segunda-feira, 27 de abril de 2009

Itabaiana rock

por Adelvan Kenobi

Segundo Sabotagem Rock Festival

Bem ou mal no interior de Sergipe, em termos de rock, é em Itabaiana que as coisas acontecem. Nossa Senhora da Gloria tem o Festival Rock Sertão, uma vez por ano, Lagarto teve (ou tem, não sei ao certo) o Lacertae, provavelmente a banda sergipana de maior projeção nacional, e aqui e ali, em Tobias Barreto, Estância, Poço Redondo ou Itabaianinha, há uma ou duas bandas, geralmente de metal (e geralmente com seu repertório calcado em covers), mas em Itabaiana há uma movimentação mais constante. Pode-se dizer até que há, lá, um “esboço” de cena, fruto do esforço de alguns abnegados (eles, sempre eles) que insistem em nadar contra a maré.

No dia 27 de março de 2009 alguns desses abnegados organizaram um evento para lembrar a passagem de um ano da morte de Adelardinho jr., um “maluco beleza” que tinha um programa de rádio numa das FMs locais e que sempre tocava rock em sua programação. Batizaram o evento de Segundo Sabotagem rock Festival (o primeiro havia sido organizado pelo próprio Adelardo, ainda nos anos 90) e chamaram para tocar 4 bandas de Aracaju e uma local, de Itabaiana, a Perrengue.

Cheguei por volta das 11 da noite à Associação Atlética de Itabaiana, tradicional clube social local onde ocorreria o show, e me surpreendi com a movimentação de carros e pessoas. Algo estava estranho, um show de rock, lá, não tem potencial para atrair tanta gente, e não aquela gente. Me informo e descubro que a diretoria do clube havia marcado outra festa, regada a pagode, axé e demais ritmos mais, digamos, “normais”, para o mesmo dia e horário. Mas o rock aconteceria de qualquer forma, já que tradicionalmente já vinha ocorrendo na boate da Associação, que fica num ambiente à parte. Beleza, então vamos lá. Comprei meu ingresso e adentrei o recinto, especialmente quente e abafado por conta do isolamento da porta principal para separar os ambientes, mas fiquei feliz em constatar que ia dar pra rolar a festa, pois o potente som que rolava fora não interferia lá dentro.

A primeira banda a se apresentar, já perto da meia noite, foi o Nucleador. Não entendi o porque do atraso, imensamente prejudicial para as últimas bandas a se apresentarem, pois fatalmente iriam tocar com o dia amanhecendo e o publico cansado. Mas o que importa é que rolou, e o Nucleador, uma banda nova com um imenso potencial, impressionou a todos que os viam pela primeira vez com um set preciso e avassalador calcado quase que totalmente em composições próprias, algo que infelizmente está se tornando raro hoje em dia. A única exceção (que eu tenha identificado, pelo menos) foi um cover do Misfits, mesmo assim bastante adaptado ao estilo deles. Fazem um thrash “old school”, sem concessões a modernidades diluidoras, e agradaram muito ao sedento publico adepto do “rock pesado”, tanto o local quanto os (muitos) que haviam se deslocado até lá vindos de Aracaju, mesmo com a greve dos coletivos a todo vapor. Na seqüência entra uma banda que eu deduzo que seja o UNDEAD (não se apresentaram nem foram apresentados, então só posso especular baseado nos nomes constantes no cartaz). Ousados, já começaram de cara com uma cover de nada mais, nada menos que “painkiller” do Judas Priest. E foi horrível. O som, extremamente mal equalizado, deixava os vocais no talo e as guitarras apagadas e emboladas, um pecado supremo em termos de rock e, especialmente, Metal. Meus ouvidos doíam a cada tentativa do vocalista soar como algo parecido com Rob Halford, mas fazer o que, o publico, majoritariamente composto por adolescentes bêbados sedentos de metal, parecia não estar nem aí para aquele assassinato e curtiam e pogavam e improvisavam mosh em “camas de gato” e cantavam junto, então a banda, incentivada, tocou muito. Mas MUITO MESMO, e estou falando em termos de tempo, não de qualidade. Com desprazer notei que se tratava de uma banda cover e me retirei do recinto quando o vocal perguntou se alguém ali curtia King Diamond – eu não gosto (embora respeite) do original, que dirá de um cover esganiçado executado numa aparelhagem ruim e mal equalizada. Resolvi poupar meus ouvidos e aproveitar para tomar um arzinho. Voltei, MUITO TEMPO DEPOIS (porque a banda tocou MUITO, como disse) para ver um pouco do Metallica cover. Pelo menos estes têm competência e se restringem ao Metallica dos bons tempos, dos três primeiros discos, o que faz deles uma banda cover conceitualmente menos irrelevante. O som continuava uma merda e eu resolvi continuar poupando meus ouvidos e trocando idéias com camaradas que eu raramente encontro.

Por conta do enorme atraso provocado, entre outras coisas, pela insistência de um dos próprios organizadores para que as bandas de metal tocassem mais e mais, num evidente desrespeito às demais bandas que haviam sido convidadas para o evento, a Cessar Fogo só foi se apresentar, previsivelmente, com o dia quase amanhecendo, o publico cansado e o encarregado do som de má vontade – ele inclusive já estava se preparando pra desligar tudo, não havia sido informado que haviam mais bandas a se apresentar. E lá foi a Cessar Fogo (que normalmente é uma excelente banda ao vivo) dar seu recado para quase ninguém e com a aparelhagem cansada e saturada. Fizeram uma apresentação de razoável para ruim, natural pelas condições adversas, e assim encerraram a noite - A banda local há tempos já havia desistido.

Apesar dos muitos problemas, muitos deles fruto da aparente inexperiência (ou falta de noção mesmo) dos promotores, outros de boicote motivado por puro preconceito, o evento rolou e foi um relativo sucesso. Na verdade mesmo hoje em dia, em pleno século XXI, se mobilizar para construir algo relacionado ao rock no interior do estado requer muito esforço e merece aplausos. Que venham outros.



ITABAIANA ROCK

O Segundo Sabotagem Rock Festival foi apenas uma continuação natural de uma movimentação que existe em Itabaiana desde antes de muitos dos presentes àquela noite terem nascido. Vale a pena lembrar o que já rolou por lá em termos de cultura alternativa ...



Já há algum tempo vinha acontecendo, uma vez por mês, alguns shows ali mesmo, na Boate da Associação Atlética de Itabaiana. Eram organizados por Maicon “stooge”, vocalista e guitarrista do Dr. Garage Experience. Tratava-se de um projeto, infelizmente suspenso por tempo indeterminado, chamado Sexta cultural, que exibia filmes independentes todo final de semana e, uma vez por mês, como já citado, levava bandas de Aracaju e até de outros estados para se apresentarem por lá. Por conta dessa nobre iniciativa, pelo palco da boate já passaram o Mahatma Gangue, do rio Grande do Norte, The Renegades of Punk, Jezebels, Mamutes, O Murro e The Baggios, entre outros. O show do The Baggios, dos que vi, foi especialmente empolgante. Lembro que saí para procurar um lugar para lanchar e o clima estava “morgado”, mas me surpreendi ao voltar, pois a banda havia conseguido levantar a galera e colocado para dançar ao som de seu “boogie vigarista” até o mais “rabugento” dos “headbangers” locais.

Mas antes da “Sexta Cultural”, o cenário estava um tanto quanto parado por conta do fechamento do principal “point” local para shows alternativos, um bar localizado na entrada principal da cidade chamado Casa Grande. Esse bar costuma ser lembrado como “o CBGB itabaianense”, pois foram muitos os shows que lá aconteceram, em noites de festa organizadas principalmente pelo pessoal da Urublues com bandas de Aracaju e do interior do estado como convidados. Alguns outros também se arriscaram a produzir eventos no Casagrande, notadamente Ramon Franklin e seu “pré-Natal”. Quando o local fechou suas portas, os produtores passaram a procurar outras opções para as chamadas “festa de rock”. E acabaram aportando na AAI, não na boate, mas no salão principal do clube, onde nos anos oitenta, aos sábados, aconteciam os tradicionais “bailes dançantes”. Foram inclusive eventos relativamente grandes, alguns promovidos pelo programa Radiola (que era veiculado pela mesma radio que abrigava o Sabotage, a Princesa FM), notadamente um acústico que teve a presença da banda paraibana Star 61. Numa outra memorável ocasião, desta vez sob a produção de Fabio da Urublues, os cariocas do Jason se apresentaram pela primeira (e única) vez na cidade. Aconteceram também shows da Rockassetes, antes de partiram para São Paulo, na AABB e na Sede dos Trabalhadores, que foi, por sinal, o local do primeiro Festival de rock underground ocorrido na cidade, ainda no inicio dos anos 90, e sobre o qual discorrerei mais adiante. Vale lembrar também a interessante movimentação de fanzines que aconteceu por lá nesta década de 2000. Foram vários, produzidos e distribuídos localmente, alguns com uma qualidade acima da media, como o Xibiu, o Fun Zine e o Vitrola de papel, além do The Cool Magafun Zine, o ticoticonofullbach e o 100 palavras, este mais voltado para a poesia.

(Na imagem, Karranca, em caricatura) Capitaneando essa pequena cena de shows e publicações independentes estavam principalmente os membros das bandas da cidade. É a velha máxima do “faça você mesmo” punk finalmente dando alguns frutos no agreste sergipano. A formação mais antiga ainda em atividade por lá é o Urublues, fundada ainda no inicio dos anos 90, mas que só começou a fazer shows com certa regularidade já no século XXI. Paralelo a eles existia (e vai voltar a existir, já que há noticias de que estão voltando depois de longo hiato, inclusive com uma apresentação de reestréia já marcada para 8 de maio próximo) o Karranca, cujo som era um rock com pitadas de musica regional, notadamente maracatu e repente, um evidente reflexo da influência do mangue beat pernambucano. Urublues e Karranca são verdadeiras instituições da “cena alternativa” itabaianense, contando inclusive com alguns hits locais, musicas sempre pedidas nos shows e conhecidas de todos, como “sangue na feira” e “homem tambor”, do karranca, e “Mulher de seda”, “sem defesas”, “conversando com as baratas” e “boogie vigarista”, entre muitas outras, da Urublues. As duas bandas são capitaneadas pelo excelente guitarrista Ferdinando, e deram frutos: Maicon “stooge”, que tocava baixo na karranca, acabou se tornando um guitarrista especializado em riffs garageiros, e montando bandas nessa linha, inspiradas em MC5, Stooges e Thee Butchers orchestra. Foram várias, com destaque para Psicosônicos, Carburadores e Dr. Garage Exp. – esta ultima em plena atividade.

O que poucos sabem é que, antes mesmo dessas bandas surgirem (ou saírem da garagem e se tornarem mais visíveis aos olhos de todos), existiu uma banda de Death Metal na cidade, nos anos 90. Chamava-se Devilry e chegou a gravar uma demo e organizar alguns shows por lá, um deles com a presença do The Cross, de doom metal, da Bahia. A Devilry fez algumas apresentações ao vivo, quase todas lá mesmo, em sua cidade natal, e tocou apenas uma vez em Aracaju, no saudoso Mahalo Disco club, no centro. Participaram também do primeiro Sabotage rock Festival, que foi um evento impressionante organizado por Adelardo jr. e pelo programa Sabotage em plena praça de eventos de Itabaiana (espaço publico, administrado pela prefeitura) e transmitido ao vivo por uma das FMs locais. Na outra Estação, a Itabaiana FM, havia outro programa dedicado ao rock. Chamava-se GUILHOTINA e era capitaneado por Ademir Pinto com a produção se alternando entre vários colaboradores (eu, inclusive). Chegou-se a se cogitar um Festival para o Guilhotina nos moldes do que foi feito pelo Sabotage, mas o projeto não recebeu apoio e acabou abortado. Em todo caso, fizemos uma Festinha improvisada num depósito de madeira com aparelhagem de ensaio e a participação das bandas Los Repugnantes, Karne Krua e ETC, todas de Aracaju.

Além da Devilry existia na época a banda grindcore/noise Putrefação Humana, que foi fundada em Alagoas por Ricardo “core” mas atuou em Itabaiana quando o mesmo morava lá. A PH, como era chamada, pregava o niilismo não fazia shows. Apresentou-se em público apenas uma vez, numa “gig” organizada por eles mesmos na garagem onde ensaiavam. Mas antes mesmo de existir qualquer banda em atividade na cidade, já existiam pessoas que se mobilizavam para promover eventos e levar para lá bandas de Aracaju e de fora do estado. Os shows aconteciam principalmente no Aruanda Clube e na Sede dos Trabalhadores, mas ficou célebre um que ocorreu no Conjunto Habitacional, em pleno período de natal, com várias bandas de Aracaju (e a Devilry, se não me falha a memória). A Realidade encoberta, de Pernambuco, chegou a tocar em Itabaiana, numa mini-tour que fizeram pelo estado junto com a Anal Putrefaction. Aconteceu na Sede dos Trabalhadores, o mesmo local onde presenciamos, algum tempo antes, o primeiro Festival de rock “underground” da cidade, com a presença das bandas (todas de Aracaju) Karne Krua, Cleptomania e ETC, entre outras. Por pouco este primeiro show não contou também com a presença de um grupo local, pois eu e Carlos Magno, um amigo de longa data, havíamos tentado, um ano antes, “fazer um som”. Economizamos dinheiro e compramos uma guitarra e uma bateria. O protótipo de banda chamava-se Nora Kuzma, em homenagem à nossa musa máxima do cinema pornô, Traci Lords (Nora Kuzma era seu nome de batismo). Fizemos “um som” – horrível, mas fizemos. Este projeto rendeu apenas um polêmico release que circulou bastante, inclusive fora do estado, já que eu começava a fazer contatos pelo Brasil, dando a (falsa) impressão de que a banda existia de verdade. Rendeu também algumas reclamações e ameaças por parte da vizinhança, feito do qual nos orgulhamos bastante. De minha parte, concluí definitivamente que não tinha o menor talento musical. Mas Magno acabou se tornando o baterista e um dos membros fundadores da Urublues, o que, na minha humilde opinião de apreciador da cultura “underground”, já é um feito e tanto - até porque, com a Nora Kuzma, não tínhamos objetivo nenhum além de fazer barulho e se divertir. Era tudo feito “nas coxas”, “just for fun”. Magno se revelou também, posteriormente, um excelente letrista e foi vocalista da Karranca e do Psicosônicos, além de ter publicado alguns fanzines memorávis que poucos leram, mas que quem leu, não esqueceu. Eu também tive meus bons momentos como vocalista da ETC (também rebatizada, em algumas ocasiões, Nora Kuzma e 120 Dias de Sodoma), organizando shows, editando meu fanzine Escarro Napalm, viajando para ver shows graças aos contatos feitos através dos zines e, agora, produzindo o programa de rock. Pensando bem, não foram em vão aquelas tardes calorentas naquela garagem empoeirada na periferia de Itabaiana . Que bom que eu já vivi tempo suficiente pra chegar a esta conclusão ...

Tudo isso aconteceu nos anos 90 e 2000. Na década de 80 não havia praticamente nada. Mas como bem dizia aquela frase de uma campanha de fim de ano da Rede Globo, “o que a gente não inventa, não existe”. Eu e mais alguns amigos tentamos inventar algo. Publiquei o que talvez tenha sido o primeiro fanzine da cidade, o polêmico Napalm, que posteriormente (já em Aracaju) virou Escarro Napalm. Eu era um moleque adolescente um tanto quanto inconseqüente e confuso como os moleques adolescentes costumam ser e não tinha muita noção do que fazia, sabia apenas que queria fazer alguma coisa, fugir daquela pasmaceira conservadora que imperava ( e que infelizmente, ao que parece, ainda impera ) por lá. O fanzine era desbocado e “abusado”, cheio daquela arrogância típica da idade em que a gente acha que sabe de tudo mesmo sem saber praticamente nada - antes de descobrir a máxima “sei que nada sei”. Mas justamente por estar pelo menos tentando construir algo (mesmo que eu não soubesse exatamente o que), acabei conquistando algumas amizades - e inimizades também, pois como bem dizia Nelson Rodrigues, “toda unanimidade é burra”. O NAPALM chamou a atenção inclusive de alguns caras de Aracaju, Passos e Roberto Aquino, da loja Distúrbios Sonores (faziam também um programa muito bacana na Atalaia FM, o “Rock Revolution”), e Sylvio, da Karne Krua. Os caras da loja me ajudaram bastante – Passos trabalhava na prefeitura e conseguiu pra mim uma tiragem de 100 cópias xerocadas de graça, o que ampliou muito o alcance da “apostila”, como eu o chamava, já que eu nem sabia o que era um fanzine. Foi Sylvio, já “macaco velho” na cena, quem me explicou, e enviou para mim vários zines e panfletos punk que me influenciaram bastante. Graças a atitudes como estas eu pude escapar daquele mundinho provinciano ao qual me sentia preso, contando os dias até chegar algum disco que eu havia encomendado na Wop Bop de São Paulo pelo correio (lembro como hoje o dia em que recebi o pacote com o “Orgasmatron” do Motorhead) ou esperando por algum show da banda Circuito Musical na Atlética – a única que baseava sua apresentação em covers de clássicos do rock. Somente os mais populares, evidentemente, tipo “still loving you” do Scorpions, “stairway to heaven” do Led Zeppelin e “smoke on the water” do Deep Purple, mas pra mim, morando onde morava e naquela época, já estava de bom tamanho. Era melhor do que nada.

(Abaixo, Urublues "on stage")









quarta-feira, 22 de abril de 2009

“We are Motorhead and we play rock and roll”



Por Adelvan Kenobi

Eu defini minha ida ao Abril pro Rock 2009 ainda em dezembro de 2008, quando foi anunciada a presença do Motorhead. A partir dali, o que viesse era lucro: o festival já valeria a pena apenas para ver a legendária banda do Sr. Lemmy Killmister. Para minha surpresa, foram anunciados ainda shows do Iron Maiden e do Morbid Angel, duas outras bandas seminais em seus respectivos estilos, mais ou menos na mesma data, e no Hellcife (nunca esse apelido foi tão apropriado). Mas em nenhum momento eu pensei em trocá-las pelo Motorhead. Cheguei a cogitar ir ao Iron Maiden TAMBÉM, o que infelizmente não foi possível, mas o compromisso do dia 17 de abril era sagrado.

E eis que chega o dia. Vencidas as tradicionais nove horas de carro pela BR 101 lotada de caminhões carregados e lentos e obras de duplicação e recapeamento, lá estávamos nós, em frente ao Chevrollet Hall. A aglomeração de camisetas pretas, headbangers ensandecidos bebendo e batendo cabeça ao lado de carros de som e camelôs vendendo souvenirs ainda era discreta, o que é natural, pois a maioria chega mais tarde, para ver apenas as atrações principais. Já a quantidade de cambistas era considerável, de onde se intuía que esperavam um bom publico para aquela noite.

Chegamos cedo mas ainda assim atrasados, pois perdemos a primeira banda, o AMP. Quando adentramos no recinto o palco secundário estava ocupado pelo Black Drawing Chalks, de Goiânia. Boa banda, esporrenta, garageira e com letras em inglês, na melhor tradição do rock independente que é feito na Capital de Goiás. Mas o que chamou mesmo a atenção foi o palco em si, que foi montado no local onde originalmente fica um dos telões. Como opção estética foi positivo, pois ficou interessante de ver, de um lado, um telão mostrando o show, e do outro, onde estaria o outro telão, o show propriamente dito. O único inconveniente é que ficou muito alto, distante do publico. Dava a impressão de que a banda estava tocando numa gaiola.

Na seqüência o palco principal, que já ostentava um belíssimo pano de fundo reproduzindo a capa de Motorizer, ultimo disco do Motorhead, foi tomado pelo Matanza – mais uma vez sem Donida (guitarrista e mentor da banda), o que me deixou surpreso, pela carga simbólica do momento – pelo menos eu imagino que seja bastante interessante, para qualquer banda, abrir um show do Motorhead. Mas enfim, o vocalista Jimmy faz as honras da casa dando “a César o que é de César” e falando ao microfone que “todos vieram aqui para ver a melhor banda de rock and roll do mundo, mas antes vamos dar para vocês um pouco de Matanza”. E tivemos um show do Matanza, igual a todos os outros shows do Matanza. Como eu já tinha visto dois recentemente aqui mesmo em Aracaju, aproveitei o momento para visitar as já tradicionais barracas de souvenirs e demais produtos “alternativos”. O Abril pro rock já foi bem melhor nesse quesito, mas até que a noite estava razoavelmente bem servida: stands de camisetas, revistas, de uma “comic shop” (na qual eu presenciei o figuraça Carlos Eduardo Miranda comprando DVDs piratas de clássicos da Hanna Barbera como Might Thor, Herculoides e Space Ghost) e o maravilhoso e persistente stand da Monstro Discos, com sua incrível quantidade e variedade de discos independentes, em Cd, e alguns (poucos) também em vinil. Uma tentação.

Circulando pelo Chevrollet Hall, também como era de se esperar, me deparo com vários amigos de Aracaju, a maioria Headbangers, mas não só – o Motorhead sempre teve esse poder de “unir as tribos do rock”. Para minha surpresa, me deparo com a presença de Roberto Aquino, um dos proprietários da Distúrbios Sonoros (primeira loja de discos independentes de Aracaju) e produtor do “Rock Revolution”, um programa de rádio que ia ao ar nos anos 80 pela Atalaia FM e que foi muito importante na minha formação musical, já que foi lá que ouvi, pela primeira vez, bandas seminais como Mutantes, Casa das Máquinas e Fellini. E lá estava ele, que não é muito de ir a shows (pelo menos não o vejo com muita freqüência nos shows de Aracaju), com o filho já adolescente. É o rock unindo gerações. Na gaiola (também conhecida como palco secundário), Decomposed God, legendária banda de Death Metal pernambucana, na ativa já há 17 anos – e tem que ter muita convicção, persistência e competência para completar 17 anos fazendo Death Metal em Pernambuco e ter sobrevivido à onda avassaladora de “pernambucanidade” desencadeada pelo movimento Mangue Beat nos anos 90. Houve um tempo, nessa época, em que o que menos se ouvia no Abril pro rock era rock, pois o Festival havia sido tomado por derivações medíocres do “mangue” (das bandas originais e fundadoras eu gosto, e muito) e por grupos folclóricos, especialmente Lia de Itamaracá, que foi praticamente adotada pelo Festival. Era uma tortura ficar ouvindo aquelas cirandas intermináveis. Tudo bem, eu respeito e até gosto de algumas canções folclóricas (embora ache a maioria muito chata e repetitiva), mas supõe-se que quando a gente vai a um festival chamado Abril pro rock a gente vai ouvir rock. Por mim teria mudado o nome para Abril pra Ciranda e pro Maracatu, mas o que importa é que nos últimos tempos o Festival voltou a ser para “roqueiro que gosta de rock”, para citar uma definição curiosa que ouvi recentemente de Fabio Capilé, do Calango, numa entrevista ao programa Coquetel Molotov. Mas voltemos ao Decomposed God. Foi um show ... Death Metal. Esporrento e barulhento ao extremo, sem concessões. Excelente – para quem gosta do estilo, claro. Essas variações extremas do rock são como filme pornográfico: pra quem gosta e/ou se identifica, é maravilhoso. Para todos os demais, é tudo a mesma coisa.

Terminada a apresentação da Decomposed, fecham-se as cortinas e instaura-se a expectativa para os donos da noite. Nesse momento me encontro com uma grande amiga de Aracaju que estava morando em Campina Grande e me distraio colocando o papo em dia. Fomos subitamente interrompidos pelo alvoroço da multidão: as cortinas do palco principal haviam sido abertas e, para surpresa de todos, os três cavaleiros do apocalipse já estavam lá, a postos. Sem mise-em-scene, sem frescuras, sem apresentadores “enxamistas” ridículos. Lemmy dá umas palhetadas no seu bom e velho Rickenbaker pra conferir se a distorção está em ordem e ele mesmo faz as honras da casa com a já célebre frase que introduz todos os shows da banda: “We are Motorhead and we play rock and roll”. Dito isto, o caos se instaura ao som de “Iron Fist”, seguida de “Stay Clean”. Eu havia sido puxado para a frente por minha amiga e estava no olho do furacão. Pancadaria generalizada. As coisas só começam a se acalmam a partir da terceira musica, mais lenta, e segue assim por um bom tempo – o Motorhead tem muitas musicas pesadíssimas porém com um andamento mais arrastado, e eles parecem ter resolvido toca-las todas, na seqüência. O publico parou de se debater e ficamos todos hipnotizados por aquela imagem icônica de Lemmy erguendo a cabeça para alcançar o microfone enquanto um ventilador estrategicamente localizado levanta sua cabeleira – ainda longa e negra, certamente ä base de tintura, o que, definitivamente, não vem ao caso. As musicas se sucedem e a platéia acompanha a tudo extasiada, ganha desde o primeiro acorde. Solo de guitarra, muito bom. Solo de bateria, melhor ainda – sensacional até, eu diria, e olha que eu nunca fui muito fã de solos de bateria. Foi bem perfomático, com uma erupção de gelo seco E DE BAQUETAS – num determinado momento Mikkey Dee, começa a jogar as baquetas para o alto uma atrás da outra, num resultado visualmente fantástico que eu até me esforcei para que minha amiga, agoniada por ser baixinha, visse melhor, erguendo-a nos braços. Excelente. Lemmy e Phill Campbell, o guitarrista, se comunicam bastante com a platéia. Por volta de 1 hora e 20 minutos de show eles anunciam que aquela era a ultima musica, mas que se a gente gritasse bastante eles voltariam. E voltaram, claro. Voltaram tocando um blues minimalista, com direito a intervenções de gaita tocada por Lemmy, como introdução para a matadora seqüência final que incluía, evidentemente, “Ace of spades”. Como o próprio Lemmy bem disse numa entrevista, quem compra um “ticket” para um show do Motorhead já sabe exatamente o que vai ver e ouvir. Eu, particularmente, fiquei levemente decepcionado pela não inclusão de nenhuma musica do Orgasmatron, e pouquissimas do Ace of Spades e do 1916, meus discos preferidos. Mas isso é normal numa banda com uma discografia tão grande. O importante é que, terminada a primeira noite do Abril pro rock, o saldo é pra lá de positivo, inclusive em termos de publico, infinitamente maior do que o da principal noite do ano passado, que também teve atrações internacionais de peso, no caso, o Bad Brains e o New York Dolls. Acho até que caso não tivesse havido um outro show do Motorhead no nordeste, em Fortaleza, e o Iron Maiden lá mesmo em Recife há pouco mais de 15 dias, o que deve ter deixado muita gente “quebrada” pelo resto do mês, teria havido problemas, pois imagino que o Chevrollet Hall não suportaria a multidão que seria, com certeza, bem maior. Do jeito que foi foi tranqüilo – lotado, mas não superlotado. Voltamos nós para nosso hotel para esperar pelo dia seguinte, enquanto meus amigos “Headbangers” voltavam para Aracaju mais do que satisfeitos, já que na segunda noite não haveria nada que os interessasse.

No dia seguinte, como de costume, perdemos as primeiras atrações, os locais Johnny Hooker e Candeias Rock City e The Keith. Quando entramos o palco já estava tomado pelos baianos no Vivendo do Ócio. Boa banda, pegada vigorosa, rock and roll básico, lembrando o Strokes em vários momentos, mas com personalidade na maior parte do tempo. Desta vez a arrumação dos palcos foi diferente, com o “Main stage” dividido em dois. Melhor assim. Os Retrofoguetes, que entraram a seguir, dividiram o mesmo palco com seus conterrâneos. Excelente, como sempre. Surf music instrumental de primeiríssima, grande perfomance do trio de malucos Morotó Slim, Rex e CH. No outro palco, Heavy Trash, a nova banda de John Spencer do Blues Explosion. Sensacional. Arrumação do palco bem intimista, todos aglomerados no centro mandando ver num rockabilly com pitadas de country e garage rock. Assisti bem de perto e foi maravilhoso presenciar assim as loucuras de John Spencer que é, sem sombra de duvidas, um dos maiores perfomers da historia do rock, chegando a lembrar, em muitos momentos, o já saudoso Lux Interior, do Cramps. E a banda, como não poderia deixar de ser, competentíssima, com direito a um magnífico baixo acústico tocado por um figura que era, pelo menos visualmente, um americano do meio-oeste típico: loiro, de bigode e vestindo calça jeans e camisa xadrez de botões.

A banda seguinte foi a Volver, local. E ovacionada pelo publico, majoritariamente local, também. Não chega a ser ruim, mas emula demais muita coisa “hypada”, especialmente o Little Joy que, por sua vez, soa como uma mistura de Los Hermanos com Strokes – o que, no caso, é, no final faz contas, já que é formada por um membro de cada banda. Não é o caso do Volver que, apesar da falta de originalidade, tem algumas boas composições. Aliás o volver parece ser, por si só, o hype do momento na cena “indie” pernambucana, dada a recepção um tanto quanto exagerada do publico. Depois deles tivemos o Vanguart, outro grande hype que, confesso, nunca me disse muita coisa e continua sem me dizer. Uma boa banda, pendendo para o razoável. Talvez seja porque não é exatamente o tipo de som pelo qual eu morra de amores, esse folk pop baladeiro “tchubaruba”, mas a verdade é que acho a maioria das suas composições chatas e o vocalista um tanto quanto afetado e cheio de maneirismos vocais irritantes. Assisti de longe com o sono começando a bater. Móveis Colonias de Acaju, a banda seguinte, não é ruim, mas também não é essa cocada toda. O publico, mais uma vez, foi ao delírio. Devo confessar que eles sabem como levantar a massa, fazem um show ultraperfomático (já tinha visto antes aqui mesmo em Aracaju, na Rua da Cultura), com uma excelente movimentação de palco, algo não muito fácil, dada a quantidade de músicos que compõe a banda. Mas é muito barulho pra pouca musica. Têm algumas composições simpáticas, boas até, mas a maioria é meio insossa, em parte por conta do vocal, que é “bonitinho mas ordinário”, ou seja, um tanto quanto domado, empostado demais. Em todo caso, foi um bom show, animado e agitado. Se fosse uma banda de ska de verdade, e não uma banda de MPB (ou algo parecido) travestida de ska, teria sido sensacional. Destaque para a decoração diferenciada do palco, com alguns adereços simples fazendo as vezes de lustres que resultaram num impacto visual bacana.

A penúltima apresentação da noite foi do Mundo Livre S/A, num show que, supostamente, iniciaria as comemorações pelos 25 anos da banda. Mas que comemoraçãozinha chinfrim, heim. Não pela banda em si, que foi muito boa, como (quase) sempre, mas pela duração. Imaginei que duraria pelo menos uma hora e meia, mas não passou dos 45 minutos. Em todo caso, deram o recado. A formação está bem diferente da ultima vez que vi (confesso que não tenho acompanhado como deveria a carreira deles). A meu ver faltou mais uma guitarra – e em “Samba esquema noise” essa ausência foi gritante. O encarregado pelos teclados e programação eletrônica tenta suprir essa falta com alguns samplers, nem sempre com sucesso, como na musica citada. Mas no geral os novos arranjos ficaram bacanas, climáticos e criativos. Vida longa a Fred 04 e ao Mundo livre S/A, um grande artista, e uma grande banda, competente e originalíssima.

O ultimo show foi do dromedário. Eu já estava morrendo de sono, mas mesmo assim ainda estava disposto a dar um a conferida em pelo menos umas 3 a 4 musicas – até porque sua banda de apoio é o Hurtmold, grande formação “post-rock instrumental de São Paulo. Mas quando vi o figura pra lá de blasé entrando sozinho no palco e dedilhando no violão uma melodio desleixada e ridícula, decidi ir embora. Quando eu já estava na porta de saída a banda finalmente sobe ao palco – ahhh, ta, era só uma introdução aquilo lá, então vamos ver qual é. Começa a primeira musica “pra valer” e eu continuo achando muito chato e blasé. Tomar no cu, vamos dormir que é melhor. Ou terminar a noite no “inferninho” que tem do lado do “Hostel”. Preferi ir dormir. Sou asmático, estou ficando gordo e velho. Melhor dormir. “Dance with the dead in my dreams”.

Depois de ver Motorhead ( e Iron Maiden !!! ) pela primeira vez em solo nordestino, o inferno é o limite. Está lançada a campanha:

SLAYER NO ABRIL PRO ROCK 2010.

Clique AQUI para ler a resenha do Abril pro rock do ano passado.

Set list do show do Motorhead:

1. Iron Fist
2. Stay Clean
3. Be My Baby
4. Rock Out
5. Metropolis
6. Another Perfect Day
7. Over the top
8. One Night Stand
9. You Better Run
10. I Got Mine
-----------------------------------------
Solo de guitarra – Phil Campbell
-----------------------------------------
11. The Thousand Names Of God
12. In The Name Of Tragedy
----------------------------------------------
Solo de bateria – Mikkey Dee
-----------------------------------------------
13. Just 'Cos You Got The Power
14. Going To Brazil
15. Killed By Death
16. Bomber
-------------------------------------------------
Bis:
17. Whorehouse Blues
18. Ace Of Spades
19. Overkill

quarta-feira, 15 de abril de 2009

sexta-feira, 3 de abril de 2009

05/04/2009 - 15 Anos sem Kurt Cobain




por Adelvan Kenobi

Me lembro como hoje, eu assistindo o noticiário na TV como faço sempre (única coisa que assisto na televisão, aliás – fora A GRANDE FAMILIA, que na época não existia) e de repente fico sabendo, através de Boris Casoy (!!!!) da morte do vocalista do Nirvana. Não vou dizer que entrei em desespero e me descabelei em prantos rolando no chão, mas com certeza fiquei triste. Acho até que uma lágrima escorreu pela minha face, não lembro bem. Lembro que fui pra casa da namorada me sentido até constrangido de estar daquele jeito por conta da morte de um marmanjo que eu nem sequer conhecia pessoalmente (claro), mas acho que ela entendeu - afinal, aquela era minha primeira experiencia com uma "morte de um ídolo do rock", pelo menos daquela forma, vendo a historia acontecer diante dos olhos, pois sobre as mortes de Ian Curtis, Jim Morrisson, Jimi Hendrix e Janis Joplin, entre outros, eu tinha apenas lido a respeito. A morte de Lennon eu até lembro de acompanhar pela TV, mas era muito jovem na época pra ter a real dimensão do ocorrido - a unica coisa que eu absorvi como certeza foi a informação de que um cara legal e querido por muitos havia sido assassinado por um motivo pra lá de banal.

Fiquei triste porque de repente me dei conta que Kurt Cobain era como um amigo para mim. Uma relação que só era possível pelo que o Nirvana representava, o rock alternativo, “underground”, lá, no mainstrean. Eles eram como que nossos embaixadores, nossos representantes. Porque a Historia do Nirvana era igualzinha à historia das bandas que eu via nascer nas garagens daqui mesmo, de Aracaju, com a única diferença de que eles haviam, inesperadamente, chegado “lá”. E ao chegarem “lá” mudaram a Historia do rock, varrendo o “glam metal” das paradas (até hoje a galera do laquê não os perdoa por isso) e levando de reboque grandes nomes da cena alternativa, como Sonic Youth, Smashing Pumpkis, Soundgarden, Faith No More, Alicen in Chains e Radiohead, entre outros.

Soube da existência do Nirvana através de um amigo que captava a MTV brasileira (então engatinhando) via antena parabólica. Ele veio me contar todo animado que tava rolando direto na emissora um clipe sensacional, gravado numa quadra de basquete com umas “cheerleaders” anarquistas vestidas de preto, e que o som da banda era muito bom. Quando conferi o clipe de “Smells like a teen spirit” pela primeira vez (ia pra casa dele e ficávamos esperando terminar o Fantástico pros pais dele irem dormir e a gente poder mudar o canal para o LADO B da MTV) pirei, ao ponto de, no dia seguinte, encomendar, via carta pelo correio (internet era ficção científica), uma camiseta e o “Nevermind”, em vinil, para a loja Wop Bop, de São Paulo. Achei que iria ser mais uma daquelas bandas que a gente nunca ia poder encontrar os discos por aqui. Qual não foi minha surpresa ao me deparar com as lojas, inclusive grandes magazines como Lojas Americanas e Mesbla, abarrotadas de discos do Nirvana, antes mesmo de eu receber o meu pelo correio – mas no final das contas meu esforço foi recompensado, pois minha cópia do Nevermind, que eu tenho até hoje, veio com uma contra-capa diferente, creio que da primeira prensagem, não sei ao certo.

E assim ficamos fãs do Nirvana e fomos assistindo à febre grunge se espalhar ao nosso redor. Era engraçado ver, no calor escaldante de Aracaju, os mais novinhos e “afoitos” vestindo gorros de lã e camisetas de flanela. O cenário mudou ao ponto de Aracaju ganhar, na época, uma radio rock ! Isso mesmo, poucos lembram, mas a freqüência 103 FM, que hoje abriga uma das emissoras mais popularescas e bregas do dial, começou como JOVEM ARACAJU, e só tocava rock. Era Nirvana, Soundgarden, Faith no More e Ratos de Porão o dia inteiro. Estive inclusive perto de ver a banda ao vivo, quando eles tocaram no Hollywood rock em 1993. Viajei a São Paulo pra isso, mas houve um desencontro por conta de uma incursão que fiz a Santos para assistir um ensaio de minha banda de grindcore favorita na época, o No Sense, e uma amiga que tinha comprado o ingresso pra mim achou que eu não voltaria a tempo e acabou indo pro estádio sem mim que, sem grana e sem costume de andar na cidade grande sozinho, acabei ficando em casa literalmente chorando e assistindo televisão (pelo menos a globo exibiu um filme bom naquela noite, “Festim Diabólico” de Alfred Hitchcock). Nada que uma ligação para o celular dela não resolvesse, mas era 1993, não existia telefone celular. Voltei pra cá e fiquei conhecido como “o cara que perdeu o show do Nirvana mesmo estando em São Paulo”. Acabei vendo o show do Rio, que aconteceu uma semana depois, pela TV, delirando com aquela perfomance misantrópica e sem noção do Kurt, que chegou ao ponto de simular uma masturbação, ao vivo e a cores, na tela da globo. Achei sensacional.

Hoje em dia as pessoas talvez não tenham mais a noção do que foi o Nirvana na época. Mas quem viveu sabe, e mesmo que nem ouça mais os discos, a não ser em crises esporádicas de saudosismo, nunca vai esquecer. É por isso que faço questão de lembrar que dia 05 de abril próximo fazem 15 anos da morte de Kurt Cobain.

Descanse em paz.

Come As You Are - A História do Nirvana

Da redação da Rolling Stone Brasil

Leia o primeiro capítulo da biografia do Nirvana, escrita pelo jornalista e crítico musical Michael Azerrad

Tamanho do texto: A A A

Lançado originalmente em 1993, só agora a biografia do Nirvana, escrita pelo jornalista Michael Azerrad, ganhou uma versão em português.

"Capítulo UM

Aberdeen, Washington (16.660 habitantes), está a 164 longos quilômetros ao sudoeste de Seattle, pela remota região costeira de Washington. Em Seattle chove muito, mas em Aberdeen chove mais - até dois metros por ano - espalhando uma névoa constante e sombria sobre a cidade. Longe da auto-estrada mais próxima, nada entra e raramente alguma coisa sai de lá.
Arte e cultura são de preferência deixadas para os tipos arrogantes, em Seattle - entre as "atividades fascinantes" listadas em uma brochura da Câmara de Comércio do Município de Grays Harbor estão o boliche, as competições de serra elétrica e os jogos de fliperama.

Um Garotinho Rebelde de Cabelo Ensebado

A rota 12 para Aberdeen é rodeada por uma sucessão infinita de estacionamentos para trailers; além deles, uma área de centenas de milhares de acres de floresta madeireira, freqüentemente desfigurada por vastas cicatrizes nos locais onde os madeireiros estiveram cortando. Vindo do leste, a primeira coisa que um visitante vê de Aberdeen é o espaçoso e feio depósito de madeira Weyerhauser de frente para o rio Wishkah, onde carcaças desmembradas de árvores, um dia orgulhosas, jazem empilhadas como vítimas de um massacre. Examinando o cenário pelo outro lado do rio está uma extensa faixa de estabelecimentos de fast-food.

A indústria madeireira domina a cidade; ou melhor, um dia dominou. Os negócios têm diminuído, e as demissões estão transformando Aberdeen em uma cidade fantasma. Atualmente, as ruas do centro vêm sendo lentamente preenchidas com vitrines vazias ou cobertas por tábuas de madeira. Os únicos lugares que fazem bons negócios são bares como o Silver Dollar e o apropriadamente chamado Pourhouse, bem como a casa de penhores local, inundada de armas, serras elétricas e guitarras. O índice de suicídio do município de Grays Harbor é um dos mais altos do país; o alcoolismo é desenfreado e o crack chegou à cidade há alguns anos.

As pessoas odeiam a coruja pintada - receitas para cozinhar a pobre criatura indefesa pipocam em adesivos de pára-choques locais - ainda que a descentralização da indústria madeireira, a desvalorização da mão-de-obra e a automação sejam aquilo que realmente está tirando as pessoas do mercado de trabalho. Uma das maiores fábricas da cidade costumava empregar dúzias de trabalhadores e agora tem cinco: quatro homens e uma máquina de cortar computadorizada movida a laser.

Uma das maiores indústrias no município é o cultivo de maconha e de cogumelos psicodélicos, que as pessoas cultivam a fim de suplementar o seu salário miserável ou inexistente.

A situação não costumava ser tão difícil. Aberdeen já foi um porto movimentado onde marinheiros paravam para descanso, comida e alguma companhia feminina paga. O fato é que a cidade um dia já foi um grande prostíbulo, tendo como centro a notória Hume Street (que os pastores da cidade renomearam de State Street nos anos de 1950, em uma tentativa de enterrar as suas memórias). Mais tarde, a cidade se tornou estação final de uma ferrovia e lar de dúzias de serrarias e transações madeireiras. Aberdeen fervilhou de jovens solteiros fazendo muito dinheiro na indústria da madeira e a prostituição prosperou, com uma média de 50 bordéis ("hospedaria de mulheres", como eram chamados) em um único ponto da área central. A prostituição durou até o fim da década de 1950, quando uma batida policial finalmente pôs um fim nela. Alguns dizem que o passado imoral de Aberdeen dá a seus residentes um complexo de inferioridade.

Esse é o lugar onde Kurt Donald Cobain nasceu em 20 de fevereiro de 1967, filho de Wendy Cobain, uma dona de casa, e de seu marido Donald, um mecânico do posto Chevron da cidade. A jovem família começou com uma casa alugada na vizinha Hoquiam, mudando-se para Aberdeen quando Kurt tinha seis meses de idade.
Kurt cresceu sem saber de onde veio o nome da sua família. Seu avô materno é alemão, mas isso é tudo o que ele sabia. Só recentemente ele descobriu que o lado paterno da família é todo de sangue irlandês, e que Cobain é uma deturpação do nome Coburn.
Apesar de os Cobain serem de um meio humilde, a vida começou muito bem para o seu filho de cabelos dourados. "Minha mãe era sempre afetuosa comigo", diz Kurt. "A gente sempre se beijava para se despedir e se abraçava. Era muito legal. Fico surpreso por saber que tantas famílias não funcionam assim. Foram tempos abençoados."

Kim, a irmã de Kurt, nasceu três anos depois dele, mas Kurt e sua mãe já tinham formado um vínculo bem forte. "Não há nada como o primeiro filho - nada", diz Wendy, agora em outro casamento e ainda vivendo na mesma casa em Aberdeen com seu marido e uma filha de oito anos. "Nenhuma criança sequer chega perto disso. Eu era toda dele. Todos os dias acordava só para ele."
Kurt obviamente era uma criança brilhante. "Eu me lembro de ligar para minha mãe", recorda Wendy, "contando a ela que me assustava porque ele tinha uma perspicácia que eu nunca antes havia visto em uma criança pequena".

Kurt havia começado a demonstrar interesse por música quando tinha dois anos, o que não era surpreendente, uma vez que o lado materno da família era muito musical - Chuck, irmão de Wendy, tocou em uma banda de rock and roll; Mary, sua irmã, tocava violão e todos na família possuíam algum tipo de aptidão musical. No Natal, todos cantavam ou encenavam algum pequeno espetáculo cômico.

O tio de Wendy trocou seu nome de Delbert Fradenburg para Dale Arden, mudou-se para a Califórnia para virar cantor de baladas, e gravou alguns álbuns em fins da década de 1940 e começo de 1950. Ele fez amizade com o ator Brian Keith (que mais tarde veio a atuar no seriado da década de 1960 Family Affair) e Jay Silverheels, que fez o papel de Tonto na série de TV Lone Ranger. Então, como brinca Wendy, "essa coisa de celebridade não é nenhuma novidade para a família".

Tia Mary deu a Kurt discos dos Beatles e dos Monkees quando ele tinha uns sete anos. Ela convidara Kurt para ensaiar em sua casa, a fim de assistir à banda. Como artista country que chegou mesmo a gravar um single, Mary tocou em bandas de bar nos arredores de Aberdeen por anos, algumas vezes atuou como solista na steak house Riviera e uma vez tirou segundo lugar em um concurso de talentos de uma TV local, chamado "You Can Be a Star" [Você Pode Ser Uma Estrela].

Mary tentou ensinar Kurt a tocar violão, mas ele não tinha paciência - de fato, era muito difícil fazê-lo permanecer sentado para qualquer coisa. Ele havia sido diagnosticado hiperativo.

Como a muitas crianças de sua geração, foi dada a Kurt uma droga chamada Ritalin, um tipo de speed, que controla a hiperatividade. Isso o mantinha acordado até as quatro da manhã. Sedativos o faziam dormir na escola. Finalmente, tentaram retirar o açúcar e o infame Red Dye #2 de sua dieta, e funcionou. Era difícil para uma criança hiperativa ficar longe do açúcar porque, como Wendy diz, "eles são, digamos, viciados nisso".

Mas não poder ter uma barra de chocolate pouco desanimou o espírito de Kurt. "Ele levantava todo dia com tanta alegria por ter mais um dia para viver", diz Wendy. "Ele era muito entusiasmado. Vinha correndo de seu quarto muito excitado por ter outro dia pela frente e ele mal podia esperar para descobrir o que aquele dia lhe traria."

"Eu fui uma criança extremamente feliz", diz Kurt. "Estava gritando e cantando o tempo todo. Não sabia quando parar. Eu acabava apanhando de outras crianças porque ficava muito excitado querendo brincar. Eu levava as brincadeiras bastante a sério. Era simplesmente muito feliz."

O primeiro de sua geração, Kurt teve sozinho sete tios e tias por parte de mãe que discutiam sobre quem iria tomar conta dele. Acostumado a ser o centro das atenções, ele entretinha qualquer um que quisesse assisti-lo. "Ele era tão dramático", diz Wendy. "Ele se jogava no chão de uma loja para um velho; apenas porque esse velho adorava ver Kurt cantando para ele." Um dos discos favoritos de Kurt era Alice's Restaurant de Arlo Guthrie. Freqüentemente ele cantava "Motorcycle Song" de Guthrie. "I don't want a pickle/I just want to ride on my motorcycle/And I don't want to die!" [Eu não quero um problema/Eu só quero passear na minha motocicleta/E eu não quero morrer!].

Sua tia Mary lhe deu um bumbo quando ele tinha sete anos. Kurt pendurava-o com uma correia e andava pela vizinhança usando um chapéu de caça e os tênis de seu pai, batendo no tambor e cantando músicas dos Beatles como "Hey Jude" e "Revolution".
Kurt não gostava quando os homens olhavam para Wendy, uma mulher muito atraente de cabelos loiros e belos olhos azuis. Don nunca pareceu se importar, mas Kurt sempre ficava nervoso e ciumento - "Mamãe, aquele homem está olhando pra você!", dizia ele. Certa vez, ele até mesmo advertiu um policial.

Mesmo com três anos idade, Kurt não gostava muito de policiais. Quando avistava um, cantava uma canção: "Corn on the cops, corn on the cops! The cops are coming! They're going to kill you!" [Milho nos policiais, milho nos policiais! Os policiais estão chegando! Eles vão matar você!]. "Toda vez que eu via um policial, começava a cantar isso na cara deles e a apontar o dedo para eles e a dizer que eles eram maus", diz Kurt, dando risada. "Eu tinha essa coisa pesada com os policiais. Não gostava mesmo deles." Com dois anos a mais, Kurt enchia com pedras latinhas de 7-Up e as arremessava em carros de polícia, apesar de nunca ter acertado um de verdade.

Foi também nessa mesma época que ele, de alguma forma, aprendeu a mostrar seu dedo do meio daquele jeito consagrado. Enquanto sua mãe dirigia pela cidade fazendo seus serviços, ele se sentava no banco detrás do carro e mostrava o dedo para todos por quem passavam.

Na época em que Kurt estava no segundo ano, todo mundo havia notado quão bem ele sabia desenhar. "Depois de um tempo", diz Wendy, "aquilo começou a ser algo como que enfiado goela abaixo. Todo presente era um pincel ou um cavalete. Nós quase que estragamos isso para ele".

Todos achavam que os desenhos e as pinturas de Kurt eram excelentes, exceto ele. "Ele nunca ficava contente com sua arte", diz Wendy. "Nunca estava satisfeito com ela, como os artistas típicos." Um dia, perto do Halloween, Kurt chegou em casa com uma cópia do jornal escolar. Na primeira página havia um desenho dele, uma honra normalmente reservada para crianças que já estavam pelo menos no quinto ano. Kurt estava realmente nervoso por causa disso quando chegou em casa, porque não achava que seu desenho fosse tão bom assim. "Sua postura perante os adultos mudou por causa daquilo", diz Wendy. "Todo mundo estava dizendo a ele o quanto amavam sua arte e ele nunca estava satisfeito com ela."

Até o terceiro ano, Kurt queria ser um rock star - ele ouvia discos dos Beatles fingindo tocar sua guitarra de plástico. Depois, por um bom tempo, ele quis ser um dublê. "Gostava de brincar na rua, pegar cobras, pular do telhado com a minha bicicleta", recorda ele. "Evel Knievel era meu único ídolo." Certa vez, ele tirou todos os travesseiros e roupas de cama da casa, colocou-os na varanda e pulou do telhado em cima deles. Outra vez, pegou um pedaço de metal e prendeu-o com fita adesiva em seu peito, formando um tubo onde colocou um punhado de bombinhas e as acendeu.

De vez em quando, Kurt visitava o tio Chuck, irmão de Wendy, que tocava em uma banda. Chuck havia construído para seu estúdio no porão alto-falantes que eram tão grandes que ele não conseguia tirá-los de lá. Ele levou Kurt para o porão, deu-lhe um microfone e gravou algumas fitas. Wendy ainda tem uma fita que ele gravou quando tinha uns quatro anos. Kurt canta e aí, quando pensa que ninguém está ouvindo, começa a dizer palavrões. "Cocô-cagada", diz ele. "Cocô-cagada!".

Don e Wendy deram a Kurt uma pequena bateria do Mickey Mouse. "Eu meio que empurrei uma bateria para ele porque eu queria ser baterista", Wendy admite. "Mas minha mãe achava que era algo muito pouco feminino, então nunca me deixou tocar." Kurt não precisou ser empurrado - tão cedo conseguiu se sentar e segurar coisas, ficava batendo em panelas e frigideiras. Espancou sua bateria do Mickey Mouse todos os dias depois da escola, até quebrá-la.

Apesar de não ficar na melhor área de Aberdeen - de fato, a vizinhança era bem precária - a casa dos Cobain foi sempre a mais atraente do quarteirão. Don a manteve na melhor forma, colocando carpete, lareira de tijolo falso e rodapé de imitação de madeira. "Era branco pobre posando de classe média", diz Kurt sobre sua formação.

Wendy veio de uma família sem muitos recursos, mas sua mãe sempre fez questão de assegurar que os filhos aparentassem ter muito mais do que tinham. Wendy era do mesmo jeito. Todo dia de manhã, ela alisava cuidadosamente os cabelos de Kurt naquele estilo Shaun Cassidy, certificava-se de que ele escovara os dentes e o vestia com as melhores roupas que podiam comprar, e ele ia se equilibrando até a escola em seus tênis de caminhada. Ela até fez Kurt usar um suéter ao qual ele era alérgico, porque ficava bem nele. "Os meus dois filhos eram provavelmente as crianças mais bem-vestidas de Aberdeen", diz Wendy. "Eu assegurava isso."
Wendy tentava manter suas crianças longe do que ela chama de "certos amigos de certos lugares que vivem em certas circunstâncias". Kurt diz que ela basicamente falava para ele ficar longe das crianças pobres. "Minha mãe achava que eu era melhor do que aquelas crianças, então eu estava sempre implicando com elas - as crianças sujas, a gentalha", diz Kurt. "Lembro-me apenas que havia umas duas crianças que estavam sempre fedendo mijo e eu as ameaçava e brigava com elas. Lá pelo quarto ano, percebi que aquelas crianças eram provavelmente mais legais do que as de classe alta, mais 'pé-no-chão', pé-na-lama." Mais tarde o cabelo despenteado de Kurt, sua barba sempre por fazer e seu guarda-roupas maltrapilho se tornariam marcas registradas mundialmente famosas.

Kurt começou a ter aulas de bateria no terceiro ano. "Até onde consigo me lembrar, desde que eu era um garotinho, sempre quis ser o Ringo Starr. Mas queria mesmo era ser o John Lennon tocando bateria", diz Kurt. Kurt tocou na banda da escola no primário, apesar de nunca ter aprendido a ler partitura - ele simplesmente esperava que o colega da primeira carteira aprendesse a música para então copiar o que ele estava fazendo.

No Natal de 1974, quando ele tinha sete anos, Kurt entendeu que sua mãe o achava uma criança problemática. "A única coisa que eu queria naquele ano era uma pistola Starksy and Hutch de cinco dólares", diz Kurt. "Em vez disso ganhei um pedaço de carvão".*
Kurt afirma que era ambidestro, mas seu pai tentou forçá-lo a usar a mão direita, temendo que ele tivesse problemas depois como canhoto. Ele acabou se tornando canhoto de qualquer jeito.

Na maior parte da sua vida, Kurt foi atormentado por um ou outro problema de saúde. Além da hiperatividade, ele sempre sofreu de bronquite crônica. Na oitava série, diagnosticou-se que Kurt tinha uma leve escoliose, uma curvatura da coluna vertebral. Com o passar do tempo, o peso de sua guitarra de fato agravou a curvatura. Se tivesse sido destro, diz ele, isso teria corrigido o problema.

Em 1975, quando Kurt tinha oito anos, seus pais se divorciaram. Wendy diz que se separou de Don simplesmente porque ele não ficava muito em casa - estava sempre fora jogando basquete ou beisebol, treinando times ou atuando como juiz. Olhando para trás, ela se pergunta se alguma vez o amou de verdade. Don se opôs amargamente ao divórcio, mas ambos admitem que as crianças mais tarde foram usadas em uma guerra entre seus pais.
Kurt encarou muito mal o divórcio e suas conseqüências. "Aquilo arruinou sua vida", diz Wendy. "Ele mudou completamente. Acho que se sentia humilhado. E se tornou muito introspectivo - simplesmente guardou tudo com ele. Ele acabou ficando muito tímido."

"Acho que ele ainda está sofrendo", acrescenta ela.

Em vez da criança feliz e extrovertida que Kurt foi um dia, "ele se tornou taciturno", diz Wendy, "meio bravo, sempre franzindo a testa e zombando dos outros". Na parede do seu quarto, Kurt escreveu: "Odeio a mamãe, odeio o papai, papai odeia a mamãe, mamãe odeia o papai, isso simplesmente dá vontade de ser triste". Alguns palmos acima ele fez caricaturas de Wendy e Don junto com as palavras "Papai é um saco" e "Mamãe é um saco", e embaixo desenhou um cérebro com um grande ponto de interrogação em cima. Os desenhos continuam lá até hoje, junto com alguns logotipos estilosos do Led Zeppelin e do Iron Maiden que ele desenhou (ele nega tê-los feito, mas as irmãs não mentem).

Kurt foi como muitas crianças de sua geração - de fato, todos os que já estiveram no Nirvana (exceto um) vieram de lares desfeitos.

O índice de divórcios disparou em meados da década de 1970, aumentando mais que o dobro em dez anos. Os filhos desses casamentos malsucedidos não tiveram uma Guerra Mundial ou uma Depressão para enfrentar. Eles apenas não tinham uma família. Conseqüentemente, suas batalhas eram privadas.

Kurt diz que foi como se uma luz tivesse se apagado nele, uma luz que ele vem tentando reacender desde então. "Me lembro apenas de de repente não ser mais o mesmo, me sentia como se não tivesse mais dignidade", diz ele. "Sentia que não merecia estar com as outras crianças, porque elas tinham seus pais e eu não tinha mais os meus, eu acho."

"Eu estava simplesmente puto com meus pais por eles não serem capazes de lidar com seus problemas", continua. "Durante a maior parte da minha infância, depois do divórcio, eu meio que tinha vergonha dos meus pais."

Porém, Kurt havia começado a se sentir isolado antes mesmo do divórcio. "Eu não tinha nada em comum com meu pai especialmente", diz ele. "Ele queria que eu praticasse esportes e eu não gostava de esportes, eu era artístico e ele simplesmente não apreciava esse tipo de coisa, então sempre me sentia constrangido. Simplesmente não conseguia entender como eu podia ser fruto dos meus pais porque eles não eram artísticos e eu era. Gostava de música e eles não. Subconscientemente, talvez eu pensasse que havia sido adotado - desde aquele episódio da Família Dó-Ré-Mi, quando Danny pensou que fosse adotado. Eu realmente me identificava com aquilo."

A criatividade e a inteligência de Kurt - e a compreensão prematura de que era um artista - faziam parte do problema. "Até os dez ou 11 anos, não percebia que era diferente das outras crianças da escola", diz ele. "Comecei a perceber que tinha mais interesse em desenhar e ouvir música, bem mais do que os outros garotos. Isso foi crescendo em mim aos poucos até eu começar a perceber. Então, quando cheguei aos 12 anos, eu era completamente introvertido." Convencido de que nunca acharia alguém como ele, simplesmente parou de tentar fazer amigos.

"Essa cidade - se ele tivesse ficado em qualquer outro lugar teria ficado bem", diz Wendy. "Mas essa cidade é exatamente como Peyton Place.* Todos observam todos e fazem seu julgamento, e eles têm seus pequenos grupos e querem que cada um fique no seu, e ele não queria."

Kurt morou com sua mãe por um ano após o divórcio. Mas ele não gostava do seu novo namorado, que ele chama de "um grande e malvado espancador de esposas". A princípio, Wendy atribuiu a antipatia de Kurt pelo seu namorado a mero ciúme. Cinco anos depois, ela percebeu que seu namorado era "doidinho" - um paranóico esquizofrênico, de fato. Kurt estava extremamente infeliz e estendia sua raiva a todo mundo, desde Wendy até as babás, que ele costumava trancar para fora de casa. Wendy não podia mais controlá-lo, então mandou-o viver com Don em seu trailer em Montesano, uma comunidade madeireira ainda menor, aproximadamente 21 quilômetros ao leste de Aberdeen.

A casa de Don não era uma casa móvel, mas uma casa pré-fabricada que foi dividida em partes, rebocadas por um caminhão até um estacionamento de trailers e depois juntadas novamente. "Não era das mais luxuosas - aqueles duplex onde moram os brancos ricos da classe mais baixa", diz Kurt.

No começo, foi ótimo. Don comprou para Kurt uma minimoto e eles fizeram coisas juntos, como ir à praia no fim de semana ou acampar. "Ele tinha tudo", diz Don. "Ele tinha se dado bem. Tinha o espaço da casa inteira, tinha uma motocicleta, podia fazer tudo o que quisesse e nós sempre estávamos fazendo alguma coisa. Mas aí, quando duas outras crianças e uma nova mãe entram em cena...".

Don casualmente havia dito a Kurt que nunca se casaria outra vez. Pouco depois, em fevereiro de 1978, ele se casou novamente. Sua nova esposa trouxe junto com ela seus dois filhos pequenos, e eles todos se mudaram para uma casa de verdade em Montesano. Kurt definitivamente não se deu bem com sua nova família, principalmente com sua mãe adotiva. "Ainda hoje não consigo pensar em uma pessoa que fosse mais falsa", diz ele. "Ela é uma das pessoas mais agradáveis", Don protesta. "Tratou-o otimamente, tentou várias coisas, arranjou empregos para ele e tentou lidar bem com tudo, mas aquilo estava ferrando a família toda, o jeito dele agir e algumas coisas que ele estava fazendo - e outras que não estava."

Kurt matava aula e recusava-se a fazer seus deveres de casa. Don diz que ele nem sequer apareceu para o trabalho de ajudante de garçom que ele lhe arranjara. Ele começou a atormentar seu meio-irmão mais novo e não gostava muito de sua meia-irmã mais nova também - mesmo ela sendo quatro anos mais nova que ele, era ela quem tomava conta dele quando seus pais saíam.

Em seguida, ele notou que seu pai começou a comprar vários brinquedos para seus meio-irmãos. Enquanto ele se escondia em seu quarto no porão, eles iam ao shopping e depois voltavam com um Starhorse ou um caminhão Tonka. "Tentei de tudo para fazê-lo se sentir querido, para ser parte da família e tudo o mais", diz Don, que afirma ter conseguido legalmente a custódia de Kurt só para fazê-lo se sentir mais parte da família. "Mas ele simplesmente não queria estar lá, queria estar com sua mãe e ela não queria ele. E então agora ela é a boazinha e eu é que sou o vilão da história."

Mas talvez haja algo mais do que isso. "Sou sentimental de vez em quando, mas outras vezes não, e simplesmente não sei como me expressar", Don admite. "Às vezes meu jeito orgulhoso fere os sentimentos das pessoas. Não estou tentando machucá-las, mas não percebo que estou fazendo isso, eu acho." Talvez algo do tipo tenha acontecido com Kurt. "Talvez", diz ele. "Definitivamente."

Estranhamente, Don parece ter verdadeira amnésia sobre seus anos com Kurt. Apesar de agora ele dar a impressão de ser um homem simples e amável, a tensão do divórcio pode ter trazido à tona um lado seu mais obscuro. "Por acaso o eduquei com mãos de ferro?", diz ele. "Ok, minha esposa diz que sim. Eu provavelmente explodo antes de pensar. E magôo as pessoas. E passo por cima, esqueço daquilo e ninguém mais esquece. Pois é, meu pai me batia com um cinto e coisas assim, me deixava com o olho roxo e coisas desse tipo, mas não sei, eu batia nele com um cinto, sim."

"Tudo o que Kurt fazia refletia em Don", diz Wendy. "Se ele se saía mal em um jogo de beisebol, depois do jogo ele simplesmente ficava enfurecido a ponto de humilhar Kurt. Ele nunca permitiu que Kurt fosse uma criancinha. Ele queria que ele fosse um pequeno adulto e se comportasse perfeitamente, que nunca fizesse nada de errado. Ele dava uns cascudos nele e o chamava de idiota. Ele ficava irritado muito rápido e - pá, pancada na cabeça. Minha mãe diz que se lembra de uma vez em que ele jogou Kurt no quarto quando ele tinha mais ou menos seis anos". Don afirma não se lembrar de nada disso.

"Isso se chama 'negação'", replica Wendy.

Depois do divórcio, Don começou a trabalhar no Mayer Brothers, uma companhia madeireira, como controlador de mercadorias. "Basicamente", diz Kurt, "ele apenas andava de um lado para o outro o dia todo e contava os troncos".

"Sua idéia de passeio de pai e filho era me levar para o trabalho aos sábados e domingos", continua Kurt. "Eu ficava sentado em seu escritório enquanto ele ia contar as lenhas. Realmente um fim de semana muito empolgante." No escritório de seu pai, Kurt desenhava figuras e passava trotes pelo telefone. Às vezes ele saía para ir até o depósito e ficava brincando sobre as pilhas de madeira. Depois de toda aquela excitação, ele ia para a van do seu pai e escutava repetidas vezes a faixa oito do News of the World do Queen. Às vezes ficava tanto tempo escutando que esgotava a bateria e eles tinham de achar alguém para ajudar a ligar o motor.
Don costumava correr por aí com o grupo de atletas do colégio, mas nunca se destacou nos esportes, talvez porque fosse pequeno para sua idade. O pai de Don esperava muito dele, mas ele simplesmente não podia competir. Alguns acreditam que tenha sido por isso que ele empurrou Kurt para os esportes.

Don fez Kurt entrar para o time júnior de luta greco-romana do colégio. Kurt odiava os exercícios exaustivos, e odiava ainda mais ter de passar o tempo com os atletas. "Eu odiava aquilo - odiava cada segundo", diz Kurt. "Eu simplesmente odiava demais aquilo." Ele voltava para casa à noite depois das práticas, "e havia aquela refeição repugnante e ressecada que minha mãe adotiva tinha cozinhado com muito amor e preparação, e ela estava largada lá desde a hora do jantar, o forno no fogo baixo e tudo era seco e horrível. Ela era a pior cozinheira do mundo".

Mesmo assim, Kurt diz que se saiu muito bem na luta greco-romana, especialmente porque ali podia descarregar sua raiva. Mas no dia de uma luta em um grande campeonato, Kurt resolveu vingar-se de seu pai. Ele e seu oponente andaram até o local da luta e colocaram-se em posição enquanto Don sentava-se na arquibancada, torcendo por seu filho. "Eu estava agachado e olhei para o meu pai, dei um sorriso e esperei soar o apito", diz Kurt, "estava fitando o seu rosto e de repente fiquei parado - cruzei os braços e deixei o cara me imobilizar. Você precisava ter visto a expressão no rosto dele. Ele realmente foi embora no meio da luta porque eu fiz isso umas quatro vezes seguidas". Don não se lembra desse episódio também, mas Kurt fala que o incidente resultou em uma das vezes que ele teve de sair de casa e ir morar com seus tios.

Don até levou Kurt para caçar uma vez, mas logo que chegaram na floresta, Kurt recusou-se a seguir adiante com a farra da caça. Ele passou o dia todo, de manhã até a noite, no caminhão. "Agora que olho para trás", diz Kurt, "sei que tive a percepção de que matar animais é errado, principalmente por esporte. Não entendi isso no momento. Só sabia que não queria estar lá".

Nesse meio-tempo, Kurt começou a descobrir outros tipos de rock além dos Beatles e dos Monkees. Don tinha começado uma coleção de discos bem séria depois que alguém sugeriu que ele entrasse no clube de discos e fitas da Columbia House. Todo mês, álbuns de bandas como Aerosmith, Led Zeppelin, Black Sabbath e Kiss chegavam pelo correio. Don nunca chegou a abri-los mas, poucos meses depois, Kurt o fez.

Kurt havia começado a andar com um grupo de caras que ostentavam colares de conchinhas, cabelos emplumados e camisetas do Kiss. "Eles eram mais velhos do que eu - deveriam estar no colegial", diz Kurt. "Eles estavam fumando maconha e eu simplesmente achei que eram mais legais do que meus amigos nerds do quarto ano que assistiam Happy Days. Deixei-os vir até minha casa e comer minha comida, apenas para ter amigos."

Aqueles caras malucos logo notaram a impressionante coleção de discos de Don e incitaram Kurt a tocar os discos. "Depois que fui envolvido naquela música", diz Kurt, "comecei a me transformar em um moleque meio maconheiro".

"Ele nunca se revelou e disse qualquer coisa, mesmo nos seus primeiros anos, sobre o que realmente o estava perturbando ou o que ele queria", diz Don. "Ele é como eu - não diga nada e talvez aquilo desapareça ou algo assim. E não explica. Tudo simplesmente se acumula e tudo acaba extravasando de uma só vez."

"Ele se casou e depois daquilo eu era uma das coisas menos importante na sua lista", diz Kurt. "Ele simplesmente desistiu, porque estava convencido de que minha mãe havia feito uma lavagem cerebral em mim. É algo realmente patético e frágil para fundamentar a existência de seu filho.

De modo algum penso em meu pai como um machão ignorante", diz Kurt. "Ele não é metade do que vi muitos pais serem." Então qual é exatamente a queixa de Kurt contra seu pai? "Nem eu mesmo sei", confessa ele. "Queria poder lembrar mais. Nunca me senti como se realmente tivesse um pai. Nunca tive uma figura paterna com a qual pudesse compartilhar as coisas."

No final, Don também não soube lidar com seu filho, então Kurt foi jogado de um lado para o outro pela família, e acabou vivendo com três grupos diferentes de tios e tias, bem como com seus avós por parte de pai. Ele se mudava pelo menos duas vezes por ano para Montesano e Aberdeen, trocando também de colégio.

Wendy sabia que deveria recebê-lo de volta, mas tivera seus próprios traumas - ela finalmente havia se livrado do paranóico esquizofrênico, que havia abusado dela mental e fisicamente. Uma vez ela até acabou no pronto-socorro. Desde então ela havia perdido seu emprego e pedido ao seu irmão Chuck, o músico, para tomar conta de Kurt.

No 14º aniversário de Kurt, Chuck disse a ele que poderia ganhar uma bicicleta ou uma guitarra. Kurt pegou a guitarra, um modelo de segunda mão que mal funcionava, e um surrado amplificador de dez watts. "Acho que não era nem mesmo uma Harmony", diz Kurt sobre a guitarra. "Acho que era uma Sears." Ele largou a bateria e teve aulas de guitarra por mais ou menos uma semana, tempo suficiente para aprender a tocar "Back in Black", do AC/DC. "Os acordes se parecem muito com os de 'Louie, Louie'", diz ele, "e isso é tudo o que se precisa saber". Depois disso, ele começou a escrever suas próprias músicas. Seu professor de guitarra, Warren Mason (que tocou em uma banda com Chuck), se lembra de Kurt como "um moleque quieto e bacana". Kurt nega veementemente, mas Mason diz que ele realmente queria aprender a tocar "Starway to Heaven".

Kurt achava Aberdeen assustadora. Comparada com Montesano, Aberdeen era como que a grande cidade. "Apenas achava que aqueles garotos eram de uma classe mais alta e que eu não era suficientemente digno de estar em seu grupo", diz ele.

Na sala de aula, ele lia livros de S. E. Hinton tais como Rumblefish e Outsiders, evitando falar com qualquer pessoa. Diz ele que não fez um único amigo naquele ano. Em vez disso, ele voltava para casa todo dia e tocava guitarra até a hora de ir para a cama. Já sabia tocar "Back in Black" e arranhava alguns outros covers - "My Best Friend's Girl" e "Louie, Louie", do The Cars, e "Another One Bites the Dust", do Queen.

No início de 1980, quando Kurt tinha 12 anos, ele e seu amigo Brendan viram o B-52's no "Saturday Night Live". Eles foram contagiados pelo vírus da new wave e Brendan fez seus pais comprar para ele um par de Vans xadrez. O pai de Kurt não podia bancar isso, então ele simplesmente desenhou uma estampa xadrez nos seus tênis de sempre.

No verão, antes do décimo ano escolar, Kurt começou a acompanhar as façanhas dos Sex Pistols na revista Creem. A idéia do punk rock fascinou-o. Infelizmente, a loja de discos em Aberdeen não possuía qualquer disco de punk rock, então ele não sabia como aquilo soava. Sozinho no seu quarto, ele tocava o que achava que soasse parecido - "três acordes e muita gritaria", diz Kurt. Não muito fora do esquema, como se constatou posteriormente.

Alguns anos mais tarde, finalmente ele encontrou um disco "punk", o álbum triplo, vasto e eclético do The Clash, Sandinista, e ficou desapontado quando aquilo não soou como ele pensava que o punk soasse.

Kurt descreve suas primeiras músicas como "riff-rock realmente rude". "Era parecido com Led Zeppelin, mas era tosco e eu estava tentando fazer aquilo do modo mais agressivo e medíocre possível", diz ele. "Eu pensava 'Como realmente deve ser o punk rock? O que ele é? Quão violento ele é?', e tentava tocar do modo mais violento que podia. Deixar o volume do meu pequeno amplificador de dez watts tão alto quanto era possível. Eu simplesmente não tinha idéia do que estava fazendo."

"Foi definitivamente uma boa prévia", diz Kurt. "Eu considerava aquilo o meu trabalho. Era a minha missão. Eu sabia que precisava praticar. Tão logo peguei minha guitarra, simplesmente fiquei obcecado por ela."

"Tinha essa impressão o tempo todo - sempre soube que estava fazendo algo que era especial", diz ele. "Sabia que era melhor, ainda que não pudesse provar isso naquele tempo. Sabia que tinha algo a oferecer e sabia que acabaria tendo a oportunidade de mostrar às pessoas que eu era capaz de escrever boas canções - que podia dar alguma contribuição musical ao rock and roll."
Kurt estava desesperado para dar o próximo passo lógico e montar uma banda. "Queria ver como era escrever uma música e ver como ela soava com todos os instrumentos de uma vez", diz Kurt. "Eu só queria isso. Pelo menos para treinar. Era tudo o que eu queria." Foram mais quatro anos antes que ele achasse uma banda, mas não por falta de tentativa.

Na escola, ele conheceu dois garotos, Scott e Andy, que tocavam baixo e guitarra e se encontravam para tocar em um frigorífico abandonado no meio da floresta. Kurt foi lá e tocou um dia, e os três decidiram montar uma banda. Kurt concordou em deixar sua guitarra lá, porque, afinal de contas, ele iria voltar no dia seguinte e ensaiar novamente. Porém, Scott e Andy foram adiando o ensaio, e os dias viraram semanas e as semanas viraram meses. Kurt não podia pegar seu instrumento de volta porque não tinha carro, e sua mãe não o levaria lá. Ele se virou com uma guitarra para destros de um garoto cuja mãe havia morrido e que estava ficando na casa dos Cobain. "Ele era o tipo de cara chapado que era realmente mudo e bobão", diz Kurt. "Gostava dele porque ele era uma pessoa realmente deprimida." Finalmente, Kurt arrumou um amigo para levá-lo à floresta no lugar onde estava sua guitarra e eles a encontraram aos pedaços - só o braço e umas cordas. Kurt fez cuidadosamente um novo corpo para ela em uma madeireira, apenas para descobrir que ele não sabia as proporções corretas para fazê-la ficar afinada.

"Quando eu era muito mais novo, por volta dos sete anos, pensei que com certeza eu poderia ser um rock star", diz Kurt. "Não havia problema algum porque eu era tão hiperativo e o mundo estava nas minhas mãos - eu podia fazer qualquer coisa. Sabia que poderia ser o presidente se eu quisesse, mas isso era uma idéia idiota - preferia ser um rock star. Não tinha nenhuma dúvida. Eu estava muito interessado nos Beatles e não entendia o mundo ao meu redor, o que o futuro me reservava, qual tipo de alienação eu sentiria como adolescente."

"Eu pensava em Aberdeen como uma cidade igual a qualquer outra na América", continua. "Pensava que eram todos iguais - todos se entendiam e a violência não chegava nem perto do que de fato era, e que seria realmente fácil. Achava que os Estados Unidos fossem tão grandes quanto meu quintal, então não haveria problema em dirigir por toda parte e tocar em uma banda de rock e ser capa de revistas e coisas assim.
Mas aí, quando comecei a me tornar esse maníaco depressivo aos nove anos, eu não olhava para isso dessa forma. Parecia irreal demais."

Lá pelo décimo ano escolar, Kurt havia abandonado todas as fantasias da fama. "Eu era tão inseguro naquela época", ele diz. "Tinha tão pouca auto-estima que nem sequer podia pensar em finalmente me tornar um rock star, em não me importar em lidar com o que esperariam de um rock star. Não podia me imaginar aparecendo na televisão ou dando entrevistas ou qualquer coisa parecida. Coisas desse tipo nem sequer passavam pela minha mente naquela época. "

O pai de Kurt o havia feito entrar para o time Babe Ruth da liga de beisebol. Basicamente, ele só esquentava o banco, e sempre que era chamado para pegar o taco, ele batia para fora de propósito, de forma a não ter de participar do jogo. No banco, ele passava o tempo com um cara chamado Matt Lukin e eles conversavam sobre Kiss e Cheap Trick. Os dois haviam se encontrado antes em aulas de eletrônica no Montesano High [Colégio de Montesano]. Lukin lembra-se de Kurt como "aquele garotinho rebelde de cabelo ensebado".

Lukin tocava baixo em uma banda local chamada Melvins, que Kurt já havia visto ensaiar uma noite, no verão anterior ao nono ano escolar. Brendan, o amigo de Kurt, conhecia alguém que conhecia o baterista dos Melvins e eles arranjaram um convite para o ensaio da banda, que era no sótão da casa de alguém. Os Melvins ainda não tinham virado punks, e tocavam covers de Hendrix e The Who.

Foi a primeira vez que Kurt viu uma banda de rock de verdade assim de perto e ele ficou muito excitado. "Eu bebi vinho a noite toda e estava realmente bêbado e desagradável e me lembro de tê-los cumprimentado um milhão de vezes", diz Kurt. "Estava muito empolgado em ver pessoas da minha idade em uma banda. Era demais. Eu estava pensando, 'Uau, esses caras são tão sortudos'."

Cansados daquele pequeno puxa-saco, eles enxotaram Kurt, que, ainda bêbado, caiu da escada do sótão assim que saiu.

Na aula de arte no Montesano High naquele ano, Kurt encontrou-se novamente com Buzz Osborne, o líder dos Melvins, um garoto atarracado de aparência selvagem, dois anos mais velho. Naquele tempo, Osborne era um grande fã do The Who, mas logo se voltou para o punk rock. Ele tinha um álbum de fotografias dos Sex Pistols que deixou Kurt pegar emprestado. Kurt ficou fascinado. Era a primeira vez que ele via o punk rock em outro lugar que não naquelas poucas e preciosas páginas da Creem. "Aquilo era os Sex Pistols em toda sua selvageria", diz Kurt, "e eu pude ler sobre eles e tudo mais. Foi muito legal". Em pouco tempo, ele estava desenhando o logotipo dos Sex Pistols na sua carteira em todas as aulas e por todo o seu fichário Pee-Chee.* Então começou a contar para todo mundo que o ouvia que ele iria fundar uma banda de punk rock e que ela iria ser realmente popular, ainda sem fazer a menor idéia de como soava o punk rock.

"Ele me impressionou como uma aberração", diz Kurt sobre Osborne. "Alguém que eu definitivamente queria conhecer." Kurt invejava Osborne porque ele tinha uma banda de punk rock que de fato tocava às vezes em Seattle e em Olympia. "E aquilo era tudo o que eu realmente queria fazer naquele momento", diz Kurt. "Eu não tinha nenhuma grande expectativa sobre a minha música. Só queria ter a chance de tocar na frente de algumas pessoas em Seattle. A idéia de estar em uma banda bem-sucedida o suficiente para realmente sair em turnê era mais do que eu podia querer naquela época."

Os Melvins também tinham o baterista original Mike Dillard, que mais tarde foi substituído por Dale Crover. Na sua primeira fase punk, eles tocavam um hardcore mais veloz do que a luz. Então, quando todos começaram a fazer o mesmo, eles passaram a tocar provavelmente o mais devagar que podiam, só para encher o saco de todo mundo. E para realmente encher o saco, injetaram heavy metal na mistura. Com o seminal álbum Gluey Porch Treatments de 1987, os Melvins iriam se tornar um dos pais fundadores do que veio a ser finalmente conhecido como grunge - uma forma nova, mutante, de punk rock que absorveu o heavy metal tão bem quanto bandas proletárias de hard rock setentistas, como Kiss e Aerosmith. Seu som revolucionou a cena musical de Seattle, que tinha sido previamente dominada por bandas de art-rock.

Os Melvins já tinham tocado em Seattle quando Kurt os viu pela primeira vez, e em 1985, tinham aparecido na protéica coletânea Deep Six ao lado de U-Men, Soundgarden, Green River, Malfunkshun e Skin Yard. Exceto pelo art-rock da U-Men, todas misturavam diversos tipos de punk, hard rock estilo anos 1970 e heavy metal proletário em um rude porém efetivo hibridismo musical.

Kurt às vezes ajudava os Melvins a carregar seu equipamento até Seattle para os shows. Aberdeen não tinha exatamente uma história musical - apesar da banda de speed metal Metal Church, que vendeu metade de um disco de platina, ser da cidade - e uma banda que tocava em Seattle era uma grande notícia.

Kurt estava muito infeliz por estar sendo jogado de um lado para o outro, de um parente para outro. Em maio de 1984, Wendy casara-se com Pat O'Connor, um estivador. Naquele tempo Pat estava na bebedeira pesada e Wendy já estava ocupada demais com aquilo - ela não achava que pudesse lidar também com Kurt, mas ele finalmente a convenceu a acolhê-lo de volta. "Levei meses chorando ao telefone todas as noites, tentando convencê-la a me deixar viver com ela", diz Kurt.

Certa noite Pat saiu e só voltou depois das sete da manhã, bêbado e, como Wendy coloca, "impregnado do fedor de uma garota". Ela estava furiosa, mas assim mesmo foi para o trabalho na loja de departamentos. Então um par de vagabundos entrou na loja só para tirar sarro dela. "Ei, onde estava Pat na noite passada?", zombaram eles. Wendy ficou tão brava que saiu e encheu a cara com uma amiga, depois voltou para casa e explodiu com Pat. Na frente de ambas as crianças, ela tomou uma das várias armas dele do guarda-roupas e ameaçou atirar nele - mas ela não sabia como carregar a pistola. Então ela pegou todas as suas armas - revólveres, pistolas, rifles, armas antigas - e arrastou-as pela viela, enquanto Kim carregava uma grande sacola de balas, até o rio Wiskah e lá as jogou.

Kurt estava assistindo da janela do seu quarto. Mais tarde naquele mesmo dia, ele pagou dois garotos para pescar quantas armas eles conseguissem encontrar e depois as vendeu. Kurt comprou seu primeiro amplificador com o dinheiro que conseguiu. Então levou o cara que vendeu o amplificador até seu traficante e o cara gastou todo o dinheiro em maconha.

Kurt tocava sua guitarra muito alto. Os vizinhos reclamavam. Wendy deixava marcas no teto com seu cabo de vassoura. Kurt adorava quando a família saía para fazer compras ou algo assim, porque aquilo significava que ele podia botar para quebrar. "Nós voltávamos para casa na esperança de ela ainda ter janelas", diz Wendy. Kurt tentava fazer que seus amigos tocassem com ele, mas nenhum deles tinha qualquer talento musical. Ele era bem mandão e direto na sua crítica. Ele sabia exatamente o que queria.

Ninguém sabia que ele também estava cantando lá em cima no seu quarto. "Um dia", diz Wendy, "Pat e eu o escutamos. Ele estava cantando muito baixo. Ele não queria que nós o escutássemos. Colocamos nossos ouvidos na porta e nos entreolhamos, torcemos nossos narizes e dissemos: 'melhor ficar com a guitarra'".