quarta-feira, 5 de maio de 2010

( * ) Deus salva, o rock alivia ...



* Made in Brazil

por Adelvan Kenobi

Megadeth em Recife, primeiro e único show da banda no nordeste. O boato já rolava desde o fim do ano passado, mas só começou a me interessar pra valer quando soube que eles tocariam aquele que é, provavelmente, seu melhor disco (embora “Peace sells” seja concorrente forte ao título), o “Rust in peace”. Além disso, o show aconteceria apenas dois dias depois do Abril pro rock, tradicional festival ao qual compareço religiosamente todo ano, então fechou: BR 101, aí vamos nós de novo ...

Os dois dias de bobeira no Recife foram razoavelmente bem aproveitados com passeios ao Shopping (não foi dessa vez ainda que eu vi um filme em 3D – tabaréu sofre), a descoberta de uma suculenta Saraiva Megastore, um giro por Boa Viagem, Olinda e o Recife antigo. No dia 20 estávamos lá, marcando presença em frente aos portões do Clube português em meio à turba ensandecida devidamente trajada de preto.

Conheço o Megadeth desde os anos 80, quando foi lançado seu segundo disco, “Peace sells (but who´s buying)”. O que me chamou a atenção, além do fato de Dave Mustaine ter sido membro de minha banda preferida na época, o Metallica, foi uma crítica positiva na finada e saudosa revista Bizz, fato raro em se tratando de discos de metal. Comprei e, quando ouvi pela primeira vez aquela devastadora abertura de “Wake up dead”, pirei. Virei fã instantaneamente – claro que no início também estranhei a voz de pato rouco de Mustaine, mas ao final da primeira audição já estava convencido de que aquela era uma das muitas características que davam à banda uma identidade própria e uma sonoridade peculiar. Eles eram velozes e furiosos, mas não se limitavam a regurgitar os clichês do thrash e ousavam – ao ponto de regravar um “standard” do blues, “I Ain´t superstitious”, de Willie Dixon. Acompanhei a carreira da banda com atenção até “Cryptic writings”, depois meio que deixei de lado, mas o último disco, “Endgame”, baixei na net e curti. É uma boa volta às origens – nada que se compare aos tempos áureos, mas ainda estão lá os riffs matadores e os vocais vociferados que eu tanto amava em minha adolescência.

Os portões se abriram com cerca de meia hora de atraso, o que causou um certo tumulto na entrada, mas nada de muito grave. Entramos, eu e meu amigo e companheiro anual de viagens “roqueiras” Lenaldo, e fomos direto para o camarim, na parte superior do clube. Legal, dava pra ficar de frente pro palco (belíssimo, com uma estampa da capa do disco – rust in peace – no centro e biombos em forma de caixas cobrindo a aparelhagem) e ainda assim relativamente perto. Posicionei-me com a melhor visão possível e de lá não arredei mais o pé.

O show de abertura foi do Cruor, veterana banda pernambucana na ativa desde 1989 – mas que conta, atualmente, apenas com o baixista Jairo Neto da formação original. A apresentação foi prejudicada pela perfomance exagerada do vocalista, que parecia um “pinto no lixo”, tentando insistentemente “levantar” a platéia à la Blaze Bayley, com uma movimentação de palco desajeitada e caricata – ele demonstrava não saber muito bem o que fazer durante as longas passagens instrumentais e, ao invés de se recolher e deixar os músicos fazerem seu trabalho em paz, ficava pentelhando e fazendo caras e bocas. Tudo isso poderia ser relevado se o cara tivesse um bom vocal, mas não era o caso. Em todo caso, o som da banda é competente e o show “deu pro gasto” e parece ter agradado a massa preta sedenta por metal.

Terminado o show de abertura, cresce a expectativa. Um público razoável já tomava conta das dependências. Não demora muito e as luzes se apagam, anunciando que uma das 4 bandas fundadoras do thrash metal estava prestes a se apresentar. O primeiro a aparecer foi o baterista, em seguida os músicos vão entrando no palco um a um, até que o Comandante-em-chefe, Dave Mustaine, se faz presente. A platéia o saúda de forma ensandecida, e o massacre sonoro começa com “Skin O´my teeth”, do Countdown to Extinction. Seria bom demais pra ser verdade se tivessem começado com “wake up dead”, a meu ver uma das mais perfeitas introduções de um disco em todos os tempos, mas ok, a festa estava apenas começando. Na sequencia, para minha surpresa, um som mais lento, “in my darkest hour”, um tanto quanto anticlimática para um início de show, mas ainda ok. É seguida por “she Wolf”, do Cryptic writings, da qual eu nem lembrava mais – a esta altura duas coisas me incomodavam: o set list me parecia equivocado, e o som não estava bom, estava abafado e com o volume baixo. Esta impressão se tornou certeza quando soaram, finalmente, os primeiros acordes do mais do que clássico riff de Holy wars, dando início à execução do rust in peace na íntegra, com as músicas executadas na sequencia em que estão no disco – com direito inclusive a uma pausa entre o “lado A” e o “lado B” do vinil. Minha expectativa era de que meus ouvidos sofressem de forma impiedosa ao som daquele riff, mas não foi o caso. O som estava, realmente, num volume aquém do esperado. Mas esse contratempo foi devidamente esquecido quando aconteceu a passagem de “Holy Wars” para “Hangar 18”, uma das melhores sequencias da história do thrash, só comparável à dobradinha “post morten/raining blood” do Slayer. Nessa hora baixou em mim um caboclo headbanger adolescente e eu parei de ficar prestando atenção a detalhes, soltei minha vasta cabeleira e me uni mais uma vez à tribo dos “batedores de cabeça”. O show seguiu num bom pique até o final, com direito inclusive a algo que eu pensei que não iria acontecer, uma razoável comunicação de Mustaine com o público. Ele inclusive parou uma música no meio para perguntar se uma pessoa estava bem na primeira fila – parada essa que foi tão brusca e sincronizada que eu pensei que tivesse sido planejada. De repente foi, vai-se saber. Afinal, o show é milimetricamente coreografado, o que não quer dizer que tenha sido realizado no “piloto automático”, muito pelo contrário: foi provavelmente o show mais caro que eu paguei em minha vida (maldita “taxa de conveniência”), mas valeu cada centavo. Tanto que fiz algo que nunca tinha feito, comprei uma camiseta oficial do evento, o que desfalcou meus bolsos em mais 50 mangos. Melhor do que isso, só se a tivessem voltado com a mesma formação do disco, com Marty Friedman e Nick Menza – o baterista, por sinal, fez falta, pois o atual ocupante do posto é bem fraquinho, faz apenas o feijão com arroz e olhe lá ... Mas pelo menos tivemos David Ellefson e seu baixão cavucado para relembrar os velhos tempos. Destaque para o coro com o nome da banda entoado pelo público durante o riff de “Synphony of destruction”, em clima de catarse emocional como se vê apenas nos grandes shows de rock, o que foi o caso.

Missão cumprida, apresentação encerrada em cerca de uma hora e meia. Achamos pouco, claro, mas a cerveja ainda abundava nos camarotes e fazia a festa dos beberrões de plantão que, como o leitor pode imaginar, não eram poucos. Uma verdadeira lama de Heineken se espalhava pelo chão e escorria pelas escadas, causando inclusive alguns acidentes. Em meio ao clima de fim de festa, minha mente divagava e eu viajava para quase 20 anos atrás, quando eu vi o Megadeth pela primeira vez, justamente durante a tour de lançamento do Rust in peace, no Rock In Rio II, em janeiro de 1991 ...

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RECORDAR É VIVER ...

Eu tinha 19 anos em janeiro de 1991. Em minha cabeça, mega-shows de rock eram coisas distantes, além do meu alcance, até que um dia, numa conversa com um amigo que estava muito doente e veio a falecer algum tempo depois, tudo mudou. Ele me falou de shows que ele tinha ido ver em São Paulo (não lembro mais quais), e me fez ver que eu poderia ir também, era só querer, se planejar e ... ir. Juntar uma grana (o que era viável), comprar a passagem e entrar no ônibus (nessa época viagem de avião era coisa de gente REALMENTE rica). E foi o que fiz. Minha mãe fez de tudo para me impedir, mas sem sucesso, afinal eu estava determinado e já era maior de idade. Na verdade fui primeiro para São Paulo, recrutar um primo meu que era “headbanger” e eu sabia que se uniria a mim na empreitada. Quando desci na Rodoviária do Tietê a primeira coisa que ele me falou foi “nem pra gente ter algum parente ou conhecido no Rio né”, ao que eu respondi que iria de qualquer jeito, quer ele me acompanhasse, quer não.

Dada a senha, ele usou a necessidade de me fazer companhia para convencer sua mãe, que por seu lado recebia diariamente telefonemas da minha exortando-a a nos demover dessa idéia fixa maluca. Nada feito. Na noite de 22 de janeiro de 1991 nós estávamos de volta à Rodoviária, desta vez para embarcar num dos vários ônibus repletos de cabeludos de preto que se dirigiam à “cidade maravilhosa” – detalhe: nem eu nem ele nunca havíamos posto os pés lá, íamos na cara e na coragem mesmo.

Mas foi tudo muito tranqüilo. Chegamos de manhãzinha e ficamos de “rolê” durante toda a manhã. À tarde, nos informamos sobre como chegar ao Maracanã e para lá nos dirigimos por volta das 2, 3 da tarde. Entramos na abertura dos portões e conseguimos pegar um bom lugar, quase na frente do palco. Mas a longa espera debaixo do sol inclemente foi um pouco demais para mim, que era mais baixo e por isso tinha que ficar respirando aquele ar viciado no meio da multidão. O único alívio eram os jatos de água providenciados pelo Corpo de Bombeiros, verdadeiros néctares dos deuses naquela situação. Não suportei, comecei a passar mal, e antes que desmaiasse pedi para meu primo que fôssemos para um lugar mais arejado. Até hoje lamento por ele, que estava tranqüilo, já que era alto e podia respirar em paz, mas pior seria se ele tivesse que me socorrer e nós acabássemos perdendo o show de abertura, do Sepultura.

Sepultura, com a carreira em franca ascenção, lançando “Arise”. Na verdade o disco nem havia sido lançado ainda, apenas uma versão tosca batizada “rough mixes” que vendeu como água e cuja cópia em vinil, comprada na galeria do rock de São Paulo, eu guardo até hoje. Foi um grande show, como era de se esperar. Quando terminou, fomos à lanchonete tomar algo e perdemos a oportunidade de jogar garrafa no Lobão, que estava sendo literalmente enxotado do palco – fato que se repetiria na terceira edição do Festival com Carlinhos Brown. Antológico. E perfeitamente compreensível, afinal a banda seguinte seria, justamente, o Megadeth ! O riff de “Holly Wars” servia de tema para o festival, o que significa que era repetido insistentemente a todo instante nas chamadas da Globo, o que deixou a banda bastante popular.

O show foi devastador. Curto, porém extremamente gratificante. Caí nas rodas de pogo “com gosto de gás”, terminei a apresentação cheio de escoriações mas com um grande sorriso nos lábios. Minha empolgação era tanta que lembro que fui parabenizado pela selvageria por um completo desconhecido que estava na roda comigo. Era, literalmente, um sonho realizado. Um sonho acalentado durante muitas noites de conversas com os amigos em Itabaiana, noites nas quais divagávamos sobre como seria bom poder ver nossos ídolos recém-descobertos ao vivo, ou pelo menos em algum vídeo na TV, coisa raríssima naqueles tempos pré-MTV – Aliás, a MTV, na época, tinha acabado de estrear no Brasil, e foi justamente uma das coisas que mais me maravilharam durante a viagem: poder ver, finalmente, vídeos de minhas bandas favoritas. Só voltei para casa com uma fitinha VHS gravada com vários clips colhidos no “Fúria Metal”, para a alegria de meus amigos “do rock” sergipanos, já que somente algum tempo depois, já na “era grunge”, a emissora começaria a ser transmitida via antena parabólica para todo o Brasil e nós pudemos, finalmente, captá-la em nosso “cantinho do mundo”. Lembrando que a MTV da época não tinha nada a ver com esse lixo que está no ar hoje em dia.

Depois do Megadeth, fomos para a arquibancada descansar ao som do Queensryche (chatíssimo) para esperar o que seria, para nós, o grande show da noite: Judas Priest, lançando “painkiller” !!! Sensacional. Nunca vou esquecer a imagem de Rob Halford entrando no palco com sua Harley Davidson fazendo um barulho ensurdecedor, os feixes de raio laser passando por sobre nossas cabeças e um japonês pentelho que ficava me empurrando para que eu ficasse quieto porque ele estava gravando o show num aparelhinho portátil e não queria ser incomodado. Um dos grandes momentos de minha vida, com toda certeza.

No Guns and roses deitamos para dormir na arquibancada, mas fomos demovidos da idéia por uma dupla de PMS, então resolvemos ir embora antes mesmo do fim da apresentação. No caminho para a rodoviária, descobrimos que não sabíamos qual era o caminho para a rodoviária, e nos perdemos. Sozinhos, a pé, de madrugada, no Rio de Janeiro. Foi assutador, mas para nossa sorte um camarada também sozinho e assustado nos abordou e nos pediu que fizéssemos companhia a ele, que sabia como chegar lá. Acordei no chão da Rodoviária Novo Rio sob golpes de vassoura de uma senhora, gari, que berrava insistentemente: “levanta, bando de vagabundos”.

Voltamos em paz e felizes de nossa grande aventura. Voltei para casa com as energias renovadas e com gás para começar a fazer algo pelo rock. Comecei retomando minha atividade de fanzineiro, lançando o primeiro número do “Escarro Napalm” (antes disso já havia publicado um outro zine chamado “Napalm”, ainda em Itabaiana) e participando de minha primeira produção “underground”, o II Festcore de Aracaju, ao lado de Silvio da Karne Krua e de uma garota chamada Ivânia.

Menos de um ano depois, soube que meu primo havia morrido num acidente de automóvel, com apenas 18 anos. Dedico esse texto à sua memória.

Descanse em paz.

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Programação completa do Rock In Rio II :

Estádio do Maracanã, Rio de Janeiro.

18 de janeiro de 1991

* Prince
* Joe Cocker
* Colin Hay
* Jimmy Cliff

19 de janeiro de 1991

* INXS
* Carlos Santana
* Billy Idol
* Engenheiros do Hawaii
* Supla
* Vid & Sangue Azul

20 de janeiro de 1991

* Guns N' Roses
* Billy Idol
* Faith No More
* Titãs
* Hanoi Hanoi

22 de janeiro de 1991

* New Kids On The Block
* Run DMC
* Roupa Nova
* Inimigos do Rei

23 de janeiro de 1991

* Guns N' Roses
* Judas Priest
* Queensrÿche
* Megadeth
* Lobão
* Sepultura

24 de janeiro de 1991

* Prince
* Carlos Santana
* Laura Finokiaro
* Alceu Valença
* Serguei

25 de janeiro de 1991

* George Michael
* Dee-Lite
* Elba Ramalho
* Ed Motta

26 de janeiro de 1991

* Happy Mondays
* Paulo Ricardo
* A-Ha
* Debbie Gibson
* Information Society
* Capital Inicial
* Nenhum de Nós

27 de janeiro de 1991

* George Michael
* Lisa Stansfield
* Dee-Lite
* Moraes Moreira e Pepeu Gomes
* Léo Jaime

4 comentários:

Rodrigo Amaral disse...

A resenha demorou mas saiu no Padrão Adelvan de Qualidade! Uma aula de rock que deveria ser matéria escolar pra essa garotada leite-com-pêra de hoje, heheh!

Sobre o show, resolvi ir pro camarote de última hora, mas acabei não encontrado mais ninguém que tinha visto na porta. Uma pena.

Também fiquei surpreso como Mustaine tava "comunicativo". Pensei "Pô, o cara fala... nunca imaginei". Não entendo muito do ramo, mas acho que deixaram o volume do som meio baixo porque, em geral, a acústica do Clube Português é muito ruim pra shows. Já vi show lá que não dava pra entender nada.

No mais, foi inesquecível mesmo. Valeu!

Abraço!

programa de rock disse...

pow Rodrigo, como sempre, muito massa seu comentário, valeu mesmo. Saquei que o volume baixo foi por causa da acustica - entre ficar embolado e ouvir baixo, melhor baixar o volume mesmo - mas não deixa de ser uma pena, em se tratando de um show como aquele, não é ? Se tem um tipo de musica que se tem que ouvir ALTO, é o thrash metal. De qq forma, foi do caralho o show.

A Wild Garden disse...

Saudade do Megadeth! Conheci o Mustaine acho que foi no rio mesmo (tanto tempo depois a memória já me falha). Muito gente fina, sempre pedindo 'caiprirignha" com aquele sotaque, sksksksjss!!!

programa de rock disse...

Olha só, primeira pessoa que eu vejo que fala que Dave Mustaine é simpático, hehehehe. Você trabalhava como tradutora ?