quarta-feira, 30 de abril de 2014

Curtas sergipanos

O Teatro Atheneu ficou lotado na última quinta-feira, dia 24 de abril, durante a exibição dos curtas produzidos com recursos da Secretaria de Estado da Cultura. Fui ver com o espírito aberto, e devo dizer que me diverti com o que vi – e não estou falando no sentido pejorativo, já que não fui com a intenção de “catar piolho” e focar apenas nos defeitos do material apresentado. Eles existem, e são muitos, mas não anulam o fato de que há um esforço genuíno para a produção de material audiovisual em nosso estado e ele precisa ser valorizado. Porque, principalmente, é muito bom ver nossa terra e nossa gente retratada na tela grande.

A maratona começou com “Conflitos e Abismos: A Expressão da Condição Humana”, em que minha camaradinha “Teteca”, hoje conhecida como Everlane Moraes, seu nome de batismo, faz uma bela homenagem a seu pai, o artista plástico José Everton. Utilizando-se de efeitos gráficos interessantes e do auxilio luxuoso de Yuri Alves, figurinha carimbada nos eventos alternativos da cidade, ela deu vida às imagens e conceitos narrados em primeira pessoa pelo próprio homenageado. A narrativa, entretanto, é um tanto quanto “truncada”, imprecisa e monocórdica, com um discurso confuso e por vezes até contraditório, já que segue o fluxo de pensamento do personagem, sem grandes elaborações teóricas – até porque ele não é nenhum filósofo, no sentido acadêmico do termo. A montagem também é deficiente, o que faz com que o filme termine de forma abrupta, de “sopetão”. Mas o resultado é bonito e pra lá de satisfatório. Foi aplaudido efusivamente – todos foram, o público estava animado ...

Em seguida tivemos “Morena dos Olhos Pretos”, de Isaac Dourado. Um documentário sobre a forrozeira Clemilda – ou seria sobre o forró em geral? Não dá pra saber, pois ficou confuso, já que o diretor parece ter se empolgado demais e perdido o foco ao ponto de terminar homenageando Josa, o vaqueiro do sertão, embora de forma um tanto quanto questionável, mostrando-o muito doente, em estado crítico. Além disso, a montagem é bastante deficiente, quase aleatória – o pessoal precisa estudar melhor esta verdadeira arte em si que é, no final das contas, o coração do filme, já que é através dela que se imprime o ritmo e a forma como a história é contada na tela. Salta aos olhos – e  aos ouvidos –, também, a ausência de imagens do programa que Clemilda apresentou por muitos anos na TV Aperipê, o “Forró no asfalto”. Temos, por outro lado, importantes imagens de arquivo com entrevistas e trechos da homenagem feita à cantora na penúltima edição do Forrocaju. No final das contas, o curta serve mais como uma prévia do longa que, soube depois, está prometido. Se for melhor trabalhado, especialmente na mesa de edição, pode ficar muito bom.

Madona e a Cidade Paraíso”, de André Aragão, cujo título faz uma ironia com o título até pouco tempo ostentado por Aracaju, o de “capital da qualidade de vida”, é uma ficção baseada num fato real – e triste –: o assassinato da travesti “Madona”, no centro da capital sergipana. O ponto forte do filme são as imagens documentais mostrando o dia-a-dia da cidade durante a realização do pré-caju, auto-proclamada “maior previa carnavalesca do Brasil”. Com direito a uma aparição relâmpago, inclusive, do folclórico “Sapulha”, uma das muitas "criaturas das trevas" que povoam nossas ruas. O clima de decadência festiva, típico do cotidiano de uma parcela considerável de nosso povo, é bem retratado. Ao som da versão de “like a virgin” cometida pelo grupo Asas Morenas, muito popular no extrato social retratado, assistimos às peripécias do personagem principal, em boa interpretação de Ivo Adnil, e sua amiga Folosa, vivida por Zelda Leite. O roteiro, no entanto, é confuso e cheio de clichês. O maior deles está justamente na cena final, em que playboys caricatos assassinam Madona de forma bárbara nas imediações do Beco dos Cocos. Há uma clara tentativa de emulação de cenas violentas de filmes norte-americanos da década de 70, tipo “warriors”, representada na principal arma utilizada por um dos “meliantes”, um taco de beisebol, pouco usual pelas bandas de cá. Somado às interpretações, muito fracas, e à coreografia das cenas em si, um tanto quanto mambembes, temos ao final um resultado não de todo ruim, mas bastante irregular. O que não deixa de ser um avanço se comparado à estréia do diretor, que se deu com o badalado – e profundamente equivocado – “Xandrilá”. Neste, assim como naquele, o destaque vai para a fotografia, a cargo de Arthur Pinto - de bom gosto e com toques de ousadia em ângulos inusitados.

Para Leopoldina”, de Diane Veloso e Moema Pascoini, é certamente, de todos, o mais bem acabado e “cinematograficamente adequado”, digamos assim, muito embora tenho destoado dos demais por ter um ritmo mais lento, reflexivo. Não por acaso, e paradoxalmente, foi o que eu menos me diverti assistindo. Mas suas qualidades são inegáveis, notadamente as boas intepretações, especialmente da protagonista, e o roteiro, enxuto e muito bem conduzido, filmado num ritmo adequado – embora lento. A montagem, verdadeiro calcanhar de aquiles da noite, é também muito bem resolvida. Fosse uma disputa, ganharia “de lavada”. Não é, no entanto, uma obra perfeita: perde muito tempo, por exemplo, mostrando o processo de seleção de um dos funcionários do asilo, em cenas perfeitamente descartáveis, porque de pouca importância para a trama. Mas segue firme e sustenta a narrativa até o final triunfal, com uma belíssima imagem filmada em traveling num dia chuvoso.

Operação Cajueiro – Um Carnaval de Torturas”, de Fábio Rogério, Vaneide Dias e Werden Tavares, era o mais aguardado – por mim, pelo menos, já que o tema me é caro – e foi, infelizmente, o que mais decepcionou, como produto cinematográfico. Tinha a nobre intenção de resgatar um episódio negro e nebuloso de nossa história, a “Operação Cajueiro”, ápice da intervenção do regime ditatorial militar em solo sergipano, mas o fez de forma canhestra, preguiçosa, sem um pingo de ousadia. Resume-se a uma sucessão de imagens “chapadas” de depoimentos enfileirados, com montagem deficiente e sem nenhuma intervenção ilustrativa da parte dos realizadores, já que as únicas imagens de arquivo utilizadas estão no início e no fim do filme. Recursos gráficos poderiam ter sido inseridos no meio das falas, para que se desse ao espectador um descanso diante de tanta narrativa – no mais, prejudicada por problemas na captação de áudio e na sincronização do som. Mas não foram. Uma pena. O produto final, embora imperfeito, tem seu valor, em todo o caso: finalmente alguém teve a iniciativa de registrar, de alguma forma, o sinistro episódio do qual ouço falar desde os tempos em que participei de uma espécie de “Curso de introdução ao marxismo”(ou algo parecido) promovido pelo PCB e ministrado por Wellington Mangueira, no final dos anos 1980.

Encerrando a noite, um belo show da Coutto Orquestra.

Foi bom pra mim.

Me diverti.

A

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Um comentário:

Lícia Melo disse...

Parabéns pelos comentários!!! Aqui me sinto confortável em comentar. Ando farta das polêmicas infundadas que surgem nessas terras tupiniquins. kkkk
Não assisti a tds os filmes, na verdade só vi Madona! E de todas as críticas que li, a sua me parece ser a mais coerente, levando em consideração a feita ao único curta assistido por mim. A cena precisa de críticos mais imparciais, como vc me pareceu ser, e menos puxa saco dos conhecidos.