Jango assume a presidência com a vocação de ser um poder conciliatório que só aspirava realizar reformas sociais indispensáveis e inadiáveis pelo caminho da persuasão. De fato, o governo de Jango surge e se define desde a primeira hora como uma alternativa à revolução cubana num mundo marcado pela presença de J. F. Kennedy e de João 23. Por desgraça, o Santo Papa morre, Kennedy é assassinado e João Goulart se vê sozinho no seu intento conciliatório.
A velha classe infecunda –dos que não plantam nem deixam plantar– que infelicitou nosso País ao longo da História, impedindo que o povo brasileiro realizasse suas potencialidades, só queria perpetuar a velha ordem. Vale dizer, este estilo de prosperidade não generalizável aos trabalhadores que, no passado, dava nominalmente a negros que duravam menos de 10 anos no eito a renda per capita mais alta do mundo. Este mesmo estilo que, perpetuado e ampliado, faz do Brasil de hoje um grande produtor de soja, reduzindo simultaneamente de forma tão drástica a produção de alimentos que condena o povo à fome. Para perpetuar os interesses desta velha classe é que Goulart foi derrubado e se impôs a política econômica oposta, no curso da qual se ampliavam exorbitantemente os latifúndios. Em lugar de milhões de pequenos proprietários rurais, o que se viu foi multiplicarem-se superlatifúndios de milhões de hectares.
Derrubado o governo trabalhista de Jango, com ele caem a democracia e a ameaça de uma reforma agrária e de uma lei de controle das multinacionais, bem como toda uma política de defesa dos recursos nacionais e das conquistas sociais dos trabalhadores.
A derrubada do governo de João Goulart foi o primeiro movimento decisivo da nova estrutura mundial de poder, comandada pelas empresas multinacionais. Ao golpe de 1964 no Brasil seguiram-se outros que, mediante conspirações urdidas internacionalmente, desestabilizaram todos os governos nacionalistas e democráticos –sobretudo os de pendor socialista– da América Latina. Implantou-se, assim, desde Washington, a nova safra de ditaduras militares latino-americanas, todas elas de caráter regressivo no plano social e repressivo no plano político.
(trechos do artigo 1964: Um Testemunho, publicado na Folha de S.Paulo em março de 1982)
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A PROPAGANDA ANTI-JANGO
O pequeno expediente da Câmara de Deputados se converte numa campanha diária de denúncia do suposto golpismo do governo e de advertência contra o projeto de Jango, que queria rasgar a Constituição e levar o Brasil ao comunismo. Os discursos parlamentares eram reproduzidos por conta do Ibad (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), por estações de rádio do país inteiro, criando um clima de pânico. A certa altura a campanha era tão alarmista que mandei quebrar as máquinas de gravação e transmissão instaladas por José Bonifácio no corredor que liga a Câmara ao Senado. É de assinalar que essa campanha milionária foi montada e executada precisamente pelos deputados udenistas, que pretendiam rasgar a Constituição e implantar a ditadura, como, de fato, o fizeram.
A Comissão Parlamentar de Inquérito criada para examinar os negócios do Ibad consegue provar, apesar de todo o escamoteio, que entre os principais financiadores estavam a Texaco, Shell, Ciba, Schering, Bayer, GE, IBM, Coca-Cola, Souza Cruz, Belgo-Mineira, Herm Stoltz e Coty.
A direita vai à guerra. Frente à maré montante do movimento pelas reformas de base e convencida de que não podia manter a velha ordem desigualitária através de eleições que perdia sucessivamente, a direita unificada contra o governo reformista do presidente João Goulart opta pela guerra civil. Procura e alcança, para isso, o apoio do governo norte-americano de Lyndon Johnson, que não só ordena a organização e o financiamento do golpe para derrubar Goulart, como admite que se chegue até à guerra civil, aceitando o risco de abrir, no Brasil, um novo Vietnã, pela invasão de nosso país por suas tropas, para dar apoio, aqui, aos velhos aliados e aos gestores de suas empresas, cujos interesses estavam ameaçados.
Brizola expressa a Jango a conviccão da esquerda radical de que, tendo fracassado a política de concliliação do chamado caminho brasileiro, paralisado, cumpria assumir o comando do movimento popular e partir para a revolução. Jango retruca: “Não assumo a responsabilidade de lançar o país numa revolução inconsequente”. San Thiago Dantas tenta em vão articular uma Frente que unifique esquerdistas e progressistas para enfrentar a sedição das direitas e efetivar as reformas de base.
A sedição é articulada tecnicamente, em Washington, com vasto assessoramento científico, como a primeira operação complexa de desestabilização de governos sul-americanos. A operação tem início com campanhas milionárias de difamação do governo pelos jornais, pelo rádio, pela televisão, com o objetivo de apavorar as classes médias contra o aparente continuísmo de Jango e, sobretudo, contra sua suposta orientação sindicalista e pró-comunista. Simultaneamente, se desencadeia a batalha psicológica através de procissões político-religiosas, montadas espetacularmente pelos governos de vários estados, chamando grandes contingentes das classes médias, sobretudo as mulheres, para uma posição ativa de oposição ao governo. A operação é coroada com uma série de provocações militares programadas para indispor a oficialidade contra o governo.
ESQUERDA X ESQUERDA
1963. Almino Afonso, afastado por Jango do ministério do Trabalho, procura ativar no PTB o Bloco Compacto, a partir do qual criaria, com apoio comunista, um novo partido de esquerda sindicalista, hostil ao governo. Com uma inflação superior a 80% e a consequente insatisfação dos assalariados, a manobra era preocupante.
A luta ideológica divide as esquerdas. San Thiago Dantas começa a falar de esquerda positiva e de esquerda negativa, distinguindo os reformistas dos radicais. Estes últimos contestam que o importante a diferençar é a esquerda fisiológica e oportunista, encarnada pelo próprio San Thiago, da esquerda ideológica e combativa, representada por Brizola, Arraes e Julião.
Carvalho Pinto, também candidato à presidência, ameaça demitir-se do Ministério da Fazenda, diante da suposição de que o governo daria o 13º salário para os funcionários públicos. Afinal, se demite por outras razões, principalmente por intrigas juscelinistas. Começa então a campanha tão inesperada quanto insensata de exigir de Jango a nomeação de Brizola para o Ministério da Fazenda. Miguel Arraes, igualmente insensato, preferia que o ministro da Fazenda fosse eu.
Paulo de Tarso, ministro da Educação, se demite porque o governo não seria suficientemente esquerdista para o seu gosto. A Frente de Mobilização Popular publica nota dizendo que sua “posição é de total independência em relação à política de conciliação do presidente da República e em relação a todo o esquema de poder vigente. É a tal doença infantil.
As esquerdas se radicalizam rapidamente.
1964. Tento, em vão, convencer líderes de esquerda –inclusive Prestes e Arraes– de que não há qualquer risco de continuísmo por parte de Jango. O que está em marcha, dizia eu, é um golpe da direita. A informação não passa. É inverossímil demais.
As esquerdas entram em desvario. Até Prestes destrambelha, dizendo que Jango é o porta-bandeira da revolução brasileira, e ameaçando: “Não há condições para o golpe reacionário, e se os golpistas tentarem, terão suas cabeças cortadas”.
Juscelino Kubitschek e o general Amaury Kruel propõem ao presidente uma virada total para a direita, expressa através do fechamento da UNE e da CGT, seguida da demissão de Raul Riff e Darcy Ribeiro.
San Thiago Dantas e Samuel Wainer aconselham o presidente João Goulart a não resistir. O primeiro informando que o ataque ao Palácio do governador Carlos Lacerda provocaria a invasão da baía de Guanabara por navios da armada norte-americana, que já estariam em nossos mares. O segundo insinuando que sua saída seria como a de Getúlio, a premissa necessária a um retorno vitorioso. Para ambos e para muitos companheiros mais, o pior era Jango ficar e implantar as “reformas de base”, disputando o poder com as esquerdas radicais.
O GOLPE
Os candangos reunidos aos milhares, no teatro de Brasília, em vigília para defender Jango, foram dispersados pelas tropas do general Fico, que prometeu defender a legalidade mas aderiu na última hora, rendendo-se a uma ordem telegráfica de Costa e Silva. Brigamos.
As primeiras prisões foram de líderes da CGT, que tentavam, às pressas, improvisadamente, resistir ao golpe. A verdade é que ninguém, nem eu, esperava golpe antes de 1º de maio. Depois, sim, ele era certo. Ainda creio que (o general) Mourão foi uma “fagulha saltada”.
Três dias depois, Waldir Pires –procurador-geral da República– e eu voamos num aviãozinho monomotor, conseguido por Rubens Paiva –morto anos depois, assassinado pelos torturadores da Base Aérea do Galeão –, para irmos ao encontro de Jango. Acabamos em Montevidéu. Era o exílio.
Para o povo, o golpe foi cruento. Principalmente para os camponeses das ligas de Julião, assaltados e assassinados em seus ranchos, em atos de pura cureldade, pelas polícias regionais e pelos jagunços dos senhores de engenho, a fim de demonstrar ao povo nordestino que seu destino é o cambão.
(Aos Trancos e Barrancos – Como o Brasil Deu no que Deu, editora Guanabara)
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O que se pretendia era uma reforma estrutural de caráter capitalista. Elas foram, porém, vistas como revolucionárias em razão do caráter retrógrado do capitalismo dependente que se implantou no Brasil sob a regência de descendentes de senhores de escravos e testas-de-ferro de interesses estrangeiros. Jango dizia e eu repetia até à exaustão que com milhares de pequenos proprietários a propriedade estaria mais defendida e muito mais gente poderia comer e educar os filhos. O apoio popular a este programa não podia ser mais entusiástico. Nem mais fanática a oposição a ele por parte dos latifundiários e agentes dos interesses estrangeiros. Unidos eles montaram a maior campanha publicitária que se viu no País, para convencer as classes médias que o governo marchava para o comunismo.
O ambiente de odiosidade que se criou dividiu as forças armadas e pôs o Brasil sob ameaça de invasão pelos Estados Unidos, a pedido do governo de Minas Gerais. Nestas circunstâncias, João Goulart teve de optar entre deixar-se derrubar ou resistir, permitindo que se desencadeasse no país uma guerra civil que podia custar milhões de vidas.
Seguiu-se o golpe e se seguiu o regime militar de 1964, que passa a governar como um negativo fotográfico do programa de Jango. Em lugar de democracia e liberdade sindical, ditadura e arrocho salarial. Em lugar de milhões de pequenos proprietários, milhões de hectares para superproprietários. Em lugar do controle das multinacionais a entrega total do Brasil ao controle delas.
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JANGO
Jango, com seu reformismo, foi o governo mais avançado que tivemos, aquele que lutou mais fundamente para implantar as bases de um Brasil novo, capaz de gerar uma prosperidade extensível a todo o povo. Embora reformista, ele foi percebido, sentido e temido como revolucionário, provocando uma contra-revolução preventiva para impedir a execução das reformas de base que estavam sendo levadas a cabo. A esquerdinha, em sua eterna ingenuidade, só admite uma revolução pronta e perfeita, como nunca sucedeu em parte alguma, dizem eles próprios. Enquanto não se alcança esta tola utopia, se opõem com horror a todo reformismo, preferindo entregar-se à direita como exóticos, mas fiéis serviçais da ordem.
Todos os grandes jornais, toda a imprensa falada e televisiva se mancomunaram para negar a história real e colocar no lugar dela uma ficção enobrecedora da ação golpista dos militares que se deixaram subornar pelos norte-americanos para dar o golpe anticonstitucional que interessava aos latifundiários e às empresas internacionais.
Tiveram êxito, sem qualquer dúvida. Tanto assim que se criou no Brasil uma geração de mulas-sem-cabeça que, desconhecendo o passado, flutua fora da história.
(Testemunho, Fundação Darcy Ribeiro)
Trechos selecionados por Cynara Menezes
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Um comentário:
http://integralismo.org.br/?cont=781&ox=274
Olympio Mourao Filho nos salvou de virarmos Cuba ou Coreia do Norte!
Ate a democracia organica integralista!
Anauê!
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