sexta-feira, 14 de maio de 2010

Cidade Instigada

O release do fime que seria exibido na Sessão Notívagos, “Os Famosos e os duendes da morte”, já não prometia muito, com um papo meio cabeçoide do tipo “o menino sem nome conhece a garota sem pernas, que lhe mostra um mundo no qual ele embarca como alguém que nunca mais deseja voltar à realidade. Para o menino, a vida virtual é a única verdade.” Fui mais pelo Cidadão Instigado, mas sinceramente não esperava que o filme fosse tão ruim. Uma das coisas mais chatas que eu já vi em toda a minha vida. Bem filmado, bem editado, com uma bela fotografia (embora repleta de clichês como imagens bucólicas e desfocadas), mas muito, muito chato. A vida do protagonista não é nada interessante, e se era essa a “mensagem” que o diretor queria passar, até que conseguiu, só que às custas do martírio de quem conseguiu ver essa merda até o fim. É a história de um guri entediado, chato pra cacete, que mora num povoado no meio do nada e só vive na net, escrevendo uns poemas bestas num blog cujo nome homenageia Bob Dylan. Tem vontade de ir ver o show de Dylan no Brasil, mas não vai. Aí fica se lamuriando o tempo inteiro para o único amigo que parece que o suporta, um cara bem mais divertido e desencanado do que ele, que só quer ir pra festa junina comer a filha de uma vizinha – para seu azar, a mãe da garota se suicida justamente no dia, o que corta o clima, evidentemente. A tal festa, por sinal, é uma atração a parte, uma pitada de humor (muito provavelmente involuntário) numa película que exala tédio e frustração em cada frame. O grupo que executa músicas folclóricas alemãs é uma pequena pérola caricata – ou é isso ou somos nós (porque não fui apenas eu quem saiu cantarolando a musiquinha ridícula ao final da exibição) que não estamos acostumados com aquela cultura “exótica”. E é isso: Um “miguxo” viciado em internet metido a poeta atormentado se lamuriando, um personagem estranho que aparece a toda hora sem nenhum motivo aparente, e situações nonsense se sucedendo em imagens clicherosas pretensamente “poéticas”. Não é por acaso que o suicídio parece ser uma atividade corriqueira naquela cidadezinha. E chega a ser incrível saber que o diretor é o mesmo que fez o divertidíssimo “hit” do youtube “Tapa na pantera”.

Já o show do Cidadão Instigado foi bom, mas poderia ter sido bem melhor, e a culpa foi, provavelmente, da aparelhagem de som. Muito ruim. Logo quando começou estava terrível, e isso se refletia visivelmente no humor dos músicos, que pareciam bastante desconfortáveis no palco, procurando a todo custo orientar com sinais o técnico de som deles que tentava fazer milagre na mesa. O incrível é que é uma banda que conta, em sua formação, com alguns dos melhores músicos do cenário independente brasileiro, o que torna ainda mais lamentável vê-los tentar tirar, sem muito sucesso, leite de pedra. Mas lá pelo meio da apresentação a equalização melhorou sensivelmente, e a banda começou a ficar mais a vontade, com alguns sorrisos esboçados inclusive pelo sisudo Fernando Catatau, o líder da trupe, que se comunicou pouco com a platéia mas, pelo menos na segunda parte do show, parecia estar se divertindo. O set list foi quase que completamente baseado no disco mais recente, “Uhuu”, o que é ótimo, já que é, provavelmente, o melhor da carreira deles. Destaques para a bela execução, mesmo com as dificuldades técnicas, de faixas com arranjos sofisticados, como “Deus é uma viagem”. Uma boa parte do que está no disco foi sampleado e muito bem utilizado. Foi um desfile de belas canções de apelo pop/romântico com influencia de rock progressivo/psicodélico e letras “non nonse”. Algumas, inclusive, muito boas pra dançar, como “como as luzes”, que tem uma levada de guitarra bem “direstraitiana” - o que não é de se estranhar, já que é notória a influência da banda de Mark Knopfler no som consumido pelas camadas mais populares (comumente chamado de “brega”), uma das fontes na qual bebe, de forma “antropofágica” (no sentido de consumir e regurgitar repaginado), a banda de Catatau. Uma pena também que o som da bateria, comandada pelo legendário músico e produtor de bandas de garagem Clayton Martin, estivesse especialmente ruim.

Não vi Elvis Boamorte, mas o saldo final foi positivo. Não é toda hora que aporta por aqui uma das bandas mais aclamadas do atual circuito independente brasileiro – aliás, talvez por conta de algumas declarações não muito elogiosas á Abrafin na imprensa especializada, é difícil ver o Cidadão, inclusive, nos festivais que andam rolando Brasil afora, o que torna ainda mais valiosa a iniciativa da produtora Cine Vídeo e Educação em bancar esta apresentação.

Que venham outras – com mesmo nível de qualidade artística, mas com melhores condições técnicas.

por Adelvan Kenobi

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