domingo, 11 de maio de 2014

Mystifier em Nossa Senhora da Glória

Mystifier é uma banda de Black Metal soteropolitana bastante cultuada em todo o mundo. Formada em 1989, chamou a atenção em 1990 por ser a primeira do estilo em sua região a gravar um disco em vinil, o 7EP “The Evil Ascension returns”, lançado pelo selo local Maniac Records. “Wicca”(Hellion Records), o primeiro álbum, de 1992, foi aclamado como um dos discos mais extremos já compostos até aquela data, o que chamou a atenção de selos europeus como o Osmose, da França, que os contratou para dois álbuns. O primeiro, “Goetia”, saiu em novembro de 1993, com distribuição mundial via SPV. Acabaram relançando também o “debut”, com grande repercussão, o que resultou em sua primeira turnê européia. O último disco, “profanus”, é de 2001, mas a banda segue na ativa: acabaram de chegar de mais um giro pela Europa e o primeiro – e insólito – ponto de parada foi em Nossa Senhora da Glória, no sertão Sergipano, onde foram a atração principal da quarta edição do festival Glorimetal, ocorrida ontem, sábado, dia 10 de maio. Decidi que não podia perder isso e parti rumo à “Boca da Mata”, que fica a cerca de 110km de Aracaju ...

O evento aconteceu num colégio público estadual e teve um público aproximado de cerca de 50 pessoas, no máximo, quase todos locais ou de outros pontos do interior do estado e com uma faixa etária média bem baixa. Praticamente nenhuma das “figurinhas carimbadas” do metal sergipano estava por lá, muito provavelmente por conta das eternas “tretas” que tanto enfraquecem o “movimento” (que anda bem parado, diga-se de passagem) e o preço, salgado para os padrões das produções locais do estilo. Mas aconteceu. E foi bem legal, com organização e estrutura técnica razoável – embora amadora e equivocada em alguns momentos, principalmente os que tentava emular os esquemas de grandes festivais, como num improvisado, mambembe e, no final das contas, desnecessário isolamento dos “camarins”.

Cheguei por volta das 18:00H. A Grinding Souls, do Conjunto Marcos Freire, Nossa Senhora do Socorro – região metropolitana de Aracaju – estava no palco. Grata surpresa! Tem alguns verdadeiros ícones do submundo do metal em sua formação, como Carlos “Verruga”, na guitarra. Mandando muito bem, o que me impressionou, já que sempre o conheci como baterista. Fazem um Death/grind agressivo e bem trabalhado. Boa banda.

Na seqüência tivemos a Logorréia, veterana banda de Hard Core e grindcore fundada ainda na década de 1980 pelo incansável Silvio, da Karne Krua. É um “power trio”, como quase todas as outras que se apresentaram na noite. Boas composições, num estilo cru, sem firulas, mas surpreendentemente melódico e criativo em algumas passagens. As letras, de cunho libertário, são focadas em mensagens sociais, ressaltadas entre uma música e outra por falas do baixista Nininho. Os três são veteranos na cena: Robério “Nininho” já tocou na Plasma e na Sublevação; Cícero “Mago”, o baterista, em incontáveis formações e denominações ao longo dos últimos 20 e tantos anos; e Silvio, é Silvio, dispensa maiores apresentações ...

A terceira a se apresentar foi a que mais parece ter agradado o publico: a The End, de Poço Redondo, município circunvizinho famoso por abrigar em seu território a gruta onde o bando de Lampião foi dizimado. Fazem um Heavy Metal “old school” totalmente “oitentista”, com pitadas de Hard Rock e nítidas influências da NWOBHM. A garotada – sem eufemismo, eram quase todos muito novinhos mesmo, me senti um tiozão lá no meio deles – sabia de cor as musicas e foi ao delírio.

E então as trevas se fizeram presentes. Não, não era o Mystifier, ainda. Era uma banda “nova” – pelo que entendi eles ensaiam desde 2010, mas aquela seria a primeira apresentação – que atendia pelo estranho nome de “Anhan”. De origem indígena, segundo fui informado. E eram locais, de Nossa Sennora da Glória. Único quarteto da noite, demoraram a dar o ar da graça por trás das cortinas – outra improvisação meio mambembe e desnecessária da produção. E quando apareceram, foram dispostos a assustar, com “corpse paintigs” carregadíssimos sob túnicas negras que escondiam os rostos dos componentes. Mas o som eu achei bem tosquinho: uma espécie de valsa macabra primária marcada com dificuldade pelo baterista e pelo baixista e com um vocalista meio histérico, ansioso por “mostrar serviço”. Enfim, deram lá seu recado, e no final das contas não deixa de ser louvável a atitude de montar algo assim na cidade onde eles moram.

Mystifier, enfim. Outro nível. Formação totalmente diferente da que eu vi há algum tempo, no meio da primeira década dos anos 2000, quando eles TENTARAM tocar em Aracaju, num show tumultuado que acabou prematuramente. Dessa vez deu quase tudo certo, como veremos adiante: começaram já com a clássica oração satanista em português presente no álbum “wicca” e mandaram ver numa perfomance matadora e precisa, muito bem executada e com uma excelente presença de palco. Beelzeebubth, membro fundador e único remanescente dos primórdios, agora toca guitarra, escudado por dois excelentes músicos e com o “auxilio luxuoso” de uma presença ilustre, o vocalista da formação original, Meugninousouan, que estava presente e subiu ao palco para três hinos macabros extraídos do primeiro – e clássico – disco. Fez um interessante contraponto com o vocal atual, mais “gutural”, encorpado – o dele é mais gritado. Tem mais personalidade, no final das contas, mas eu gostei bastante da formação que ora se apresenta, também. O show foi perfeito, uma verdadeira celebração à música profana totalmente avessa a concessões e comercialismos. Os caras se apresentaram diante de um público pequeno e apático, que parecia não estar entendo muita coisa, de forma intensa e precisa, como se estivessem diante de uma multidão entusiasmada. Coisa de gente grande, com experiência lapidada a ferro e fogo em cima de palcos ao redor do mundo. O único porém foi a duração, já que tiveram que encurtar o set, pois o evento estava na mira da justiça e tinha hora pra acabar.

Uma pena, porque foi muito bom. Parabéns para a produção, centralizada na figura de Tom Mendes, figura atuante no cenário do metal sergipano desde o final dos anos oitenta.

Quem não foi, perdeu um momento único, que dificilmente se repetirá.

Fotos: Divulgação

A.












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