanga, Anita dos Santos, 70 anos, amiga da família, fita demoradamente aquele homem aturdido no meio de tantas lembranças.

- A senhora se lembra do nome dele? Ela responde, sem vacilar:  "Anselmo!"

A mesma reação - "Anselmo!" - parte de um dos primos, Francisco dos Santos, 63 anos, eufórico como se estivesse diante de uma personalidade . "Quem diria, hein?", comenta. Na cena familiar, vagas menções sobre o movimento dos marinheiros e o golpe de 1964. Nada mais. Anselmo conhece um sobrinho, que está terminando o curso de história e conta que na faculdade, em Aracaju, os jovens alunos demonstram muito interesse pelos movimentos de camponeses, antes de 64, e pelos sem-terra. Anselmo fica a sós com ele num dos cômodos da casa para fazer um pequeno resumo de sua vida. Na saída, dá-lhe de presente um exemplar do livro História Indiscreta da Ditadura e da Abertura, de Ronaldo Costa Couto. Faz uma dedicatória carinhosa. O sobrinho agradece, mas o tema de sua monografia é outro, bem diferente: a longa história da Igreja na cidade. "Quem sabe ainda há tempo de mudar?", brinca Anselmo, que se lembra, nesse instante, do avô José Balbino, que caminhou pelo Rio Vaza-Barris, leito seco no final do século, para fugir do arraial de Canudos, no sertão da Bahia, onde a fama de Antonio Conselheiro, seguido por 25 mil adeptos, havia atraído a ira da República recém-proclamada. O governo mandaria quatro expedições militares para destruir o arraial de Conselheiro. Anselmo se lembra, então, do velho Balbino contando para ele e outros meninos como eram as rezas do Conselheiro, prometendo para os mal-aventurados de Canudos que naquele lugar, um dia, as barrancas seriam de cuscuz e as águas do rio se transformariam em leite.

Anselmo revela a vontade de visitar o túmulo da mãe, Joana. Mas já se passaram mais de dez anos desde que ela morreu e no pobre cemitério local é difícil identificar o lugar certo do sepultamento. Não há mais como saber onde o corpo de dona Joana foi colocado. Anselmo se contenta em saber, aos poucos, como foram seus últimos dias. Joana faleceu pensando que o filho tinha morrido. Depois do desaparecimento da mãe, um advogado amigo da família vendeu a casa, ficou com o dinheiro, apoderou-se das jóias. Anselmo se irrita, confirma a história com pessoas diferentes e acaba concluindo que nada mais se pode fazer: depois da rapinagem, o advogado também morreu.

Chegar a Olinda foi contemplar o edifício Solemar, em Rio Doce, onde o aparelho da VPR não era outra coisa senão uma central de escuta da repressão. Dois dormitórios, sala de jantar, cozinha e um telefone sempre grampeado, de onde se ligava para todos os cantos, até para o Chile. Para salvar as aparências, o casal Anselmo e Soledad Barret montou uma butique, em Olinda, para disfarçar uma vida legal - Anselmo já não era mais Jônatas, e sim Daniel. A butique Mafalda vendia blusas bordadas à mão, trabalho de Soledad, e a tapeçaria hobby de Anselmo. Ainda possuía uma minigaleria para expor quadros de artistas locais. Helena Lundgreen, dona das Casas Pernambucanas, convidou-os para promover um desfile fechado das blusas feitas por Soledad. O casal também esteve numa recepção na casa de Gilberto Freyre, estreando como pintor. A butique funcionava na Avenida Sigismundo Gonçalves, bem perto dos pontos que transformaram Olinda em patrimônio histórico da humanidade. O negócio da butique não prosperou e a VPR insistia em instalar por ali suas bases nordestinas.

A essa altura, Anselmo e o agente do Dops que fazia parceria com ele, usando o codinome César, recepcionavam os militantes que chegavam para reconhecimento do terreno, conduzindo-os diretamente para o aparelho. O trabalho de César era transportá-los "fechados", com os olhos vendados, e depois providenciar documentação falsa para todos. Houve um dia em que um delegado da Polícia Federal relutou em fornecer um passaporte. O delegado Fleury deixou claro que era questão de segurança nacional. "Só se o Comando do Exército autorizar", desafiou. O ministro do Exército telefonou em 40 minutos e o passaporte foi expedido na hora. Dops e Exército gastaram quase três anos nessa operação para que a cúpula dirigente da VPR ganhasse confiança e fosse sendo atraída aos poucos, sem desconfiar da arapuca armada. Jônatas enganara seus companheiros de militância. Jônatas transformara-se, definitivamente, no mais célebre caso de traição política da história recente do Brasil. 

A história da cirurgia plástica

O cabo Anselmo diz ter feito a cirurgia plástica que lhe mudou as feições no Hospital Albert Einstein, em 1973, em São Paulo. Internou-se no início da noite e na manhã seguinte já tinha um novo rosto. Um dia a mãe foi visitá-lo em São Paulo. Ela não o reconheceu quando Anselmo foi esperá-la no aeroporto. Somente depois que ele a chamou - "mãe!" - e a tocou nos ombros, Joana virou-se, surpresa: "Meu filho, o que fizeram com você?" Naquele momento, o cabo achou que havia feito o grande teste de sua nova vida: acabava de comprovar que depois da plástica ninguém mais poderia identificá-lo. "No início, meus companheiros diziam que eu estava parecendo um Frankenstein", afirma. "Depois da quarentena, sem luz do sol e remédios, voltei ao normal. Minha cara podia ser qualquer uma, desde que ela me permitisse circular sem ser reconhecido."

Como achei o Cabo Anselmo 

O périplo do repórter Percival de Souza para localizar o marinheiro

Não fazia a menor idéia de que o cabo Anselmo apareceria no meu caminho quando reiniciei o projeto de escrever um livro sobre a vida do delegado Sérgio Paranhos Fleury. Numa das entrevistas, um policial falou-me do Dr. Kimble, numa referência ao personagem de uma antiga série de TV, O Fugitivo, que depois viraria também um filme com Harrison Ford. Dr. Kimble era o apelido dado ao cabo Anselmo pelos agentes do Dops que asseguravam o seu sustento em troca das delações.

Não foi fácil: quatro meses de negociações por meio de um antigo agente do Dops, homem de confiança de Anselmo, foram necessárias para que ele concordasse com um primeiro encontro. Esta conversa aconteceu no bar de um hotel na Avenida São Luís, em São Paulo. Ele ficou de pensar e desapareceu por outros dois meses. O segundo encontro aconteceu na biblioteca da Assembléia Legislativa de São Paulo. Finalmente ele aceitara conceder a entrevista.

A princípio, não quis fotografias, mas terminou por acatá-las, desde que posasse com óculos escuros. Para garantir a identificação de Anselmo, convenci o delegado paulista Carlos Alberto Augusto, que o prendera e o ajudara a mudar de lado, a me encontrar no Nordeste com o cabo. O delegado o reconheceu: "É ele". Ao término das conversas Anselmo arrumou as malas e partiu.

Os aparelhos 

Os dois principais apartamentos montados pelo Dops para auxiliar o trabalho de Anselmo

Os militantes da esquerda em armas freqüentavam apartamentos que pensavam ser aparelhos da organização, mas que, na verdade, eram apartamentos montados pelo Dops com um sistema de escuta para flagrar conversas e registrar com fotografias os hóspedes. Um dos aparelhos estava instalado na Rua Apinagés 622, primeiro andar, no bairro das Perdizes, em São Paulo. Outro foi alugado em Olinda, no número 1101 da Avenida Cláudio Gueiros Leite. Nos dois lugares, os militantes chegavam "fechados", norma de segurança que os obrigava a ir aos locais com os olhos vendados. Precaução que se mostrou inútil diante das delações do cabo Anselmo.

A luta armada 

As principais organizações da guerrilha urbana e rural entre 1964 e o início dos anos 70

PCdoB
Partido Comunista do Brasil.
Comandou a Guerrilha do Araguaia, iniciada em 1972.

PCBR
Partido Comunista Brasileiro Revolucionário.
Principais nomes: Apolônio de Carvalho e Mário Alves.

MNR
Movimento Nacionalista Revolucionário.
Articulado pelos exilados no Uruguai e pelos adeptos de Brizola, em 1964.

MR-8
Movimento Revolucionário 8 de Outubro.
Antiga Dissidência da Guanabara, racha do PCB. Os líderes: Daniel Aarão Reis e Cláudio Torres.

ALN
Ação Libertadora Nacional.
Nasceu de um racha do PCB. Seu fundador e principal líder foi Carlos Marighella, morto em 1969.

VPR
Vanguarda Popular Revolucionária.
Seus dirigentes: Carlos Lamarca, Ladislao Dowbor e Onofre Pinto. Liquidada em 1972

Um tempo de confronto
Os 15 anos de guerra política no Brasil, período em que o cabo Anselmo mudou de lado

13/3/1964 - CENTRAL DO BRASIL
O presidente João Goulart (na foto com a mulher, Maria Tereza) comanda o comício das Reformas de Base em frente à Central do Brasil. Era o confronto entre a esquerda e a direita em seu apogeu.

25/3/1964 - MARINHEIROS
José Anselmo dos Santos, presidente da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais, lidera um motim contra a prisão de 12 de seus companheiros.

31/3/1964 - MILITARES
Um golpe de Estado derruba o presidente João Goulart. Os militares assumem o poder.

12/10/1968 - ESTUDANTES
Cai o congresso da UNE, em Ibiúna. As principais lideranças estudantis do país vão para a cadeia.

13/12/1968 - ESCURIDÃO
O governo de Costa e Silva decreta o AI-5.

4/9/1969 - ELBRICK
Um conjunto de organizações de esquerda seqüestra, no Rio de Janeiro, o embaixador americano Charles Burke Elbrick.

6/9/1969 - EXÍLIO
O governo cede às exigências dos seqüestradores e aceita a troca do embaixador dos EUA por 15 presos políticos. O grupo viaja para o México.

4/11/1969 - MARIGHELLA
A polícia, comandada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, mata, em São Paulo, o líder da Ação Libertadora Nacional, Carlos Marighella.

17/9/1971 - LAMARCA
Morre no interior da Bahia, numa operação do Exército, o capitão Carlos Lamarca, um dos líderes da VPR.

15/3/1974 - GEISEL
O presidente Ernesto Geisel toma posse. Ele comandaria o processo de abertura política lenta e gradual.

25/10/1974 - TORTURA
O jornalista Vladimir Herzog é torturado e morto nas dependências do DOI-CODI, em São Paulo.

27/6/1979 - ANISTIA
O presidente João Figueiredo assina o projeto de Anistia que seria enviado ao Congresso e aprovado dois meses depois.

* Revista Época

sábado, 7 de junho de 2014

STALINGRADO!

Ontem foi comemorado o aniversário de 70 anos do desembarque aliado na Normandia e, como sempre, o evento, realmente histórico e grandioso, sem sobra de dúvidas, foi lembrado em todo o ocidente como o Dia D, decisivo par a derrota da Alemanha nazista. Uma definição carregada de sentido ideológico, herdada dos tempos da guerra fria, quando se tentava a todo custo diminuir a importância da participação soviética no conflito ...

Porque a verdade é que o verdadeiro ponto de inflexão na guerra, a partir do qual os planos de Hitler foram definitivamente frustrados, foi a vitória soviética na batalha de Stalingrado, em fevereiro de 1943. Há quem afirme, inclusive, que a invasão da Normandia tinha como verdadeiro objetivo deter o avanço dos russos, que vinham varrendo da Europa o exército nazista a partir do leste.

Abaixo, a imagem do gigantesco monumento erguido para lembrar o feito no topo da Colina de Mamayev Kurgan, em Volgogrado/Stalingrado. Chama-se "Mãe Pátria" (em russo, Родина-мать зовёт!) e foi desenhado pelo escultor Yevgeni Vuchetich. Quando foi construída, em 1967, era a maior estátua do mundo, medindo 85 metros do topo de seu pedestal até a ponta da espada. A figura em si mede 52 metros e a espada 33.

Fica aqui minha homenagem aos que tombaram em defesa da liberdade nesta que é considerada a mais sangrenta de todas as batalhas.

E também aos que desembarcaram na Normandia ...





.

domingo, 1 de junho de 2014

MALDITO SEJA HENRY JAEPELT

Se você teve contato com o universo dos fanzines que circulavam em cópias xerocadas,
principalmente, via correios, entre a metade da década de 1980 e o final da de 1990, certamente conhece o trabalho de Henry Jaepelt. Caso contrário, tem uma oportunidade de ouro de conhecer agora, com o lançamento da antologia “Maldito seja” pela Ugra Press.

Há quase 30 anos esse catarinense vem espalhando seus trabalhos em quadrinhos experimentais por aí, mundo afora. Difícil citar uma só publicação relevante do período supracitado que não tenha algo dele em suas páginas. Ele fez, inclusive, a capa de uma das edições do meu zine, o Escarro napalm. É muito bom vê-lo ser, finalmente, publicado da forma mais digna possível, num livro produzido de forma artesanal – pelo Marcatti! – mas com acabamento primoroso! Sério, chega a ser impressionante o nível de perfeccionismo que o mito dos quadrinhos “gore” consegue em seus trabalhos de impressão e encadernação. Poucas gráficas profissionais conseguem entregar um produto final tão caprichado ...

O precioso volume, com capa colorida e diagramação elegante, começa com uma apresentação escrita por Denílson Rosa dos Reis, editor do zine “Tchê”, que dá a real dimensão da importância do artista no universo dos quadrinhos “underground”. Importância que você pode conferir na seqüência com seus próprios olhos, através da extensa e reveladora entrevista de 15 páginas conduzida a oito mãos por Douglas Utescher – o editor – Marcio Sno, Peter Baiestorf e, novamente, Denílson Reis. E, claro, com a obra do mesmo, compilada em 60 páginas primorosas com uma qualidade e uma unidade estilística impressionantes.

São desenhos experimentais, com pouco texto – às vezes nenhum – sempre resvalando para o surrealismo e a ficção científica em histórias curtas carregadas de humor e erotismo. Retratam um universo “fluido”, onírico, onde a vida adquire formas mutantes e inusitadas. O traço é elegante e inventivo, inclusive na disposição dos quadrinhos. Quase tudo saído exclusivamente da mente do autor – as duas únicas colaborações são com sua “parceira de crime”, Maria Jaepelt. Reflexo, certamente, de sua filosofia de trabalho, explicitada já no título da entrevista: “Faço o que gosto, quando posso e do jeito que gosto”.

Artista diletante por opção e filosofia de vida – “eu desenho porque curto, não porque me pagam para desenhar” -, Henry Jaepelt é, no entanto, um perfeccionista. Desenvolveu um estilo próprio e o lapidou até a perfeição. Merece muito ser conhecido e reconhecido. A publicação deste livro primoroso é um passo importante na direção da preservação de sua obra para as gerações futuras.

Henry Jaepelt já é imortal!

ADQUIRA SUA CÓPIA AQUI!

A

#