domingo, 31 de março de 2013

Um herói sergipano

Amanhã (NÃO HOJE!), primeiro de abril - o dia da mentira - é o aniversário de 49 anos do infame Golpe Militar de 1964. Uma boa oportunidade para homenagear quem merece ser homenageado. Faço-o reproduzindo o texto sobre o ex-governador sergipano Seixas Dória (Propriá, 23 de fevereiro de 1917 — Aracaju, 31 de janeiro de 2012) publicado no dia 21 de agosto de 2005 por Marcos Cardoso no site "Destaque Comunicação". O título, “Um herói sergipano”, acabou nomeando um excelente documentário de autoria da jornalista Rísia Rodrigues.

O ex-governador foi sepultado com todas as honras devidas
A homenageada coluna política “Painel” da Folha de S.Paulo cometeu uma “barrigada” jornalística e uma ofensa histórica aos sergipanos na última terça-feira, quando noticiou que, após a morte de Miguel Arraes, o prefeito de São Paulo, José Serra, teria passado a ser o único sobrevivente entre os oradores do histórico comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964. Um e-mail foi enviado ao “jornal a serviço do Brasil”, esclarecendo que o ex-governador João de Seixas Dória está aí vivíssimo, do alto do seu pouco mais de metro e meio de altura e 88 anos e meio de memória, a lembrar que foi um dos principais oradores daquela noite de sexta-feira, dia que definiu a queda de João Goulart e que desencadeou o golpe militar. Mas eles não se deram ao trabalho de publicar nem um “erramos”. Autocentrado, o paulista vive às voltas com os mistérios do próprio umbigo.

José Serra estava lá, tinha 21 anos, era presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) e foi o segundo orador da noite. Discurso frio, de principiante. Além, de Jango, os oradores mais aguardados da noite pela multidão de 200 mil pessoas que se espremia na Praça da República, centro carioca, eram mesmo o ex-governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, o governador de Pernambuco, Miguel Arraes, e Seixas Dória. Este colunista abre um parêntese para fazer uma inconfidência. Em conversa com o ex-governador sergipano, ele transmitiu uma opinião e pediu que não fosse publicada, era informação em off: “Eu acho que fui o mais aplaudido”. Quem há de duvidar? O talento de Seixas Dória para discursar era reconhecido.

RETÓRICA INCANDESCENTE — Ibarê Dantas (História de Sergipe República: 1889-2000) recorda que, quando Seixas Dória discursava, não perdia oportunidade de exercitar sua retórica, que se apresentava “mais incandescente” nos discursos proferidos fora do Estado. “Seu pronunciamento de maior repercussão foi no famoso comício de 13 de março, no Rio de Janeiro, quando anunciou bombasticamente que, ao retornar a Sergipe, iria fazer a reforma agrária”, conta o historiador. O comício resultou na cassação dos mandatos dele e de Miguel Arraes. Os ex-governadores que defendiam as Reformas de Base foram obrigados a conviver por longos quatro meses no degredo em Fernando de Noronha.

Arraes foi preso já no dia 1º e enviado imediatamente ao arquipélago. Seixas, na madrugada do dia 2 de abril, sendo encaminhado primeiro ao 29º Batalhão de Caçadores, em Salvador, onde passou sete dias. Da prisão na capital baiana, enviou carta ao presidente empossado, Humberto de Alencar Castello Branco, desafiando-o a apontar o crime pelo qual estava pagando. Não obteve resposta, claro. Ali mesmo, o Exército lhe ofereceu a possibilidade de retornar ao governo de Sergipe, desde que assinasse um manifesto de apoio ao novo regime, como fizeram alguns governadores para se garantirem nos cargos. Seixas negou-se a assinar: como olharia para a mulher, os filhos e os amigos depois? Foi embarcado também para Fernando de Noronha.

ARRAES PROPÕE UMA FUGA — “Miguel Arraes falava pouco, mas tinha opiniões muito sábias”, diz hoje o ex-governador de Sergipe, acrescentando que guarda as melhores recordações do colega cearense que se tornou líder socialista e governador de Pernambuco por três mandatos, morto no último dia 13, também aos 88 anos. “Foi um homem singular, que gostava de rapadura e que queria que eu também comesse. Mas eu não gosto de rapadura”, afirma Seixas Dória, revelando que, indiretamente, evitou que ambos fossem assassinados.

“Uma vez, Arraes propôs que nós fugíssemos. No nosso quarto, havia um buraco no chão coberto por uma tampa que nós poderíamos retirar e escapar por ali. Eu fiquei receoso e ponderei: ‘Como nós vamos sair da ilha? O continente é distante e acontece que eu não sei nadar!’ Depois, nós íamos dar razão para que nos matassem. Aí eu o convenci do contrário.”

EU, RÉU SEM CRIME — Arraes e Seixas liam muito na prisão, inclusive os jornais Última Hora e Correio da Manhã, que eram contra o regime, mas que chegavam às suas mãos graças à simpatia do coronel que governava o arquipélago. “Era um homem civilizado, que nos tratava com respeito”, acrescenta. Ali, ele começou a escrever os depoimentos que acabaram resultando no livro Eu, réu sem crime, um libelo contra a opressão, publicado graças à interferência do amigo jornalista e conterrâneo Joel Silveira e o apoio do jornal Correio da Manhã. O livro tornou-se best-seller e vendeu mais de 5 mil exemplares na noite de autógrafo, segundo cálculo do autor, lembrando, humildemente, que o número é contestado. Rubem Braga escreveu, surpreendido, que a noite de autógrafos da Livraria Entrelivros, no Edifício Avenida Central, resultou na venda de 2.432 exemplares.

"Espero que os rapazes do DOPS e os do SNI, que certamente estavam por lá, tenham informado corretamente o coronel Borges e o general Golbery: toda essa gente, na maioria humilde, fazia questão de mostrar que estava solidária com o homem que foi arrancado do governo e preso durante meses injustamente. E que a gente do governo sinta que a homenagem não era apenas à pessoa de Seixas Dória: era a todos os que são demitidos, humilhados, presos e torturados. Sinta que o povo brasileiro não aprova esses processos de opressão”, disse o maior dos cronistas, em texto publicado no Jornal do Brasil no dia 29 de dezembro de 1964.

GRITOS DOS TORTURADOS — Seixas Dória lembra que o momento de maior aflição para ele e sua família aconteceu pouco antes de ser libertado. “Um dia, em Fernando de Noronha, eu fui raptado por um grupo radical do Exército e levado de volta à Bahia”, conta, acrescentando que nem ele e nem sua família sabiam onde se encontrava. Havia rumores de que estava desaparecido. “Não fui morto porque se levantou um clamor da imprensa e de alguns políticos cobrando uma explicação para o meu desaparecimento”. Então mandaram o general Ernesto Geisel, chefe da Casa Militar do governo Castello Branco, para mostrar à família e à sociedade que ele estava vivo. “O general me perguntou se eu estava sendo maltratado no 19º BC. Eu respondi que dependia da interpretação que se quisesse dar. Eu comia a mesma comida dos oficiais, portanto, nesse sentido não era maltratado. Mas convivia diariamente com os gritos de dor dos torturados”.

DESCASO HISTÓRICO — No final do mês de março de 2004, quando a Fundação Joaquim Nabuco, do Recife, promoveu um evento para debater os 40 anos do golpe militar, Seixas Dória e Miguel Arraes participaram como conferencistas. Ali, o ex-governador sergipano definiu o movimento como uma “revolta” e não uma revolução, como denominavam os conspiradores. “Revolta é saque, é sangue, é desordem, é violência, é quartelada. Revolução é quebra de estruturas arcaicas”, comparou. E aproveitou para denunciar o descaso histórico dos governos nacionais com o Nordeste. Descaso que está na divisão inconsciente que há entre o Brasil do sul e o Brasil do norte e que se repete agora, quando o maior jornal do país esquece de um herói sergipano, um herói nacional.
No dia do lançamento de Eu, réu sem crime, 22 de dezembro de 1964, Joel Silveira escreveu assim no Correio da Manhã: “João de Seixas Dória, (...) 1,56 de altura, 58 de peso, gestos inquietos, palavra fácil, humilde e teimoso ao mesmo tempo — um ‘carne de pescoço’. (...) Quando Sergipe acerta, é assim. Acertou com Tobias, com Sílvio, com João Ribeiro. No caso de Seixas Dória, estava acertando como governador, que em catorze meses de governo modificou radicalmente a fisionomia oligárquica e semifeudal do Estado; e acertou em cheio com o prisioneiro.”

Quem não acertou foi a Folha de S.Paulo.

por Marcos Cardoso

Destaque

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sexta-feira, 22 de março de 2013

A Arte de Shiko ( Derby Blue )

O grafiteiro e ilustrador autodidata Shiko (também conhecido por Derby Blue) nasceu em João Pessoa, Paraiba, em março de 1976, e  hoje mora na Itália. Sua obra já foi publicada em capas de discos e livros, quadrinhos, grafites de rua, tatuagens, editoriais, anúncios, além de uma serie de exposições individuais e coletivas.

“Desenho em casa: ilustrações, storyboard, quadrinhos, telas, aquarelas, cinema de animação. Na rua faço graffiti com os amigos e cinema-gambiarra-favela com Las Luzineides. Encontro minhas idéias vendo cinema, lendo, ouvindo música, bebendo, jogando bola, tomando café, andando em círculos e sem rumo, desenho o que vejo e o que gostaria de ver. Quando vejo alguém comentar o meu trabalho, sempre tenho a sensação de que estão falando de outra pessoa, porque de modo geral tem sido boa a resposta. Na minha visão, a pornografia pode ser arte de bom gosto. Demorei pra entender que o que eu fazia era erótico. Eu simplesmente não fazia distinção, era só um desenho bonito e legal.”

Shiko pro­mete um 2013 com mui­tas novi­da­des. Mais impor­tante: novi­dade em qua­dri­nhos. Depois de cha­mar aten­ção com a HQ Blue Note, que ele cha­mou de “álbum sonoro” e que já tra­zia alguns per­so­na­gens pre­sen­tes em suas pin­tu­ras, o artista deve reto­mar sua pro­du­ção qua­dri­nhís­tica este ano.

Shiko foi um dos esco­lhi­dos para inte­grar o time de artis­tas que tra­rão uma nova visão dos per­so­na­gens de Maurício de Sousa. Ele lan­çará uma graphic novel estre­lada pelo Piteco, o herói da Pré-História, pre­sente em gibis da . “Eles acha­ram que meu estilo com­bi­nava com o Piteco. Então, man­dei um esboço do roteiro, e foi apro­vado. Estou muito empol­gado e devo pas­sar todo o pri­meiro semes­tre me dedi­cando a fina­li­zar este pro­jeto”, diz o autor por tele­fone, de João Pessoa, onde pas­sou as fes­tas de fim de ano com a famí­lia (ele reside atu­al­mente na Itália).

A HQ, com texto e dese­nhos de Shiko, deve sair até o final de 2013. “Shiko é um qua­dri­nhista e ilus­tra­dor talen­to­sís­simo, que o mer­cado bra­si­leiro pre­cisa conhe­cer. Muita gente vai ficar embas­ba­cada não ape­nas com sua arte, mas tam­bém com o roteiro que desen­vol­veu”, disse o edi­tor da obra, Sidney Gusman. Pela reper­cus­são que essa nova artís­tica para os per­so­na­gens de Maurício de Sousa vem tomando, a visi­bi­li­dade deve ser impor­tante para o autor. Sua HQ mais conhe­cida, Blue Note, teve mui­tos elo­gios da imprensa espe­ci­a­li­zada quando foi lan­çada em 2007, de forma inde­pen­dente. Com roteiro de Biu, a his­tó­ria fala de música e sexo e já apre­senta diver­sos ele­men­tos que carac­te­riza o estilo de Shiko, como os tipos urba­nos e a ficção-científica, pre­sente em per­so­na­gens meio androides.

No ano pas­sado ele tam­bém par­ti­ci­pou da cole­ção da edi­tora Ática que adapta clás­si­cos da lite­ra­tura bra­si­leira para os qua­dri­nhos. Ficou res­pon­sá­vel por O Quinze, escrito por Raquel de Queiroz. A his­tó­ria se passa no Sertão do Ceará, em 1915 e aborda a morte e a misé­ria tra­zida pela seca. Shiko, que nas­ceu no inte­rior da Paraíba, mas tem um tra­ba­lho influ­en­ci­ado pelas metró­po­les, rea­li­zou intensa pes­quisa para dese­nhar a HQ.

Este ano, além de Piteco, ele par­ti­cipa de cole­tâ­neas da edi­tora Marca de Fantasia. Uma delas, vol­tada para his­tó­rias com temá­tica homos­se­xual. “Chegou a hora de abrir as gave­tas. Tenho muito mate­rial de qua­dri­nhos que pre­tende libe­rar esse ano. São coi­sas que fiz há muito tempo e que fica­ram guar­da­das”, diz. “Fui con­vi­dado para essa edi­ção, mas tem outras coi­sas para sair, mas não tenho como adi­an­tar muito”. E a pro­du­ção segue. “Penso em outros álbuns e estou tra­ba­lhando em novas HQs”.

Morando em Florença, na Itália, Shiko diz que a expe­ri­ên­cia no exte­rior vem mexendo com sua per­cep­ção artís­tica. “Esse tempo em que estou morando por lá está ser­vindo para ver meu tra­ba­lho de outra maneira. Estou inte­res­sado em saber o que públi­cos de outros paí­ses acham do que faço. Acabo sendo influ­en­ci­ado pela cidade, me ins­tigo a expe­ri­men­tar novas ideias”, diz.

Ele pas­sou a morar na cidade ita­li­ana para acom­pa­nhar sua mulher, que faz mes­trado na cidade. Mas, o plano desde o iní­cio é vol­tar a viver em João Pessoa, capi­tal de seu Estado-natal. “Não aguen­ta­ria ficar aqui para sempre”.

Mas a esta­dia na Europa tem sido pro­vei­tosa para a car­reira. Fez peque­nas mos­tras em Lyon e no Salão do Livro de Paris, ambas na França, além de Florença. Ao longo de 2013, Shiko deve retor­nar outras vezes para o Brasil, sobre­tudo por causa do cinema. Ele faz parte da coo­pe­ra­tiva de curtas-metragens com sede na Paraíba.

Nascido em Patos, no Interior da Paraíba, Shiko ficou por lá até os 18 anos, quando mudou-se para João Pessoa. Depois de tra­ba­lhar no mer­cado publi­ci­tá­rio, o artista Francisco José Souto Leite tornou-se Shiko e pas­sou a expor em fei­ras e expo­si­ções, indi­vi­du­ais e cole­ti­vas. Na área de qua­dri­nhos, pas­sou a edi­tar e publi­car a revista indie Marginal Zine, que ganhou cole­tâ­nea pela Marca de Fantasia.


Abaixo alguns de seus trabalhos.

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por Paulo Floro
O Grito

























domingo, 10 de março de 2013

me testa ...

É possível que chegue o dia em que as pessoas nem se lembrarão mais da sensação de pegar um disco nas mãos e poder apreciar a arte, sentir a textura do material em que a capa e o encarte foi impresso. Acabo de passar, mais uma vez, por esta experiência, antes tão corriqueira, e só posso lamentar pelas gerações futuras que não a conhecerão.

Tenho aqui ao meu lado um disquinho charmoso, com uma capa primorosa muito bem impressa num papel de boa qualidade. Não é vinil, o que seria o ideal, mas o desenho parece ter sido feito para o formato CD, pois está perfeitamente encaixado nas proporções reduzidas do digipack que embala a bolachinha. Abrindo-o, temos uma bela foto da banda de um lado e todas as informações técnicas – que tanto fazem falta nos downloads da internet – do outro. Atrás, o nome das músicas, grafados em letras estilosas que reproduzem a linguagem visual das ruas, e as marcas do coletivo de selos responsável pelo lançamento.

Ao meter a mão dentro do pacote, no lado esquerdo, encontraremos um belo encarte desdobrável que ostenta, de um lado, um lindo pôster da banda, e do outro as letras. Porque você não vai, a princípio, colocar o disco para tocar enquanto faz milhares de outras coisas. Pelo menos uma vez, ou duas, ou três, ou sabe-se lá quantas, você vai pegar o encarte e acompanhar as letras junto com as músicas. Experimente, é uma experiência reveladora.

Parece papo de “tiozão” saudosista. Não descarto a possibilidade de que seja. Concordo que o que importa, no final das contas, é a musica, muito mais do que a plataforma na qual ela é acondicionada. Mas acho também que você deveria, pelo menos uma vez, sentar-se confortavelmente em frente a um aparelho de som decente e apreciar este disquinho com calma, sem pressa. Não precisa pular as faixas, elas são curtinhas! E não demora – 21 minutos depois de apertar o play você estará livre para voltar ao computador e conferir as atualizações dos amigos no facebook. Sem problema, acontece comigo também. Adoro facebook.

Então supomos que você tem um aparelho de som decente e não ouve musica apenas nas diminutas caixinhas acústicas do seu computador. Você será pego de surpresa por um esporro matador já na faixa de abertura, a que dá título ao disco. Nervosa, urgente, como o punk rock deve ser – esqueci de dizer, é um disco de punk rock. A segunda vem colada à primeira, sem intervalos, e é igualmente nervosa e urgente (todas são), mas já um pouco mais trabalhada. E assim elas vão se sucedendo, sem pausa para respirar, num misto de simplicidade e intensidade, com letras confessionais - escritas em português, inglês e francês - que discorrem sobre o dia-a-dia de pessoas batalhadoras. Tudo emoldurado em arranjos criativos executados com precisão por uma banda afiada e, acima de tudo, empolgada.

A mixagem é “na cara”, com os vocais ligeiramente “soterrados” pela massaroca sonora. Mas ouvem-se perfeitamente todos os instrumentos, inclusive o contrabaixo, este eterno injustiçado. E todos estão em pé de igualdade no que se refere à habilidade dos músicos – nenhum deles é virtuoso, mas são extremamente competentes no que se propõem a fazer. O disco desce redondo da primeira à ultima faixa, e acaba de forma diametralmente oposta ao início, aos poucos, como se eles não quisessem nos deixar, ir embora. Hora de apertar de novo o play e começar tudo de novo. A internet pode esperar.

Esta experiência é ainda mais intensa porque se trata, no meu caso, de uma banda próxima, de amigos. Pessoas que eu conheço de perto e cujo trabalho já admiro há bastante tempo. Vou aos shows que eles produzem, almoço no restaurante que eles administram. Converso com eles sempre que posso e é sempre um papo muito agradável e cheio de conteúdo. O que mais me deixa feliz, no entanto, é que o disco está sendo muito bem recebido, com resenhas sempre favoráveis. Freqüentou boa parte das listas de melhores do ano em que foi lançado e foi recomendado publicamente por alguns ícones do punk rock e do Hard Core nacional. Se você ainda não o conhece, corra atrás. Vale muito a pena.

È o “Coração metrônomo” da Renegades of punk.

Ouça AQUI.

a.

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quinta-feira, 7 de março de 2013

Chávez, um homem múltiplo

Chávez provocou amor e ódio, idolatria e nojo

POR BOB FERNANDES - Foi redator-chefe de CartaCapital. Trabalhou em IstoÉ (BSB e EUA) e Veja. Repórter da Folha de S.Paulo e JB, fez "São Paulo, Brasil" no GNT/TV Cultura. Comentarista da TVGazeta e Rádio Metrópole (BA)

Conheci Hugo Rafael Chávez Frías há 11 anos. Num domingo de março de 2002. Exatamente um mês antes do golpe de abril. De lá para cá, dezenas e dezenas de horas de conversas, uma boa parte delas gravada. Conversas sempre instigantes. Conversas em viagens pela América Latina, incluindo o Brasil.

Longas conversas no Palácio Miraflores e na Casona, a residência oficial. Conversas com um homem inteligente, arguto, sereno, ao contrário do que projetavam em sua imagem pública. Alguém assim definido pelo velho general, e mestre na Academia Militar, Jacinto Perez Arcay:

- Hugo não é apenas um jogador de xadrez. Ele enxerga o tabuleiro de uma outra forma, circular. A política para ele é, para além da concepção aristotélica, instinto, olfato, percepção, intuição para vasculhar um entorno vasto, tão vasto quanto os descampados nas planícies onde ele nasceu.

Chávez foi um homem que provocou tudo por onde passou, atuou e viveu. Provocou tudo, menos indiferença. Uma porção da Venezuela o seguiu, o amou, o idolatrou, e assim seguirá sendo. A partir de agora ainda mais, como tão comum entre humanos. Mas teve e tem adversários. Adversários porque pensam diferente, porque nele enxergavam e enxergam uma sucessão de equívocos e erros. Outra porção o odiou com todas as forças. Assim como os que nele viam um igual, um próximo, não poucos entre os adversários antes de mais nada sentiam asco, nojo de Hugo Chávez.

Sentiam o mesmo que, em outras plagas, sentem em relação a Evo Morales, a Lula. Um sentimento que está quase aquém, ou além da ideologia, da política -quando entendidas, tais expressões, no seu sentido apenas usual, pedestre. Asco, nojo, porque um sentimento que nasce da rejeição étnica, antes de tudo. Uma questão de pele.

Chávez era descendente de negros, índios e brancos. Um “zambo”, portanto, como se diz na Venezuela, tantas vezes com escancarado desprezo. Como se diz “um índio”, quando se trata de Evo Morales na Bolívia. Como se diz “um nordestino”, como se dizia, e ainda se diz em certas partes do Brasil, “um baiano”, um “paraíba”.

Historiadores, sociólogos, cientistas políticos se encarregarão da arqueologia da Era Chávez. Mas, antes mesmo deles chegarem a campo, há fatos que estão aí. Hugo Chávez não sacudiu apenas a Venezuela. Para além da paixão e idolatria dos militantes, a rejeição, a oposição, o ódio mesmo que provocou e provoca por toda a  América Latina, e não apenas, nada mais é do que o rastro de até onde chegou o menino pobre nascido nas intermináveis planícies de Sabaneta, em Barinas.

Haverá o tempo e a hora de falar, de relatar seus grandes erros, suas grandes vitórias. Mas, para quem com ele conviveu, é tempo de ainda começar a buscar a entrada no labirinto que leva a tão complexo e rico personagem. Não esse personagem que pulava de manchete em manchete ao sabor dos editores e dos interesses – inclusive os seus. Não esse personagem para uso e desfrute de quem apenas busca a psicanálise neste imenso consultório sem divã, e sem terapeuta, a rede social. Não o líder que tanto incomodava por ter sob controle uma das maiores reservas de petróleo do mundo, e reservas para pelo menos um século.

O personagem mais agudo, mais distante da persona mesma, é o que encontrou os caminhos para vencer 15 de 16 eleições disputadas em 14 anos. Que venceu o golpe midiático-militar em 2002. Que transformou em vitória o fracassado golpe por ele liderado em fevereiro de 1992. Vitória essa construída na televisão, sempre na televisão, e com três palavras depois de já preso: "Por ahora no…(Por enquanto não…)".

Venceu porque conhecia profundamente sua gente -aí incluídos os adversários, e os inimigos da sua Revolução Bolivariana. Venceu porque conhecia os caminhos, os atalhos, becos e quebradas da Venezuela que tanto amou. Inclusive os caminhos difíceis de percorrer, os do Poder, tantas vezes sujos. Sujos aqui, lá ou acolá.

Foi-se o personagem capaz de, num mesmo dia, recitar todo o Sermão da Montanha, de Nietzsche, de discutir trechos e trechos do último livro de Celso Furtado e pouco depois, num comício, levar a multidão chavista ao delírio com o fraseado de banheiro masculino:

- Mulher, esta noite eu te darei o que é teu…

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quarta-feira, 6 de março de 2013

A Veja fora do plástico – e outros absurdos ...

A vida segue sua rotina quotidiana no microcosmo retratado em “O Som ao redor”, premiado filme brasileiro rodado inteiramente no Recife. Relacionamentos começam, relutantes, ressentidos de feridas recentes ainda abertas. Relacionamentos continuam, sexualmente mornos mas amarrados por laços de sangue, amor e uma boa dose de comodismo. Indivíduos outrora ricos e poderosos seguem ricos, embora já não mais tão poderosos, aparentemente. Aparentemente.

As aparências enganam. O latido do cão do vizinho incomoda. A máquina de lavar alivia. O traficante disfarçado de entregador de água mineral também. A marcação surda do bate-estaca que anuncia o início da construção de mais um espigão na selva de concreto parece nos alertar, solenemente, que algo muito ruim está para acontecer. Os fantasmas estão à espreita. Os personagens parecem saber disso, mesmo que inconscientemente. Até mesmo as crianças, que têm pesadelos nos quais as ameaças da vida real invadem os muros dos condomínios. E Irandhir Santos está lá, encarnado no proprietário de uma empresa de segurança informal que se insere no meio daqueles assustados seres urbanos que supostamente precisam de seus serviços, mesmo que não saibam disso. Porque o inimigo não dorme. O mesmo não se pode dizer daqueles membros de castas inferiores que são devidamente pagos para se tornar guardiões da tranqüilidade alheia. Dormem no serviço e ainda por cima entregam a Veja fora do plástico. Um absurdo.

Alguma coisa está para acontecer. E acontece. Ou não.

O Som ao redor (2012), de Kleber Mendonça Filho

Excelente.

Era Uma Vez Eu, Verônica (2012), de Marcelo Gomes – Espécie de versão intimista de “O Som ao redor” – as duas produções têm diversas características em comum, ao ponto de parecerem dividir o mesmo cenário. É como se bem ali ao lado da rua onde acontecem os eventos descritos na consagrada obra de Kleber Mendonça se desenrolasse o drama da vida da Doutora Verônica, batalhadora representante da classe média em ascensão encarnada na pele da sensacional Hermila Guedes. Paciente de si mesma, ela não consegue entender sua própria insatisfação diante de um futuro promissor e acaba tendo que resistir à tentação de sucumbir aos percalços da vida, aqui representados pela doença do pai, com o qual tem uma belíssima relação, o desinteresse por relacionamentos duradouros (“não me ame tanto”, diz Karina Buhr, que também aparece no filme, em uma de suas canções) e a tragédia humana presente no mar de sofrimento igualmente sem explicação ao qual é exposta todos os dias em seu trabalho como psiquiatra de uma instituição pública. 

Inadequação e fuga. Sexo como válvula de escape. Carnaval. Aceitação. Reflexão.

Recife falando pro mundo. Ainda.

Muito bom.

Silvio Tendler no lançamento do filme
Tancredo, a travessia (2011), de Silvio Tendler – Pode ser encarado como uma continuação de “Os Anos JK” e “Jango”, também cometidos pelo célebre Silvio Tendler, tido por muitos como o melhor documentarista brasileiro vivo. Conta a trajetória de Tancredo Neves, o conciliador, para quem “não há mineiro radical. Se for radical, não é mineiro, mesmo que tenha nascido em Minas Gerais”. Vai de seu papel ao lado de Vargas à sua liderança na condução pacífica e negociada da transição da ditadura à democracia no meio dos anos 1980, passando pelos principais acontecimentos políticos do Brasil no período, nos quais foi, sempre, um dos protagonistas. Chegou a ser, inclusive, primeiro-ministro, no breve período em que o Brasil se tornou parlamentarista unicamente para acalmar os generais quanto à posse do então vice-presidente João Goulart, numa manobra aparentemente bem sucedida que só serviu para adiar, mais uma vez, o que parecia inevitável: o golpe militar de 1964 e o mergulho do país nas trevas do obscurantismo.

Funeral de Tancredo Neves
Citando Paulo Marcio Vaz numa crítica que fez para o Jornal do Brasil, “o filme aborda também, e com mais clareza do que tudo o que já foi feito à respeito, a polêmica em torno da doença que matou o então presidente eleito, e jogou água na fervura da esperança de todo um povo, forçando a posse de José Sarney, ex-aliado da ditadura e dissidente do PDS.

Em depoimento ao filme, o próprio Sarney admite que, ao renunciar à presidência do então partido governista, quando, provavelmente, já percebia que a ditadura começava a naufragar, achou que sua carreira política havia terminado. Também com maestria, Silvio Tendler soube retratar toda a fase de criação do Partido da Frente Liberal (PFL), que reuniu os dissidentes do PDS para apoiar Tancredo e, quem sabe, continuar pegando carona no poder. Mal sabiam que, por uma triste obra do destino, não só pegaria carona, como reassumiriam o volante.

Sobre a diverticulite que resultou na morte de Tancredo, o documentário praticamente incrimina os médicos que atenderam o presidente eleito em Brasília, sem ouvir a versão de qualquer um deles. Nesse aspecto, a participação de Aécio Neves é fundamental. Hoje Senador pelo PSDB, o neto de Tancredo foi quem presenciou dois momentos decisivos para o fim da história: quando o avô, prestes a tomar posse, passa mal durante um jantar em família, e quando, já operado no hospital em Brasília, durante uma caminhada com o neto no quarto, sente que algo estava errado, e decreta: “Estourou tudo”. Era o início do fim.

Tancredo, a travessia, talvez peque por não ouvir o outro lado da história. Mas, certamente conta muito bem o lado bom.”

Excelente.

Muda Brasil (1985), de Oswaldo Caldeira – Vi por acaso, no Canal Brasil, este emocionante documentário totalmente filmado no calor do momento, durante a campanha de Tancredo Neves à presidência da república por via indireta, no chamado “Colégio eleitoral”, e programado para ser lançado na época de sua posse. O lançamento aconteceu. A posso não, como sabemos todos.

Mostra cenas que eu nunca havia visto ou que já não lembrava mais, como a da convenção do PDS, o então partido da ditadura, sucessor da ARENA, na qual Paulo Maluf se consagrou candidato pela situação. Em conseqüência, o partido “se parte”, gerando a Frente Liberal, embrião do PFL – hoje DEM. Aureliano Chaves, o vice-presidente, é um de seus líderes, e é constrangedor ver seu isolamento durante a parada militar de 7 de setembro daquele ano (1984), quando mal é cumprimentado pelo presidente Figueiredo e pelos Ministros das Forças Armadas, que literalmente lhes dão as costas.

Assistimos também ao oportunismo do então governador da Bahia, Antonio Carlos Magalhães, servo fiel dos milicos presidentes, que aproveita o racha no partido do governo para abandonar a barca furada do regime em decadência e subir na nau da “Nova República”, aos berros dos impropérios contra seus antigos aliados que lhe eram tão característicos. E à controversa atitude do PT, tão distante de seu pragmatismo atual, no governo. O partido decidiu marcar posição e se abster da votação indireta, o que gera um bate-boca flagrado pelas câmeras envolvendo José Genoino, hoje réu condenado no processo do “mensalão” – na verdade um processo político teleguiado pela mídia e conduzido de forma, no mínimo, questionável. Embora não se possa questionar o Supremo, como tanto gosta de apregoar o Ministro Joaquim Barbosa – que adora questionar seus pares, sempre de forma incisiva e, muitas vezes, desrespeitosa.

Um grande documento histórico que merecia muito ser resgatado e exposto às atuais gerações entorpecidas pelo excesso de informações vazias e mais interessadas no novo “hype” idiota gerado pela internet, como o “Gangnan style” ou os “Harlen Shakers” da vida.

Muito bom.

Oliver Stone & Hugo Chávez
Ao Sul da Fronteira (2009), de Oliver Stone – Remando contra a maré da opinião pública de seu país, vítima de uma verdadeira lavagem cerebral midiática quotidiana, o diretor Oliver Stone decidiu retratar, de forma apaixonada e abertamente favorável, os novos regimes de esquerda da América do Sul. E começa o filme justamente mostrando um pouco do lixo que é despejado todos os dias nos olhos e ouvidos do povo dos Estados Unidos, exibindo um trecho de um programa de debates onde uma das participantes confunde cacau com cocaína.

Na Venezuela, adere ao “culto à personalidade” de Hugo Chávez, carismático líder autointitulado “bolivariano”, seja lá o que isso queira dizer. Para o povo, como bem demonstram as imagens, não importa: o que importa é que sua vida, hoje, está melhor do que antes, quando uma casta aristocrática encastelada no poder monopolizava para si os dividendos da comercialização do petróleo, principal (ou quase única) fonte de renda do país. Por isso Chávez é e seguirá sendo, por um bom tempo, adorado. Mesmo depois de morto. E ele adorava isto, como também demonstram as imagens.

De lá parte para a Argentina, onde entrevista a presidente Cristina Kirchner e seu fiel escudeiro e líder informal, o já falecido Néstor Kirchner – que por “coincidência”, vejam só, era também seu marido! Ela explica para as câmeras o processo através do qual a Argentina se recuperou da maior crise de sua história simplesmente se recusando a seguir a cartilha neoliberal ditada pelo FMI. E por fim vai a Fernando Lugo, hoje deposto, no Paraguai, Rafael Correa, que acabou de se reeleger, no Equador, e Lula da Silva, no Brasil-sil-sil.

Não é um filme perfeito. A abordagem é um tanto quanto primária e deslumbrada, mas serve como bom contraponto propagandístico à ferrenha e incessante sanha golpista e imperialista dos ianques e de seus aliados mundo afora.

Bom.

Anna dos 6 aos 18 (1994), de Nikita Mikhalkov – Tenho uma fascinação pela Russia que é encarada como excentricidade pelas pessoas com quem convivo. Não as culpo. Afinal, trata-se de uma nação distante e, para nós, exótica, que se equilibra culturalmente entre o ocidente e o oriente, já que seu território se estende do leste da Europa à Àsia. Só eu mesmo, portanto, para se interessar por um documentário que retrata, basicamente, os últimos anos da extinta União Soviética. Com direito a imagens de paradas militares e funerais de seus chefes de estado.

Nikita Mikhalkov & Nadia, a outra filha
Nikita Mikhalkov, irmão do grande cineasta Andrei Konchalovsky e filho de Sergey Mikhalkov, um poeta celebrado, escritor de livros infantis e compositor das letras das duas versões do Hino Nacional da União Soviética e do atual Hino da Federação Russa, é um diretor de cinema consagrado, autor de “O Sol Enganador”, ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro de 1995. Aqui ele revela o filme que fez a partir da idéia de fazer à sua filha, Anna, todos os anos, durante 12 anos, as mesmas perguntas para, a partir de suas respostas, traçar um cenário que lhe permita elaborar uma análise, a meu ver, ligeiramente equivocada, dos destinos de seu país. Tenta explicar, por exemplo, o colapso do império soviético a partir da ausência de Deus! Para tanto insere de forma emocional imagens que, para mim, são apenas retratos do fanatismo e da ignorância, como a que mostra peregrinos se penitenciando num terreno onde antes havia uma igreja ortodoxa, destruída pelos comunistas. Não que eu seja a favor da destruição de igrejas pelos comunistas, muito pelo contrário: além de ser uma violência, pura e simples, é contraproducente para a “causa”. Tanto que, assim que caiu o regime soviético, a Igreja Ortodoxa retomou seu papel de protagonista no cenário político russo com força total, e hoje é um importante suporte para as ambições do líder Vladimir Putin – de quem Mikhalkov é um ardoroso defensor, diga-se de passagem.

Em todo caso, é um grande documento de uma era, com imagens raras de se ver por aqui, no ocidente. Por pura falta de interesse, muito provavelmente.

Mas eu me interesso. Um dia ainda vou à Rússia, não canso de repetir.

Bom.

End of the Century: The Story of the Ramones (2003), de Jim Fields - Depois de ler a sensacional autobiografia de Johnny Ramone não resisti e revi, como complemento à leitura, este verdadeiro clássico dos documentários musicais. Retrata de maneira brilhante e dinâmica a carreira de quatro perturbados e disfuncionais novaiorquinos que criaram, “sem querer querendo”, uma nova e poderosa expressão musical e cultural: o punk rock.

Johnny não concordaria com a definição de perturbado para si mesmo, mas ele era um punk de direita, o que é, a meu ver, definitivamente bizarro.

Imperdível.

Celebration Day (2012), de Dick Carruthers – De todas as pisadas na bola do Cinemark em Aracaju, nenhuma foi maior do que a sequencia de falhas a que fomos expostos durante a exibição de “Celebration Day”, filme que registra a já célebre(sic) reunião do Led Zeppelin para um show beneficente em dezembro de 2007. A imagem, em si, estava perfeita, mas o som falhou miseravelmente, a ponto de provocar uma verdadeira rebelião entre os expectadores, que mexeram a bunda de suas cadeiras (algo raro) para reivindicar seus direitos junto à gerencia. A maioria, como eu, recebeu um pedido de desculpas, uma cortesia para assistir à uma das sessões 3D em cartaz e um nome na lista para a nova exibição que aconteceria dali a alguns dias.

Voltei, claro. Imagina se eu iria perder de ver o Led Zeppelin no cinema! Oportunidade única, tenho certeza. Som meia boca, mas pelo menos dava pra ouvir. O filme? Excelente! Uma banda ainda afiadíssima capturada em dinâmicas e belíssimas imagens de alta definição. Me impressionou, especialmente, a boa forma vocal de Robert Plant, porque vocalistas são, geralmente, os mais castigados pela passagem do tempo. Que o digam Ian Gillan e Ozzy Osbourne, as vozes à frente dos outros dois vértices da Santíssima Trindade do rock pesado, o Deep Purple e o Black Sabbath.

Que mais posso declarar? Vejamos: Jimmy Page é Deus! Robert Plant é A voz. John Paul Jones é um mago! E Jason Bonhan “segura a onda” – o que não é pouco. Não mesmo.

Excelente.

O Segredo de seus olhos (2009), de Juan José Campanella – Drama argentino com pano de fundo político cuja ação se passa, em grande parte, durante o governo de Isabel Perón e das ações da "Triple A" (Aliança Anticomunista Argentina), grupo de repressão do Estado que recrutou gente da pior espécie, entre oficiais de polícia exonerados por delitos, civis com fichas criminais e matadores de aluguel. Tem um desfecho chocante e surpreendente, semelhante ao de algumas películas recentes de Pedro Almodóvar, como “A pele que habito”. A atuação do onipresente Ricardo Darín é, mais uma vez, impecável, e o filme foi um tremendo sucesso: na sua sexta semana de exibição já era a produção nacional de maior arrecadação na Argentina e hoje é considerado o mais visto dos últimos 35 anos no país. Para coroar seu triunfo, faturou o Oscar de melhor filme estrangeiro.

Bom.

Medianeras: Buenos Aires da Era do Amor Virtual (2011), de Gustavo Taretto – Um verdadeiro exercício de estilo, um registro inequívoco da sofisticação visual e narrativa à qual chegou o cinema argentino. Conta a história de personagens solitários habitantes de uma Buenos Aires tomada pelo caos urbano, embora ainda possuidora de um charme particular e especial. Aos poucos, suas vidas vão se cruzando e a magia do amor, que está sempre à espreita e é (quase) sempre lindo, pode voltar a acontecer, a qualquer momento.

O diretor Gustavo Taretto explica que quis retratar uma solidão que não é dramática, mas "uma solidão a que já estamos acostumados. De todos os dias. Solidão urbana. A solidão que sentimos quando estamos rodeados de desconhecidos".

Muito bom

Django Livre (2012), de Quentin Tarantino – Até que demorou para Tarantino finalmente dirigir um “western spaghetti”, subgênero que sempre namorou, especialmente em seus dois últimos filmes, “Kill Bill vol.2” e “Bastardos Inglórios”. Talvez por isso mesmo seja sua obra mais “pura” em termos de narrativa, muito embora fuja, ainda assim, do lugar comum. Ou não: os faroestes italianos eram igualmente dados a licenças poéticas em relação aos seus pares clássicos norteamericanos ...

Pra começo de conversa, o filme não se passa nos velho oeste, mas no sul escravocrata – com passagens pelo norte gelado. Porque o diretor resolveu aproveitar o gancho para denunciar - a seu modo, evidentemente - os horrores da escravidão, que funcionava a pleno vapor naquela época. E é uma senhora denúncia, que me perdoe Spike Lee, sempre chato quando o assunto é racismo. Poucas vezes as agruras do povo negro foram mostradas com tanta brutalidade nas telas do cinema. E pouquíssimas vezes em filmes de “Far West”, onde a “sub raça” a ser subjugada era, geralmente, a dos nativos americanos.

Então temos Django, um negro liberto montado à cavalo, para o espanto de todos por onde passa, acompanhado de um caçador de recompensas alemão disfarçado de dentista. Trata-se de Christoph Waltz, praticamente repetindo seu papel de Bastardos Inglórios numa interpretação um tanto quanto exagerada, “barroca”, mas ainda assim certeira – não por acaso, com ela, repetiu a façanha e abocanhou mais um Oscar de ator coadjuvante. E temos Brunhilda, a escrava negra que fala alemão, a ser resgatada das mãos do terrível Calvin Candie, magnificamente interpretado por Leonardo DiCaprio. Mas não sem antes passar pelos olhos e ouvidos atentos de Stephen, “o negro da casa”, mais racista que o pior dos racistas, igualmente interpretado de forma magistral – repito e sublinho: magistral! – por Samuel L. Jackson. Com tudo isso, e mais a infalível dinâmica dos diálogos longos e espertos intercalados por explosões de violência, acrescidos de doses cavalares de humor negro e suspense, as 2 horas e 45 minutos de projeção passam voando! Na verdade o filme valeria a pena só pela incrivelmente hilária cena em que justiceiros caipiras encapuzados discutem a relevância daquele acessório ridículo que posteriormente seria adotado pela Ku Klux Klan. Nunca o racismo foi ridicularizado de forma tão certeira em uma película hollywoodiana. Spike Lee, faz favor, vai procurar o que fazer. Termina aí seu filme sobre o Brasil.

Vale ressaltar que assisti LEGENDADO e numa excelente projeção, como deve ser. Nem deveria ser preciso que este detalhe aparentemente banal fosse mencionado, mas o Cinemark teve o disparate de colocar o filme em cartaz apenas em sessões dubladas nas duas primeiras semanas de exibição aqui em Aracaju. Desconfio que tenham voltado atrás devido à forte pressão exercita pela crítica especializada, nas resenhas da imprensa local, e pelo público em geral, nas redes sociais. Eu, por exemplo, cheguei a ser proibido temporariamente de fazer postagens pelo facebook, de tanto que pentelhei nas páginas oficiais das empresas produtora e exibidora.

Excelente.

Lincoln (2012), de Steven Spilberg – Para além da brilhante e mereciamente premiada interpretação de Daniel Day Lewis, o novo filme de Spilberg nos mostra como sempre foram, são e, pelo andar da carruagem, sempre serão os bastidores da política numa “democracia”, onde tudo tem que ser negociado. Nem sempre de forma limpa e aberta. Ou quase nunca, ouso afirmar. Para conseguir ver aprovada a mais do que justa lei da abolição da escravatura, o maior dos presidentes norteamericanos teve que chafurdar na lama da corrupção, recorrendo a todo tipo de artifício espúrio, da chantagem ao suborno, passando por malabarismos retóricos até chegar finalmente à intimidação, pura e simples. Perfeito para quem se interessa em compreender os meandros deste terreno pantanoso que é a política, de cujos efeitos nunca estamos isentos, já que é ela que nos conduz a todos, como indivíduos ou como nação.

Perfeito mesmo para os que, como eu, não conseguem entender muito bem a dinâmica da política interna dos Estados Unidos – afinal Lincoln, o abolicionista, o homem que derrotou o atraso do sul escravocrata, era republicano, ou seja, do mesmo partido que mais tarde geraria Nixon, que “pediu para sair” depois de ter sido flagrado “com a boca na botija”, ou melhor, “com o ouvido na escuta”, no escândalo de Watergate; George W. Bush, o maior terrorista de estado do mundo moderno, um psicopata genocida fundamentalista cristão medíocre e desprezível que, inexplicavelmente, governou o país por oito anos e o entregou na bancarrota a seu sucessor; Ronald Reagan, aquele que nunca deveria ter nascido, ator medíocre que dedurou seus pares durante o Macarthismo e que, no governo, iniciou, junto com Margareth Tatcher, da Inglaterra, o processo de desregulamentação do mercado financeiro que resultou na crise sem precedentes que assusta o mundo hoje em dia; e personagens tragicomicamente bizarros, como Sarah Palin e seu abjeto “Tea Party”, um verdadeiro partido de extrema direita neofascita alojado dentro do partido republicano.

Lincoln já deve ter até cansado de se revirar no túmulo.

Muito bom

O Lado Bom da vida (2012), de David O. Russell – Numa das críticas que li sobre o filme o autor do texto avisava que não seria fácil assimilar a histeria descontrolada dos personagens, todos perturbados, em maior ou menor grau, desta comédia romântica aparentemente anticonvencional, mas que ao longo da projeção você seria “fisgado” e passaria a simpatizar e a torcer por eles. Não aconteceu comigo. Nem mesmo o talento e a beleza de Jennifer Lawrence, um dos principais motivos por eu estar ali, me fizeram “entrar na trama”, que se arrasta de forma atabalhoada e histriônica até um desfecho ridículo, totalmente previsível e açucarado. Detestei. Perdi meu tempo e meu suado dinheiro.

Culpa dos irmãos Weinstein, mestres na arte de vender gato por lebre.

Ruim.

Looper - Assassinos do Futuro (2012), de Rian Johnson – Filmes sobre viagem no tempo são um terreno fértil para a sanha dos críticos de plantão em apontar idiossincrasias e furos no roteiro. Acho besteira, por um motivo simples: não se trata de ficção “científica”, tecnicamente falando. Está mais para fantasia, pura e simples. Especular sobre as possíveis conseqüências de tal premissa no mundo real é tão inútil quanto apontar a impossibilidade da existência de sabres de luz como os que são mostrados em “Guerra nas estrelas”. Melhor relaxar e curtir, especialmente se o filme for tão bom quanto este “Looper”, uma espécie de “12 Macacos” com pitadas de “Akira” e “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembrança”. Nele, Joseph Gordon-Levitt vive um executor da máfia encarregado de dar cabo de vítimas despachadas do futuro, numa engenhosa artimanha para se livrar das evidencias (leia-se corpos) num tempo em que as vítimas sequer existiam, ainda. O crime perfeito por excelência.

O que ele não contava era que, numa destas encomendas, fosse deparar com si próprio, envelhecido e encarnado na pele de Bruce Willis. A partir daí somos arremessados num frenesi de ação praticamente ininterrupta filmado de forma primorosa e com uma direção de arte estupenda que usa na medida certa conceitos políticos e estéticos – o futuro é “cyberpunk” e “retrô”, sem governo aparente e dominado pela máfia. Para fechar o pacote, os efeitos especiais são ótimos e estão a serviço da história.

Uma das melhores ficções científicas dos últimos tempos.

Excelente.

As Vantagens de ser invisível (2012), de Stephen Chbosky – Este filme começa como mais um daqueles mornos retratos de uma parcela da juventude reprimida e rejeitada por não se adequar aos padrões sociais, mas vai adquirindo consistência ao longo da projeção e termina como um emocionante libelo contra a educação moral castradora e a favor da liberdade e da aceitação das diferenças. Destaque para a trilha sonora, com clássicos do rock independente dos anos 80 e 90, especialmente The Smiths, Pavement, New Order, L7, Cocteau Twins e Sonic Youth - que são colocadas ao lado da clássica "Heroes" (77), de David Bowie, tratada como uma espécie de hino.

Muito bom.

O Impossível (2012), de Juan Antonio Bayona – Fui praticamente coagido a assistir este melodrama xaroposo ao ver as incríveis imagens do tsunami retratadas na obra num programa de televisão. As críticas também eram, em geral, bastante favoráveis. Fui enganado. Passados os 15, 20 minutos iniciais, que enfocam a tragédia propriamente dita e são realmente impressionantes, todo o resto se arrasta em um longo calvário que teria tudo para ser legitimamente dramático e emocionante, não fossem os recursos clicherosos usados pelo diretor para arrancar lágrimas dos expectadores. De mim, só arrancou exclamações de desgosto. Não perca seu tempo, muito menos dinheiro. Logo logo estará sendo exibido na sessão “Supercine”, da Rede Globo. Se sentirá em casa.

Destaque negativo para a trilha sonora, piegas ad infinitum.

Ruim.

O Hobbit (2012), de Peter Jackson – Nunca fui fã dos livros de JRR Tolkien. Prefiro George RR Martin e sua “guerra dos tronos”, muito mais profunda na construção dos personagens e realista na condução da trama, sempre cheia de nuances e intrigas políticas. Ele é, também, extremamente inteligente na utilização, a conta-gotas, dos recursos narrativos que envolvem a magia e a fantasia pura e simpes, que em Tolkien é a matéria prima em torno da qual toda a trama se define. Em Martin é um tempero a mais que deixa a leitura mais saborosa, mas não define a essência da obra. Por conta desse fator, nos livros de Tolkien tudo acaba se tornando mais fácil: se os personagens estão em apuros, basta que o mago branco recorra a seus poderes e águias voadoras gigantes surgirão em seu auxílio. Soa bobo, infantil. “Sessão da tarde”.

Por outro lado, a direção de arte e os efeitos especiais deste “O Hobbit” são realmente magistrais e merecem ser conferidos em tela grande, da melhor maneira possível – em 3D e/ou em alguma sala que permita a visualização neste novo formato no qual o filme foi rodado, a 48 quadros por segundo. Já o argumento é fraco: mostra a saga de Bilbo Bolseiro, recrutado para ajudar um grupo de anões a retomar seu reino, invadido por um dragão não se sabe por que – aparentemente para ficar dormindo num castelo em cima de uma pilha de tesouros. É uma espécie de “Dragão Tio Patinhas”. O que salva é o bom humor! O filme parece não se levar tão a sério e realmente diverte em vários momentos, com as trapalhadas do simpático porém desajeitado protagonista em meio ao grupo de anões bárbaros casca-grossa. E tem, também, a sempre impressionante aparição de Gollum – este sim, um personagem antológico.

Bom.

As Aventuras de Pi (2012), de Ang Lee – Visualmente deslumbrante, apesar de conceitualmente rasa, esta nova produção do eclético Ang Lee se baseia num livro assumida e vergonhosamente plagiado de uma obra do gaúcho Moacyr Scliar. Nela, o personagem principal, Pi (de Piscine) é jogado ao mar tendo como única companhia uma zebra, uma hiena, um orangotango e um tigre de bengala. A luta pela sobrevivência acaba deixando o protagonista a sós com Richard Parker, o tigre – fruto de um impressionante trabalho de computação gráfica - e então eles têm que aprender a conviver e sobreviver nas condições mais adversas possíveis, sozinhos e à deriva no meio do oceano. Emoldurando tudo, belíssimas imagens oníricas dos delírios de Pi em meio às maravilhas da natureza, reais ou fantasiosas, como a ascenção de águas vivas fosforescentes na semi-escuridão da noite estrelada e a ilha-viva na qual buscam abrigo. É outro que precisa ser visto em tela grande, de preferência em 3D.

No final, o diretor quase põe tudo a perder com uma ridícula explicação didática para as metáforas mostradas ao longo da projeção. Tratou os expectadores como se fossem débeis mentais incapazes de ver além do que lhes é oferecido de bandeja para acompanhar a pipoca e o refrigerante. Mas o pior é que a maioria dos freqüentadores dos atuais multiplexes de shopping centers se encaixam perfeitamente no estereótipo ...

Bom.

Cosmópolis (2012), de David Cronenberg – Sempre fui fã de David Cronenberg, mas confesso que nem sempre consegui captar sua mensagem por inteiro. “Gêmeos, uma mórbida semelhança”, por exemplo, segue sendo, para mim, um enigma. Mas gosto muito do filme. Não é o caso deste. Simplesmente ODIEI, do fundo do meu coração, esta suposta alegoria do mundo dos milionários de Wall Street e sua vida cheia de luxos e vazia de significados. Achei tão chato quem nem consegui assistir até o fim! Sério, com cerca de uma hora e meia de projeção desisti. Fui embora. Não entendi, nem fiquei com vontade de entender.

Não sei.

A Viagem (2012), de Andy Wachowski, Lana Wachowski e Tom Tykwer – Finalmente os irmãos Wachowski aparecem com uma obra digna da consagração que alcançaram com o revolucionário “Matrix”, de 1999. “A Viagem” é uma ambiciosa “tour de force” através do tempo que conta uma série de histórias paralelas entrelaçadas entre si e amarradas por conceitos legítimos, apesar de questionáveis: a reencarnação e a imortalidade da alma humana. O mais incrível é que cada trama se desenvolve em um gênero diferente, do drama à comédia, passando por intrigas políticas, distopias, questões ecológicas, ação e ficção científica. A maquiagem é perfeita e permite que os mesmos atores interpretem personagens totalmente diferentes entre si e de si mesmos, como pessoas. Já a montagem é primorosa, pois conduz o roteiro num fluxo contínuo e ritmo perfeito, costurando a ação de modo a conciliar os diversos níveis de tramas e subtramas, permitindo que todas cheguem ao clímax e tenham um desfecho ao mesmo tempo, de forma absolutamente sincronizada. É como se, numa orgia, todos os participantes conseguissem chegar ao orgasmo ao mesmo tempo – eu sei, fui longe na analogia, mas o filme merece, já que é totalmente superlativo.

Uma aula de narrativa. 

Muito bom.

Ted (2012), de Seth MacFarlane – Excelente comédia de humor negro que teve a sorte de contar, no Brasil, com a publicidade gratuita gerada na mídia por um deputado idiota saudoso dos tempos da censura. O imbecil levou o filho, menor de idade, para assistir o filme, claramente desaconselhado para sua faixa etária, e saiu do cinema alardeando que iria pedir oficialmente a proibição do mesmo, por suposto “incentivo ao consumo de drogas” e coisas do tipo. Como era de se esperar, teve o efeito contrário: não só o filme não foi proibido como sua atitude atraiu mais público para a película.

John, vivido por Mark Wahlberg, é um adulto que não consegue se desgarrar da amizade por seu ursinho de pelúcia de estimação, miraculosamente animado a partir de um típico (e surreal) “milagre de natal”. A premissa é realista: TED, o ursinho, vira uma celebridade, para logo em seguida cair no ostracismo, quando as pessoas se acostumam com o fato de que há um brinquedo vivo circulando pela cidade. Sua relação com John, no entanto, prossegue, passando por todas as fases do crescimento, com direito a alguns hábitos não muito recomendados pelo Ministério da Saúde e pelos moralistas de plantão, como o consumo de drogas e o sexo irresponsável. Acontece que a presença de TED acaba aprisionando seu já bem crescidinho amigo – ele tem 35 anos - numa armadilha que o impede de amadurecer e assumir responsabilidades, fato que começa a atrapalhar seu relacionamento com Lori (Mila Kunis), a namorada paciente e compreensiva – vale aqui destacar uma das grandes virtudes do filma, a de não cair na misoginia tão comum em produções do gênero e retratar a personagem feminina como uma chata castradora e dominadora.

A premissa é ótima e o desenvolvimento da trama é satisfatório, apesar de esquemático, o que garante uma hora e quarenta e seis minutos de diversão PARA ADULTOS! Não é uma produção da Disney! NÃO É para toda a família.

Muito bom

Hotel Transilvania (2012), de Genndy Tartakovsky – Fui assistir porque achei o treiler divertido, além de gostar dos trabalhos que Gendy Tartakovsky fez para a televisão – especialmente “Samurai Jack” e “As Guerras Clônicas” – mas me arrependi amargamente. É um amontoado de clichês e piadas sem graça que conta a história de um Hotel exclusivo para monstros criado pelo Conde Drácula. Lá ele, pai superprotetor, praticamente aprisiona a filha adolescente que, sedenta por aventuras, acaba se apaixonando por um garoto humano apalermado e ridículo que aparece por lá por acaso.

Não veja. Não deixe seu filho ver. Prefira mostrar a ele a versão original do Sítio do Pica-Pau Amarelo.

Ruim.

Histórias Cruzadas (2011), de Tate Taylor – Comédia dramática que emociona sem deprimir ao contar a história de uma aspirante a jornalista que resolve relatar num livro as desventuras das empregadas negras de uma pequena cidade do Mississipi em plena época da luta pelos direitos civis, em 1962. Para tanto ela precisa superar, principalmente, o medo das protagonistas diante das represálias que podem sofrer caso sejam identificadas por seus patrões e algozes – ou melhor, por suas patroas. O enfoque, aqui, é quase que completamente feminino. Homens, apenas em papéis secundários ou como coadjuvantes de luxo, caso do Reverendo Martin Luther King, do presidente Kennedy e de Jesus Cristo.

Da necessidade mesquinha da instalação de banheiros segregados fora da “casa grande” à vingança escatológica e sofisticada de uma “mucama” injustamente demitida, acompanhar histórias como estas, que parecem mentirosas de tão surreais em sua profunda injustiça, nos faz compreender a importância da eleição de uma pessoa como Barack Obama ao cargo máximo da nação mais poderosa do mundo.

Muito bom.

Killer Joe (2011), de William Friedkin – Confesso que perdi o fio da meada e nunca mais tinha ouvido falar em Willian Friedkin, sensacional diretor que já poderia muito bem estar aposentado e vivendo dos louros da glória por ter produzido clássicos como Operação França I & II (numa época em que não era comum as continuações serem tão boas quanto os originais) e “O Exorcista”.

Pois bem: ele não está. Aposentado. Dirigiu, recentemente, uma interessantíssima película com cara de produção independente a la Tarantino que conta a história de uma família disfuncional na qual o filho planeja a morte da mãe para que seu espólio seja herdado pela irmã, bonitinha porém meio apalermada, com a ajuda do pai e de sua madrasta sem noção. Não menos sem noção do que todos os que se envolvem na trama, onde tudo dá errado – nisto lembra “Fargo”, dos irmãos Cohen.

Tem pelo menos uma cena corajosa e antológica, a que envolve Matthew McConaughey (excelente), Gina Gershon e um pedaço de frango. E um final desconcertante – até para mim, que sempre gostei de finais “em aberto”.

Bom.

O Som do ruído (2010), de Ola Simonsson e Johannes Stjärne Nilsson – Interessantíssima alegoria do papel revolucionário da música - esteja ela onde estiver, seja na harmonia de uma orquestra sinfônica ou na estridência de uma britadeira - em nossas vidas. Na trama, um grupo de músicos anarquistas inferniza a vida de um policial que, apesar de vir de uma família também de músicos, não tem o menor ouvido musical. Eles, os “terroristas musicais”, criam perfomances nos lugares mais inusitados, como uma UTI, na qual extraem notas dos aparelhos e dos batimentos cardíacos do paciente. Criativo, instigante, surreal e divertido.

Destaque para a trilha sonora, como não poderia deixar de ser.

Muito bom.

Rebelde com causa (2009), de Miguel Arteta – Comédia romântica um tanto quanto alucinada que conta a história de Nick Twisp (Michael Cera), um adolescente tímido obcecado por sexo que, para seduzir a bela Sheeni Saunders (Portia Doubleday), desenvolve uma personalidade paralela destemida e sedutora chamada François. François faz de Nick um procurado pela justiça e tudo começa a sair de controle.

Merece uma conferida.

Bom.

Uma Vida iluminada (2005), de Liev Schreiber – Divertida e excêntrica comédia dramática que conta a história de um “nerd” judeu colecionador de objetos pertencidos a pessoas mortas que parte para a Ucrânia à procura de revelações sobre o passado de seu avô, tendo como única pista uma foto e um nome escrito no verso da mesma. Lá, cai nas mãos de uma empresa turística picareta tocada por Alex Jr., um jovem ucraniano fã de Michael Jackson e de disco music (vivido por Eugene Hutz, vocalista da banda Gogol Bordello - que assina algumas das canções do filme), de seu avô rabugento que finge estar cego e da simpática Sammy Davis Jr. Jr., sua cadela de estimação.

Do meio para o final fica excessivamente melodramático e piegas, mas isto não faz com que o filme, como um todo, perca sua graça. A questão é que, convenhamos, já estamos todos um tanto quanto cansados de ver retratado nas telas o quanto os judeus sofreram durante a Segunda Guerra Mundial. Sim, eles sofreram. Muito! Mas não foram os únicos. E, hoje em dia, é impossível não comparar o que passaram com o que o governo de Israel faz com os palestinos.

Bom.

Quadrophenia (1979), de Franc Roddam - Filme baseado na ópera-rock homônima do The Who. É bem menos pretensioso e melhor resolvido que a adaptação de Tommy – bizarrinha e “ligeiramente” afetada, vamos combinar. Disponível em DVD, pode ser facilmente encontrado a preço promocional – eu comprei o meu num supermercado perto de casa.

Considerado um clássico da cinematografia britânica, “Quadrophenia” retrata a vida de Jimmy, um “mod” e espécie de alter-ego de Pete Towsend adolescente. Ele incorpora pra valer os ideais do “movimento”, o “lifestile” – sempre em festas regadas a muita soul music da motown, em cima de uma lambreta enfeitada e cheia de retrovisores (a curiosa opção estética surgiu a partir da imposição da lei britânica, que exigia ao menos 1 retrovisor) ou às turras com os “rockers”, a principal gang rival. Mas o tempo vai passando e torna-se evidente a necessidade de se fazer concessões. Sucumbir, pelo menos em parte, à realidade da vida. Jimmy vê seus amigos crescerem e, supostamente, “amadurecerem”, se adaptando às exigências castradoras da convivência social. Mas ele não quer crescer, não dessa maneira. O problema é que, ao que parece, ele não sabe muito bem exatamente o que quer. Não pode, por motivos óbvios, continuar sendo um arruaceiro narcisista vivendo a vida como se ela fosse terminar no dia seguinte para sempre, mas também não quer acabar acomodado e barrigudo como seus pais - o dilema típico de todo adolescente rebelde. Conseguirá nosso herói escapar das garras do sistema opressor ? Descubra – ou não – ao final da projeção, ao som da bela "Love, Reig O´er Me".

Grande roteiro, grandes atuações, excelente reconstituição de época e a presença de um jovem Sting como o “mod modelo” que no final das contas, quando o glamour da noite passa e é necessário se render à rotina do dia a dia, se revela apenas um ...

BELL BOY !!!!

Clássico.

Psicose (1960), de Alfred Hitchcock – Uma daquelas obras eternas que nunca envelhecem. Para ser visto e revisto e eternamente apreciado e reverenciado. Uma obra-prima que segue inspirando e influenciando até hoje. Influencia, inclusive, “A Grande Família”, umas das melhores produções da televisão aberta brasileira, que presta homenagem ao clássico na figura do personagem “Beiçola” e sua fixação doentia pela mãe falecida.

O olhar de Anthony Perkins/Normam Bates, no final, ainda assusta. E muito.

Clássico absoluto.

A Um Passo da eternidade (1953), de Fred Zinnemann – Um daqueles que costumam freqüentar, merecidamente, as listas de melhores filmes de todos os tempos. Retrata o dia-a-dia de uma Base militar americana no Pacífico às vésperas do bombardeio japonês a Pearl Harbour. Brilhantes interpretações de Montgomery Clift como o boxeador traumatizado moralmente assediado por seus pares; de Burt Lancaster, na pele de um oficial que vive um tórrido amor proibido que se consuma na clássica cena do beijo na praia, lascivamente apaixonado e escandaloso – para a época, evidentemente; e de Frank Sinatra, aqui o soldado Angelo Maggio, de origem italiana e temperamento esquentado, que tem um forte atrito com o sargento "Fatso", da prisão da base, e que, ao ser preso por insubordinação, fica nas mãos de seu inimigo declarado

Clássico.