quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

O Despertar da Força

Comecei a freqüentar o cinema pra valer no início da década de 1980. Lembro bem de ter visto, na tela do Cine Santo Antonio, em Itabaiana, Sergipe, onde nasci e “me criei” – morei lá até os 18 anos – clássicos e pequenas pérolas “cult” da época, como “Conan, o Bárbaro”, "Robocop", "Uma Noite Alucinante", “O Exterminador do Futuro”, “Guerreiros do Bronx” (uma espécie de mistura italiana de "Fuga de Nova York" com "Warriors - Os Selvagens da Noite"), "Piranha 2 - Assassinas voadoras", de James Cameron, e “Conquista Sangrenta”, de Paul Verhoeven. Um dia fiquei sabendo que ia passar a continuação do primeiríssimo filme que vi, há muito tempo atrás, mas naquela mesma galáxia e naquele mesmo cinema. Era “O Retorno do Jedi” (me recuso a falar DE). Fiquei animadíssimo, pois tinha ótimas lembranças de “Guerra nas Estrelas” – tinha visto ainda criança, não sabia nem ler, e naquele tempo não existia filme dublado no cinema.

Pois bem: fui ver “O Retorno” e só lá, na sala escura, me dei conta que aquela era, na verdade, a terceira parte! Sério, passei batido pelo “Império Contra-ataca”. Normal, eu era criança e vivia no interior de Sergipe, numa época em que internet não era nem coisa de ficção científica – nunca soube de nenhuma FC que tenha previsto a rede. Desnecessário dizer que fiquei mais perdido que cego em tiroteio. Como assim, Luke é filho de Darth Vader? E que diabos aconteceu com Han Solo? Em todo caso, adorei. O filme reacendeu a chama, e logo voltei a ser um fanático por Star Wars. “O império contra-ataca” vi primeiro em VHS, e depois no cinema, na época da restauração e do relançamento, no final da década seguinte.

Desde o fim da terceira – que na verdade era a sexta – parte ficamos todos na expectativa da seqüência daquela história, que pudemos ver finalmente hoje, 17/12/2015, 32 anos depois. Valeu a pena a espera ...

“O Despertar da Força” é basicamente uma recriação do primeiro filme. A história é praticamente a mesma: jovem que vive uma vida medíocre num planeta desértico da periferia da galáxia é pego(a) de sopetão numa encruzilhada do destino por uma guerra entre rebeldes e forças “oficiais”, se descobre herdeiro(a) de uma tradição mística poderosa e ajuda a derrotar o lado negro da “força”, personificado numa figura sinistra e mascarada em trajes pretos e numa superarma a serviço de uma organização totalitária e fascista.

Isso é ruim? Depende do seu tipo de expectativa. Se é pela volta da saga aos trilhos, depois dos escorregões da trilogia “prequel”, sairá do cinema plenamente satisfeito. É uma espécie de recomeço, que te pega pela emoção ao mesclar com perfeição a apresentação de novos personagens com o retorno de velhos conhecidos. Mais importante: gera muita expectativa pelo que vem por aí ...

Prós e contras: O ritmo do filme é perfeito, com cenas de ação absolutamente fantásticas, mas o roteiro, além de excessivamente derivativo, peca pelo subaproveitamento de pelo menos uma personagem nova, a Capitã dos Stormtroopers Phasma – isso mesmo, uma mulher - e outra "clássica", a Princesa Leia, que fala pouco e muito pouco aparece. Há que se dar também, para uma plena apreciação do conjunto da obra, vários descontos pela forçação de barra de algumas soluções dramáticas, como o fato de que o império, representado aqui por uma falange fascista sucessora, continua bastante carente de engenheiros competentes, já que suas estações armadas supostamente indestrutíveis continuam assustadoramente vulneráveis aos ataques dos rebeldes ...

Adorei o sotaque britânico acentuado da protagonista, aliás muito bem interpretada por Daisy Ridley – excelente atriz. Já o Finn de John Boyega eu achei um tanto quanto exagerado e caricato – mas nada que comprometa irremediavelmente a atuação. BB8, o dróide que emula RD-D2, é perfeito. E Han Solo continua o mesmo – só que BEM mais velho, evidentemente. Ele parece ter se divertido com a possibilidade de voltar ao personagem, apesar dos diálogos sofríveis e das cenas soporíficas com Carrie Fischer. Já a interação com Chewbacca, o parceiro velho de guerra, segue divertidíssima.

O vilão era meu grande temor. A primeira impressão que tive, ao ver as primeiras imagens, foi de uma “recauchutagem” vagabunda do visual do Darth Vader, o que não deixa de ser verdade. Só que a idéia era justamente esta, e é ótima: Kylo Ren é uma versão “vacilante” do grande ícone Sith. O desenvolvimento psicológico do personagem é primoroso, conferindo ao mal uma nova face, para além da dicotomia binária e maniqueísta. Sua fraqueza é, paradoxalmente, o que o torna, realmente, perigoso.

“O Despertar da Força” não é uma obra-prima, mas chega perto! Seus deslizes e imperfeições estão perfeitamente inseridos na tradição da própria saga, que nunca primou por atuações impecáveis ou diálogos rebuscados – é sempre bom lembrar que uma das principais fontes de inspiração de “Guerra nas Estrelas” são as séries cinematográficas de óperas espaciais populares do início do século passado, como Flash Gordon e Buck Rogers, igualmente charmosas, também, por seus exageros. O novo filme cumpre com louvor o que se propõe: nos trazer de volta aos primórdios. Nos fazer sentir mais uma vez, na medida do possível, descontada a passagem inexorável do tempo, como quando vimos e ouvimos pela primeiríssima vez aquela trilha sonora explosiva e aquelas imagens e personagens absolutamente fascinantes.

De Zero a dez, acho que cravo uns 8,5 de nota.

A

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segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Dias Difíceis no Suriname ...

Plástico Lunar é uma banda sergipana, de Aracaju. E é uma das melhores bandas de rock em atividade no Brasil. Ponto.

Digo isso de forma absolutamente lúcida, pensada e repensada, e sem nenhum resquício de “bairrismo”. Pois bem: estabelecida esta verdade irrefutável, de fácil comprovação por qualquer um que se disponha a conhecer a música deles, devo dizer que acabaram de lançar o melhor disco já produzido por aqui. Ponto, de novo.

“Dias difícil no Suriname” teve uma longa gestação: começou a ser gravado em maio de 2012 e só foi finalizado dois anos depois. No processo, a banda perdeu um de seus principais componentes, o guitarrista Julio Andrade, que saiu para se dedicar a seu projeto principal, o duo The Baggios. Como fã, fiquei preocupado, pois era notória, nas apresentações que se seguiram, a dificuldade dos caras em se adaptar à uma nova formação, mais enxuta – normal, não deve ser fácil substituir um guitarrista como Julico. Mas sempre botei fé que iriam se ajustar. Só não sabia se a tempo de não prejudicar o novo álbum em gestação ...

Pois bem: o disco foi lançado há alguns meses, de forma virtual, e foi uma agradável surpresa. É magnífico! Já começa escancarando uma de suas principais influências, na “stoneana” “Todo pecado do mundo”, que abre com um excelente riff de guitarra. Julico toca nela e em mais quatro faixas. Em outras três, o auxílio vem de Rafael Costello, membro fundador, hoje morando em São Paulo. Little Mel, da Máquina Blues, aparece em “Labirinto”, e Fabrício Rossini em “A esperança”.

Foi assim, com uma ajuda providencial de amigos e ex-integrantes pra lá de talentosos, que a Plástico lapidou esta verdadeira obra-prima da música independente local. Que prossegue com uma velha conhecida, já lançada como single, a belíssima “Mar de leite azedo”. “Sentado no Arco-iris”, a terceira faixa, comprova, de certa forma, o talento dos caras, pois é uma composição de dois ícones do rock brazuca, Raul Seixas e Gileno Azevedo (da dupla “jovemguardista” Leno e Lillian), mas parece deles – e não sou só eu que tenho essa impressão: até hoje vejo gente se surpreender ao saber que se trata de um cover.  É, também, uma faixa bônus para quem comprar o disco físico, em CD, já que não havia feito parte do lançamento virtual por conta de imbróglios com a liberação dos direitos autorais.

O disco prossegue com “Cancioneiro”, uma robusta composição de Julico cantada por Marcos Odara, o baterista, que bate um bolão também como vocalista. É uma banda, aliás, que tem bons vocalistas de sobra – além de Daniel e Odara, Plástico Jr. também costuma entoar suas próprias composições.

“Quem diria”, que vem na sequencia, é uma emocionante ode ao aconchego do lar, com uma letra singela que Daniel compôs pensando em sua mãe. Emocionante. Daniel é um  compositor de mão cheia e excelente vocalista. Em parceria com Nara Loupe e Verlane Aragão, é o responsável por sete dos doze petardos que compõem o disco. O lado A – o disco foi pensado como um vinil – se encerra com outra dele – e dela, Nara – “Labirinto”, com uma letra psicodélica e surreal embalada por um ritmo cadenciado. Plástico Jr., baixo e voz, abre o que seria o lado B com a também psicodélica “Amanheceremos”, que tem uma perfomance marcante de Leo Airplane nos teclados. Leo Airplane que é, também, o produtor do disco, é bom que se diga...

“Algo forte” dá prosseguimento à viagem sonora de volta ao rock mais “hard”, com sensacionais riffs e solos de guitarra – quem? Ele, de novo. Julico. Mas a disputa é boa e Rafael Costello dá mais uma vez o ar de sua graça com mais uma levada tipicamente “stoneana” em “Persona non grata”. O solo é absolutamente sensacional, totalmente na tradição do melhor do rock “setentista”.

E então temos a mais pesada, “Quase desisto”, outra excelente composição de Julico, e “Nem aí”, mais uma de Junior – com uma letra totalmente “foda-se”, rock and roll! Encerrando tudo, a belíssima “A esperança”, levada no violão. Sintomático que o disco acabe com uma música com este nome. Temos esperança de que os dias passem a ser mais tranqüilos no Suriname e a banda siga em frente, apesar das dificuldades ...

Por fim, é preciso que se fale com um carinho especial sobre a concepção visual do projeto gráfico, com belíssimas artes conceituais produzidas por Thiago Neumann que valorizam muito o produto final. Salta aos olhos, também, a qualidade do material em que o digipack foi impresso. Impecável! Com direito, inclusive, a impressão na parte interna do envelope onde fica guardado o encarte. Um luxo! Bola dentro total da Rock Company, a gravadora paulistana que bancou o projeto.

“Dias Difíceis no Suriname”, o disco – físico, em CD - foi lançado em grande estilo no dia primeiro de novembro com uma apresentação concorrida no Teatro Atheneu. A gravadora promete para o início do ano que vem uma edição em vinil. Merece muito, tanta pela música, que soa sempre melhor quando ouvida através de uma agulha, quanto pela espetacular arte de “Cachorrão”.

Já tenho o CD, mas vou querer o LP! E se sair em k7, quero também ...

http://plasticolunar.com.br/

A.

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quarta-feira, 18 de novembro de 2015

30 Anos de "Psychocandy"

Nunca vou esquecer a primeira vez que ouvi “Psychocandy”, o primeiro disco do Jesus And Mary Chain. Foi mais ou menos na época do lançamento, ainda na década de 80 do século passado – acho que 1986. Eu tinha meus 15, 16 anos no máximo, e estava começando a mergulhar nesse universo vasto e, para mim, desconhecido, do rock and roll, pelo qual eu me interessei vendo o primeiro rock in rio na TV. A revista Bizz chegava lá na minha cidade – Itabaiana, 50 km de Aracaju, Sergipe – e serviu como guia. Foi em suas páginas que li sobre aquele grupo de escoceses malucos que só se vestiam de preto e estavam sempre com os cabelos desgrenhados. Causavam furor com um single apropriadamente intitulado "upside down" - que tinha no lado B uma versão para "Vegetable man", uma música de Syd Barret que havia sido gravada porém nunca lançada oficialmente pelo Pink Floyd - e com shows ensurdecedores de 15 minutos nos quais tocavam de costas para o público...

Um amigo tinha o tal disco, "Psychocandy", e eu fui lá na casa dele ouvir. Primeiro foi o estranhamento com a faixa de abertura, “Just like honey”: etérea, sussurrada, com uma gravação abafada e guitarras cortantes, mas nada demais, em termos de agressão sonora. A partir do momento em que a agulha chegou aos sulcos da musica seguinte, no entanto, foi um choque! Aquilo era algo realmente novo, mesmo para meus ouvidos já acostumados com Metallica, Slayer e Megadeth. Era muito, muito barulhento, mas ao mesmo tempo era doce, melódico. Pop, num certo sentido. Um doce psicótico – poucas vezes o título traduziu tão bem a sonoridade de um disco.

Não tinha, na época, bagagem musical suficiente para enquadrar mentalmente o que me entrava pelos ouvidos, mas hoje sei que se tratava de uma espécie de continuação do que vinha sido feito naquela década por bandas como The Cure e Echo And The Bunnymen, com seu pop "esquisitão", temperado com influências do radicalismo undeground do Velvet - especialmente do segundo álbum, "White Light/White Heat" - e do punk rock safra 77, de Sex Pistols e afins.

“Psychocandy” é, na verdade, uma daquelas obras que inauguram um novo estilo, para o qual os críticos têm que se desdobrar para criar um rótulo – “shoegaze”, no caso. Um rótulo que, na verdade, só foi criado algum tempo depois, quando a sonoridade daquele álbum seminal foi lapidada por bandas como My Bloody Valentine, Ride e Slowdive. Sua influência, no entanto, foi além:  transcendeu os guetos estilísticos e atravessou oceanos. A explosão do rock alternativo e das "guitar bands" da primeira metade da década de 1990 deve muito a "Psychocandy". No Brasil, essa influência se refletiu numa cena que gerou nomes como Pin Ups, Killing Chainsaw, Second Come, Mickey Junkies, brincando de deus e, aqui em Sergipe, Snooze. Bandas que lançaram discos e demos que até hoje são cultuados pelos apreciadores do "rock triste" com paredes sonoras erguidas em cima de pedais de distorção.

Eu virei fã de grindcore, mas “psychocandy” segue sendo o disco mais barulhento que eu conheço – sim, mais que “From slavement to obliteration” ou as “peel sessions” do Napalm Death! É o único que eu não consigo ouvir inteiro no volume ao qual estou acostumado: chega um momento em que os ouvidos começam a doer ... 

É tipo uma serra elétrica lubrificada com mel. 

E é lindo!

A

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segunda-feira, 16 de novembro de 2015

DoSol 2015

Soubesse eu que meu ídolo e amado Adelvan Kenobi me concederia a honra de ocupar este nobre espaço com minhas impressões sobre o que vi no Festival DoSol no último fim de semana em Natal/RN, certamente eu teria ativado meu botão ‘repórter’ e teria pelo menos levado um bloquinho com caneta para facilitar essa tarefa hercúlea que tenho agora.

Porque é uma coisa de louco aquilo. Uma maratona inacreditável uma média de 30 bandas por dia se revezando, às vezes ao mesmo tempo, entre 4 palcos, espalhados por galpões em uma rua fechada na área portuária de Natal. O rock começa cedo, às 16h, e segue até a madrugada. No sábado, 07/11, terminou mais de 4h da manhã, com o show lotadaço do novo fenômeno “indie universitário” Figueiroas. Eu não sei de onde a galera tirou energia pra dançar lambada àquela hora naquele calor. Eu estava em frangalhos.

Skabong
Mas comecemos do começo...

Sábado – 07/11/2015 - Resolvi ir pro DoSol porque tive a chance de viajar junto com a galera da Skabong, aqui de Aracaju, que foi escalada pra tocar. Saímos na sexta à noite e chegamos no sábado. Portanto, perdemos a primeira noite do festival. Uma pena. Perdi o show do Cigarettes que eu posso dizer que há décadas que queria muito ver. Mas tudo bem.

No sábado, a maratona começava cedo e o Skabong(SE) era logo a segunda banda da programação. Tocaram ainda de tarde, pra uma plateia não muito numerosa, mas atenta, e fizeram o melhor show que puderam. Coeso, redondo e cheio de energia. A galera reagiu bem. Sou suspeita, mas gostei muito.

Moloko Drive
Depois disso, o que se segue é uma avalanche de shows que são um teste pra memória estética e pra dignidade física de uma roqueira desleixada e com problemas de saúde, como eu. Uma das primeiras bandas que eu lembro de ter chamado minha atenção foi o Moloko Drive(RN). Show bacana, maduro, composições instigantes. Impossível não relacionar o som deles ao estilo stoner do QOTSA, mas isso não chega a ser um problema. Gosto muito desse tipo de som. Me pegou de cheio. Acabaram de lançar disco pelo selo Mudernage.

Não vou listar os shows de um em um porque simplesmente não consigo me lembrar e/ou não prestei atenção. Então, faço a seguir uma seleção baseada na minha memória afetiva. Se lembro é porque curti. Ou quase isso.

Carne Doce
Próxima da lista que me capturou os sentidos foi uma banda de Goiânia chamada Carne Doce. Daquelas que você passa pra dar “um saque” e se pega dizendo “UAU”. Impossível não me conquistar a mistura de vocal feminino com um toque Elizabeth Frasier cantando em bom português e levadas viajantes a la Tortoise ou Hurtmold, pra ficar nas referências nacionais. Tudo muito bom, gostoso de ouvir, sem afetação, sincero. Certamente está no meu top 5.

Em seguida um show que eu há muito espero pra ver ao vivo. Acho que conheço o The Automatics(RN) há tanto tempo quanto conheço o Snooze (guitar band aqui de Aracaju que fez parte da minha vida por longos 13 anos), ou seja o tempo que devo ter nessa vida de indie rock. Como eu imaginava, não me decepcionaram. Guitar noise arrastado da melhor qualidade, fazendo jus a seus 14 anos de estrada. Showzaço.

The Automatics
Lembro de, ao menos, duas pessoas cantando no meu ouvido: ‘não perca o show da Marrero(SP)’. Fui lá conferir. Rock de macho, até nas caras e bocas do vocalista. Como diz na descrição do soundcloud deles: “Uma banda com raiva.” Hehehehe, deu pra perceber. Mais daquela pegada stoner, que apareceu muito pelo festival. Não estou reclamando. Gostei, só não entendi porque eles tocaram de novo no domingo.

Aláfia foi realmente um diferencial em meio a tanto rock raivoso. Outro daqueles momentos ‘UAU’. Fazem um groove sensacional, flertando com sonoridades da black music setentista, funk, rythm’n’blues, soul e por aí vai... A vocalista maravilhosa tem uma baita voz e ótima presença de palco. Me ganhou muito. Estão lançando o segundo CD, Corpura. Fodástico. Recomendo muito.

Thiago Petit
Do show do Thiago Pethit eu me lembro de ter tentando entrar pra dar aquele saque. Estava lotadaço e o público estava ensandecido. Bem na hora que eu chego, sobe um(a) fã no palco e tasca um beijo de língua na boca do cara. Nossa! Que susto. Já gostei. Nunca tinha sacado o som dele, mea culpa. Vou chover no molhado aqui se disser que o som do maluco é bacana. E o show? É insano. Prefiro me guardar pra outra vez que eu tiver visto só ele em outra oportunidade.

A essa altura eu já nem enxergava as pessoas direito e já tinha falado com umas três pessoas estranhas achando que eram gente conhecida. Estava perdida, tentando entender como eu tinha me perdido da minha carona quando me deparei com o show do novo “mito universitário”.

Figueroas "Lambada quente"
“Fofinha, fofinha, fofinha...” (Gosto de pensar que essa música é pra mim, hahaha). Figueiroas Lambada Quente! Mais de 3h da madrugada e aqueles roqueiros ainda tinha energia pra dançar lambada quente... não, infernal (calor da porra, hein, Natal?!).

O que eu entendo que rola ali é o seguinte: Dinho Zampier, meu brother alagoano de outros carnavais, é o talento musical que garante a precisão daquela estética que sai redonda, gorda, cheia de improvisos legais, enquanto isso o “Figueiroas” arrasa no personagem, dança mesmo, canta mesmo, se entrega. E a galera se entrega junto. Funciona demais. Fica constrangedor estar perto do palco e não se balançar ao menos. É sincero aquilo que rola ali. Não é apenas humor. Aquela música e aquela energia estão rolando ali de verdade. O público entende isso. Acho válido. Mas eu não sei dançar lambada.

Boys Bad News
Domingo – 08/11 - No domingo, uma outra banda tipo stoner sexy guitar rock fez um dos primeiros shows que eu consigo lembrar: Boys Bad News , do Maranhão. Nada muito inovador, mas foram bem no palco, pegada instigante, conquistaram o público, eu inclusa.

Provavelmente a que mais impressionou nesse dia, e não foi só a mim, foi a AK-47 (RN). O vocalista, Juão Nin, que também é ator, abriu o show com uma performance do lado de fora do galpão saindo de dentro de uma daquelas máquinas de fazer cimento em construção civil, gritando “índio viado, índio tóxico, índio trans”!

Dava pra entender uma sugestão de ativismo gay e ambiental aí, que logo se confirmou nas letras das músicas. Da betoneira ao palco, aquele homenzarrão imenso (e lindo!) soltou uma voz poderosíssima acompanhado por uma banda não menos de peso que deixou a mim e aos presentes de queixo no chão.

AK-47
O som da AK-47 é pesado, rasgado, gritado, ou “visceral”, como eles se descrevem na biografia do facebook. Aqui e acolá, há um flerte com batidas tribais. Bateria e percussão são bem pronunciadas, e as guitarras, óbvio, bem altas e com muita distorção. Difícil não associar ao que ficou conhecido como Nu Metal, mas o rótulo é pouco (como são todos) pra enquadrá-los. O disco novo, Anêmola, está disponível pra download na página da banda. Tem que conferir.

Seguem-se mais dois shows de rock de responsa altamente recomendáveis. Monster Coyote é uma banda nervosíssima de Mossoró, interior desértico do RN. Fazem uma mistura de metal stoner pesadíssimo. Cacete, porrada, pauleira. Basicamente isso. Gostei muito.

Water Rats
Os curitibanos do Water Rats mandam um punk de primeiríssima, meio setentão, ótimos vocais, ótimos riffs, impossível ficar parado. A galera tem bastante estrada e interage super bem com o público. Fizeram um show muito instigante.

Os gringos da DOT LEGACY parecem ter agradado geral. Eu devo ter escutado meio atravessada. Achei som de gringo fazendo gringuice. Franceses com cabelo crespo, pulando alto e fazendo careta devem fazer um sucesso por lá. Pra mim, de cara já é um ponto a menos. Ainda mais quando eu ouço, nem que seja um indício de tentativa, da famigerada experimentação, ou “mistura de ritmos”. Ah não! De novo isso? Quantos a gente num já viu desses por aqui né? Desculpaí. Curti não. Altamente esquecível.

Mad Monkees
Em um dado momento do domingo, Levi Marques (vocalista da Skabong) me chama pra ver o que tá rolando no palco “estúdio Petrobrás” – na verdade um container, do lado de fora dos galpões. Ele diz, meio chocado: “Você tem que ver isso!”

Era a banda Mad Monkees , do Ceará. E o que chamava a atenção era o baterista super mega feeling virtuose dando um show à parte. Comentei: “Lembrei do Babalu”. Entendedores entenderão. Banda foda e baterista mais ainda. Vale dar um saque no trabalho dos caras.

O show do DEAD FISH OFICIAL conseguiu provocar um fenômeno: esvaziou completamente todos os outros ambientes do festival. Estava TODO MUNDO lá. Hardcore nunca foi totalmente minha praia e eu nunca tinha animado pra ver um show desses caras, mas já que tava no bolo e pelo precinho fui lá conferir. Sim, um ótimo show, como eu imaginei. Público pirando, festival de mosh, bonito de ver e tal. Mas continua não sendo o tipo de som que me instiga. E em um festival como esse, eu, sinceramente, prefiro dar atenção às bandas que eu sei que não vou ter outra chance de ver. Me parece meio lógico.

Girlie Hell
Quase terminando a noite, sobem ao palco as roqueiras, super roqueiras, com muita pose de roqueiras, da Girlie Hell (GO). Não gosto da afetação que vejo em algumas bandas da safra goiana recente. Parecem, quase todas, muito preocupadas em ter a famosa “atitude roquenrol”. Torço um pouco o nariz quando vejo esse excesso (não são as primeiras), mas curti o som das meninas mesmo assim. Rockão clássico, composições legais, bom vocal. Se investirem mais na música e menos na pose tem futuro.

O ultimíssimo show que eu vi, esse eu lembro bem, foi dos cariocas da Confronto. Banda de metal hardcore respeitada, com 14 anos nas costas, suas letras de resistência dos oprimidos vieram bem a calhar pra encerrar essa imersão roquística nos lembrando bem de onde nós, roqueiros velhos e resistentes, viemos e porque continuamos fiéis a essa merda toda, mesmo sem ganhar nenhum tostão.

Texto: Maíra Ezequiel

Fotos: Rafael Passos

Juão Nin, vocalista do Ak-47, mitando no domingo


sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Não quer ajudar, não atrapalha

É sempre a mesma coisa. Primeiro todo mundo põe um filtro arco-íris no avatar. Depois vem uma onda de gente criticando quem trocou o avatar. Depois vem a onda criticando quem criticou. Em seguida começam a criticar quem criticou os que criticaram. Nesse momento já começaram as ofensas pessoais e já se esqueceu o porquê de ter trocado o avatar, ou trocado o nome para guarani kayowá, ou abraçado qualquer outra causa.

Toda batalha pode ser ridicularizada. Você é contra a homofobia: essa bandeira é fácil, quero ver levantar bandeira contra a transfobia. Você é contra a transfobia: estatisticamente a transfobia afeta muito pouca gente se comparada ao machismo. Você é contra o machismo: mas a mulher está muito mais incluída na sociedade do que os negros. E por aí vai. Você é de esquerda, mas não doa pros pobres? Hipócrita. Ah, você doa pros pobres? Populista. Culpado. Assistencialista.

Cintia Suzuki resumiu bem: “Você coloca um avatar coloridinho, aí não pode porque tem gente passando fome. Aí o governo faz um programa pras pessoas não passarem mais fome, e aí não pode porque é sustentar vagabundo (…). Moral da história: deixa os outros ajudarem quem bem entenderem, já que você não vai ajudar ninguém”.

Todo vegetariano diz que a parte difícil de não comer carne não é não comer carne. Chato mesmo é aguentar a reação dos carnívoros: “De onde você tira a proteína? Você tem pena de bicho? Mas de rúcula você não tem pena? E das pessoas que colhem a rúcula, você não tem pena? E dos peruanos que não podem mais comprar quinoa e estão morrendo de fome?”.

O estranho é que, independentemente da sua orientação em relação à carne, não há quem não concorde que o vegetarianismo seria melhor para o mundo, seja do ponto de vista dos animais, ou do meio ambiente, ou da saúde, ou de tudo junto.

O problema é exatamente esse: alguém fazendo alguma coisa lembra a gente de que a gente não está fazendo nada. Quando o vizinho separa o lixo, você se sente mal por não separar. A solução? Xingar o vizinho, esse hipócrita que separa o lixo, mas fuma cigarro. Assim é fácil, vizinho.

Quem não faz nada pra mudar o mundo está sempre muito empenhado em provar que a pessoa que faz alguma coisa está errada —melhor seria se usasse essa energia para tentar mudar, de fato, alguma coisa. Como diria minha avó: não quer ajudar, não atrapalha.

NOTA DO BLOG: É por essas e outras que desisti de manter perfil em rede social. Um dia ainda vou entender porque as pessoas ficam tão insuportáveis quando estão num ambiente virtual "social". Enquanto não chego a uma conclusão, prefiro não ter Whatsapp (è assim que escreve?), nem twitter, nem instagram. Aos poucos vou desistindo de atualizar este blog também - parece que (quase) ninguém mais lê mesmo. Muita coisa, né? "Quem lê tanta noticia"???!!! Hobsbawn descreveu o século XX como "A Era dos extremos". Acho que estamos vivendo, agora, a era da distração ...

Em todo caso, tenho duas páginas no Facebook, uma pessoal e outra do programa de rock. É diferente de perfil, bem mais tranquilo, e serve pra quem quiser entrar em contato comigo(Adelvan).

www.facebook.com/programaderock

Texto por Gregório Duvivier

Folha, 13/7/2015

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terça-feira, 10 de novembro de 2015

PCdoB: da guerrilha ao Ministério da Defesa

Quando ainda fazia programa humorístico – e era engraçado – Jô Soares tinha um quadro em que um general entrava em coma na posse do presidente Figueiredo, o último ditador, e acordava já na “Nova Republica” (muita ênfase nessas aspas, por favor) de Sarney & cia. Espantado com as mudanças, repetia o bordão “me tira o tubo” a cada constatação das voltas que o mundo dá. Às vezes fico imaginando o que o general diria se acordasse hoje, com um papa argentino, um negro na presidência dos Estados Unidos, uma ex-guerrilheira – mulher! – presidindo o Brasil e, agora, o PCdoB à frente do Ministério da Defesa.

Sim, aquele mesmo PCdoB, o Partido COMUNISTA do Brasil. Fruto de uma dissidência stalinista – depois maoísta, “albanista” e, por fim, petista – do “partidão”. O “partidinho” – era pequeno, na época – que organizou a guerrilha do Araguaia, o mais planejado e consistente – ou menos delirante  - projeto de combate armado à ditadura.

Médici deve ter dado algumas voltas no túmulo, certamente. Mas o mesmo quadro do programa do Jô terminava sempre com o general pedindo para manter o tubo ao constatar que, no final das contas, nem tudo havia virado de pernas pro ar. As coisas mudam, às vezes, para continuarem as mesmas. Com efeito, a presença da legenda de João Amazonas à frente da pasta à qual estão subordinadas às Forças Armadas não causou nenhum assombro, a não ser entre os cães raivosos que se recusam a notar que o mundo é outro e a guerra fria já ficou há muito tempo para trás.

O próprio PCdoB mudou, e muito. Na cerimônia de passagem de cargo Aldo Rebelo, o novo ministro, prometeu apoiar “cada uma das agendas estratégicas das Forças”. Citou nominalmente projetos como o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), da Marinha; o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), do Exército; e o FX-2 para aquisição dos caças Gripen da Aeronáutica, ressaltando a importância deles para o fortalecimento da soberania brasileira. Enalteceu a história da fundação das Forças Armadas e fez questão de elencar algumas conquistas das três instituições - sem mencionar, claro, o papel dessas mesmas forças na repressão aos movimentos populares. Canudos e Contestado, assim como o golpe de 64 e a ditadura subsequente, foram solenemente ignorados nesse "balanço Histórico" ...

No caso da Marinha, destacou a Batalha do Riachuelo. “Ali, ao vencer a Armada Paraguaia, o Brasil e a Força Naval abriram caminho para o progresso das forças terrestres”, disse. Prometeu, ainda, atualizar o Projeto Nacional de Domínio do Ciclo Nuclear, além de “lutar para preservar a capacidade operacional da nossa Esquadra”. Já para o Exército, ressaltou que a Força nasceu nos idos do nacionalismo do País. Citou o “Exército da luta pela independência, que nos deu essa heroína única de convicções e de bravura, Maria Quitéria. O Exército de Duque de Caxias e da consolidação da República”. Por fim, sobre “a mais jovem das Forças”, a Aeronáutica, lembrou que aviadores brasileiros “deixaram nos céus da Europa o tributo de sangue para que o mundo vivesse em liberdade”. “À Força Aérea, nós devemos o Correio Aéreo Nacional, que era muito mais que correio. Era a instituição integradora de um País sem logística, separado pelas distâncias”, lembrou.

O que Aldo disse era o que o comandante do Exército, o gaúcho Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, de 63 anos, queria ouvir, a julgar pela entrevista que concedeu ao jornal Correio Braziliense no dia 27 de setembro de 2015. Nela, ele exalta a passagem de Lula pela presidência: “Nós nos acostumamos a matar um leão por dia, mas perdemos a capacidade de pensar a longo prazo, estrategicamente. Até que veio o governo do presidente Lula e essa série orçamentária que era declinante se reverteu e começou a melhorar. O marco foi quando o presidente chamou o ministro (Nelson) Jobim para o Ministério da Defesa e disse: “Sua missão é colocar a defesa na pauta de discussão nacional”. E, aí, o ministro Jobim, com o ministro Mangabeira Unger, elaborou uma Estratégia Nacional de Defesa, um marco na história da defesa. Pela primeira vez, o poder político disse aos militares qual era a concepção de Forças Armadas, o que entendiam como necessário para o Brasil.”

De “quebra”, deu uma estocada bem humorada nos “aloprados” que defendem uma intervenção militar: “É curioso ver essas manifestações. Em São Paulo, em frente ao Quartel-General, tem um pessoal acampado permanentemente. Eles pedem “intervenção militar constitucional” (risos). Queria entender como se faz. O Exército vai cumprir o que a Constituição estabelece. Não cabe a nós sermos protagonistas neste processo. Hoje o Brasil tem instituições muito bem estruturadas, sólidas, funcionando perfeitamente, cumprindo suas tarefas, que dispensam a sociedade de ser tutelada. Não cabem atalhos no caminho.”

A maior ameaça aos planos dos militares, hoje, não é o comunismo. É a crise. A maior desde 1929, dizem especialistas. Uma daquelas crises cíclicas típicas do ...

Capitalismo!

A.

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quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Contagem regressiva ...

“Como assim, ela é uma princesa? Ela não se veste nem se comporta como uma princesa! Cadê a coroa? Esse cabelo esquisito é a coroa?”. Era eu, com 6, 7 anos de idade, pedindo pra minha irmã mais velha, que havia me levado ao Cine Santo Antonio, em Itabaiana(Sergipe), para assistir àquele filme que todo mundo estava comentando – até o padre, na homilia da missa, havia recomendado, mais por conta do cinema funcionar num prédio alugado à igreja – me explicar o enredo, já que eu ainda não sabia ler e naquela época ainda não passava filme dublado no cinema.

Ela me explicou e eu finalmente entendi melhor depois, já alfabetizado, a partir dos textos do álbum de figurinhas que eu colava com uma goma caseira tosca. A experiência me marcou profundamente, como pode-se notar pelo “codinome” que adotei na internet – Adelvan “Kenobi”.

“Guerra nas Estrelas” volta ao cinema em dezembro, dia 17. Sob a batuta de J.J. Abrams, o criador de “Lost” – e “recriador” da principal série “rival”, “Jornada nas Estrelas”.

Promete!

Muito!

A

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segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Circo Voador: A Nave de Maria Juçá

“Que merda é essa que você está fazendo? Esses imbecis não sabem tocar, não sabem cantar e essa p* de guitarra distorcida de uma nota só está destruindo meus tímpanos. Você está de sacanagem comigo. Estou com os ouvidos desatarrachados”

A bronca de Tim Maia era endereçada a Maria Juçá, produtora e programadora do “Rock Voador”, o espaço do Circo – sim, aquele mesmo, que nasceu no Arpoador e cresceu e na Lapa – que, todos os sábados, abria suas portas para o nascente novo rock nacional, sempre cuidando de evitar purismos e puritanismos e caprichar na mistura. Naquela noite trazia, ao lado do “síndico”, a banda pioneira do punk rock carioca Coquetel Molotov. E terminou bem, com um verdadeiro congraçamento nos camarins, para onde os punks se dirigiram depois de terem sido conquistados pelo carisma do maior soulman brasileiro – que se dizia, também, o primeiro “punk” do Brasil.

Arpoador, nos primórdios ...
Juçá não aprendia: quando promoveu o primeiro Festival punk do Rio de Janeiro, convidou os nomes mais representativos da nascente e incipiente cena local para tocar ao lado dos já consagrados – no underground, pelo menos – paulistanos do Ratos de Porão, Inocentes e Cólera. Mas convidou também, para abrir a noite, o Paralamas do Sucesso! E mais: com uma participação especial, em uma das músicas, de Paula Toller, do kid Abelha!!! A mistura, pra lá de heterodoxa – e indigesta, para os puristas – só deu certo porque Herbert Vianna era – é – muito gente fina e tinha bom transito entre todas as tribos.

Esta é apenas uma das muitas – muitas MESMO – histórias vividas ao longo do tempo – três décadas, e contando - sob a lona da Lapa. Histórias como a da apresentação do Titãs no início da carreira para apenas 13 pagantes; da noite em que Celso Blues Boy quase matou Serguei, usando-o como suporte para seu pedal de whah whah; do primeiro encontro de Raul Seixas com Marcelo Nova num show do Camisa de Vênus, em pleno palco; da primeira vez das bandas de Brasília, antes da fama, na Cidade Maravilhosa; do “Queremos”, um grupo de amigos “indie” que usou o Circo como suporte para fazer com que as bandas que só tocavam em São Paulo voltassem a se apresentar no Rio; dos sem noção que vira e mexe aprontam algo, como no episódio em que uma lata de cerveja foi arremessada na testa do inofensivo James Taylor; da dor de cabeça da produtora ao “peitar” Tim Maia quando ele(sempre ele!), às voltas com duas prostitutas, deixou de fazer o show programado para agosto de 1984 - Tim chegou a ficar “de mal” de Juçá, injuriado com a faixa em que estava escrito “Tim Maia está rouco, Tim Maia está louco” que ela colocou na porta do Circo; ou as lembranças dos bicões que infestavam os camarins para disputar com os artistas cervejas bebidas em copos plásticos - estratégia para fazer a loura render mais. Copos de plástico que, vejam só, foram usados, também, para servir champagne a Madonna – sim, ela mesmo! A diva-mor!

Juçá
Tudo isso e os já célebres “pitis” dos rockstars, do pop ao punk: de Lulu Santos, que se indignou ao saber que teria que dividir a mesma porta de entrada com o público – depois o Circo cedeu à pressão e criou uma entrada exclusiva para os artistas, devidamente batizada, claro, de “portão Lulu Santos” - a Jello Biafra, que exigiu um banho de Jacuzzi antes de subir ao palco – esta última tem uma explicação: Jello ficou “puto” porque havia pedido que seu nome não fosse associado ao dos Dead Kennedys, que já havia acabado, no material de divulgação. Como não foi atendido, fez a birra de propósito, como vingança, e acabou conseguindo o tal banho. Na banheira de Dado Villa Lobos ...

Na verdade sempre soube que tinha sido na casa do Renato Russo, mas segundo o relato de Alexandre Rossi, o “Rolinha”, no livro, foi na do Dado. Bom, ele deve saber mais do que eu, já que foi ele que levou o Jello lá. Ou não! Não há um compromisso rigoroso com a apuração dos fatos nos relatos, é tudo dito de acordo com o que vem à memória e transcrito, aparentemente, da forma em que foi dito. E muita coisa foi dita, por muita gente: mais uma vez a generosidade de Juçá se faz presente e ela praticamente se torna uma editora de seu próprio livro, cuja narrativa é entremeada de relatos de terceiros – muitas vezes com relatos “terceirizados” dentro dos próprios relatos “de terceiros”! O formato, não muito comum, poderia ter prejudicado a fluência do texto, mas não foi o caso, felizmente ...

É uma trajetória acidentada, cheia de altos e baixos, triunfos e “perrengues”. O pior deles foi, provavelmente, quando o Circo foi arbitrariamente fechado pelo prefeito César Maia, a pedido de seu sucessor/apadrinhado Luiz Paulo Conde, em represália à expulsão pelo público de sua comitiva, que insistia em comemorar lá a vitória na eleição, mesmo sem ter sido convidado. Detalhe: era dia de show punk, com Garotos Podres e Ratos de Porão. Juçá ficou na pior, psicológica e financeiramente – afinal, o Circo era, também, seu “ganha pão” – e chegou a fazer greve de fome na tentativa de ser pelo menos atendida em seu gabinete por “sua excelência” – acaba de falecer, o canalha. Espero que esteja devidamente instalado no inferno, no colo do capeta! Ela conta como foi: “Durante a minha luta pela volta do Circo, uma “brincadeira” que durou 8 anos, eu fiquei totalmente sem grana. Cheguei a vender sapato para poder me sustentar. Até morar com o ex-marido e a nova esposa dele eu fui… Foram momentos realmente difíceis. E nesse período eu entendi muito o que significa a fome, o você passar fome, o você não ter o que comer. Por isso, depois de tudo o que passei, eu tenho o hábito de dividir tudo. Todo dia, de alguma forma, eu divido algo com alguém. Uma comida, um dinheiro, alguma coisa”.

O filme
Não parece haver limites para o poder de barganha, jogo de cintura a energia criativa de Maria Juçá. Algo que você pode facilmente comprovar devorando o calhamaço de quase 700 páginas – 666, se descontados os índices e apêndices - que ela lançou ano passado de forma independente, sem editora – mas com apoios importantes, do Governo do Estado e da Ambev. Não é uma obra perfeita: faltou edição, o que se reflete em alguns erros de ortografia e no ritmo da leitura, muitas vezes prejudicado por uma certa desorganização na ordem em que os capítulos são apresentados. Há também um excesso de informação - tipo, enumeração de todos os membros de quase todas as bandas - que deixa a leitura chata, com cara de release. em determinados momentos. Mas nada que comprometa a obra como um todo.

“Circo Voador: A Nave” – o livro, é o relato de uma guerreira da cultura, querida e amada por todos que a conhecem e também pelos que, como eu, acompanham seu trabalho à distancia. Desde 1982.

Só fui conhecer o Circo Voador “in loco”, em carne e osso, recentemente. E vejam só: calhou de ter sido na noite do dia 20 de junho de 2013, no auge das manifestações de rua que tomaram o Brasil de assalto – e de surpresa. Fui para ver finalmente, também pela primeira vez, uma de minhas bandas favoritas, a Gangrena Gasosa, abrindo para o Cannibal Corpse. Em meio ao caos! Literalmente! A policia caçava os mascarados pelas ruas da Lapa, com a utilização, inclusive, de carros blindados, os famigerados “caveirões”. Bombas de gás lacrimogênico explodiam por todos os lados e a nuvem tóxica invadia o espaço do circo, que é aberto, o tempo inteiro, fazendo com que os shows tivessem que ser interrompidos inúmeras vezes para que os presentes pudessem se recuperar dos efeitos. Foi assustador, mas sensacional! Um verdadeiro Batismo de fogo.

Você, que nunca foi lá, precisa ir também! Pelo menos uma vez na vida! Encare isso como uma missão, como uma tarefa religiosa, igual à recomendação aos muçulmanos para que visitem Meca. Se não puder procure, pelo menos, ver o filme: “Circo Voador: A Nave” acaba de estrear em formato de documentário para o cinema. Não vi ainda, mas vou seguir o exemplo da Juçá e colocar aqui as impressões de quem sabe e viu, tanto o filme quanto incontáveis noites sob aquela lona mágica, devidamente relatadas em seu ofício de jornalista. Com apalavra, Marcos Braggato:

Era para ser um documentário, mas bem que tem roteiro de drama. Para ser levada às telas, a história da casa de shows que foi o embrião do rock brasileiro dos anos 1980 (e que recebeu todas as cenas dali pra frente) tem tantas idas e vindas, fins e recomeços, paixões e emoções que fica difícil de ser contada somente sob a ótica remissiva. Mesmo porque, no fundo, no fundo, o Circo Voador não é exatamente uma casa de shows - embora seja -, mas, como costuma se referir a ele a boss Maria Juçá, trata-se de um conceito, um projeto, agora convertido em uma saga cinematográfica intitulada “Circo Voador – A Nave”.

O doc cobre toda a história do Circo, desde a versão meteórica que tomou de assalto a Arpoador, durante o verão de 1982 e sua posterior “desautorização”, passando pelo pouso na Lapa e pela interrupção de oito anos, por conta de desmandos de políticos, até a estrutura definitiva que se tem nos dias de hoje. A diretora Tainá Menezes se valeu de um extenso trabalho de pesquisa, o que realça no filme a quantidade de imagens de shows da cada época abordada, e, diferentemente do usual em documentários dos novos tempos, não economiza com cortes abruptos, a pretexto de dar “dinâmica jovem” ou algo que o valha à narrativa.

Assim, é possível se deliciar com trechos longos como o da Blitz tocando no Circo do Arpoador ainda com um imberbe Lobão como baterista; uma performance de Luiz Melodia como dançarino, no meio de “Estácio, Holly Estácio”; Tim Maia usando a verve genial para reclamar dos “bicões” que invadiam seu camarim, verdadeira instituição da lona voadora; Barão Vermelho cantando “Eclipse Oculto” com Caetano Veloso, com direito a beijo em Cazuza no final; e o emocionante discurso de despedida de Rita Lee, entre outros. Depoimentos muito loucos como os de Tom Zé, que ainda aparece na inefável “noite das calcinhas”, em que colheu várias peças da plateia, tentam explicar o que, no fim das contas, é o Circo Voador. Tarefa realmente impossível, e que não é a intenção da produção.

Marcelo D2, malandro da Lapa nato e ex-vendedor de camisetas ali pelo Centro, conta como fazia pala pular a grade do Circo para participar do movimento, já que os tempos ainda eram de dureza. Marcelo Yuka, muito antes de ter banda, se virava no mesmo quesito, e por pouco não deu o primeiro mosh de cadeirante em show do Bad Brains. Ambos hoje têm o olhar diferenciado sobre a lona, o mesmo que o filme tenta mostrar, mais com a bem sacada edição de imagens, que de certa forma se completam por si só, do que com discursos por vezes obtusos. Acertadamente, não há narração no filme, só os depoimentos e a sucessão de registros de artistas sob a lona.

Pólo aglutinador da revolução do rock nacional nos anos 80, junto com a Fluminense FM, o Circo Voador, contudo, tem seu trecho mais prolífico abreviado no filme. Não são muitos os atores desse processo inseridos na história, sobretudo de outros estados. Para estes, destaque para as falas de Marcelo Nova, do Camisa de Vênus, e de Clemente, do Inocentes, que, porém, abordam mais o ecletismo da programação, provavelmente estimulados pelo roteiro, do que da importância da Circo Voador para o alavancar de suas carreiras. Temas como as famosas desavenças entre produtores e a criação da vizinha Fundição Progresso também ficaram de fora, mesmo porque a produção, toda independente, foi bancada pelo próprio Circo Voador - ressalte-se.

João Gordo aparece em destaque por ter sido escolhido para Cristo no episódio do fechamento ilegal do Circo, na noite em que os punks entusiastas de Ratos de Porão e Garotos Podres, aos gritos, expulsaram espetacularmente um grupo de políticos do Circo Voador. O então prefeito César Maia exorbitou do poder que tinha, atendeu a um capricho de seu sucessor eleito, Luiz Paulo Conde, falecido este ano, e mandou fechar o Circo. O próprio Maia aparece no filme se gabando do contrário, de ter reaberto o Circo Voador oito anos mais tarde, o que de fato aconteceu, mas só depois de muita luta da produtora Maria Juçá, que ganhou uma ação contra a prefeitura na justiça e só conseguiu a construção do Circo como é hoje depois de meticulosa costura política. Toda a questão é bem esclarecida em “A Nave”.

Regulado por questões de orçamento e disponibilidade de verbas, o documentário levou cerca de cinco anos para ser concluído, e - repita-se – não contou com o apoio de leis de incentivo á cultura, como é comum em produções cinematográficas no Brasil. Mais que a história sendo contada e registrada para todo o sempre, o filme é precisa oportunidade para as novas gerações perceberem como as coisas podem ser feitas do nada, desde que sejam simplesmente iniciadas. Assim como foi o rock brasileiro dos anos 80. E assim como foi e continua sendo com o Circo Voador. Para ver o trailer do filme, clique aqui.

Por fim, um “Bônus text”: Um relato saboroso – e recente, publicado originalmente no Blog do André Bracinsky – de Alexandre Rossi, o “Rolinha”, sobre sua visita à Disneylândia distópica de Banksy, em Londres. Para que você tenha uma idéia da verve do cara – tem muito texto dele no livro da Juçá. Na verdade ele é, praticamente, um co-autor do livro ...

“O Mais Despontador Parque Temático do Mundo. Quando descobri que Banksy, o cara que redefiniu o conceito de arte pra toda uma geração, havia montado uma subversão bizarra da Disneylândia, tive que ir lá ver qual era. E qual não foi minha surpresa quando descobri que ele não tava de sacanagem quando sugeriu que seria uma experiência tão desoladora em tantos sentidos.
Como se a superdesvalorização do real não bastasse pra te desanimar, conseguir uma entrada para o Parque de Depressão do Banksy era uma martírio indigno: os ingressos só eram liberados poucos dias antes, e gente do mundo todo disputava uma entrada pro Bemusement Park. Isso significa que, se eu quisesse pagar um preço minimamente razoável na passagem e hospedagem, comprando tudo com antecedência, teria que arriscar sem saber se iria conseguir entrar.

Penei por dias, acordando de madrugada pra ficar dando refresh a cada dois segundos no site pra conseguir comprar um ingresso, sem sucesso. A cada mudança de planos de viagem, eu entrava mais no vermelho, ou melhor, o vermelho entrava em mim. Comecei a achar que era mais uma formidável conspiração do Banksy pra esfregar o quão capitalista e otário estava sendo. E quase tive certeza disso quando os últimos ingressos acabaram. Se ele queria me desapontar, havia conseguido.

Por sorte havia gente muito mais capitalista do que eu. Os cambistas virtuais estavam vendendo ingressos a 400 libras, mas eu milagrosamente consegui um a 40. Quando o ingresso chegou, mais um desgosto: era pessoal e intransferível. Existia uma enorme probabilidade de me mandarem voltar da porta, o que seria realmente deprimente. Daí me lembrei de uma frase que estava estampada no material promocional do “parque”: “Não é arte se não tem o potencial de ser um desastre”. Ok, ao menos poderia emoldurar minha miséria e leiloar na Sotheby’s.

O parque ficava em Weston Super Mare, um balneário britânico que faz Cabo Frio parecer Sanit-Tropez. A pessoa mais jovem com a qual eu cruzei nas primeiras horas parecia o avô do John Cleese. O que eles entendiam como praia era uma lodaçal com uns quatro quilômetros do início do calçadão até o “mar”. Era uma espécie de Iguabinha britânica. O taxista falou que vários turistas ficam presos com lama até o joelho tentando dar um mergulho. É ali, naquele cenário desolador, que fica o que um dia foi o Tropicana - que chegou a ter uma das maiores piscinas da Europa - onde Banksy passava as férias com a a família e que agora estendia sua decadência por vários metros de orla, assombrando os passantes. Me lembrou o Albanoel, aquele parque temático que o Papai Noel de Quintino ergueu no caminho pra Angra e hoje ainda pode ser visto, abandonado, por quem passa na estrada.

Quando cheguei descobri, com espanto, que estavam vendendo ingressos na porta! VENDENDO INGRESSSOS! Pra que eu tinha me empenhado tanto? Foda-se: a três libras, valia a pena comprar um novo ingresso pra garantir que eu não tivesse que passar pelo aperto de ficar sofrendo na fila sem saber se ia conseguir entrar ou não.

Ao tentar entrar na fila, um típico lad, sentado na cerca, me barrou com um guarda-chuva como se fosse o pinguim do Batman, perguntando se eu sabia o que estava fazendo. Respondi que ia comprar ingressos e ele retrucou do jeito mais cínico: “E você acha que vai conseguir?” Já despido de toda a perspectiva, retruquei: “E o que eu tenho a perder?”. Ele só levantou o guarda-chuva complementando: “Não se anime, entrar na fila não significa que você vai conseguir. Provavelmente não vai”.

Não vou falar que os ingressos acabaram bem na minha hora pra não parecer que era pessoal. Eles acabaram bem na vez das minas que estavam na minha frente. Os Dislamalanders fecharam o guichê na cara delas, lamentando a falta de sorte, e saíram sem olhar pra trás. Eu saí da fila resignado, portando meu desonesto passe pro mundo da desanimação e da injustiça.
Já estava preparado pra não entrar, quando cheguei na porta, uma instalação do Americano Bill Barmisnki que parecia uma versão suecada – como no “Rebobine Por Favor” – de uma entrada de aeroporto com versões de papelão de um aparelho de raios-X. Tenho que dizer que fiquei desapontado quando a luz verde do scanner acendeu e o guardinha com chapéu de Mickey, com a feição mais apática que eu já vi, me mandou entrar. Mas eu nem tinha noção do quão desoladora ainda seria aquela experiência.

Dizer que o aquele lugar era deprimente configurava uma injustiça. A visão daquele castelo da Cinderela semidestruído – ou semiconstruído, sei lá - do coletivo inglês Block9, com um camburão no meio do chafariz, cercado pelos lambe-lambes com mensagens demotivacionais da ídola do Instagram Wasted Rita e dos sinais de trânsito da Jenny Holzer, faria aquele Gari Sorriso do carnaval carioca chorar copiosamente e o Solzinho feliz dos Teletubbies se pôr e nunca mais sair. E a trilha sonora expelida por aqueles alto-falantes em forma de corneta? Imagino que tenha sido o que aquele quarteto de cordas tocava enquanto o Titanic afundava. A chuva e o frio que castigavam aquela noite deixavam tudo ainda mais sorumbático. E pensar que eu havia empenhado até a última prega para chegar ali.

Logo fui procurar um lugar quente e seco e fugi pra galeria. Ao adentrar aquele galpão, que porrada! Foi como estar nadando no Tâmisa e ser abalroado pelo barco que os Sex Pistols alugaram pra tocar na comemoração do Jubileu da Rainha em 77. Me senti como o Alex de “Laranja Mecânica”, com aquela traquitana que mantinha os olhos abertos sendo submetido a um tratamento de choque ao som da Nona Sinfonia. Cada jato de spray, cada pincelada, cada pedaço de ferro retorcido estava ali com o intuito de te tirar do torpor consumista, te deixar desconfortável na condição de espectador, te dar um sacode existencial.

De cara, você era recepcionado pelo cogumelo atômico que era tipo uma casinha na árvore, criado pelo australiano Dietrich Wegner, também responsável por um feto exposto numa vending machine. Obras do espanhol Paco Pomet, do californiano Jeff Gillete e do palestino Sami Musa não nos deixavam esquecer do caos que assola o mundo hoje em dia. Uns quadros da série “Making Something Cool Every Day” do Brock Davis, do Josh Keyes e as colagens pop do Jani Lenonen davam um descanso colorido ao clima de ruína imperante. De vez em quando, alguém tentava interagir com as esculturas, como com a cadeira medieval do canadense Maskull Lassere, que parecia uma armadilha de urso, e com os padrões florais da lituana Severija Incirauskaité–Kriauneviciené aplicados a um carro que deu PT. Eis que, no meio daquele bruhahá, ouve-se uma versão esquizóide de “Staying Alive”. Seguindo a música, dou de cara com um daqueles carrinhos de bate-bate sendo guiado por um esqueleto com roupa de ceifador, obra do Banksy que ainda foi responsável por uma das esculturas mais fofas dali: uma sucuri com um Mickey sendo digerido no seu interior.

O último pavimento reservava o que havia de mais legal: Uma megamaquete mostrando uma cidade sitiada com nada menos que três mil micropoliciais montada por Jimmy Cauty, o cara que tacou fogo em um milhão de libras em uma performance no deserto. Na saída, ainda tinha umas três obras do Lu$h, um porralouca australiano que fez tanta merda que foi proibido de entrar na Inglaterra.

Ainda deu tempo de visitar o acidente com a carruagem de abóbora da Cinderela com uns paparazzi urubuzando o cadáver – que a inglesada olhava como se testemunhasse a morte da Lady Di - dar um rolê no Austronaut’s Caravan - um claustrofóbico trailer que emulava a gravidade zero criados pelos retardados Tim Hunkin e seu amigo Andy Plant - e vomitar um falafel sem glutén antes de ser enxotado por um cosplay do vocalista do Gossip com o humor pior que o daqueles garçons do Bar Lagoa.

Ainda sob o efeito de ter tido o que restava da minha inocência vandalizada por aquela holocáustica experiência, parti pra Veneza pra dar um confere na Bienal. Percorrer a pomposidade e suntuosidade do Arsenale e do Giardinno foi como padecer em um show de oito horas e meia do Emerson Lake and Palmer depois de ter visto os Ramones tocando no CBGB. Aquela ida ao Dismaland me deixou com a certeza que, como profetizou Gil Scott-Heron, a revolução não foi mesmo televisionada, mas grafitada, hypada e regurgitada na nossa cara.

E que cada geração tem a Disney que merece.

por Adelvan “Kenobi”
Marcos Braggatto
Alexandre Rossi

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terça-feira, 15 de setembro de 2015

Relembrando "O Dia Seguinte"

Há 70 anos o mundo acordou para uma nova era: no dia 06 de agosto de 1945, exatamente às 8h15 da manhã, o "Enola gay" entregou a “little boy” de presente para os habitantes da cidade japonesa de Hiroshima. E a humanidade de repente se deu conta de que poderia ser simplesmente varrida da face da terra por força e obra de sua própria insanidade. Porque, previsivelmente, o bombardeio deflagrou uma corrida armamentista desenfreada que quase pôs fim à civilização como conhecemos em outubro de 1962, durante a crise dos mísseis soviéticos instalados em Cuba - “Eu quero que Cuba lance/eu quero é ver Cuba lançar”, provocaram os brasileiros. Corrida maluca que só foi interrompida com o colapso do bloco socialista, no final da década de oitenta do cada vez mais distante século passado.

Eu não era nem nascido quando os dois episódios mais tensos dessa história aconteceram, mas lembro bem do clima literalmente apocalíptico que pairava sobre o mundo durante minha infância e adolescência. Principalmente a partir da eleição de Ronald Reagan para a presidência dos Estados Unidos, com uma retórica radical de confronto, taxando a Rússia de Império de mal e propondo levar a corrida armamentista até as estrelas! Por trás da cortina de ferro, a situação não era muito melhor: a instabilidade batia à porta de forma ameaçadora, com uma sucessão de falecimentos de velhos líderes da “nomenklatura” escancarando a verdade de que aquela estrutura monolítica de poder estava finalmente rachando ...

Em meio a este cenário sombrio, foi marcante a decisão de uma rede de TV norteamericana, a ABC, de produzir um filme que mostrasse, de forma realista, as consequencias de uma guerra nuclear generalizada. O Departamento de Defesa se opôs fortemente, mas acabou sendo convencido a colaborar, com a condição de que o roteiro mostrasse os russos atacando primeiro. O filme, dirigido por Nicholas Meyer, de “jornada nas Estrelas II – A Ira de Khan”, foi um verdadeiro acontecimento, batendo todos os recordes de audiência - 100 milhões o assistiram na noite de estréia. Até abril de 2006 era o telefilme de maior audiência na história da TV americana, excluindo mini-séries. Para que se tenha uma ideia do alcance emocional da empreitada – vale lembrar que a ABC é a maior emissora do país e do mundo - nenhuma empresa quis comprar espaço comercial após o trecho em que os mísseis nucleares atingem os Estados Unidos, o que fez com que sua metade final fosse exibida sem qualquer intervalo, e a emissora disponibilizou várias linhas telefônicas especiais destinadas a acalmar as pessoas durante e após a premiére, que foi sucedida por um debate acalorado, transmitido ao vivo, sobre o tema, com as presenças do cientista Carl Sagan, contrário à existência das armas nucleares, e do escritor e comentarista conservador William F. Buckley Jr., advogando a favor.

Como não poderia deixar de ser, a polêmica se espalhou pelo mundo. Chegou, inclusive, ao pé da serra, na cidade de Itabaiana, onde eu morava. Lembro bem de ter visto um especial do Globo Repórter sobre o filme que me deixou apavorado – eu tinha apenas 12 anos de idade mas já começava a despertar para as angustias existenciais. No Brasil, “O Dia seguinte” foi exibido nos cinemas, e eu assisti “Na Tela do Cine Santo Antônio”, fazendo “indiagem” (termo pejorativo para bagunça muito usado na época) com os amigos para disfarçar a tensão ...

Pouco tempo depois as múmias do Kremlim foram finalmente e definitivamente enterradas e uma lufada de vento fresco, diferente dos ares radioativos que de lá emanaram com o acidente da usina nuclear de Chernobyl, soprou do leste, com a ascensão de Mikhail Gorbachev ao cargo de Secretário Geral do Partido Comunista da União Soviética. Fez-se a distensão e o mundo pôde, enfim, respirar aliviado ...

Ou não! Não existe mais aquela polarização de antes, mas é cedo demais para achar que estamos livres do perigo: a qualquer momento uma ogiva nuclear, ou mesmo uma bomba “suja”, pode cair nas mãos de um grupo fundamentalista insano como o ISIS, ou o Taleban, ou a Al Qaeda, ou algo do tipo, provocar uma das potencias nucleares ainda existentes – e elas são muitas: EUA, Reino Unido, Rússia, China, França, Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte – e sabe-se lá o que será de nós ...

Continuamos no fio da navalha.

A.

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sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Coming soon ...

Drew Struzan é aquele ilustrador de traço fino e hiperrealista que transformou a safra de filmes que inventaram o conceito de blockbuster nos anos 80 em clássicos do cinema a partir de seus pôsteres. De Volta para o Futuro, o primeiro Rambo, Um Príncipe em Nova York, Blade Runner, Loucademia de Polícia, Indiana Jones, Negócio Arriscado e Goonies são apenas algumas produções que levam sua assinatura visual. Esta safra foi iniciado com o pôster do primeiro Guerra nas Estrelas, o Episódio IV, de 1977, uma parceria que atravessou todos seis filmes da série já lançados.

Durante o D23 Expo 2015 – o evento anual da Disney que aconteceu em Anaheim, no estado norte-americano da Califórnia, em que foram reveladas uma série de novidades sobre o filme deste ano da saga -, Struzan apresentou o primeiro pôster do Episódio VII e contou como foi convidado para fazer a arte do novo longa e o que achou da história. Abaixo, um trecho, traduzido (por Alexandre Mathias) da entrevista publicada no site australiano Movie Weekly:

“Bem, começou mais ou menos a um ano, um ano e meio atrás. Eu recebi uma ligação do J.J. Abrams, que eu nunca havia conhecido, e ele estava na Inglaterra, filmando, e disse 'Oi, eu sempre amei seu trabalho' e blá-blá-blá, soando como, você sabe, um fã (ri). E nós estávamos conversando e ele simplesmente pergunta 'bem, você gostaria?' e eu disse '…se me convidarem.' E assim foi a conversa (ri). No final, não havia mais palavras. Então um ano depois, nós nos reunimos e ele disse que estaria trabalhando com todas as pessoas do começo – John Williams, Kasdan, Harrison Ford, todo mundo está lá e todo mundo está escrevendo e fazendo música e temos que fazer nossa arte pra que tudo seja de verdade. Então, claro, eu tenho que fazer isso pelo George e tenho que fazer isso por Guerra nas Estrelas.

Eu nunca trabalhei com J.J. antes e nós começamos a trabalhar juntos e ele me mostrou metade do filme e era apenas… um filme maravilhoso que sei que será grandioso. Eu li o roteiro e subsequentemente vi metade do filme e eu posso dizer pra você e para os fãs, honestamente, que é de longe o MELHOR Guerra nas Estrelas que você já viu. É lindamente realizado e tem uma história maravilhosa.''



Um futuro em suspenso

O Brasil andou muito nas últimas duas décadas. Obteve um avanço social histórico desde o governo Lula, mas entrou no “ciclo travado”, a partir do qual sobram apenas duas alternativas: ou a coragem para fazer reformas estruturais, eternamente adiadas, ou o recuo. Jamais ficar no mesmo lugar.

O raciocínio é do incansável economista Ladislau Dowbor, da PUC de São Paulo. Do alto de um invejável currículo acadêmico – graduação em Lausanne, doutorado em Varsóvia, professor em Coimbra – e profissional, Dowbor carrega consigo uma vocação de eterno militante. Era um dos 40 presos políticos que, nos primeiros dias de 1971, foram trocados pelo embaixador suiço Giovanni Bucher, numa operação comandada por Carlos Lamarca.

Hoje brinca que a ditadura incentivou muito o “intercâmbio” daqueles jovens brasileiros que vagaram pelo mundo – os banidos do Brasil que ficaram preferencialmente pela Europa, depois de terem sido trocados por embaixadores sequestrados em ações da guerrilha urbana.

É com alma de militante que Dowbor tem participado de todas as intermináveis reuniões que acontecem em São Paulo desde o início do ano entre intelectuais, e professa uma “oposição” que se traduza numa unidade de forças progressistas capazes de empurrar o governo para a esquerda, garantir os avanços conquistados de direitos civis, políticos e sociais desde a Constituinte de 1988 e romper com o que ele chama de “ciclo travado”, ou seja, as limitações impostas por uma elite financeira ao desenvolvimento pleno do país.

No centro de seu pensamento está a constatação de que o rentismo impôs uma ciranda de juros elevados para rolagem da dívida pública e alto custo do crédito para pessoas físicas e jurídicas. E essa realidade se traduziu, na prática, em um severo limite ao ciclo de crescimento baseado no mercado interno, iniciado no governo Lula.

A partir de agora, ou o país banca reformas estruturais, inclusive uma reforma financeira, ou retrocederá de um período de quase três décadas de avanços contínuos – sociais, econômicos e políticos. Ladislau Dowbor concedeu esta entrevista, em São Paulo, logo depois de uma rodada de debates sobre o futuro do Brasil entre os integrantes do chamado “Fórum Brasil 21”, que tem por objetivo definir uma agenda política comum para as forças progressistas do país. A seguir, os principais trechos da entrevista que concedeu à jornalista Maria Inês Nassif ...

Um acumulado de impasses

O Brasil hoje vive vários impasses. Um deles tem dimensão internacional e sofre o impacto de movimentos especulativos, sobretudo no mercado de commodities. Nos últimos 12 meses, o minério de ferro, por exemplo, que tem um grande peso na pauta de exportações brasileiras, perdeu 40% do seu valor; a soja, a laranja e outras commodities encolheram entre 20% e 30%. São cifras bastante significativas. No plano interno, o país vive um limite estrutural. O Brasil conquistou um conjunto de avanços, em particular nos governos de Lula e no primeiro governo de Dilma, mas os processos de expansão das políticas sociais chegaram a um limite, a partir do qual são necessárias mudanças estruturais.

As eternamente adiadas reformas de base não são mais adiáveis.

A resistência das elites e a crise política

Nesta tensão, a resistência das elites mostra-se extremamente forte. É por isso que a crise que se gera é essencialmente política. Não há base para falar numa crise de enormes proporções, ou que o país está quebrado, ou ainda que vai quebrar. Isso não faz o mínimo sentido. Podem até ocorrer ajustes que levem a uma racionalização de gastos do governo, mas isto não anula simplesmente a realidade de que o país está num ciclo de avanços absolutamente impressionante.

Socialmente, o Brasil mudou a sua cara. Entre 1991 e 2010, o brasileiro, que vivia até 65 anos, passou a viver 74 anos; em 2012, já vive 75 anos; ou seja, estamos falando de um país onde os brasileiros vivem 10 anos a mais. A mortalidade baixou de 30 por mil para 15 por mil. Isso resulta de uma convergência de mudanças: essas pessoas passaram a ter uma casa mais decente, a comer, são benefi ciários da expansão do serviço básico de saúde, o SUS, etc. São fatores que convergem para uma expansão do tempo de vida e para a redução da mortalidade infantil – e, convenhamos, dividir pela metade a mortalidade infantil é um gigantesco avanço. Além disso, temos um conjunto de outros números já conhecidos: a criação de 20 milhões de empregos formais e 40 milhões de pessoas que saíram da miséria.

Segundo dados do Atlas das Regiões Metropolitanas elaborado conjuntamente pelo PNUD, Ipea e Fundação João Pinheiro, houve uma redução drástica da pobreza em todas essas regiões e um aumento dos Indicadores de Desenvolvimento Básico (IDB). Mais recentemente foram divulgados os Indicadores de Progresso Social, o IPS, que acompanha 54 indicadores que são o PIB, e coloca o Brasil no 42º lugar entre 130 países, puxado para baixo essencialmente pelo problema da segurança, que é o ponto crítico e está diretamente ligado ao problema da desigualdade.

O sistema financeiro emperra a locomotiva

Escrevi um documento chamado “Bancos: o peso morto da economia brasileira”, em que eu descrevo como os juros internos da economia esterilizam as ações de política econômica social. O Rubens Ricupero e o Bresser Pereira, que foram ministros da Fazenda e entendem disso, aprovaram as minhas anotações. O capitalismo financeiro impõe severas limitações ao momento seguinte desses avanços sociais, ao avanço do Brasil em direção ao futuro. Está em curso um processo de globalização financeira mundial que torna difícil ao país adotar políticas macroeconômicas independentes e as reformas financeiras que são necessárias. Quando se cobra nos crediários mais de 100% de juros, a intermediação financeira está se apropriando da metade da capacidade produtiva da população. O imenso esforço que o Brasil fez de redistribuição e de inclusão no mercado de dezenas de milhões de pessoas, os bancos, os comerciantes com crediários, as administradoras de cartões de crédito capturaram. As instituições de crédito sugaram a capacidade de compra da população, e dessa forma esterilizaram a dinamização da economia pelo lado da demanda. Os juros para pessoas jurídicas são absolutamente escorchantes, o que trava também a economia pelo lado do investimento. Os empresários já tendem a investir pouco quando a economia está travada. Quando, ainda por cima, adquirir equipamentos e financiar empresas custa de 40% a 50% de juros, então esqueça de novos investimentos.

Veja o poder político que esses grupos têm para obrigar o governo americano, o Banco Central Europeu, Bruxelas, a encontrar trilhões de dólares em poucos meses, quando os recursos são escassos para resolver o problema da destruição ou da pobreza.

“A financeirização não é abstrata. Grupos financeiros controlam os conselhos de administração das mais diversas empresas e ditam as políticas das corporações”.

A urgente reforma financeira

Sem dúvida, são urgentes as reformas política e tributária, mas é igualmente central uma reforma financeira em profundidade. O componente rentista da crise é parte de minha análise. Na minha avaliação, o fator central dessas limitações ao futuro é que não temos mecanismos de canalização adequada dos recursos do país. O Brasil tem uma renda per capita de US$ 11 mil – e isso é um nível de renda de um país rico. O nosso país também domina tecnologias e tem instituições. Não existem razões plausíveis para a economia não funcionar. Contudo, a generalização da inclusão social e a redução dos desequilíbrios internos esbarram em razões estruturais.

O Brasil andou para frente nas últimas duas décadas

No Atlas Brasil 2013 de Indicadores de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), se compararmos os índices de 1991 e 2010, observamos avanços espantosos. Em 1991 nós tínhamos 85% dos municípios do Brasil que tinham um IDH muito baixo, inferior a 0,50. Em 2010 apenas 32 municípios estavam nessa situação, ou seja, 0,6%. Essa é uma mudança extremamente profunda e estrutural. O Brasil começou a se transformar, na fase anterior ao governo Lula, com a aprovação da Constituição de 1988, que criou regras do jogo democrático que permitiram o início dos avanços.

Foi um avanço também a ruptura com a inflação. Afinal, numa hiperinflação não se consegue fazer administração do setor público.

Tudo isso viabiliza uma série de avanços significativos na década de 1990. A partir do governo Lula isso se sistematiza, e os avanços se tornam extremamente poderosos.

Mundo em explosão

Nós estamos num ano crítico em termos mundiais. Chegamos a limites críticos de destruição do planeta. Em 40 anos, destruímos 52% da vida vertebrada do planeta. O relatório da WWF é dramático: nós estamos esterilizando solo e liquidando a cobertura florestal.

Além desses problemas na área ambiental, persistem também um conjunto deles na área da desigualdade. O relatório da Oxfam sobre a desigualdade é devastador. Nós temos 85 famílias que têm mais patrimônio acumulado do que a metade mais pobre da população, ou seja, 3,5 bilhões de pessoas. Se você junta o ambiental e o social, conclui-se que o mundo está explodindo.

Coffee Party

O Tea Party paralisa os Estados Unidos. Estes mesmos grupos estão querendo um Coffee Party no Brasil. Partem do mesmo fundamentalismo, do mesmo discurso radical conservador sem propostas. O que eles querem, afinal? Aumentar a desigualdade?

“O capitalismo financeiro impõe severas limitações ao momento seguinte dos avanços sociais, ao avanço do Brasil em direção ao futuro”.

O caminho é olhar para dentro…

Se entendermos as transformações que ocorrem interna e externamente – estamos numa crise planetária e numa volatilidade extrema, inclusive dos preços das commodities –, o caminho que temos de trilhar torna-se claríssimo. O Brasil é um país muito grande, de mais de 200 milhões de habitantes, e tem tranquilamente 100 milhões de pessoas que precisam melhorar a situação de vida. Nós temos, portanto, como crescer na fronteira interna. E quando a área externa é extremamente insegura, nada como reforçar a base interna de desenvolvimento. Isso implica manter e aprofundar as políticas de inclusão e de distribuição de renda, mas garantindo que isso ocorra simultaneamente às transformações significativas no sistema financeiro.

Um futuro em suspenso

O caminho para frente é o aprofundamento da luta contra a desigualdade por meio da inclusão produtiva, da expansão dos programas sociais e coisas do gênero. A oposição que devemos fazer nesse momento não é contra a presidente Dilma (Rousseff), mas para que ela avance muito mais e retome os processos que tinham sido anunciados.

Uma crise para travar o ciclo

A imbricação entre a situação internacional e a situação econômica interna com o seu respectivo embasamento político trava as reformas estruturais que são indispensáveis à continuidade do processo.

É um ciclo travado, mas não acho que a direita tem qualquer coisa coerente a propor. Não está conseguindo propor nada de coerente nem nos Estados Unidos, nem na França, nem na Grã-Bretanha, nem em lugar nenhum. Por todo lado está surgindo um Podemos, ou um Syriza (partido grego de esquerda). Os Estados Unidos estão paralisados em termos de capacidade de governo.

Capital financeiro contaminou a produção

O capital financeiro tornou-se hegemônico de uma maneira que desconhecíamos até 2011. Naquele ano, foi divulgado o relatório do primeiro estudo mundial sobre o sistema corporativo internacional, produzido pelo Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica (ETH), que corresponde ao MIT da Europa e tem 31 prêmios Nobel de Tecnologia, a começar por Albert Einstein. Uma fonte absolutamente inatacável.

Segundo o estudo, 737 grupos do planeta controlam 80% do valor das empresas transnacionais. Destes, 147 grupos, dos quais 75% são bancos, controlam 40% do sistema mundial. A financeirização, portanto, não é abstrata, um mecanismo diluído ou misterioso. Esses grupos financeiros controlam os conselhos de administração das mais diversas empresas e ditam as políticas das corporações. Como são grupos financeiros que têm participações acionárias poderosas em empresas produtivas,

eles dizem a essas empresas o que fazer: “Nós queremos uma rentabilidade de tanto, senão tiramos o nosso capital e quebramos a empresa”. Se uma empresa decide adotar uma política ambiental mais sustentável, ou qualquer outra coisa que pode afetar a rentabilidade da empresa, esquece.

Centenas de exemplos de fraudes das mais variadas corporações internacionais, como as cometidas por empresas farmacêuticas, de agrotóxicos ou os próprios bancos, têm o objetivo central de gerar lucros. Essa estrutura mundial de poder foi suficientemente forte para, na crise de 2008, levar trilhões de dólares de governos para socorrer os bancos que haviam se excedido nos processos especulativos e estavam desequilibrados. Um socorro para os grupos financeiros que criaram a crise.

A contaminação da Justiça

O poder das corporações está estampado na votação, pelo Supremo, da ação de inconstitucionalidade do financiamento empre-sarial de campanha. As corporações não votam nem devem ter interesses políticos próprios. É legítimo a Federação de Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) ser um instrumento de participação política das corporações. Mas uma corporação comprar um mandato para um deputado ou senador, financiando-o, certamente isso não é certo. Seis juízes do Supremo, e portanto a maioria, já votaram pela inconstitucionalidade do financiamento empresarial e um único, Gilmar Mendes, ligado a interesses evidentes, pede vistas antes das eleições. Esta única pessoa transformou radicalmente o perfil do Congresso que foi eleito em seguida, pois se tivesse sido proibido o financiamento empresarial antes das eleições, os candidatos não poderiam ter mantido o vínculo com as corporações empresariais. Isso também é uma medida do grau de aprisionamento da política pelo Judiciário, pelas corporações e pela mídia, e coloca como objetivo central das forças progressistas resgatar o processo democrático da órbita do poder econômico.

Crédito a Fernando Henrique, mas em termos

É creditado ao governo Fernando Henrique Cardoso a ruptura com o processo inflacionário, o que é correto. Mas, segundo o The Economist, em 1992 o mundo tinha 44 países com hiperinflação, e todos eles liquidaram esse problema pela razão simples de que não se abriria a eles a possibilidade de participar do sistema financeiro que se internacionalizava se não resolvessem seus processos inflacionários. A globalização financeira, a formação do sistema especulativo, a chamada financeirização era incompatível com economias que tinham moedas não conversíveis, que mudavam de valor no decorrer do dia.

A articulação do rentismo com a mídia

O maior jornal econômico do país, por exemplo, em fevereiro publicou uma matéria que contém um quadro com as projeções de inflação, com o título: “O que os economistas esperam”. E são listadas 21 “apostas” em índices inflacionários feitas por economistas de instituições. Entre eles, não tem nenhum Amir Khair, um Luiz Gonzaga Belluzzo, uma Tânia Bacelar, um Rubens Ricúpero, um Bresser Pereira ou um Márcio Pochmann; sequer um IBGE ou um DIEESE. Apenas de bancos ou consultorias ligadas ao mercado financeiro – e ambos ganham com a inflação. Esses economistas geram expectativas inflacionárias que se autocumprem, pois os agentes econômicos acompanham as expectativas e elevam preventivamente os preços.

Existe um trabalho de chantagem e contaminação pelo aceno do “risco inflacionário” – e todos sabem que a inflação é um golpe mortal em termos políticos. Esse tipo de chantagem segura o governo pelo pescoço. A inflação virou arma ideológica.

Uma crise civilizatória

Não há mais pobres como antigamente. As pessoas hoje sabem que podem ter uma saúde decente para os seus filhos, acesso à educação decente e a outros direitos. Nesse sentido vivemos uma crise civilizatória. Não é simplesmente uma crise global que o mundo enfrenta. O volume de recursos apropriados pelos intermediários financeiros seria suficiente para enfrentar tanto a reconversão tecnológica que o meio ambiente exige, com os investimentos de inclusão produtiva que a dinâmica social determina.

Isso seria conferir uma outra articulação do sistema financeiro, pois ele não é só moeda, mas o direito de alocar os recursos onde eles são necessários. A função da moeda não é a especulação financeira. Essa é a reconversão que temos pela frente, que une a oposição propositiva que queremos criar no Brasil. Daqui saíram US$ 520 bilhões para paraísos fiscais, ou 25% do PIB, dinheiro que daria para financiar Deus e o mundo.

Rentismo, um obstáculo

O rentismo é um conceito que se vincula ao mercado internacional, que gerou uma espécie de elite que vive dos juros, não da produção. E isso tem uma enorme profundidade no país. O San-

tander, por exemplo, que é um grande grupo mundial, tem cerca de 30% de seus lucros originários do Brasil. Isto é, o mercado financeiro impõe drenos e também estruturas políticas de poder que tornam muito difícil a qualquer governo gerar transformações necessárias para romper essa lógica. De, 2013 a 2014, Dilma tentou reduzir a taxa Selic e os juros de acesso de pessoas físicas e jurídicas ao crédito, e a reação foi de pressões políticas muito fortes. E é curioso como as reações se manifestam. Quando se baixa os juros, nas televisões, nas rádios, nos jornais, imediatamente se consulta os chamados economistas que dizem, “é inevitável, a inflação vai subir”. Em regra, esses economistas são todos eles de empresas financeiras.

Crise internacional não é impedimento, mas oportunidade

É esse contexto internacional que torna fundamental a adoção de medidas inclusivas, a expansão do horizonte interno econômico. É vital nos basearmos nos objetivos internos da nossa economia. Nas condições de hoje, apoiar o país no sistema internacional é suicídio. Nessa perspectiva, superdimensionar o problema fiscal pode ser um erro, pois há ralos muito maiores no sistema financeiro. O país tem que resgatar o que vaza por sistemas especulativos e para paraísos fiscais e financiar a inclusão produtiva da maioria da população.

O Brasil não está quebrado, mas sob ataque

O (Luiz Gonzaga) Belluzzo diz que as forças conservadoras estão criando, politicamente, uma crise e eu concordo. O Brasil não está quebrado. A origem desta crise não está em uma crise econômica que gera recessão. É uma crise política criada por uma elite que quer quebrar o sistema, e em grande parte está conseguindo isso.

A rigor, essa é a ação que envolve grandes interesses, em particular interesses internacionais no Pré-Sal e o interesse dos grandes bancos internacionais que querem manter a mamata da Selic elevada, pois é um grande negócio aplicar aqui e ganhar 12% de juros, enquanto os Bancos Centrais da Europa e dos Estados Unidos estão trabalhando com taxas de juros de 0,5%, quando muito 1%.

A tentativa da Dilma de reduzir a Selic a 7% e de abrir os bancos oficiais para obrigar a concorrência foi, para esses interesses, um grito de guerra. Tanto que ela teve que voltar atrás. Mas nós não podemos continuar a trabalhar para encher o bolso de dinheiro dos especuladores financeiros. Acho que esse não é apenas o objetivo da classe trabalhadora, mas dos empresários efetivamente produtivos. Não é possível desenvolver o país quando todo mundo se vê obrigado a pagar uma espécie de royalties sobre o dinheiro, aliás um dinheiro que nem é dos próprios bancos, mas dos nossos depósitos, ou então dinheiro fictício criado por meio de alavancagem.

Ou avança, ou recua. Não dá mais para ficar onde está

O Brasil vive um impasse – e, a partir desse impasse o país avança, e consolida os ganhos das últimas décadas, ou retrocede, e perde o que ganhou. Por isso considero importante unificar o debate. E estou convencido de que há muita gente que quer avançar. Muitas famílias, pela primeira vez, têm os filhos na universidade, muitas delas apenas agora conseguem alimentar os seus filhos – e todas elas são mobilizáveis. As mudanças não acabaram porque 200 mil tomaram a Avenida Paulista. Este país tem base.

Eu acho que o fato de uma parcela desses manifestantes do atraso pedirem a volta da ditadura mostra o tipo de ausência de uma visão propositiva da direita. O que eles querem? Sangrar mais os pobres, aumentar mais a desigualdade, privatizar mais?

A contaminação da política pelo poder econômico

Hoje o país tem um Congresso com uma bancada ruralista, uma bancada dos bancos, uma bancada das grandes empreiteiras, uma bancada das grandes montadoras, e você conta nos dedos quem é da bancada cidadã. A lei aprovada em 1997 que autorizou as corporações a financiarem campanhas foi um golpe terrível para o processo democrático. Não se pode qualificar de democracia o que vivemos no Brasil só porque a gente vota, porque o voto é rigorosamente determinado por uma gigantesca máquina de financiamento que vai se traduzir no tipo de Congresso que temos. Isso coloca a questão da reforma política e, em particular, o financiamento das campanhas, na linha de frente.

Nada para o planeta, tudo para os bancos

A Rio+20 teve uma grande reunião internacional que firmou como um dos objetivo levantar US$ 30 bilhões para salvar o planeta. Não conseguiu. Em 2008, em meses, os governos levantaram trilhões de dólares para salvar o sistema financeiro, se endividaram e passaram a pagar juros para o próprio sistema financeiro que foi socorrido com esse dinheiro. Esse movimento dos governos praticamente destruiu o que restava do legado da social democracia nesses países, do chamado Welfare State, ao reduzirem os direitos sociais.

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Ladislau Dowbor é professor de economia nas pós-graduações em economia e em administração da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e consultor de várias agências das Nações Unidas. Seus artigos estão disponíveis online em http://dowbor.org

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