O economista indiano construiu uma sólida carreira no Banco Mundial acompanhando as políticas de proteção social e de emprego em diferentes partes do mundo. Já atuou no Leste Europeu, no Oriente Médio e na África, experiências que resultaram em livros sobre questões econômicas desses lugares, entre outros trabalhos que publicou. Agora, como diretor global para Proteção Social e Trabalho da instituição sediada em Washington (EUA), onde mora, ele aposta no Bolsa Família como forma eficaz de combate à pobreza e como solução para as principais mazelas dos países em desenvolvimento. O programa, segundo ele, tem resultados cientificamente comprovados e acerta ao escolher as mulheres como gestoras do benefício dado pelo governo federal. Banerji veio ao Brasil para o seminário “Fórum de Aprendizagem Sul-Sul 2014”, no Rio de Janeiro, que reuniu representantes de 70 países, e falou com exclusividade à ISTOÉ.
Istoé - O programa Bolsa Família é eficiente no combate à pobreza?
Arup Banerji - Há muitos anos, o Banco Mundial vem
avaliando o que funciona ou não nas políticas de transferência de renda.
O Bolsa Família passou a ser uma experiência muito discutida por conta
de alguns aspectos importantes. Em primeiro lugar, porque foi ambicioso
na escala que tentou atingir. Muitos países que adotaram programas
parecidos usaram um esquema de cima para baixo. O Estado apenas se
preocupa em transferir dinheiro para os pobres. O Bolsa Família fez uma
inversão, pensando primeiro na pessoa. E os bons resultados estão sendo
comprovados através de pesquisas científicas. Não são apenas
comentários.
Istoé - Por que frisa a importância de dar atenção à pessoa?
Arup Banerji - Vou dar um exemplo. Se você digitar Bolsa Família no Google Imagens, a foto mais comum que vai aparecer é de uma pessoa sorrindo e segurando o cartão do programa. Para muitas dessas pessoas esse cartão mostra que estão vinculadas ao Estado pela primeira vez. Pessoas pobres muitas vezes não se sentem parte de um país. São subjugadas, tratadas como se fossem de fora. O cartão estabelece uma relação legal e formal com o Estado. Equivale a dizer: ‘O País valoriza você e sua família e por isso estamos repassando esses recursos.’ A pessoa passa a ser cidadã de um país e, consequentemente, começa a valorizar a educação dos filhos, a criá-los bem nutridos, e os filhos, por outro lado, passam a cuidar mais de suas mães. Cria-se, assim, uma relação de mútua responsabilidade. Esse é um dos aspectos centrais do Bolsa Família.
Istoé - Uma das principais críticas a esse tipo de programa é a dependência que supostamente gera, e não autonomia.
Arup Banerji - Vou dar um exemplo. Se você digitar Bolsa Família no Google Imagens, a foto mais comum que vai aparecer é de uma pessoa sorrindo e segurando o cartão do programa. Para muitas dessas pessoas esse cartão mostra que estão vinculadas ao Estado pela primeira vez. Pessoas pobres muitas vezes não se sentem parte de um país. São subjugadas, tratadas como se fossem de fora. O cartão estabelece uma relação legal e formal com o Estado. Equivale a dizer: ‘O País valoriza você e sua família e por isso estamos repassando esses recursos.’ A pessoa passa a ser cidadã de um país e, consequentemente, começa a valorizar a educação dos filhos, a criá-los bem nutridos, e os filhos, por outro lado, passam a cuidar mais de suas mães. Cria-se, assim, uma relação de mútua responsabilidade. Esse é um dos aspectos centrais do Bolsa Família.
Istoé - Uma das principais críticas a esse tipo de programa é a dependência que supostamente gera, e não autonomia.
Arup Banerji - No caso do Brasil, eu não
concordo com isso. Em outros lugares do mundo, talvez. O que significa a
dependência econômica? Em poucas palavras, seria o seguinte: a pessoa
que recebe ajuda chega à conclusão de que é melhor não fazer nada o dia
inteiro e não procurar emprego porque o valor recebido compensa. O
segredo do sucesso é que o pagamento não seja tão alto que leve a esse
tipo de situação nem tão baixo que não dê nem para as famílias se
alimentarem. É importante que o benefício não chegue a um salário
mínimo. Estudos comprovam: depois de dez anos do Bolsa Família, não há
dependência.
Istoé - Qual é, hoje, a extensão de programas de transferência de renda no mundo?
Istoé - Qual é, hoje, a extensão de programas de transferência de renda no mundo?
Arup Banerji - Programas de transferência
de renda de todos os tipos já foram implementados em mais de 100 países
em desenvolvimento. Mas como o brasileiro, com responsabilidades
compartilhadas, estão em cerca de 50 países. O maior foco é na educação e
na saúde. Além de manter as crianças na escola, devem vaciná-las e, em
alguns casos, há necessidade de as mulheres grávidas passarem por
exames.
Istoé - Pode dar exemplos?
Istoé - Pode dar exemplos?
Arup Banerji - Um dos primeiros foi na
Turquia e começou dois anos depois do Bolsa Família. Mas lá não foi um
programa nacional. Foi voltado para o lado leste do país, que é mais
religioso e conservador. O problema, lá, é que as meninas não iam para a
escola. E a condição era que não só os meninos, mas também as meninas
fossem para a escola para o pagamento ser liberado. Resultado: em três
anos, a taxa de meninas que frequentavam o ensino médio saltou de 38%
para 50%. Na África, onde não há uma estrutura estatal como a
brasileira, optou-se por um controle menos rígido porque não há quadros
de funcionários para checar bem a presença na escola, nem como fazer
pagamentos com cartão. Mas, para receber o auxílio, as mães precisam
assistir a uma aula sobre a importância da educação e da nutrição.
Acabou dando certo também. É o mesmo conceito e a mesma ideia, mas que
se adaptam à realidade de cada país.
Istoé - Mas por que países africanos, mesmo com dificuldades, obtiveram resultados e em Nova York a proposta não vingou?
Istoé - Mas por que países africanos, mesmo com dificuldades, obtiveram resultados e em Nova York a proposta não vingou?
Arup Banerji - Em Nova York, implantaram o
programa Opportunity, que teve bons e maus resultados. O que realmente
não deu certo foi justamente algo que diz respeito a um ponto-chave do
Bolsa Família: enquanto no Brasil dão o dinheiro para a mulher, no
Opportunity davam para as crianças. A mãe costuma gerir melhor os
problemas da família que o pai. Uma criança pode estar fora da escola
não só por questões financeiras, mas também por ser rebelde ou porque a
escola fica muito longe. Em todas as situações é a mãe que tem que
manejar isso dentro da família. Também temos que olhar para a qualidade
das escolas. Algumas escolas de Nova York são muito violentas, com
professores não tão bem qualificados e com um entorno também
problemático, com muitas tentações. O programa, lá, ainda está fazendo
análises, mas sabe-se que os números não são muito bons. Agora estão
vendo o porquê. Com certeza, um dos motivos é terem dado o dinheiro para
as crianças.
Istoé - Os programas sociais teriam a ganhar se incluíssem metas de desempenho escolar?
Istoé - Os programas sociais teriam a ganhar se incluíssem metas de desempenho escolar?
Arup Banerji - O México fez essa mudança. O
programa de lá começou focando apenas na matrícula escolar. O Progresa
foi até anterior ao Bolsa Família. Mas logo concluíram que as famílias
faziam a matrícula, mas nem sempre os alunos compareciam. Aí, a presença
virou condição fundamental. A questão, agora, é se de fato estão
aprendendo. O México é o primeiro país que está começando a pensar
nisso. Há muitos desafios para se medir o aprendizado porque não é só
verificar as notas. É preciso pensar em avaliações de aprendizado. É
recomendável fazer isso, mas é preciso ter cuidado. A ideia é continuar
fazendo o pagamento, mas dar um adicional se a criança for bem nos
estudos. Toda sociedade precisa ter consciência de que não basta as
crianças estarem na escola. Precisamos saber se estão aprendendo. Mas
para isso é preciso exigir que as escolas sejam boas. Haja vista o
exemplo de Nova York. É um processo casado e, por isso, tão desafiador.
Istoé - Os gastos com os grandes eventos são um desperdício diante das carências nos setores da educação e da saúde?
Arup Banerji - Só poderia comentar isso com base num estudo sobre o retorno desses investimentos, e não é minha especialidade.
Istoé - A África do Sul, que sediou a Copa de 2010, continua com altas taxas de desemprego?
Istoé - A África do Sul, que sediou a Copa de 2010, continua com altas taxas de desemprego?
Arup Banerji - O desemprego na África do
Sul já existia antes da Copa e continuou. As razões não têm a ver com a
falta de investimentos, mas com questões históricas, por causa do
apartheid. Por isso, tento separar esses eventos particulares, como Copa
ou Rio + 20, que são curtos, e foco nas políticas de longo prazo. A
própria África do Sul tem algumas políticas de combate ao desemprego que
não mudaram por causa da Copa. O mesmo serve para o Brasil. O Bolsa
Família não é tão duradouro que possamos saber o que resultou para as
crianças depois de adultas, mas no México, que é o mais antigo, estamos
encontrando os primeiros estudos. Há sinais de que os beneficiados estão
encontrando empregos com mais facilidade e conseguindo salários
melhores.
Istoé - É porque eles têm mais escolaridade?
Arup Banerji - Não só por isso. Uma boa
nutrição é o mais importante para se prosperar. Descobertas científicas
mostram que a maioria dos neurônios do cérebro é formada nos dois
primeiros anos de vida. Crianças mal alimentadas nessa fase não têm o
mesmo desenvolvimento neurológico. Quando uma criança pobre recebe
comida, acaba tendo suas funções cerebrais equiparadas às outras. Por
isso as políticas de longo prazo são importantes.
Istoé - Programas sociais têm reflexos no combate à violência?
Istoé - Programas sociais têm reflexos no combate à violência?
Arup Banerji - É possível dizer que essas
transferências de recursos são importantes, mas não são suficientes para
o combate à violência. O que esses programas fazem é dar esperança,
cidadania, mostrar que a pessoa é importante para o Estado. Há um efeito
psicológico, ou seja, eles agem na redução das frustrações. Isso pode
reduzir a violência. No entanto, não podemos excluir os investimentos em
policiamento, Justiça e no combate às drogas. Mas estudos mostram que
programas sociais reduzem a violência doméstica. Há redução das
agressões contra as mulheres que recebem benefícios. Como elas recebem o
dinheiro, ganham autoridade. Isso foi comprovado em muitos países, como
a Índia, de onde eu venho.
Istoé - Que país é um bom exemplo de proteção social?
Istoé - Que país é um bom exemplo de proteção social?
Arup Banerji - A Alemanha, país europeu
que reagiu melhor à crise. Saiu da recessão e lá o desemprego é baixo
inclusive para os jovens. E o que fizeram depois da crise?
Diferentemente de outros países que tomaram medidas que causaram
demissões, a Alemanha adotou um sistema de work sharing (trabalho
partilhado), que mantém o trabalhador empregado em meio expediente. A
diferença é coberta pelo seguro-desemprego. É interessante que uma
economia bastante liberal tenha adotado uma política, digamos, mais
intervencionista por parte do Estado, e ainda com a colaboração dos
sindicatos. É um exemplo fantástico.
Istoé - Qual é a diferença entre países onde a previdência é controlada pelo Estado e outros onde a responsabilidade é dos trabalhadores?
Istoé - Qual é a diferença entre países onde a previdência é controlada pelo Estado e outros onde a responsabilidade é dos trabalhadores?
Arup Banerji - O que o Banco Mundial
aconselha é um sistema que mescle diferentes fontes de recursos para se
alcançar a soma que uma pessoa idosa precisa para sobreviver. Países
como o Brasil, que têm uma massa muito grande de jovens, costumam
recolher contribuições desse grande contingente para pagar de imediato
as aposentadorias do pequeno percentual de idosos. Mas esse sistema não
tem como durar. Logo haverá mais velhos que novos. Por isso, é preciso
um sistema privado, em que os trabalhadores economizem para a velhice.
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3 comentários:
Porque o governo não melhora a educaçao e a assistencia social ao inves de ficar dando "esmola" de.bolsa-familia e criando racismo com cotas raciais? Ora sou branco mas tenho antepassados africanos assim como negro no Brasil tem antepassados europeus por causa da miscigenaçao.
E causa dependencia sim, as pessoas utilizam o dinheiro para comprar drogas, cachaça e coisas futeis(um catador de material reciclavel ganha 2400 reais mensais em media!) O que falta? Programas de cursos tecnicos para trabalhar formalmente. Fora que muitas mulheres passam a ter mais filhos(o que aumenta o beneficio) e deixam de procurar emprego.
Um exemplo da dependencia: quando teve ano passado os boatos do fim do bolsa familia porque houve um grande tumulto ja que nao causaria dependencia? É simples, é porque causa sim e pode apostar que isso jamais vai acabar, o politico que tirar isso vai perder milhoes de votos, bem vindo à nobreza caro participante do bolsa familia, tome o dinheiro e faça.o que quiser com ele... só nao esqueça de mandar voto p estrelinha vermelha! Kkkkkkkkk
Catador de material reciclável é um trabalhador importantíssimo, e que trabalha muito. Uma coisa não invalida a outra: tem que continuar o Bolsa Familia, para que as pessoas se sintam assistidas e não caiam na miséria total, E tem que melhorar a educação, como condição sine qua non para que o país se desenvolva e programas como o Bolsa Família não sejam mais necessários. Reconheço que o governo poderia e deve fazer muito mais e melhor nesse requisito. Pressão neles.
Eu nao retirei a dignidade deles, eu disse que eles ganham bem(merecido) mas que gastam com coisas futeis e talvez pela baixa escolaridade nao fazem planejamento, mas que tem dinheiro suficiente tem.
Bolsa-Familia é esmola sim, apesar de certas condiçoes ele nao consegue fiscalizar as fraudes e não garante que a pessoa beneficiada va procurar trabalho. Acho que investimentos na educaçao e principalmente combate a corrupçao ajudem mais a longo prazo do que bolsa-familia.
Fora que essas medidas serao "eternizadas" pois nenhum governo vai querer tirar pois senao perderá os votos. Mas isso é so uma fraçao dos problemas do Brasil, somente uma revoluçao realmente ira por fim nessas mazelas porque reforminhas estruturais nao adianta de nada.
Anauê!
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