Quase tudo que envolve a Gangrena Gasosa, lendária banda de
"Saravá metal" carioca, tem um toque de bizarrice e polêmica.
Praticantes de cultos de matriz africana já quiseram matá-los – alguns quase
chegaram às vias de fato – e “metaleiros” menos atentos não engolem “Quem gosta
de Airon Meiden também gosta de KLB” – que na verdade é uma ode ao metal
“real”. Já os ativistas gays – e simpatizantes da causa, dentre os quais me
incluo – têm bronca com “Emboiolada” – e nesse caso têm razão, pois a letra é
realmente ofensiva. Angelo Arede, um dos vocalistas, admite que hoje mudaria
uma ou duas frases, mas explica que tudo se insere num contexto de humor e
ironia, já que a letra foi inspirada no que ouviu durante um duelo de
"embolada" na Feira de São Cristóvão. Conta também que, inclusive,
"aliviou" no conteúdo, justamente com receio de ser mal interpretado,
o que poderia levar a banda a atrair tipinhos asquerosos de extrema direita que
curtem espancar minorias ...
São muitos anos de estrada e muitas e muitas tretas e
histórias sinistras - e divertidas - para contar. Eu Sou fã de primeira hora e
também tenho as minhas. Como a de quando conheci o antigo vocalista, Chorão 3.
Havia lido, há MUITO tempo, uma entrevista na qual eles se diziam todos viados
e representantes do movimento Homo Core. Normal. Um dia fui a Recife ver um
show do Jason, também do Rio, e encontro lá o Chorão, com quem havia trocado
algumas correspondências e feito uma entrevista para o meu fanzine. Normal
também. Gente boa. Mas eis que, no final do show, ele me convida pra ir dormir
na casa de um tio em
Boa Viagem. Normal , mas imediatamente a lembrança da tal
entrevista me veio à mente e um sinal de alerta começou a tocar em meu cérebro.
"Será que esse negão tá a fim de abusar de minha ingenuidade?", eu
pensei. Avaliei a estampa do indivíduo e concluí que poderia resistir a uma
abordagem mais agressiva, então fui. Chegando lá, ele logo me chama para o
quarto, supostamente para vermos um video inofensivo. Só que parecia um quarto
de motel, com cama redonda e espelho no teto. Percebendo minha hesitação, ele
me explica que seu tio era meio tirado a garanhão, que não ligasse. Respirei
aliviado e lhe falei da entrevista que havia lido. Rimos muito e somos amigos
desde então.
Outra história: Soube que a Gangrena iria lançar seu
primeiro DVD no Circo Voador abrindo para o Cannibal Corpse! Fui. E não é que
aconteceu de o show ser justamente no dia em que o caos tomou conta das ruas do
Brasil, especialmente do Rio de Janeiro? 20 de junho de 2013. Bombas de gás
lacrimogênico por todos os lados e a polícia caçando qualquer um que estivesse
nas ruas da Lapa, com auxilio inclusive de carros blindados, conhecidos
popularmente como "caveirão". Uma verdadeira batalha campal, típica
de uma guerra civil ou de um estado de exceção! Enquanto isso o couro comia no
palco do circo, entre um ou outro intervalo para que o público se recuperasse
dos efeitos do gás que chegava por cima da lona. Foi antológico!
O DVD é "Desagradável" - fique avisado, portanto.
Mas se resolver encarar, saiba que vai assistir a uma das melhores peças de
comédia involuntária - ou não! - já produzidas na face da terra. Dirigido por
Fernando Rick, o mesmo de "Guidable, a verdadeira história do Ratos de
Porão", conta com o depoimento de praticamente todos os que passaram pelas
inúmeras formações da banda - e foram muitos - e mais testemunhas oculares – e
auriculares - ilustres do calibre de Jello Biafra, B Negão, Marcelo D2, Dado
Villa Lobos - que lançou o primeiro disco pelo seu selo Rock it - Marcos
Bragatto e Tom Leão, dentre outros. Um verdadeiro inventário de insanidades e
histórias bizarras e supostamente reais, na medida em que o olhar de quem conta
o conto interfere na autenticidade dos fatos. É difícil de acreditar, por
exemplo, nas incríveis coincidências apontadas por Fabio, proprietário do Garage,
verdadeiro templo do underground carioca. Ou dos Ratos de Porão, que saíram de
uma zica apenas quando fizeram de frisbee o disco da Gangrena que haviam
ganhado algumas horas antes.
São muitas histórias - e poucas imagens da época,
infelizmente. Não havia a facilidade que temos hoje, e pouca gente tinha como
registrar tudo aquilo. Um dos pontos altos, porém, a tour pela Alemanha, foi
registrado, e está tudo lá: do assédio de um dos componentes a uma deficiente
mental num squat repleto de punks politicamente corretos ao cagaço quando se
viram cercados por neonazistas numa estação de trem. Ou a visita a um campo de
concentração desativado - extremamente desrespeitosa, evidentemente.
Para compensar a falta de imagens históricas temos, num
segundo disco, um show filmado há cerca de três anos no "Inferno" -
onde mais? - em São
Paulo. Não é ruim, mas infelizmente a banda não estava em uma
de suas melhores formações, o que prejudicou a perfomance e o resultado final.
Em todo caso, é muito bom vê-los finalmente numa produção à altura de sua
reputação, com direito a efeitos especiais e atuações teatrais macabras em
pleno palco.
Imperdível!
A.
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