quinta-feira, 1 de maio de 2014

ABRIL PRO ROCK 2014

Fui na primeira noite do Abril pro rock basicamente pra ver o Sebadoh, e não me arrependi, apesar do show curto no qual já entraram chutando o pau da barraca e mandando um rock “low fi” totalmente isento de frescuras e firulas. A apresentação foi dividido em três partes, com Lou Barlow tocando guitarra na primeira e na última. Num estilo bem peculiar, com palhetadas rápidas e esparsas. Não teve muito papo nem enrolação, nem quando o microfone caiu e Barlow teve que se prostar para continuar cantando e tocando, já que também não havia roadie, aparentemente – Bruno Montalvão saiu correndo de trás do palco para ajudar mas já era tarde, o cara já tava lá no chão de joelhos feito um adorador de Allah. Foi bonito.

Autoramas
Pena que o publico, pequeno, apático e disperso, não estava nem aí pra eles. Foi o público menos “rock” que eu já vi no Abril pro ROCK. A grande atração da noite para eles, pelo que entendi, já tinha se apresentado, era Tulipa Ruiz – que tocou cedo por conta de compromissos na agenda. Estavam ali apenas esperando, para a minha surpresa, um tal de Johnny Hooker, a julgar pela comoção que foi quando o mancebo subiu ao palco na seqüência. Foi uma cena peculiar: uma das mais fodidas e importantes bandas do indie rock se apresentando e quase ninguém prestando atenção. O povo queria molejo, malemolência, suingue, e teve: Johnny Hooker entrou com um figurino bizarro, blusa de redinha transparente deixando os mamilos em chamas à mostra e um cinto dourado breguééérrimo, fazendo um som dançante e romântico, totalmente Sidney Magal meets Ney Matogrosso - e arrasou! A platéia foi ao delírio! Nem sei o que dizer, já que não faz parte do meu show ...

Kataklysm
Ainda tentei tirar um cochilo deitando no chão do Chevrolet Hall pra esperar pelo Autoramas com Renato dos Blue Caps, mas desisti quando acordei ao som de um merengue paraense. Era Felipe Cordeiro, no palco. Não vou dizer que era ruim, porque não era, mas não é a minha praia, definitivamente.

Antes do Sebadoh tivemos uma tal de Orquestra Betodélica, que entrou alucinada, cheia de gente muito animada, mas com uma proposta, no mínimo, confusa, misturando não sei o que com não sei o que lá e alguns toques de psicodelia setentista regada a flauta doce. Nos melhores momentos lembrava algo do rock brasileiro com pitadas de mpb dos anos 70, tipo Secos e Molhados, mas de forma vaga, bem distante. Fiquei sabendo através do meu camarada Rogério Big Brother que eram representantes da nova cena independente do Recife, autodenominada “Movimento Manguebeto”. Ta serto ...

Obituary
Gostei da versão de “Porque Brigamos”, de Diana, que Bárbara Eugênia fez. Sou saudosista, me amarro em ouvir essas musicas que eu ouvia no rádio quando era guri. Já do show da Tulipa Ruiz, não gostei. Um monte de gente boa já me recomendou a moçoila, mas não entra, tem jeito não. Gostei do Trummer SSA, que estava tocando num palco alternativo montado ao lado da rural de Rogê de Renô. É um projeto de Fabio, do Eddie, com um pessoal do Vivendo do Ócio, de Salvador. Fabio Trummer é foda, grande compositor. Adentrei o recinto com eles no palco, o que significa que, lamentavelmente, perdi o Jonathan Richard, rockabilly de Caruaru ...

Pula pra noite das camisas pretas. Clima TOTALMENTE diferente, a começar pela verdadeira multidão que se acumulava na frente do Chevrolet Hall desde o início da verdadeira maratona que se estenderia até altas horas da madrugada. Fila enorme pra comprar ingresso. Enfrentei a via crucis, como qualquer mero mortal – sempre penso que poderia procurar um credenciamento via programa de rock, já que todo ano vou lá e faço a cobertura do evento, mas sempre deixo pra lá – e entrei com o Krow no palco. Meio “genérico”, mas é uma boa banda de death metal. Comprei a camiseta deles na barraquinha do Big Brother. Muito bonita – e bem mais barata que a do Obituary, meu sonho de consumo do momento ...

Olho Sêco
Desalma, que tocou na seqüência, faz aquele thrash mais “moderno”, meio Pantera, meio “nu metal”. Curto não. Parte do show foi com uma banda percussiva chamada Bongar. Continuei não gostando. Gostei do Conquest for Death, dos Estados Unidos. Hard Core altamente energético e perfomático. Aeróbico, até. Som na velociade da luz, flertando com o grindcore ...

Do Olho Seco nem há muito o que falar, a não ser que foi um show histórico. É o Fabião velho de guerra com uma galera mais nova escudando, dentre eles um baixista meio metaleiro, cabeludo e com uma camiseta do Sepultura. O guitarrista tem a mão pesada e reproduziu com fidelidade os riffs básicos daquela seqüência de músicas clássicas do punk rock mundial. Foi emocionante ver a galera cantando “Isto é olho seco” ao som da marcação do bumbo. Dá até pra perdoar o trecho infeliz de “Nada” em que ele sugere que se deveria proibir a imigração para São Paulo ...

Mukeka di rato
Agora um desabafo: Eu não agüento mais o Mukeka Di Rato ao vivo! O ultimo disco de estúdio, “Atletas de Fristo”, até que é bom, mas no palco eles parecem uma banda que já passou do ponto de acabar. E o principal culpado parece ser Sandro, vocalista: desde sua volta sinto-o apático, destoando do resto da banda, que continua no gás de sempre. Ele não berra mais as letras, limita-se a recitá-las ao microfone de forma hesitante, insegura. A impressão que dá é que ele está sempre pensando algo do tipo “que que eu to fazendo aqui, já velho, barrigudo, cantando essas musicas de moleque revoltado”. Teria sido bem mais interessante a escalação da Gangrena Gasosa, que lançou recentemente um DVD sensacional, contando sua história, mas não foi desta vez que vimos os mestres do “sarava metal” no nordeste. Conversei sobre isso com Rogério Big Brother e ele acha que é o tipo de banda com a qual Paulo André não se arrisca – “já pensou o prejuízo se eles jogam uma bacia de farofa na mesa de som digital?”. Mas esta é uma idéia equivocada, pois eles há tempos vêm trabalhando de forma mais profissional, sem os arroubos de insanidade e falta de noção que marcaram sua trajetória. É, no entanto, compreensível que se pense assim, dado o próprio histórico dos cariocas, e o fato de que eles ainda usam esta “má fama” como marketing. Nem poderia ser diferente, porque é ótimo. Mas tem seu preço.

A seqüência punk/HC foi interrompida pelo Hibria, banda de Heavy Metal do Rio Grande do Sul. Aproveitei para descansar, comer algo – ruim, caro, e com poucas opções, infelizmente. O Abril já foi bem melhor nesse quesito – e circular pelas banquinhas de material, que, depois de um longo período de vacas magras, parecem estar se recuperando. Graças, principalmente, à renovação do interesse pelos discos de vinil, disponíveis para venda em grande quantidade. No lado direito havia também um espaço dedicado à moda, que eu visitei apenas na sexta e não me despertou grandes interesses.

Voltei a prestar atenção no palco quando Vladimir Korg apresentou o Chakal como “uma banda de metal do mal lá de Minas Gerais”. Bom show, boa presença de palco. O metal mineiro é bem peculiar, com uma sonoridade própria, crua, beirando o punk, e isso é bom. Mas devo confessar que nunca fui muito fã das bandas de lá não. Sempre admirei bastante a cena, mas a verdade é que acompanhava de longe, nunca parei pra ouvir de verdade a maioria dos grupos. E continuei com a mesma impressão depois deste show do Chakal: é legal, mas falta algo. Composição, talvez. Acho tudo muito tosco, sem definição. Vale mais pela atitude e pela persistência dos caras. Mas esta é uma opinião bem pessoal, há uma verdadeira legião de seguidores desse estilo “cogumelo” de ser, e eles estavam todos lá, emocionadíssimos, cantando juntos. Isso foi bonito de ver. O rock me emociona.

Havoc, gringa, já navega mais pela praia do revival thrash capitaneado por Violator e Municipal Waste, e é muito boa. Nada de novo, como sempre, já que tradição aqui é a tônica da proposta, mas os caras são bons compositores, para além de excelentes músicos e “performers”, o que faz toda a diferença. Um grata surpresa pra mim, que não conhecia.

A esta altura dos acontecimentos o cansaço já batia pesado em todos, mas a barulheira teria um “grand finale” à altura da noite com um encontro de duas gerações do “Metal da morte” protagonizada pelo Kataclysm, do Canadá, e o Obituary, mestres da cena de Death Metal da Florida que causou furor no final dos anos 80 e início dos 90 em torno do Morrisound Studios de Scott Burns – que hoje trabalha com informática. Se afastou do ramo da musica com uma triste constatação: “Eu acho que terminou, está acabado. Não há boas bandas novas, as cópias são vergonhosas, quatro ou cinco bandas irão sobreviver, o resto irá desaparecer.” Seu último trabalho como produtor foi justamente para o Obituary, no álbum “Frozen in time”, de 2005.

Não deu pra prestar atenção no Kataclysm, sorry. Tive que descansar para o que viria a seguir, que foi catártico, apoteótico, destruidor! Bateu aquele tradicional arrepio na espinha ao ver John Tardy se posicionar na frente do palco e emitir o primeiro de seus berros guturais super característicos. O que se viu a partir dali foi uma reprodução exata do que se ouve nos discos, acrescida, evidentemente, da energia emanada pela presença física de uma lenda da música viva e ativa, ao vivo, na frente de todos. Repertório clássico pontuado aqui e ali por faixas novas de um disco anunciado para julho próximo, e pronto: cumprida mais uma missão de peregrinação à Meca do rock no nordeste. Ano que vem estaremos de volta, atravessando as mesmas obras inacabadas e inacreditavelmente estagnadas no mesmo ponto da BR 101 e ouvindo as incríveis histórias de Itabaiana, a “Macondo sergipana”, contadas pelo meu camarada Lenaldo.

Dentre elas a de “Zé de Nedina”, o “capotador”, que costuma encher a cara e dar carona ao máximo de gente possível para no meio do caminho avisar aos passageiros de seu expresso da morte que se segurem, porque ele vai capotar o carro. E o faz, por pura diversão. Ou do “Bar do Descamisado”, que fica no povoado Pé do Viado e tem esse nome porque seu proprietário se recusa a vestir camisa. Ele costuma servir os clientes assim, de peito aberto, o que causou indignação num digníssimo juiz de comarca que foi lá almoçar e pediu a um dos garçons para falar com o dono e denunciar aquela falta de respeito. Intenção que foi, evidentemente, frustrada, já que era o próprio dono que cometia a “indignidade”. Consta também que quando o Descamisado está “azuado”, nervoso com alguma coisa, solta uns “valei-me Nossa Senhora” e sai distribuindo carne extra de brinde para os surpresos fregueses. Lenaldo destacou também a simpatia da filha do cara, que, respondendo a um pedido seu por mais uma garrafa de cerveja, perguntou se ele não era aleijado pra se levantar e ir pegar no frigobar. De fazer inveja ao “Heavy Duty”, que é célebre por se orgulha em ter o pior atendimento do Rio de Janeiro ...

Tem também o “Bar da Morte”, em cujas paredes se encontram “santinhos” de todos os falecidos do sexo masculino – não me pergunte exatamente porque, nem Lenaldo soube explicar – nos últimos anos na cidade. Para a frustração do proprietário, ninguém nunca morreu na mesa do bar. E o puteiro que pretendia funcionar discretamente na casa do agenciador, mas que você podia ver de longe, devido à enorme quantidade de motos estacionadas na porta ...

Clique nos links abaixo para ler as resenhas das edições passadas do Abril pro rock.

Texto por Adelvan Kenobi

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