quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Fanzines sergipanos

Fanzines são publicações amadoras e artesanais dirigidas, geralmente, a um público especifico: são produzidas por fãs para fãs – de rock, quadrinhos, ficção científica, etc. A palavra, em si, é um neologismo oriundo da união das palavras Fan(atic) e magazine, ou revista de fã(nático). O termo foi cunhado nos Estados Unidos no início do século passado e popularizado, a princípio, entre os fãs de ficção científica, mas tomou um novo impulso no final da década de 1970 com o advento do punk rock e sua filosofia “Do It Yourself”, “Faça você mesmo”. A partir daí se tornou o principal veículo de divulgação da cena do rock independente e “underground” em todo o mundo .

No Brasil os primeiros fanzines de que se tem registro datam da década de 1960 e também circulavam entre fãs de ficção científica. A partir dos anos 1980 começou a se formar uma grande rede de circulação de informações subterrâneas voltada principalmente para os universos do rock e das histórias em quadrinhos, fenômeno que perdurou até a popularização da internet, no final da década seguinte.

Em Aracaju o pioneiro neste tipo de publicação foi Silvio Campos, que já produzia seu “Arakarock” – todo feito a mão, de próprio punho – no início da década de 1980. Seu envolvimento com o punk rock fez com que iniciasse em 1986 a publicação do “Buracaju” – este já datilografado -, certamente a mais importante publicação do estilo na época. Era voltado à divulgação de bandas e do movimento anarquista e teve grande circulação nacional, via correios, sendo o maior responsável pela divulgação da embrionária cena roqueira local.

Circulava também na época o “Seduções ecológicas” – publicado por Ana Iuna, formada em biologia pela UFS –, o “Clube do ódio” – mais “cabeça”, literato, meio beat, que tinha entre seus colaboradores Helder “Podre”, hoje DJ Dolores -, “Boca Quente”, de Roberto Aquino, e o “Centauro sem cabeça”, do poeta e capoeirista Nagir Macaô. Esta movimentação acabou chegando até mim em Itabaiana, onde morava – e onde eu na verdade já publicava um fanzine, o “Napalm”, sem ter consciência disso. Eu comecei a me interessar por rock a partir do primeiro rock in rio e da leitura da revista Bizz e resolvi fazer minha própria publicação – porque tinha ciúme de emprestar minhas revistas! Como não conhecia o termo, chamava de “apostilha”.

Na década de 1990 meu fanzine passou a se chamar “Escarro Napalm”. Era xerocado e teve seis edições, com periodicidade mais ou menos semestral e tiragem de 100 a 150 exemplares distribuídos pelo correio. O número 2 foi publicado em conjunto com o “Buracaju” de Silvio. O formato era meio oficio, com as páginas dobradas e grampeadas, simulando uma revistinha mesmo. Foi o formato que Silvio também passou a adotar para seu Buracaju. Ele também publicou, na época, um fanzine maior, tamanho A4, chamado Microfonia. Silvio era um exímio diagramador autodidata: gostava de experimentar com texturas de fundo e colagens decorativas, além de usar muito bem os novos recursos que as copiadoras disponibilizavam na época, com edições em cores diferenciadas, como azul ou vermelho – às vezes duas cores numa mesma página, o que encarecia o produto, mas produzia efeitos diferenciados. Ele publicou também o fanzine “Ultralibido”, mais erótico e escrachado, e o informativo “A Bomba”, que consistia de uma única página impressa dos dois lados e dobrada em formato de folder. Este formato, mais barato tanto para copiar quanto para mandar pelo correio, foi adotado por um grupo de punks anarquistas em seu informativo “Humanismo”, que teve circulação expressiva, com numeração alta e periodicidade regular – fato raro.

Outros punks seguiram o exemplo de Silvio e passaram a publicar seus próprios fanzines no início da década de 1990. Os que mais se destacaram foram o “Brigada de resgate”, de Jall Chaves, um baiano de Alagoinhas radicado na cidade, e o “Zoada”, de Cícero “Mago”. “Mago” publicou também o “Muda Expressão”, que não tinha texto, era feito só com colagens de frases e imagens recortadas. Cícero é irmão de Jamson Madureira, notório artista gráfico que colaborava com capas de fitas demo e ilustrações para diversos fanzines – chegou, inclusive, a ilustrar dois livros, do poeta Araripe Coutinho e do depois ministro do Supremo Carlos Ayres de Brito. No final da década de 1990 Madureira costumava aparecer esporadicamente pelas ruas da cidade com mais uma edição das histórias em quadrinho de seu personagem fixo, “Automazzo”. “A Amante do mutante”, a primeira, é antológica, marcou época.

A primeira metade da década de 1990 foi a mais rica para os fanzines em Aracaju. A partir da troca de idéias entre malucos das mais diversas tribos urbanas que freqüentavam as escadarias da Catedral e as lojas “Lókaos” e “BR Records”, especializadas em rock underground, foram surgindo publicaçãoe como “Furúnculo no cérebro” - uma publicação da “Zé Guiaba produções artísticas”, de Teleu; “Entropia indiscreta” e “Acatalepsia”, de Furia; “Sinagoga´s Butterfly” - mais “cabeção”, voltado para a filosofia e a literatura, publicado a seis mãos por Dani Maya, Sérgio “Dedão” e Clarck Bruno; “Mouth Stranger”, de Estranho e Carlos “Mouth” - que focava no Heavy Metal; e o maior e mais célebre de todos, aquele que alcançou visibilidade nacional e é considerado até hoje um dos melhores fanzines já publicados no Brasil: o “Cabrunco”.


O “Cabrunco” era o que se chamava na época de “pro-zine” – mais profissional, com cara de revista. Era editado, principalmente, por Adolfo Sá, que posteriormente se formou em jornalismo pela UFS – seu TCC foi sobre fanzines -, com a ajuda de Rafael Jr., baterista da Snooze, nas sessões dedicadas à musica, e de Marcio “de Dona Litinha” – hoje vocalista da Naurêa – falando de literatura. Foi xerocado até o número 6. O número 7 teve capa colorida e foi impresso na Gráfica Digital. O 8 na Gráfica da UFS. Era bancado, principalmente, por anunciantes, por isso tinha uma tiragem bem maior que o usual. Chegou a chamar a atenção da imprensa nacional, sendo eleito, ao lado do “Papakapika”, do Paraná, um dos dois melhores fanzines do Brasil. Não se prendia a um tema específico, mas dava grande destaque à cena roqueira local, com resenhas de shows, discos e fitas “demo”. Publicou entrevistas antológicas com Mundo livre S/A e Zenilton, que eles encontraram por acaso, de “rolê” na rua – ele morava em Aracaju. Em pleno auge de sua redescoberta via Raimundos, o forrozeiro veterano, rei do duplo sentido, foi emparedado pelos “cabrunquentos” e se saiu com pelo menos uma declaração bombástica – e antológica: “Eu tô achando é bom que esses minino novo me descobriram. Agora quero aproveitar o sucesso, quero mais é morrer emaconhado e com AIDS, comendo essas minina novinha”. Todas as edições do “Cabrunco” estão disponíveis para download em pdf no blog de Adolfo, http://blog.vivalabrasa.com

Surgiu também, nesta época, um fanzine no interior, o “Putrefy”, publicado em Estância por Alberto “Pereba” – que hoje, atente o estimado leitor para as voltas que o mundo dá, é padre! Era escrotíssimo, com sátiras engraçadíssimas, algumas “impublicáveis” em qualquer veículo minimamente respeitador da moral e dos bons costumes. Sua personagem “Jezebel, a puta”, era antológica! Já na primeira década do século XXI aconteceu uma interessante movimentação “fanzinística” em Itabaiana, com títulos como “Xibiu”, “100Palavras”, “Rosebud”, “Vitrola de papel”, “The Cool Megafun Zine”, “Fun Zine” e “Tico Tico no Fullbach”, que iam da poesia – Samara era a musa local desta seara – ao rock de garagem, passando por muita polêmica e fofoca. Foi uma época intensa na cidade serrana, com toda uma movimentação roqueira underground gravitando ao redor dos shows que aconteciam no Bar “Casagrande”, uma espécia de CBGB “ceboleiro”, com bandas como Karranca, Dr. Garage, Urublues e Carburadores.

Com a popularização da internet a circulação de fanzines xerocados pelo correio foi minguando até praticamente desaparecer. No limiar do novo século poucos nomes surgiram por aqui – lembro apenas do “Cartão Postal”, que era publicado por Duardo Costa e Carol. Até Silvio, incansável, parou de “fanzinar” - sua última publicação, "Boogie Hooker", era dedicada ao blues e distribuída nos shows de uma de suas bandas, a Máquina Blues. Mas há resistência: um jovem franzino e entusiasmado chamado Aquino Neto tomou gosto pela coisa através da “fanzinoteca” improvisada que o “velho guerreiro” manteve por algum tempo em sua loja, a “Freedom”, e passou a publicar um novo fanzine chamado “Guerrilha”, todo feito à mão. Recentemente lançou o “Linhas Tortas”, muito melhor elaborado, e segue na atividade com uma distribuidora de publicações alternaticas chamada “Café com veneno”, onde publica, dentre outros, os desenhos do talentoso itabaianense Maicon Rodrigues. Também em Itabaiana temos Adilson Lima, que produz quadrinhos divertidos e ilustrou a capa do novo disco da banda de Thrash metal sergipana Berzerkers. 

É importante dizer, no entanto, que a movimentação "fanzineira" diminuiu mas não acabou de vez: "vira e mexe" me deparo, na Freedom, com alguns fanzine novos produzidos no velho esquema, xerocados, como “O Velho punk”, do veterano Robério “Nininho”, "Páginas Sujas", de Alécio, e "Kaos Universal", do casal Kelly(que também é de Itabaana) e Renan - moram em São Cristóvão, cidade histórica que faz parte da região metropolitana de Aracaju. Em shows de rock eles também costumam dar as caras, eventualmente - alguns muito caprichadinhos, como o "Ouija", de Marcio Tiago, outros rápidos, rasteiros e panfletários, geralmente pequenas publicações punks e feministas.

Recentemente estive numa feira de publicações alternativas no Museu da Imagem e do som de São Paulo, a “Feira Plana”. Nem sabia que existia, mas existe, e é impressionante: muita gente! Cheguei atrasado para uma palestra sobre a série “Zine é compromisso”, da revista Vice, que havia me entrevistado. Ao me ver por lá, o camarada Marcio Sno – maior pesquisador e divulgador do universo “fanzinistico” no Brasil – passou a me apresentar aos amigos como “uma lenda viva, o cara que foi mencionado no auditório, que fazia fanzine sem saber o que era fanzine no interior de Sergipe na década de 1980”.

O mundo, realmente, dá voltas.

Da revista "Cumbuca"

A.

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quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

200 Anos de "Frankenstein" - Em 1 de janeiro de 1818 foi publicada uma modesta edição do mítico romance em que uma precoce Mary W. Shelley moldou os dilemas e avanços de sua época

Frankenstein nasceu de algo mais do que o desafio de Lord Byron ao lado de uma chaminé com vista para o lago Léman no verão mais frio do século XIX. Tudo o que foi depositado por Mary Wollstonecraft Shelley na narração que deu à luz um mito universal – inspirador de quase mil obras entre o cinema, o teatro e os quadrinhos – tem relação com as circunstâncias extraordinárias que a cercaram desde que nasceu em 30 de agosto de 1797 em Londres. Ao seu redor o velho mundo havia se fragmentado após várias revoluções. A industrial se encontrava em plena excitação graças ao aperfeiçoamento da máquina a vapor de James Watt. A política digeria a overdose de guilhotina de Robespierre e companhia abraçando a volta da ordem. As ideias e a ciência (ainda chamada filosofia natural) estavam igualmente agitadas, com as teorias de Lavoisier que inauguram a química moderna e as expedições aos polos para se aprofundar no magnetismo. E todas aquelas revoluções tomavam chá em sua casa atraídas por seu pai, o romancista e filósofo radical William Godwin (1756-1836), partidário da abolição da propriedade e contrário a toda forma de governo. O primeiro anarquista.

O próprio entorno doméstico é forjado contrário à convenção. Godwin vivia com sua segunda esposa, Mary Jane Clairmont, e cinco filhos de diferentes origens biológicas no que hoje seria uma moderna família reconstituída. Mary W. Shelley cresce marcada pelo pensamento de sua mãe, a escritora e filósofa Mary Wollstonecraft (1759-1797), que a convida a formar-se como uma cidadã consciente em vez de uma esposa submissa. Uma mãe ausente, cujo túmulo era um local frequente de leitura. A autora transportará sua experiência de orfandade à criatura literária, que espalha dor e morte porque não tem quem a queira.

Em 1792, após o sucesso de um ensaio em defesa da Revolução Francesa, Mary Wollstonecraft publicou Uma Reivindicação pelos Direitos da Mulher, onde exigia a educação às meninas: “Para fazer o contrato social verdadeiramente equitativo, e com a finalidade de estender aqueles princípios esclarecedores que só podem melhorar o destino do homem, deve permitir-se às mulheres encontrar sua virtude no conhecimento, o que é praticamente impossível a menos que sejam educadas mediante as mesmas atividades que os homens”. É considerado o primeiro tratado feminista, paralelamente à Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã escrita pela francesa Olympe de Gouges, decapitada em Paris por querer levar os direitos humanos longe demais.

Se o pensamento de Mary Wollstonecraft era transgressor em si mesmo, sua vida encarnou vários mitos românticos por seus desamores e suas duas tentativas de suicídio. Entre o episódio do láudano e o do rio Tâmisa viajou pela Escandinávia com sua primeira filha, Fanny, e uma babá. Da experiência sairia um livro de viagens que entusiasmou William Godwin: “Se alguma vez foi escrita uma obra com a intenção de que um homem se apaixonasse pelo autor, acho que é essa”. Os dois escritores se tornam amigos, amantes e, por último, cônjuges entre chacotas da imprensa conservadora (Godwin havia se manifestado contra o casamento em escritos públicos). Na quarta-feira 30 de agosto de 1797 nasce a única filha do casal, Mary. A filósofa passou as contrações lendo em voz alta Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Goethe, com seu marido. O mesmo livro que no futuro será apreciado por uma criatura de dois metros e meio de altura e lábios negros.

Mary talvez não tenha sido educada como teria desejado sua mãe, que faleceu 11 dias após o parto, mas seu pai estimulou seu intelecto desde o começo. Os biógrafos sugerem que cresceu com mais pensadores do que afetos. “Ela frequentemente sentia-se sozinha e carente de um sentimento de identidade familiar”, diz James Lynn, “as relações com a segunda esposa de seu pai eram pobres, e mesmo que Godwin tenha lhe dado uma boa educação, não deu atenção às suas necessidades emocionais”.

Mary podia ouvir em sua casa o poete Samuel Taylor Coleridge, o inventor William Nicholson e o químico Humphry Davy. Seu pai a levava em conferências sobre eletricidade e para tomar chá com o divulgador do vegetarianismo John Frank Newton. Todo esse magma individual e criativo deixou marcas em Frankenstein: o capitão Walton faz referência a um poema de Coleridge (‘A Balada do Velho Marinheiro’) e o gigante mata, mas é vegetariano. Um velho amigo de Godwin é apresentado no começo do romance: “Na opinião do doutor Darwin, e de alguns fisiologistas da Alemanha, os acontecimentos em que a presente ficção é baseada não são inteiramente impossíveis”.

O médico e naturalista Erasmus Darwin, defensor de uma teoria sobre a origem única da vida e avô do autor de A Origem das Espécies, também será evocado em Villa Diodati no frio verão de 1816. Horas antes de Mary ter a visão que alimenta Frankenstein, os poetas Lord Byron e Shelley recordam um de seus supostos testes, como relata a própria escritora: “Ao que parece havia conservado um pouco de massa em um pote de vidro, até que, por algum extraordinário processo, aquilo começou a se agitar com um movimento autônomo. (...) Talvez um cadáver pudesse reviver, o galvanismo deu provas de coisas semelhantes: talvez as partes que compõem uma criatura possam ser construídas, e depois possam ser reunidas e dotadas de calor vital”. A grande pergunta que se faz Victor Frankenstein – “Onde estará o princípio da vida?” – era a grande pergunta da época.

Diante da falta de respostas precisas, os substitutos triunfam. A eletricidade vive seu momento de glória desde meados do século XVIII. As descobertas científicas de Benjamin Franklin, Luigi Galvani e Alessandro Volta convivem com a prestidigitação ambulante. Em seu ensaio Mulheres e Livros, o editor Stefan Bollman recria um popular espetáculo de “aparelhos elétricos”: “Colocavam em funcionamento as rodas de suas máquinas eletrostáticas e enviavam descargas elétricas através das mãos de uma cadeia humana. Suspendiam uma pessoa de tal forma que levitava e faziam com que sua cabeça brilhasse”.

Até mesmo Percy Bysshe Shelley entrou na onda da eletricidade em Oxford, como detalha Charles E. Robinson, principal especialista na obra de Mary W. Shelley, em sua introdução a uma edição anotada para cientistas e inventores publicada em comemoração ao bicentenário da criação da obra: “Construiu sua própria pipa elétrica, fez faíscas saltarem de um aparelho elétrico e até armazenou o fluido da eletricidade em garrafas de Leyden: esses testes servem de base às experiências elétricas do pai de Victor, Alphonse, em Frankenstein”.

O poeta Shelley também acabaria frequentando a ágora doméstica de William Godwin, atraído pelo pensamento de um filósofo quase mais célebre por controvérsias públicas como a que manteve com Malthus do que por seus densos tratados políticos. Percy também era especialista em controvérsias: casou-se apesar da oposição de sua influente família e acabava de ser expulso de Oxford por fazer propaganda do ateísmo. Mary tinha 16 anos quando foge com ele, mas voltam logo por falta de dinheiro. A partir daí suas biografias alimentam o mito do casal perfeito do romantismo, com uma sucessão de sucessos literários e cadáveres jovens: só um de seus quatro filhos sobrevive e, aos 29 anos, Percy B. Shelley se afoga na Itália. No futuro a escritora se afastará da condição de maldita e se preocupará em obter a aprovação social para ela, seu único filho e o poeta morto.

Mas quando Mary W. Shelley escreve seu relato em 1816 para a competição sobre histórias de fantasmas, convocada por Lord Byron no verão mais frio do século, tem somente 18 anos, um bebê vivo e outro morto, e uma relação escandalosa que acabará com o suicídio da primeira esposa de Shelley. Ignora que está forjando um mito universal e que, naquela família onde só contavam os que tinham méritos literários, ultrapassará a popularidade de todos eles.

Em 1 de janeiro de 1818, quase dois anos depois da estadia no lago Léman, é publicado Frankenstein ou o Prometeu Moderno com uma tiragem de 500 exemplares. Não tem assinatura. A mão de Percy B. Shelley (que fornece correções ao manuscrito) chega a ser especulada. Mas se algum incrédulo sobreviveu nesses 200 anos, perdeu a última esperança em 2013. Nesse ano foi leiloado por 477.422 euros (1,9 milhão de reais) um exemplar da primeira edição dedicada a Lord Byron “pelo autor”. A letra foi autentificada como a de Mary W. Shelley.

Na segunda edição de 1823 (de tiragem semelhante à anterior), a escritora se identifica. Em apenas três anos são feitas 10 adaptações teatrais diferentes, incluindo finais paródicos sobre a morte da criatura, que irá se afastando-se de seu cultivado espírito original – lia Plutarco, Milton e Goethe – para transformar-se no imaginário coletivo em um monstro de parafuso na cabeça e um tanto bobalhão. A obra se emancipa da autora. Seus leitores encontram em Frankenstein o que precisam: terror gótico, antecipação da ficção científica e um dilema ético sobre os limites da ciência.

No dia de Halloween de 1831 é lançada uma terceira edição de 4.020 exemplares. A escritora introduz mudanças e cala os céticos: “Certamente, não devo ao meu marido a sugestão de nenhum episódio, nem sequer de um guia nas emoções e, entretanto, se não fosse por seu estímulo, essa história nunca teria adquirido o formato com o qual se apresentou ao mundo”. Assina sua introdução como M.W.S., mas a história da literatura prescindirá do sobrenome materno.

Mas somente rastreando suas origens familiares e as circunstâncias dos primeiros anos de sua vida pode-se responder à pergunta que tantas vezes fizeram a Mary W. Shelley: “Como é possível que eu, à época uma jovenzinha, pudesse conceber e desenvolver uma ideia tão horrorosa?”.