sábado, 20 de março de 2010

Fúria por ele mesmo



uma entrevista com Furia por Maíra Ezequiel para o site overmundo.

Do dicionário: Fúria s. f.: acesso violento de loucura; braveza, cólera; ira; sanha; raiva; inspiração; estro; entusiasmo; fervor; pessoa furiosa; mulher desgrenhada; divindades infernais, na mitologia pagã. Em Aracaju – pelo menos no meio artístico, cultural – há mais um sentido para essa palavra. Furia é uma pessoa, um cara. Melhor. Um artista plástico, autor de colagens incríveis, de clara inspiração quadrinística. Um pensador marginal, um intelectual (por que não?), que apesar da pouca escolaridade, já leu bem mais que muitos professores universitários. Aventureiro da música e da literatura. Alguém cujos “acessos violentos de loucura” se transformam em “inspiração” para produzir arte; que consome e produz cultura com “fervor” e “entusiasmo”. Alguém, enfim, comum. Mas cuja “cólera”, “ira”, “raiva” da mediocridade e do senso-comum o movimentam para fazer a diferença. Ainda que ninguém veja. De fato, a alcunha lhe cai muito bem. A seguir, conheça O Fúria.
Quem é você?
Sou João Antônio do Nascimento nascido em 15 de junho de 1974. Gosto de bons livros e boa música. Sem radicalismos. Gosto de cinema. Uns dizem que sou extremamente chato. Sou artista plástico. Espanco bateria de vez em quando. Não tenho nenhuma pretensão de ser músico. Sou extremamente inconstante.
Por que Fúria?
No fim do anos 80 tinha uma banda de funk do Rio de Janeiro chamada Fúria. Esse grupo tinha uma música que emplacou sucesso nacional. Na época, meu visual era completamente punk. E um dos moleques da minha sala botou na cabeça que punk e funk eram a mesma coisa. Então tentei explicar que não era. Enfim terminou numa briga de sete pessoas na sala de aula. No outro dia o colégio inteiro estava me chamando de Fúria. Sem querer proclamei esta alcunha que hoje prefiro invés do meu nome.
O que te deixa furioso?
A raça humana e sua tão pretensa inteligência. Tanta racionalidade e um futuro de caos é o presente para as novas gerações.
O que você faz e já fez da vida?
Trabalho numa livraria e num bar ao mesmo tempo. No turno da tarde trabalho na livraria. No turno da noite trabalho no bar fazendo de tudo. Desde os drinks até servir. Já trabalhei em vários lances. Já fui mestre de cerimônia em festival de rock, servente de pedreiro, entregador de jornal, atendente de loja de música, roadie de banda. E trabalhei muito de graça em produções locais. Já viajei a metade do país de carona. Enfim nada demais.Me fale sobre suas colagens.Meu trabalho consiste no remanejamento de lixo publicitário, revista, chapas de radiografia, cola e o que pintar na cabeça. Dei início ao processo criativo nos meados de 1987. Foi nessa fase que estava mergulhado na produção de fanzines, art pop, vídeo clipes, quadrinhos etc e tal. Meu processo criativo é muito inconstante. São surtos! Pra mim é um ato quase fisiológico, necessário. Pode ser uma imagem que vejo na rua, uma frase que ouço dentro do ônibus e desperta um turbilhão. Então ponho discos na vitrola e deixo me levar pela força da criação. Minha inspiração vem de tudo que tá ao meu redor. Expus em 2000 na Galeria J. Inácio uma individual com 46 obras, o detalhe é que foi minha primeira exposição oficial, em 1997 expus na galeria da biblioteca de Universidade Federal de Sergipe; ainda em 2000 participei de uma coletiva na Galeria Álvaro Santos, em 2003 expus na Casa laranja, e por último fiz um curso de xilogravura com o professor Elias Santos que resultou numa coletiva na Sociedade Semear. Depois não fiz mais nada. Ando meio morto.
Por quê?
Não tenho mais espaço para armazenar; a política sergipana não tem um direcionamento responsável e expor do próprio bolso é oneroso demais; e não tenho mais tanto tempo como outrora.
Além das colagens, que outras atividades artísticas desenvolve ou já se arriscou?
Já cantei em banda de trash metal, toquei percussão num projeto maluco que nunca rola ensaio. E fiz tanta jam session que perdi as contas. Fui um dos fundadores de uma das bandas mais porrada da história do underground sergipano: Camboja. Fiz participação na ExTxC... uma das coisas mais bizarras daqui da cidade. Atualmente a única atividade que me consome por completo é o trabalho. Tem meses que não crio nada. Também faço desenhos horríveis, nem penso em expor. Só.
Você já leu muito e de tudo. De onde veio a paixão pela leitura?
Veio dos quadrinhos. De Turma da Mônica a Moebius. Todos eles me transportaram para o universo fantástico da leitura. Muita coisa. Virginia Woolf, James Joyce, Richard Farina, John Fante, Fernando Pessoa, Paul Auster, Balzac, são tantos que passaria dias enumerando.
O que você tem orgulho de ter lido? Com o que mais se identificou?
Me identifiquei com um autor alemão: Anton Enrhezweig – A Ordem Oculta da Arte ou Psicologia da Imaginação Artística, é um livro que trata da vida e independência da obra de arte. Recomendo.
O que detestou?
Detesto best-sellers. Procuro me afastar do que não presta. É tanta coisa boa e obrigatória pra ser lida que não dá pra perder tempo com o monte de lixo exposto na praça.
Qual seu grau de escolaridade?
Fundamental. Sou o semi-analfabeto ousado. Não me incomodo com tal fato. Tudo que aprendi foi de maneira lenta e deliciosa.
Pensa em cursar a universidade?
Não penso em cursar nenhuma escola superior.
Por quê?
Não tenho paciência para uma metodologia que mais parece uma colcha de retalhos. Uma imensa fábrica de sofistas. E nunca foi uma coisa que passasse pela minha cabeça.
O que tem feito ultimamente?
A escrita tem sido uma fuga mais corriqueira, mas a imagem sempre está atrelada ao meu ato criativo mesmo escrevendo; poderia classificá-la como prosa poética.
Como você se definiria?
Depressivamente eufórico. Devorador voraz de cultura e contra-cultura. Autodidata. Sincero. Anti-reprodução. Desleixado. Mas sou responsável quando me envolvo em qualquer trabalho.
“Anti-reprodução” não é uma contradição pra quem trabalha com colagens?
Contradição é sinônimo de inteligência.

A Base

Gabbirim Nagal Giborin AKA Villas Parakas, ou simplesmente Bilal, o auto-intitulado "rei do metal", é uma verdadeira "lendja" viva do underground de Aracaju. Amado por uns, odiado por outros (foda-se, "toda unanimidade é burra"), ninguém é indiferente a essa criatura. Ele é chato pra caralho quando bebe (e ele bebe o tempo todo), mas também é divertido e acredite: é um cara muito gente boa. Se não quiser acreditar também tanto faz, foda-se.

Eu estava lá quando ele se reconciliou com uma amiga que tinha colocado um post tirando onda com ele e outras criaturas "das trevas" aracajuanas. Ela pagou um "príncipe" pra ele e ficou tudo bem - pra ele, pra ela ficou pior, porque ele não desgrudou da pobrezinha. Lembro dele jogando a mesa de plástico de um bar da praia pro alto quando ela falou que ele ia ficar só na vontade de comê-la, assim como ela, que queria dar pro Brad Pitt. Também lembro das suas estripulias nas "festinhas" promovidas por Alexandre, vulgo "Tina Tchacha", em sua casa no Fernando Collor (que merda existir um lugar com o nome desse cara, né.). Foi lá que foi tirada a foto abaixo. Bilal é o que está ensanduichado pelas garotas, sorvendo uma tetinha.

Enfim, são muitas histórias. Uma delas foi contada por mim há algum tempo atrás, no extinto site "gambiarra", e eu a reproduzo abaixo:

Bilal, “A Base de tudo!”

Bilal, o rei do metal, é o mais autêntico “rocker” de Aracaju. Pode ser encontrado sempre à noite vagando pela cidade ou nas escadarias da Catedral, no centro, antigo ponto de encontro dos roqueiros e malucos em geral, sempre agilizando a arrecadação de uma cotinha para a aquisição do “kit Tubiacanga” (como RAS, outro maluco clássico da city, chama o local), que vem a ser um litro de 21 mais um refrigerante qualquer, geralmente o já “crássico” Nat cola, uma tubaina local.

Um belo dia ele tomou finalmente coragem para pisar novamente em solo baiano, depois de um longo período longe daquelas plagas, ausência esta motivada por constantes atritos entre a “barca” black metal de Aracaju, na qual se inclui, e ícones do metal baiano, as bandas Malefactor e Mystifier. Da última vez que havia ficado frente a frente com "Boizebu" - como ele chamava um desafeto - o saldo foi uma visita ao pronto socorro e a lataria do carro do dono do estudio, onde a Mystical Fire estava gravando um CD demo, amassada. Pois bem, garantida a retaguarda (pelos auto-denominados black metal “reais” soteropolitanos, que também não simpatizam com as bandas citadas), segue nosso herói para a capital mundial do acarajé em busca de sexo, drogas e rock and roll. Os dois últimos ítens ele teve de sobra, já que o primeiro ficava difícil garantir com sua boca banguela e seu visual casca grossa.

Numa de suas aventuras, Bilal, vulgo Lorde Astovidatu, ou Gabirina “alguma coisa aí” (pseudônimo de black metal é complicado pra caralho) foi apresentado por Cadáver, notório representante do que há de mais radical na cena metal baiana, a um indivíduo que era o rei de uma quebrada escondida por trás da fachada pra turista ver do Dique do Tororó, um fim de mundo desses que você se depara ao virar algumas esquinas ou entrar em alguns becos da Cidade do Salvador. Era um negão casca-grossa, já meio coroa, que atendia pela alcunha de “A Base”. “A Base” porque ele era “A base de tudo” ali naquela área, como veio a saber nosso herói mais tarde, depois de passar uma tarde na companhia do malandro. Este intimava todos os desconhecidos que se aventuravam pela sua área, aos gritos de: “ô, uns e outro, ta indo pra onde ??!!” – “To indo ali na casa de fulano, Base”, “Ah! Ta ligado com quem ta falando, né???” . “Claro, com A Base” “é isso aí, a base de tudo aqui nessa porra”.

No principio A Base ficou meio invocado com o visual de nosso herói do rock casca grossa sergipano. Se chegou pra Cadáver e perguntou: “ô Cadáver, que porra é essa que tu trouxe pra cá pra área?”, no que foi tranqüilizado, porque esse era Bilal, brother de Aracaju, autêntico Black metal. Consta que A Base não entendeu porra nenhuma, mas ficou tudo bem. Impressionado com a moral do “garoto”, Bilal questiona Cadáver: “ô Cadáver, que porra é que esse maluco faz aqui pra todo mundo respeitar ele?”, no que Cadáver retrucou: “Meu irmão, não queira nem saber!”.

Ficou tudo bem até que A Base chamou-os para bater um rango e tomar umas cervas. Foram até um barzinho e ele foi logo ordenando “ô umas e outras, coloque aí três hamburgers e três guaranás aqui pros meus chegados, porque tu sabe com quem tu ta falando, né ?” “Com A Base”, respondeu a dona do bar de trás do balcão, no que ele completou: “isso mesmo, A Base de tudo aqui nessa porra !!!”. Comeram pra caralho, beberam, Bilal crente que A Base ia pagar o rango, até que ele se vira pra eles e sentencia: “Meu irmão, eu vou é pinotar dessa porra !!!”, e sai correndo como um louco na chuva, deixando pra trás os dois atônitos e a mulher que resmungava: “porra, A Base é foda, come, bebe, pinta e borda, mas pagar que é bom, nada ... Vocês dois aí “... “Vamo nessa, Bilal”, alertou Cadáver, e lá se vão os dois de pinote em sentido contrário ao dA Base ...

Alguns dias mais tarde Bilal volta a Salvador, dessa vez para embarcar num ônibus cheio de "Black metaleiros" com destino a um show de puro e autêntico Black metal em Jacobina, no sertão baiano, distante 8 horas da Cidade do Axé e do amor. Consta que, no meio do caminho, teve até um doido que suplicou “to com sede, alguém trouxe água aí”, no que foi respondido que “liquido aqui nesse ônibus só cachaça e mijo”, “Então eu vou beber é mijo mesmo”, replicou o indivíduo, que era um roqueiro radical novo no pedaço e precisava demonstrar atitude diante da barca casca-grossa das antigas ali presente. Como todos duvidaram de suas palavras, ele foi até o vaso sanitário, espalhou um pouco a nata de vômito que estava por cima, pegou um pouco de mijo com a mão em forma de concha e o sorveu, diante dos olhares incrédulos das criaturas negras que tinham se juntado ao seu redor para registrar o fato inusitado.

Mas isso é outra história. Passe um dia à noite na frente da Catedral, ajude na cotinha pra comprar o kit e pergunte a Bilal os detalhes de sua empolgante viagem a Jacobina. É mais provável que ele mande você tomar no cu ou alguma coisa parecida, mas ele pode, porque ele é A Base de tudo aqui nessa porra dessa Aracaju.

por Adelvan

#

segunda-feira, 15 de março de 2010

Fé demais não cheira bem ...


Nunca imaginei que o Glauco, aquele malucão que criou o Geraldão, era místico ao ponto de ter fundado sua própria igreja ! Mas ok, não vou dar uma de dono da verdade ou ateu militante ao ponto de culpar a opção religiosa do cara numa hora dessas - apenas fiquei surpreso pois, como já disse num post anterior eu não era tão fã dele tanto quanto sou do Angeli e do Laerte, por isso acompanhei pouco sua carreira. Pra mim a religião é uma loucura em si, um delirio, mas malucos existem em todos os extratos da sociedade, não apenas entre os frequentadores das seitas religiosas. Por isso, a meu ver, não é justo creditar à ingestão do tal "Santo Daime" usado no culto fundado pelo Glauco a maluquice do cara que tirou a vida dele. É sempre a mesma coisa, nos jornais sensacionalistas - quando acontece uma tragédia ou um assassinato e o responsável é usuário de algum tipo de "substância ilícita", a tendência é sempre associar o vício ou a ingestão da substancia em questão pelo crime, quando existem tantos crimes bárbaros por aí cometidos por gente que não é viciada em nenhum tipo de droga nem apresenta disturbios mentais clinicamente catalogados como doença. Da mesma forma, existem inúmeros exemplos de pessoas que usam drogas numa boa, nunca fizeram nem dão sinal de terem a intenção de fazer mal a ninguém - no máximo, a si mesmos, afinal estão ingerindo substancias potencialmente perigosas para sua saude, mas isso é uma opção individual de cada um. Quem come prego sabe o cu que tem - ou pelo menos deveria saber.

Lamentável, mas é isso aí. Life goes on.

A.

------------



Acima, uma bonita homenagem de Adolfo do blog VIVA LA BRASA ao cartunista morto
Abaixo, os últimos desdobramentos do caso:

---------------

Criminoso confessa à polícia e à TV que matou Glauco e seu filho

da Folha Online

A Polícia Federal em Foz do Iguaçu (PR) afirmou que Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, o Cadu, 24, confessou nesta segunda-feira ter matado o cartunista, compositor e líder religioso Glauco Vilas Boas, 53, e seu filho Raoni, 25. Ele também confessou o crime ao jornal da GloboNews, quando uma repórter o questionou após a prisão. O acusado está preso desde a 0h de hoje, quando tentou fugir para o Paraguai.

Desde a prisão, Nunes está em uma cela individual da delegacia da Polícia Federal e agora é considerado réu confesso pelo assassinato de Glauco e seu filho. Com ele, a polícia apreendeu um carro, que havia sido roubado em São Paulo, uma arma e uma quantidade não determinada de maconha.

A polícia afirmou que Nunes foi interceptado por uma fiscalização de rotina, que o ordenou a parar. Houve tiroteio e um policial federal foi ferido. Os policiais, então, perseguiram Nunes na ponte, onde conseguiram pará-lo. Ele só foi identificado como o assassino do cartunista Glauco Vilas Boas quando seus documentos foram checados.

Segundo a Polícia Federal e a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, até as 10h30 desta segunda ainda não havia previsão para que Nunes fosse transferido para São Paulo.

Motorista

Após cerca de cinco horas de depoimento, neste domingo (14), na Delegacia Seccional de Osasco (na Grande São Paulo), Felipe Iasi, 23, foi liberado pela polícia por ter bons antecedentes e residência fixa. No entanto, o delegado Veras Júnior disse que o depoimento de Iasi não convenceu totalmente.

Iasi levou Cadu até a casa do Glauco na madrugada de sexta-feira (12). O carro de Iasi, um Gol cinza, foi encontrado na noite deste sábado (13).

Aos policiais, Iasi disse que foi sequestrado por Cadu e ameaçado com uma arma para ir até o local do crime. Cadu teria dito, segundo o amigo, que "precisava esclarecer que era Jesus Cristo". Conforme o advogado de Iasi, ele não chegou a ouvir os disparos, pois deixou o local antes.

Para o delegado, se Iasi era um refém como diz o advogado, ele deveria ter ligado para a polícia. No entanto, Veras Júnior disse não poder contradizer Iasi porque, até agora, nenhuma testemunha afirmou que viu Iasi levando Cadu embora. Outro motivo que fez com que o jovem fosse liberado foi que a localização dada por ele da família de Glauco dentro da casa durante o crime foi a mesma da versão da enteada do cartunista.

Em entrevista ao "Fantástico", na TV Globo, na noite deste domingo, a mulher de Glauco, Beatriz Galvão, contesta a versão de Iasi. Ela disse que o jovem ficou sentado no sofá enquanto Cadu torturava o cartunista. Beatriz também disse que chegou a pedir ajuda a Iasi, que aparentava estar drogado, mas que ele teria feito sinal negativo com a cabeça.

Na entrevista, Beatriz também disse que não sabe o que motivou o crime.

Caso

O cartunista Glauco Vilas Boas, 53, e de seu filho Raoni, 25, foram mortos a tiros na casa do cartunista, em Osasco (Grande São Paulo), na madrugada de sexta-feira (12).

Segundo as testemunhas, o suspeito chegou ao local e rendeu a enteada de 30 anos, que mora em uma casa no mesmo terreno. Glauco e a mulher Bia ouviram gritos, foram ao quintal, e começaram a conversar com Nunes.

Ele era conhecido da família por já ter frequentado a igreja Céu de Maria, que segue os princípios do Santo Daime e foi fundada por Glauco.

Segundo o relato das testemunhas, Cadu, como era conhecido o estudante, delirava e queria levar todos para a casa de sua mãe, em São Paulo, com o objetivo de afirmarem à mulher que ele era Jesus Cristo. Ele estava armado com uma pistola automática e uma faca.

Glauco tentou negociar com Nunes para ir sozinho, e chegou a ser agredido. De acordo com o delegado Archimedes Veras Júnior, responsável pela investigação, Glauco não reagiu.

No meio da discussão, porém, Raoni chegou ao local de carro. Em seguida, Cadu atirou contra pai e filho, mas os motivos ainda não foram esclarecidos. Os dois chegaram a ser atendidos no hospital, mas não resistiram e morreram.

------------

Do VIVA LA BRASA:

"A primeira pessoa que recebeu ele em São Paulo fui eu. Ele dormiu na minha casa, comeu da minha comida, paquerou a minha mulher (risos), ele teve uma participação intensa na minha vida. Perdi uma boa parte da minha história com a morte do Glauco. Éramos amigos muitos íntimos e tínhamos uma relação forte. Apesar de distante nos últimos tempos, o nosso elo não havia se quebrado. Tinha algo que se encaixava entre mim, Laerte e Glauco.” ANGELI

“O Glauco costumava faltar bastante aos encontros de Los 3 Amigos, pelo menos na época em que eu participei do bando. Mas quando ele aparecia dava conta do recado em segundos e logo sumia novamente. Ele tinha um dos traços mais difíceis de imitar. Era muito caligráfico, quase uma assinatura. O Laerte era o único que conseguia fazer o boneco do Glauquito quando o Glauco não estava. Numa entrevista com Los 3 Amigos, o Glauco faltou a sessão de fotos e nós tivemos a idéia de fazer uma caricatura dele pra preencher sua falta. Que notícia de merda, essa, hein?” ADÃO ITURRUSGARAI

“Foi na revista dele que eu publiquei meus primeiros desenhos, que mandava pra sessão de cartas. Ele tinha aquela coisa de responder, agradecer o envio dos desenhos. Glauco, Angeli e Laerte são os responsáveis por fazer no Brasil essa coisa do quadrinho adulto. Eles vêm com esse humor que fala mais de comportamento, que mostra tipos de pessoas mais próximas do real.” WEAVER LIMA

“A trajetória dele na época da censura foi um divisor de águas. Ele fazia um humor mais ácido e muito engraçado. A atuação dele como chargista foi algo fantástico, e depois, como quadrinista, ele criou um estilo de personagens completamente fora dos padrões. É o fim de uma proposta de humor que moldou as novas gerações. O Angeli, o Glauco e o Laerte eram os três mosqueteiros. Agora ficam só dois.” CAMILO RAINI

“Meu traço não é bom para retratar o futuro. Corro o risco de não falar a língua da moçada.”A notícia do assassinato de Glauco Villas Boas e seu filho Raoni na madrugada de sexta deixou não só os fãs de quadrinhos, mas todo o Brasil triste. C/ seu traço limpo e anguloso e humor inusitado e ligeiro, Glauco marcou os anos 80 c/ a revista do Geraldão – o solteirão donzelo tarado pela mãe que passa o dia se drogando – e toda uma galeria de personagens desajustados e cômicos: Doy Jorge, Casal Neuras, Dona Marta, Zé do Apocalipse... Nos anos 90 fez roteiros p/ o TV Pirata e a TV Colosso na Globo e fundou a própria igreja, Céu de Maria, seguindo o Santo Daime.

“O Angeli sempre tirou muito sarro de mim porque eu sou muito místico”, disse em 2001 numa entrevista: “Sou pisciano. Sempre gostei da linha espiritual, de estudar. Depois que eu comecei a freqüentar o Santo Daime – que é uma bebida que vem lá da Amazônia, que os índios consagram – Angeli e Laerte tiraram muito sarro dessa minha nova jornada. Chegaram a fazer história sobre o Glauquito, que encontrou suas raízes, montou uma seita e fez um chá com as suas raízes.”

Hahaha! Até quando falava sério o cara era engraçado.

“Eu sou daimista. Criamos um grupo de estudo e passamos a receber o Daime lá da floresta. É um centro de pesquisa espiritual. O Daime tem um potencial de cura muito grande. Eu coordeno o ritual, que é bastante musical. São vários hinos, recebidos pelos caboclos lá da mata, que a gente executa depois de ter ingerido o Daime. A gente faz um trabalho musical e as pessoas vão estudando, dentro da força do Daime, porque ele é um expansor de consciência. Me trouxe muita disciplina, principalmente com meu trabalho de cartunista, do traço. Também relacionado à saúde, porque eu era muito exagerado, boêmio, e isso atrapalhava o meu dia-a-dia. O traço é uma coisa que você precisa estar harmonizado com você mesmo. Senti uma evolução muito grande no meu trabalho e em todos os aspectos da minha vida.”

Ironia maldita, Glauco e seu filho morreram após serem baleados 4 vezes cada por um ex-frequentador do culto, Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, playboy junkie que invadiu o sítio do cartunista dizendo ser Jesus Cristo. “É uma tragédia”, lamenta Adão Iturrusgarai, o ‘4º amigo’ dos 3 Amigos. “Ele era muito rápido pra descobrir os seus pontos fracos e detonar com você. Era muito divertido”, Adão diz, referindo-se a Glauco, não ao demente do ‘Cadu’, que até o fechamento deste post continuava foragido: “É muito triste ver isso acontecendo. Não é ler que o Glauco morreu. É ler que ele foi assassinado. E junto a um filho. Não existe mais ética ou moral no ser humano.”

O que deixou todo mundo de cara, mais do que a perda prematura, foi a brutalidade do ato gratuito. “Como eu disse no primeiro momento, no Twitter, o fato é tão chocante que nossa reação não pode ser medida em palavras, mas em um sentimento de dor, luto e desesperança”, disse o tuiteiro Mauricio de Souza: “Apesar disso, nós sairemos do choque. E vamos encontrar caminhos, mesmo que sejam longos, demorados, para contermos essa onda de irracionalidade e desumanidade.”

Até o Presidente mandou uma nota: “Glauco foi um grande cronista da sociedade brasileira, entendia os usos e costumes da nossa gente e expressava isso com inteligência e humor”, escreveu Lula: “Foi uma perda tremenda. Diante dessa verdadeira tragédia, quero expressar meu sentimento de pesar a familiares, amigos e admiradores.”

GERALDÃO Surfistão! Gravidão! foi um dos gibis mais marcantes da minha vida. Eu começava a pegar onda e já sacava a Chiclete com Banana do Angeli, e só dei um tempo de desenhar o Bob Cuspe no meu caderno da escola quando conheci os quadrinhos do Glauco – a partir daí passei a copiar o Geraldão também. “A gente trabalhou juntos na Circo por quase 10 anos”, diz o editor Toninho Mendes: “Eu não consigo acreditar no que está acontecendo.”

“O Glauco era o batedor que ia na frente testando os limites pra todo mundo que vinha atrás”, fala Arnaldo Branco, outro da minha geração, parceiro da revista Tarja Preta: “Sempre ficava impressionado como o cara falava abertamente de sexo e drogas ainda na vigência da censura (velada, que fosse). Fazia humor urgente, em estado bruto.”

“Era o único que não conheci pessoalmente da turma dos Los 3 Amigos”, diz Allan Sieber: “Mas segundo os chegados, era um gênio da resposta imediata, muito rápido no gatilho mesmo.” Pra Fernando Gonsales, Glauco foi “um dos grandes revolucionários do humor brasileiro: ele deu uma escrachada que revolucionou.”

Em poucas palavras, Caco Galhardo resumiu o sentimento geral: “Para todos os cartunistas foi uma grande referência. O Geraldão é uma grande referência e o Glauco era um cara pacífico. Como alguém pode fazer uma coisa dessas? O atirador não tem noção”, comentou na sexta-feira: “O Glauco era um gigante. Ele tinha o dom de repetir a mesma piada e ser engraçada dez mil vezes. O mundo acordou mais xarope hoje.”

“Comecei a desenhar no 2º grau. Sempre desenhei na turma do fundão, que eu fui freqüentador assíduo. Desenvolvi essa linguagem e vi que era uma ferramenta muito poderosa: o humor aliado com caricatura. Também tive contato com o pessoal do Pasquim, todos aqueles desenhistas, o Ziraldo. Aquilo foi me inspirando.”

Glauco tinha acabado de completar 53 anos. Publicava tiras e charges na Folha de S.Paulo desde 1984. À sua galeria original de personagens, agregou nas últimas décadas Edmar Bregmam, Geraldinho, Faquinha, Ficadinha, Zé Malária, Nojinski e Netão, um tipo que “surgiu com essa nova moda da internet” – disse em 2001 numa entrevista p/ o UOL: “O Netão tem uns 30 anos, é metropolitano, casado, vive internado num apartamento e viaja pelo mundo afora pelo computador.” Glauquito, que tinha medo de ficar ultrapassado, não teve nem a chance de envelhecer. Mas sua verve sobreviverá.

“Eu desenho a nanquim com papel e depois escaneio. Eu uso o computador quando é pra aplicar cor. Tentei usar computador pra desenhar, mas meu desenho sai como se fosse uma criança. Não tenho o domínio ainda. Mesmo aquela canetinha que tem uma tela. Pra meu tipo de traço, estou acostumado com a pena, que dá um toque todo peculiar.”

GLAUCO [1957-2010]

sexta-feira, 12 de março de 2010

Graffiti nas ruas de Aracaju



Acima, grafitti de Chagas no Beco dos Côcos

Fonte: http://www.ruadacultura.blogspot.com

Aracaju é moderna e discreta mas, sobretudo, moderna. E é ai onde se encontra seu charme e a sua capacidade de encantar a quem passa por aqui. São dezenas de canteiros de obras que estão pulsando na cidade. Prédios subindo, reformas acontecendo e obras das mais diversas apontam o crescimento da nossa cidade. Mas junto com os prédios sofisticados, vemos também a manutenção e valorização dos casarões que contam a nossa historia. O casarão da Avenida Ivo do Prado, tombado pelo Patrimônio Histórico Cultural, foi reformado e é ocupado pela OAB/SE. Hoje ele recebe o nome de Palácio da Cidadania, e isso configura um bom exemplo de que ser moderno é cuidar também do que conta a nossa história. Pena que o cinema Rio Branco e outros prédios históricos não tiveram a mesma sorte. Perdemos nós.

O Atheneuzinho, que também fica na Avenida Ivo do Prado, esquina com a Rua Tenente Martinho Garcez, é outro prédio que durante muitos anos estava entregue a própria sorte, e que hoje é preparado para receber o Centro Cultural Banese, outro passo importante para usar a arquitetura histórica, já presente, para embelezar e fortalecer a nossa identidade. E mesmo em obras, o Atheneuzinho já tráz uma grande contribuição para o pensamento artístico e cultural avançado. Utilizaram suas placas de fechamento da obra como um grande painel, para que dois de nossos artistas, que pertencem a nova geração, possam apresentar seus trabalhos a céu aberto. Uma prova de sensibilidade que cabe às instituições de promoção à cultura. Quem espera o ônibus, de passagem cara e ainda com muitas deficiências, pode se distrair vendo a intervenção em fotograffite de Lucio Teles e Chagas, que já tinham apresentado seu talento no Beco dos Cocos e na praça do bairro Santos Dumont. Personagens das nossas manifestações populares se misturam com o graffitte bem elaborado e universal. Antigo e novo se misturam, tradição e sofisticado se associam para deixar a cidade bonita, mesmo em um canteiro de obras. Espero que construtoras, empreiteiras e instituições façam o mesmo para trazer qualidade visual para as ruas de Aracaju. Além de inibir a ação dos pixadores, que geralmente respeitam os espaços já ocupados pelos grafiteiros e acabam se estimulando a abandonar a pixação e migrar para o graffite. Tanto os prédios antigos da nossa cidade quanto as novas formas de fazer arte devem ser respeitados e assimilados pela sociedade, e cabe àqueles que têm os mecanismos para fazer com que isso aconteça facilitar esse entendimento. Com isso todos ganham: instituições, artistas e, principalmente, o povo, que percebe em sua volta uma cidade mais bonita e acessível.

Contando os dias para ver o Atheneuzinho de portas abertas novamente.

E viva a inteligência cultural!!

Por Lindemberg Monteiro

---------------

ENTREVISTA COM CHAGAS

por Adolfo Sá
Fonte: http://www.vivalabrasa.blogspot.com

Graffiti é arte de rua, e o grafiteiro André Chagas é um artista de mão cheia – de tinta spray. Dono de um talento absurdo e uma técnica apuradíssima, Chagas já venceu vários concursos de desenho aqui na cidade e está adquirindo ainda mais base teórica no curso de design gráfico na UNIT. Seus painéis fantásticos e hiperrealistas podem ser vistos da zona norte à zona sul – Cidade Nova, Centro, Coroa do Meio – e agora investe numa abordagem inédita aliando pintura e fotografia.

Com que idade começou a grafitar?

Com 20 anos.

Fale sobre os concursos que já venceu...

O primeiro concurso de GRAF que participei foi em 2002 na antiga escola de tênis Jurinha Lobão, no bairro Coroa do Meio. Não sei qual foi o resultado pois cheguei atrasado na premiação. Mas acho que não fui bem colocado, pois não tinha muita experiência na área. Em 2004 participei do concurso de graffiti do drive-thru também na Coroa do Meio, cheguei mais uma vez atrasado pra premiação, mas dessa vez fiquei em 1º entre 6 painéis concorrentes. Em 2005 participei de um concurso de graffiti organizado pela secretaria de esporte no estádio Lourival Batista (Batistão). Fui 1º colocado entre dez painéis concorrentes, e dessa vez cheguei na hora certa da premiação. Em 2006 participei do concurso de mascote realizado pela SETRANSP, fiquei em 1º lugar entre 200 concorrentes. Em 2007 criei um brasão pra polícia de choque do estado, e minha arte foi selecionada entre três. Eu particularmente não gostei muito do brasão que fiz.

Quando foi que vc viu o blog como outro meio p/ divulgar sua arte?

Um amigo meu me incentivou a criar o blog, até que um dia resolvi fazer, tem uns dois anos que já tenho.

Quais os melhores blogs de grafiteiros?

Eu não costumo visitar blogs de grafiteiros com muita freqüência, mas sempre vou em www.artcrimes.com, lá tem link para todas as páginas dos principais artistas de graffiti do mundo; www.delarge.co.uk; www.graffitiplanet.com; e www.fotolog.com/chagasgraf, nesse endereço tem alguns fotologs de grafiteiros de várias partes do mundo que estão em minha rede.

Novos projetos?

Atualmente estou experimentando uma nova técnica que se chama FOTOGRAFFIT, em parceria do fotografo Lúcio Telles, que é possuidor de um acervo fotográfico com registros de imagens surpreendentes do movimentos folclóricos do nosso estado. Ex: Cacumbi, Reizado, Lambe-Sujo, Taieiras, Samba de Coco, Parafusos e muitos outros. Usamos essas imagens impressas e coladas nas paredes, em seguida interagimos com a arte do graffiti. O resultado é bem legal, e a proposta que foi despertada naturalmente é de evidenciar essa cultura através dessa fusão. Muitos de nós sergipanos não nos damos conta das riquezas culturais que existem aqui em nossa região, suponho que isso pode ser consequência também de um fortalecimento de culturas de outros estados e países que rompem fronteiras até chegar aqui. Já utilizamos as ruas da cidade como principal galeria dessa junção cultural. Mas cada um pode também achar outras junções artísticas específicas, criando assim mais formas culturais de interações com o meio que vivemos.

DEP - Glauco Villas-Boas



Caralho, mataram o Geraldão ! Um de Los Três Amigos ! Um cara foda, um dos responsáveis pela minha formação quando adolescente (de noiado carola travado a roqueiro fuleiro ainda um pouco noiado e travado mas muito mais porralouca). Verdade que nem lia o Geraldão, era fã mesmo da Chiclete com Banana e dos Piratas do Tietê, e não gostava dele tanto quanto do Angeli e do Laerte, meus dois maiores ídolos dos quadrinhos na época, mas porra, ele era um de Los três amigos. Que merda.

Descanse Em Paz.

A.

--------------

(Blog do Noblat): O cartunista Glauco Villas-Boas - o criador do personagem "Geraldão" - foi assassinado com quatro tiros nesta madrugada, durante um assalto na casa em que morava, em Osasco, São Paulo. O filho dele, Raoni, de 25 anos, também morreu, a caminho do hospital Albert Sabin. Glauco e o filho foram baleados ao tentar convencer os dois bandidos a desistir do assalto. O cartunista tinha 53 anos.
Segundo o advogado da família, Ricardo Handro, dois ladrões renderam uma filha de Glauco, que chegava de carro em casa, por volta de 0h20m da madrugada desta sexta-feira, e forçaram a entrada na residência, que fica em um bairro de chácaras, em Osasco, perto do Pico do Jaraguá, Zona Oeste de São Paulo.
Dentro da residência, segundo o advogado, os ladrões passaram a ameaçar a família e agrediram Glauco e a mulher dele com coronhadas.

------------

(Wikipedia) Glauco Villas-Boas (Jandaia do Sul, Paraná, 10 de Março de 1957 — Osasco, São Paulo, 12 de Março de 2010) foi um desenhista e cartunista brasileiro, filho do sertanista Orlando Vilas-Boas. Mudou-se para Ribeirão Preto em 1976, lá publicando seus primeiros trabalhos no Diário da Manhã. Em 1984 começou a publicar no jornal Folha de São Paulo, onde desenvolveu os personagens Geraldão, Casal Neuras, Doy Jorge, Dona Martae Zé do Apocalipse. Fez parte do elenco de redatores da TV Pirata e de alguns quadros do programa infantil TV Colosso, ambos da Rede Globo. Músico, também tocava em bandas de rock. Para o público infantil, leitor do suplemento semanal "Folhinha" criou o personagem Geraldinho, que é uma versão light (no traço e na temática) do seu personagem Geraldão. Glauco foi assassinado em Osasco na madrugada de 12 de março de 2010 durante uma tentativa de sequestro. Ele teria negociado com os bandidos, que o levariam e deixaram sua mulher e os dois filhos, mas enquanto saíam de casa um outro filho de Glauco, Raoni, chegou no local e discutiu com os assaltantes, que atiraram e mataram pai e filho.[1]











segunda-feira, 8 de março de 2010

VIVA LA BRASA !!!!!



O Blog Viva La Brasa ( http://vivalabrasa.blogspot.com ), mantido por Adolfo Sá, do finado e saudoso CABRUNCO ( o melhor fanzine já publicado em Aracaju em todos os tempos ), completou 200 posts em 5 anos com uma entrevista com o que ele considera os cinco melhores blogueiros do estado. Eu tive a honra de estar entre eles, e reproduzo abaixo a entrevista do jeito que me foi enviada e respondida na íntegra, sem edição.

PS: Adolfo é também o autor do logo do Escarro Napalm.

Muchas gracias, cabrón.

------------------

Você já participou de uma banda - Quando você fez seu 1º show de rock? Com que idade? E o último?


Na verdade nunca estive numa banda de verdade. Fiz parte de um projeto que Silvio da karne Krua montou por volta de 1992,93, chamado ETC, que era mais por curtição e para zoar, tirar onda com aqueles punks mais sectários. Era uma parada bem anarquica, e eu diria até avançada para a época, porque tinha, por exemplo, uma musica que era um repente, dedilhado na guitarra sem pedal mesmo, chamado "couro de buceta", já outra em homenagem à rapadura, tipo, tinha uma viagem de regionalismo no meio antes daquela onda toda do Raimundos. Outra "música" tinha um rap misturado. Mas o som mesmo, da banda, era mais pro barulho puro mesmo, sem muito rótulo. Grindnoise. O primeiro show ... Não lembro bem, mas acho que foi em 1993, com uns 22 anos, numa Associação de Bairro abandonada lá no Santos Dumont. Era um fedor de merda seca da porra, por isso tem uma gravação que circulou até na net daquela época que foi batizada de "ETC Live in Fedor de merda". O último foi um dos mais divertidos, foi já numa volta da banda, no inicio dos anos 2000. Foi num sábado no mesmo palco onde era realizado a Rua da Cultura, lembro que gerou uma polêmica bem besta, eu tava bêbado e falei que a única musica nova que a gente fez, "Into the Deeps of Shee-ra´s pussy", um doom metal em homenagem a uma "platinum blonde" que fazia streaptease com a irmã numas festas de black metal que eu ia na época, era nosso "Hino da galera da catedral", já que existia um Hino da rua da cultura, e um auto-denominado dono da rua da cultura lá ficou puto. Enfim, era divertido. Muito divertido, aliás, quem quiser pode procurar por 120 Dias de Sodoma (o outro nome da banda, que também se chamou Nora Kuzma por um tempo) no youtube, tem um trecho de um "show" lá.


Escarro Napalm era um zine, agora é um blog. Qual a diferença?


eu acho MUITO diferente, no formato e na forma de fazer e "distribuir". Infinitamente mais prático né ? Parece coisa de ficção científica mesmo. Mas no final das contas o que importa mesmo é o conteúdo, acho que as pessoas dão muitas vezes mais importancia à midia na qual determinada obra é apresentada do que à obra em si, e eu acho isso besta. O maior exemplo é vinilxCDxMP3, porra, o que importa mesmo tá lá, é a música. Por outro lado é tanto blog no mundo que quem acompanha essa porra toda ? E olha que Caetano já se perguntava "quem lê tanta notícia?" em Alegria Alegria nos anos 60, em plena era da imprensa "impressa" mesmo, que dizer hoje em dia ? É um excesso de informação impressionante. Me lembra também uma frase de uma música do kid Abelha (veja só), "eu sei de quase tudo um pouco e quase tudo mal", essa geração de hoje mais fissurada em internet me dá essa impressão. Por essas e outras que nunca tive internet em casa. Me recuso. Não quero parar completamente de ler, em papel. Acho melhor. Ler na net, só artigos, noticias, coisas menores - ler livro mesmo, tem que ser no papel. Antes de fazer o blog era o que eu mais me perguntava: "será que a internet precisa de mais um blog" ? Como tava muito fácil fazer (um tempo antes não tinha achado tão fácil não, ou mudaram as ferramentas ou era eu que era burro mesmo) fiz, em parte pra colocar e deixar disponivel textos antigos meus, inclusive conteudo do fanzine da época da xerox, que tou colocando aos poucos, à medida que consigo digitar ou achar alguém que digite pra mim, e algo novo que eu tenha a dizer. Se alguém ler, é lucro, senão, tá lá, disponível. Faço mais pela facilidade mesmo. E é uma escrita interessante, te deixa mais a vontade pra escrever num tom mais pessoal. Foda mesmo era fazer um fanzine, datilografar, colar, dobrar, xerocar, grampear e mandar pelo correio. Quando lembro fico impressionado com minha (nossa, né?) força de vontade na época.


Como é manter 2 blogs e 1 programa de rádio sem ganhar nada por isso, só por curtição?..


É tranquilo, porque faço de forma bem relaxada, sem pressão nenhuma. O compromisso maior é com o programa de radio, mas dá pra fazer tranquilo também, já que eu trabalho num computador conectado á net. Aqui mesmo ou em casa vou tendo ideias de blocos, depois é só catar as musicas e ir testando, ouço várias vezes um bloco antes de por no ar, pra ver qual musica combina melhor, qual deve vir antes, essas coisas. Às vezes monto os blocos mais por sonoridade, às vezes num esquema mais conceitual, depende. É divertido. Faço por diversão, e não me dá muito trabalho não, justamente porque é divertido e sem compromissos maiores (tipo, oh, minha sobrevivência não depende disso). Só não vão confundir com desleixo né, se vou fazer procuro fazer da melhor forma possível. É diversão levada a sério.


Você lê muita ficção científica. Algum autor previu a internet?


Rapaz, boa pergunta ... que eu saiba, não - mas eu sei pouco, na verdade não leio muito ficção cientifica não, embora tenha essa preferencia, especialmente no cinema. Todos os meus filmes preferidos de todos os tempos são de ficção cientifica: 2001, Laranja Mecanica, Star Wars, Blade Runner ... Mas ler mesmo, li pouco. Já li dois livros de Phillip K. Dick, "Blade Runner" e "O HOmem do Castelo Alto" (ambos sensacionais, diga-se de passagem), 2 de Arthur C. Clarke, "2010" e "3001", li "Fahrenheit 451" de Ray Bradbury, os clássicos da distopia politica, ADMIRÁVEL MUNDO NOVO, 1984 e NÓS, que não deixam de ser Ficção Cientifica, mas mais por um viés politico/sociológico. São mais alegorias sobre o presente (da época em que foram escritos, mas que valem para todas as épocas, claro, não por acaso se tornaram clássicos) do que especulações sobre o futuro, cientificamente falando ... e acho que só ! Fora isso, li muito uma série "pulp" alemã chamada PERRY RHODAN, ainda nos anos 80. Muito pouco né ? Nunca li nada de Isaac Asimov, por exemplo, o que é um pecado para qualquer fã de FC.


Enfim, o MP3 é bom ou ruim p/ a MÚSICA?


Eu acho bom. É como disse acima, o importante é a musica em si, a obra, e não a forma em que é apresentada - desde que seja apresentada de forma decente, e eu acho o som de mp3, pelo menos a partir do padrão de 128kbps (ou algo assim) a mesma coisa que ouvir em CD. Vai ver meus ouvidos é que sejam podres, pode até ser, mas eu mesmo não vejo diferença. O que aconteceu é que a distribuição da musica ficou mais fácil e isso desorganizou a industria, mas o que importa é que musica boa seja feita e chegue aos nossos ouvidos. De graça, melhor ainda. O problema maior, a meu ver, é o excesso de informação, muita coisa disponível, tem que ter um filtro - papel que a imprensa especializada cumpria - quanta coisa eu não conheci por recomendação de jornalistas que eu achava bacanas via Revista Bizz ? Isso é que tá muito confuso, hoje em dia, a meu ver: a informação está ficando muito dispersa, falta foco. Mas quanto à música em si, acho que o novo esquema é as pessoas ouvirem de graça via net, curtirem e então pagarem pra ver o show, porque aí não tem comparação né, estar num show ao vivo SEMPRE vai ser melhor do que ver numa tela, especialmente no youtube, geralmente sem qualidade. Já ouvi falar de gente que prefere ficar em casa e ver depois no youtube, mas me recuso a acreditar num absurdo desses - embora não duvide mais de nada nessa vida.


Qual sua idade atual?


39.

Ser ou não ser, eis a questão



Venho notando, de alguns anos para cá, que vários de meus amigos ou pessoas próximas a mim têm se tornado vegetarianos. Os argumentos são os mais diversos, mas o principal é o da pena - pena dos pobres animaizinhos mortos para alimentar os malvados carnívoros. Cheguei a ouvir, estupefato, num debate que aconteceu logo após um show promovido por vegans (também não entendo essa fixação por termos em inglês, pra mim isso soa a colonialismo cultural), que os adeptos da alimentação vegetariana não deveriam distinguir os carnívoros dos nazistas. Sem maiores comentários. Se alguém pudesse ter me convencido através deste argumento teria sido Morrissey quando cantou "is death for no reason and death for no reason is murder", em "Meat is Murder", dos Smiths. Porque eu também tenho pena dos animais - dos que são torturados ou sacrificados sem necessecidade. Sou absolutamente contra a caça esportiva, ou atividades culturais que resultam em sofrimento desnecessário para os bichos, como as touradas da Espanha ou as "vaqueijadas" e rodeios. Aliás, eu odeio rodeio do fundo de meu coração, odeio tudo o que se relaciona àquilo, não apenas a tortura dos animais. Costumo dizer que quando eu morrer, se eu for para o inferno (é provável que não, pois sou um cara bonzinho), vou acordar em Barretos. Já conheci muita gente que sentia prazer em torturar animais, e sempre os abominei. Mas me recuso a sentir asco de uma pessoa que mata um bicho para comer. Esse argumento da pena é puramente humano, um julgamento moral. Não existe na natureza. Os predadores naturais não demonstram nenhum remorso ao executarem suas vítimas. Mas concordo que o homem tem opção pois é, supostamente, racional, e pode muito bem se alimentar de forma saudável dispensando a proteína animal. O argumento mais válido a favor disso, a meu ver, é o que é descrito no artigo abaixo: a longo prazo, a pecuária tende a se tornar economicamente inviável, devido ao grande consumo de água e de terra que são necessários para a criação de gado. Terra esta que poderia estar sendo usada para a agricultura, fonte primária de energia. É provável que um dia a humanidade desperte e todos nós sejamos obrigados, afinal, a nos tornarmos vegetarianos. Se isso acontecer, para mim, não será nenhuma catástrofe pois, felizmente, meio que como de tudo - do rim cozido que minha mãe preparou para mim ontem, delicioso, ao almoço magnificamente bem temperado que sorvi com minha namorada num restaurante vegetariano, hoje.

É isso.

A.

-------------------

Terra é incapaz de acompanhar ritmo atual de consumo de carnes e pescado

Por Anne Chaon, em Paris

No topo absoluto da cadeia alimentar, os seres humanos se dão ao luxo de comer de tudo, mas a um preço elevado: a pesca massiva está levando as espécies marinhas à extinção, e a piscicultura polui a água, o solo e a atmosfera - o que precisa fazer com que mudemos de hábitos.

Alimentar a humanidade - nove bilhões de indivíduos até 2050, segundo as previsões da ONU - exigirá uma adaptação de nosso comportamento, sobretudo nos países mais ricos, que precisarão ajudar os países em desenvolvimento.

Segundo um relatório da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), publicado nesta quinta-feira, a produção mundial de carne deverá dobrar para atender à demanda mundial, chegando a 463 milhões de toneladas por ano.

Um chinês que consumia 13,7 kg de carne em 1980, por exemplo, hoje come em média 59,5 kg por ano. Nos países desenvolvidos, o consumo chega a 80 kg per capita.

"O problema é como impedir que isso aconteça. Quando a renda aumenta, o consumo de produtos lácteos e bovinos segue o mesmo caminho: não há exemplo em contrário no mundo", destacou Hervé Guyomard, diretor científico em Agricultura do Instituto Nacional de Pesquisa Agrônima da França (INRA), responsável pelo relatório Agrimonde sobre "os sistemas agrícolas e alimentares mundiais no horizonte de 2050".

Atualmente, a agricultura produz 4.600 quilocalorias por dia e por habitante, o suficiente para alimentar seis bilhões de indivíduos.

Deste total, no entanto, 800 se perdem no campo (pragas, insetos, armazenamento), 1.500 são dedicadas à alimentação dos animais - que só restituem em média 500 calorias na mesa - e 800 são desperdiçadas nos países desenvolvidos.

Por outro lado, o gado custa caro ao meio ambiente: 8% do consumo de água, 18% das emissões de gases causadores do efeito estufa (mais que os transportes) e 37% do metano (que colabora para o aquecimento do clima 21% mais que o CO2) emitido pelas atividades humanas.

E, mesmo que seja fonte essencial de proteínas, a carne bovina não é "rentável" do ponto de vista alimentar: "são necessárias três calorias vegetais para produzir uma caloria de carne de ave, sete para uma caloria de porco e nove para uma caloria bovina", explicou Guyomard.

Desta maneira, mais de um terço (37%) da produção mundial de cereais serve para alimentar o gado - 56% nos países ricos - segundo o World Ressources Institute.

Seria o caso, então, de reduzir o consumo de carne e substitui-lo pelo peixe?

Os oceanos não podem ser considerados uma despense inesgotável, estimou Philippe Cury, diretor de pesquisas do Instituto de Pesquisas para o Desenvolvimento (IRD).

O número de pescaodres é duas a três vezes superior à capacidade de reconstituição das espécies.

No atual ritmo, a totalidade das espécies comerciais haverá desaparecido em 2050.

Fonte: UOL

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Cinema ainda é a melhor diversão

Fui ver Avatar duas vezes no cinema, infelizmente nenhuma das duas da forma como deveria ser visto, em 3D, já que não existem salas deste tipo em minha cidade. Na primeira fui ver dublado, para não perder tempo olhando para as legendas e me concentrar no visual que é, eu já sabia, (para muitos, o único) ponto forte do filme. Confesso que alguns diálogos e cenas, como a da dancinha de invocação da tribo e aquela filosofia new age fajuta, me incomodaram bastante. Na segunda vez vi legendado e com o espírito mais aberto, com a namorada do lado e a fim de ver cinemão pipoca mesmo, me divertir. E foi sensacional, porquê é exatamente isso que o filme é: diversão escapista da melhor qualidade – com uma mensagem edificante um tanto quanto rasteira de pano de fundo, mas com qualidades, sem sombra de dúvidas. O velho combate maniqueísta do bem contra o mal, da ganância do progresso destruindo velhas culturas baseadas no respeito e na interação com a natureza.

De repente me toquei que AVATAR nada mais é do que um faroeste “futurista”. Está tudo lá, especialmente as tribos indígenas cavalgando entre paisagens deslumbrantes e sendo ameaçadas pelo avanço dos “homens brancos” invasores, apoiados pelo aparato bélico infinitamente desproporcional em poder de fogo devido às diferenças no domínio da tecnologia. Me vieram à mente imediatamente as clássicas imagens dos nativos americanos cavalgando seus garbosos corcéis em meio à pradaria, sempre atentos aos movimentos dos “caras-pálida” e seus temíveis “casacos-azuis” (a cavalaria do exército americano). A "virada de casaca" do espião invasor e a clara preferência pelo lado dos N,Avi (como são chamados os habitantes do planeta cobiçado por seu valioso minério) me lembrou “Dança com Lobos”, mas a maior referência é, sem sombra de dúvidas, “Guerra nas Estrelas”. E não apenas em seu conceito e estruturas visual e narrativa, mas também no fato de ser um campeão de bilheteria (ao ponto de já ter superado o recorde – em números absolutos - do próprio diretor James Cameron com seu “Titanic”) e estar sendo considerado por muitos como um novo paradigma para o cinema, uma nova direção a ser seguida no futuro, na eterna luta pela sobrevivência da tela grande que une as pessoas numa experiência coletiva na sala escura contra as novas e cada vez mais avançadas tecnologias que insistem em isolar-nos em nossos cantinhos individuais do mundo.

Chamar a saga ‘STAR WARS” de “Guerra nas Estrelas” denuncia minha idade, já que desde o final dos anos 1990 a franquia foi renomeada com seu título original em inglês em todo o mundo, por uma questão de marketing. Nasci em janeiro de 1971 e a primeira parte da obra máxima de George Lucas foi o primeiro filme que vi no cinema, na época de seu lançamento. Tinha, portanto, entre 7 e 8 anos. Morava em Itabaiana, interior de Sergipe, e não lembro exatamente quando a fita estreou por lá, mas lembro perfeitamente que era um sucesso mundial absoluto, ao ponto do próprio padre, durante a homilia da missa dominical, recomendar aos fiéis que o fossem ver – na verdade ele sempre fazia isso, pois o cinema era instalado num prédio alugado à igreja. Insisti para minha irmã mais velha me levar e, lá dentro, ficava enchendo o saco dela para que me explicasse o que estava acontecendo, já que o filme era legendado e eu ainda não tinha fluência suficiente na leitura. Lembro de ter ficado surpreso ao saber que aquela mulher bonita com os cabelos estranhamente enrolados por cima das orelhas era uma princesa, pois ela não tinha nenhum glamour, especialmente nos trajes, cujo padrão entre os integrantes da aliança rebelde era sempre algo branco e com um corte simples. Mas o visual arrebatador das criaturas alienígenas e das revolucionárias cenas de batalha me deixaram alucinado e fanático pelo filme. Comprei o álbum de figurinhas, o único “souvenir” disponível por lá na época, e colecionava os fotogramas compulsivamente, colando-os no calhamaço de papel com uma goma caseira que o deixava ainda mais volumoso e pesado (ainda não existiam as figurinhas auto-adesivas).

A Saga de Lucas me marcou profundamente e despertou meu interesse pela sétima arte. À medida que fui crescendo fui me tornando um cinéfilo. Lembro que ficava de ouvidos bem atentos quando a propaganda na Radio Princesa da Serra (cujos estúdios ficavam instalados no segundo andar do cinema) anunciava, ao som da musica-tema de Star Wars em BG, a já célebre (pelo menos em minhas memórias) narração: “Cinema ainda é a maior diversão. Hoje, na tela do Cine Santo Antônio ...”. E lá ia eu, caso o filme me interessasse. E muitos interessaram. Foi lá, “na tela do Cine Santo Antonio”, que vi alguns clássicos dos anos 80, como “Conan, o Bárbaro”, “Piranha”, “Piranha 2 – Assassinas Voadoras”, “Ladyhawk, o feitiço de Áquila”, TRON (numa sessão absolutamente caótica, pois foi de graça por conta de uma promoção do Colégio Murilo Braga e estava abarrotada de moleques que só estavam interessados em bagunçar, ou “indiar”, um adjetivo pejorativo bastante usado localmente naqueles tempos ), “Uma Noite Alucinante”, “A Volta dos Mortos Vivos”, "De Volta para o futuro", "Robocop" e “Platoon”, dentre muitos outros.

Me lembro de voltar para casa todo "armado" simulando carregar uma metralhadora depois de ver “Rambo, programado para matar”. Ou de uma sessão tradicional (e bizarra) que acontecia toda sexta-feira santa, onde era exibido uma fita antiqüíssima sobre a vida de Jesus e algumas senhoras a assistiam de joelhos e rezando o terço – nessa época eu já era meio roqueiro pendendo pro ateísmo e achei aquele fanatismo ridículo. “O Dia Seguinte”, o filme-denúncia contra a corrida armamentista, eu vi com amigos e a fim de “indiar” também, para aliviar a tensão – o pesadelo nuclear era sério, uma ameaça real que pairava sobre o mundo e eu tinha ficado absolutamente apavorado com um Globo Repórter sobre o assunto. Lembro também que de vez em quando entravam em cartaz alguns filmes que na época tinham apelo comercial mas hoje andam esquecidos ou são considerados “Cult”, como “Conquista Sangrenta” (Flesh+Blood), de Paul Verhoeven, uma bizarra e brilhante fábula medieval violenta e erótica sobre um farsante (interpretado por Rutger Hauer) que lidera um pequeno exército de fanáticos. Foi lá também que vi pela primeira (e única) vez, já que nunca foi relançado nos cinemas, pelo menos que eu saiba, a primeira obra-prima de James Cameron, “O Exterminador do Futuro”. E o Cine Santo Antonio, veja só, era apenas um dos dois cinemas da cidade. Hoje em dia é luxo uma cidade de pequeno porte do interior ter uma sala de cinema, que dirá então duas. O outro era o “Cine Popular”, mas este eu nunca tive coragem de freqüentar, pois exibia exclusivamente filmes pornográficos e minha timidez e formação católico-repressora rígida nunca conseguiu superar minha curiosidade hormonal adolescente.

Os filmes que eu queria muito ver e não passavam em Itabaiana eu via em Aracaju, depois de muita insistência para que minha mãe deixasse. Foi o caso de “ET – O Extraterrestre”, que eu achei meio decepcionante, meloso demais. Odiei, e ainda odeio do fundo do coração, aquele garoto, Elliot, um dos personagens mais irritantes já produzidos pela sétima arte. Em 1989 me mudei definitivamente para Aracaju e passei a freqüentar os cinemas daqui – mas não a tempo de conhecer o Cine Vitória, que funcionava onde hoje ficam as Lojas Americanas, na época já desativado. Havia também um cinema de bairro na cidade, o Vera Cruz, no Siqueira Campos, que ainda funcionava mas que eu também nunca freqüentei, em boa parte porque já estava em franca decadência, exibindo apenas uma sessão dupla de “sexo e caratê”, a clássica dobradinha de dois filmes (um pornográfico e outro de artes marciais “made in Hong Kong") pelo preço de um, nossa versão tupiniquim para as “grindhouse” americanas. Hoje é a “Catedral da Fé” da Igreja Universal do Reino de Deus em Sergipe. Freqüentei muito o Cine Aracaju, na Rua de Laranjeiras, onde hoje funciona um ... estacionamento. Foi lá que vi “ET”, “Indiana Jones e o Cálice Sagrado”, "o paciente inglês" e muitos, muitos outros. Foi também de lá que saí atordoado com “Parque dos Dinossauros”, imaginando que, ao virar a esquina (depois da tradicional passada pela “Charutaria Chic”, que também funcionava como banca de revistas – minha favorita – e ficava bem em frente) daria de cara com um Tiranossauro Rex ou um bando de velociraptores, tamanho o realismo dos efeitos especiais.

Mas o principal cinema da cidade era, sem sobra de duvidas, o Cine Palace, que ficava no Calçadão da João Pessoa, ao lado do então palácio do governo. Era bem maior e mais luxuoso (e confortável) que o Aracaju, e lá também vi fitas célebres e populares, como “Os Bons Companheiros” de Martin Scorcese, e até filmes “Cult”, como “Sid & Nancy, amor mata”, sobre a vida e o relacionamento conturbado do símbolo-mor do punk junkie e ex-baixista do Sex Pistos, Sid Vicious, e sua namorada-problema Nancy Spungen. O último filme que assisti lá foi “Waterworld”, de Kevin Costner – defenestado pela crítica, mas que eu nem acho tão ruim assim. É uma espécie de “Mad Max aquático”, e eu sou fã da franquia Mad Max e de filmes futurista-apocalípticos “trash” em geral. Este cinema eu fiquei especialmente triste quando fechou, pois era realmente um verdadeiro símbolo da sétima arte no estado. Funcionou por um tempo como bingo (ironicamente mantendo o mesmo nome, “Bingo Palace”) e hoje está lá, abandonado, num verdadeiro tributo ao descaso com a cultura, tão comum em nosso país.

Só não é maior que o descaso para com o Cine Rio Branco, o último cinema de rua de Aracaju a cerrar suas portas. Quando fechou, era um dos mais antigos ainda em funcionamento no Brasil, já que fora inaugurado em 1913, primeiro como Teatro Carlos Gomes, depois como Cine-teatro Rio Branco e finalmente apenas como cinema, não sem antes receber em suas luxuosas dependências artistas do nível de Procópio Ferreira e Bidu Saião. Era de propriedade do Sr. Juca Barreto e chegou a ser tombado e depois "destombado" pelo patrimônio histórico. A partir dos anos 80, foi arrendado e passou a exibir apenas filmes pornográficos até sua demolição, já por volta dos ano 2000. Hoje funciona como uma loja de tecidos. Poderia muito bem ter sido comprado pelo estado ou pela prefeitura e ter se transformado num centro cultural com filmes exibidos a preços populares, como existe em Recife com o Cinema Teatro do Parque, cujo preço do ingresso custa apenas R$ 1,00 graças aos subsidios da prefeitura. Em todo caso, foi nele, no cine Rio Branco, que entrei pela primeira e única vez num cinema pornô, uma experiência que considerei, devo confessar, repulsiva ...

Não por moralismo, pois sempre gostei de pornografia, mas como uma atividade solitária. Nada a ver ficar num ambiente público com pessoas se masturbando ao seu redor. É anti-higiênico e constrangedor – ok, eu também era um punheteiro inveterado e confesso mas o fazia no conforto do meu lar, auxiliado por aquela maquininha maravilhosa que mudou nossas vidas chamada vídeo-cassete - dá pra imaginar um tempo em que para assistir um filme você tinha que esperar por sua estréia na tela grande ou posterior exibição na TV aberta ? Pois esse tempo existiu, antes do vídeo-cassete. Fui ao Rio Branco única e exclusivamente para ver um filme de minha musa maior da industria pornô, Traci Lords, que estava tendo uma verdadeira retrospectiva de sua carreira por lá (detalhe: os filmes não poderiam ser exibidos, já que haviam sido banidos depois de constatado que a atriz era menor de idade quando os fez). Foram vários os títulos estrelados por ela, em sequencia, um verdadeiro festival, mas infelizmente, devido à minha hojeriza à experiência em si, vi apenas um.

Hoje, cinema por aqui só em shopping-centers. Não têm o mesmo glamour mas, por outro lado, têm muitas salas (são os chamados multiplex), o que nos dá mais opções. Como tudo o mais na vida, há os prós e os contras. A lamentar mesmo, realmente, apenas a total falta de salas no interior do estado. Mas antes mesmo da chegada do primeiro multiplex, o Cinemark do Shopping Jardins, funcionaram por um bom tempo, em paralelo aos cinemas de rua, no Shopping Riomar, dois cinemas do tradicional Grupo Severiano Ribeiro. Ainda tentei realizar uma antiga fantasia de transar numa sala de cinema por lá quando soube que iria fechar. Acertei tudo com uma amiga com a qual “ficava” mas demos com a porta na cara – ou fechou antes da data anunciada ou nós que nos atrapalhamos e ficamos, literalmente, na mão – ou não, não lembro se consumamos o ato em outro local menos excitante porém mais apropriado ao pudor e aos bons costumes.

Depois disso, por saudosismo dos cinemas de rua, principalmente, passei a freqüentá-los todas as vezes em que viajava para cidades em que eles ainda existiam. Lembro que assisti ao “Titanic” de James Cameron em 1998 num dos vários cinemas (alguns belíssimos) do largo do Machado, no Rio de Janeiro. Também no Rio, já em 2005, vi “Cidade Baixa” no reformado “Cine Odeon”, na Cinelândia. Em São Paulo assisti “Falcão Negro em perigo” de Ridley Scott num cinema do centro com as pernas para cima para não ser mordido por uma das inúmeras ratazanas que passeavam livremente pelo local. Já em Recife, tive a honra de freqüentar, por pelo menos uma sessão, o majestoso Cinema São Luiz, de frente para o Rio Capiberibe. Neste caso o que interessava nem era o filme em si (aquele do ratinho simpático adotado por uma família de humanos, cujo nome nem lembro no momento), mas a sala, com sua suntuosa decoração de mármore, vitrais e lustres. Realmente exuberante. Já não tão luxuoso era o Cinema Glauber Rocha, no centrro de Salvador, onde vi “AI – Inteligência Artificial” com o nariz ardendo devido ao cheiro de mofo. Ou as simples porém simpáticas e aconchegantes salas dos cinemas de rua de Goiânia onde eu vi o capítulo final da trilogia “Matrix” e o primeiro filme da série “Os Normais”.

por Adelvan Kenobi

-----------------------------------

Avatar (e Star Wars) - O Triunfo da Imagem
No visual exuberante e no espírito inovador, Avatar é uma revolução comparável a "Guerra nas Estrelas". No enredo, os dois filmes exaltam um mesmo ideário: a contracultura dos anos 60
Por João Gabriel de Lima
Fonte: Revista Bravo! - Fevereiro/2010
De tempos em tempos uma tribo alienígena desce de uma nave espacial e balança a história do cinema. Isso aconteceu, por exemplo, em 1977 - a nave se chamava Millennium Falcon e um de seus ocupantes era o peludo Chewbacca, espécie de elo perdido entre o homem e o macaco. Na ocasião, Guerra nas Estrelas propôs uma nova maneira de fazer e comercializar filmes. Agora, os ocupantes da nave são índios azuis vindos diretamente do planeta Pandora. Avatar, maior sucesso de bilheteria da história, vencedor do Globo de Ouro de melhor filme na categoria Drama e candidato a bicho-papão do Oscar, é a maior revolução do cinema desde Guerra nas Estrelas. Quando a saga que opunha Luke Skywalker a Darth Vader foi lançada, a maior crítica de filmes da história da imprensa americana - Pauline Kael, da revista The New Yorker - escreveu que o cinema, para o bem e para o mal, nunca mais seria o mesmo. Do mesmo modo, Avatar parece destinado a dividir o invento dos irmãos Lumière em antes e depois. Há mais semelhanças entre os dois filmes do que pode supor a impenetrável filosofia Jedi - ou vá lá, a peculiar compreensão do mundo dos azulados índios Na'vi.
Quando se fala em revolução, não se trata apenas de uma questão estética. Ela existe, mas é secundária. Guerra nas Estrelas e Avatar se parecem, antes de qualquer outra coisa, por propor soluções originais para dilemas da indústria cinematográfica em suas respectivas épocas. Quando Guerra nas Estrelas foi lançado, o cinema americano vivia uma fase de excelentes diretores - Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, Michael Cimino, Steven Spielberg - mas, exceto por algumas produções deste último, havia perdido a conexão com o mundo da cultura pop. Era um tempo em que o Oscar era dominado por filmes "adultos", muitos deles meditações sobre a Guerra do Vietnã, o atoleiro em que os Estados Unidos haviam se metido na época. George Lucas, diretor de Guerra nas Estrelas, queria voltar a fazer cinema para o público jovem. Sobretudo, queria fazer filmes que fossem mais do que filmes. Produções que - como ocorria em outras áreas da cultura pop, como o desenho animado ou os quadrinhos - fossem o ponto de partida para a venda de produtos: brinquedos, roupas, máscaras e os recém-inventados videogames.
Guerra nas Estrelas foi pensado com essa finalidade. E o resultado não poderia ser melhor. Foi o primeiro filme da história a faturar mais com merchandising do que com bilheteria - na época do lançamento, os três primeiros longas da série geraram 1,3 bilhão de dólares, enquanto os badulaques criados a partir da história, como a máscara de Darth Vader, arrecadaram 4 bilhões. O sucesso foi tanto que, na década seguinte, o cinema se voltou para o público para o qual Lucas olhara de forma pioneira: o adolescente do sexo masculino, que pagava ingresso e ainda comprava as traquitanas.
Avatar, do mesmo modo, é uma resposta a um dilema do nosso tempo, este muito mais dramático: a própria existência do cinema. Refletindo sobre o assunto, o jornalista David Denby, que sucedeu Pauline Kael como crítico da mais influente publicação cultural americana, criou a expressão "agnóstico de plataforma". Ele se refere a toda uma geração que não vê diferença entre assistir a um filme no cinema ou na tela de um computador, ou mesmo no microvisor de um telefone celular. Se os agnósticos de plataforma se tornassem maioria, escreveu Denby, os cinemas estariam destinados a acabar, e com eles toda uma fantástica tradição de obras de arte pensadas para a tela grande - ou alguém imagina assistir a clássicos como A Doce Vida, de Federico Fellini, ou O Leopardo, de Luchino Visconti, na tela de um iPhone?
CERVEJA LIGHT E CALÇA JEANS
Avatar é uma das respostas possíveis a esta questão. O filme dá um xeque-mate nos agnósticos de plataforma ao oferecer ao espectador uma experiência estética que só é viável dentro de uma sala de projeção. Apenas em frente à tela grande é possível sentir maravilhamento e medo quando harpias coloridas dão vôo rasante sobre os espectadores - ou quando, assumindo o ponto de vista dos índios que pilotam as aves, nos vemos dando mergulhos acrobáticos em clareiras de uma selva exuberante. O filme ressuscita a técnica do filme em terceira dimensão, que agora finalmente funciona direito - nada parecido com os ineficazes óculos de duas cores usados na pré-história do gênero. Assim como Guerra nas Estrelas teve vários sucessores, já estão anunciados filmes infanto-juvenis feitos com a mesma técnica de Avatar - séries como Shrek e Toy Story ganharão suas versões em três dimensões. Até George Lucas planeja relançar sua saga em 3D.
Outra semelhança entre Avatar e Guerra nas Estrelas é que os dois filmes abraçam um ideário que vem resistindo ao tempo de forma surpreendente: o da contracultura dos anos 60. A saga de George Lucas opunha um Império militarizado, comandado por Darth Vader, a um bando de hippies que acreditavam em coisas como pensamento positivo e percepção extra-sensorial - a chamada "força". O Império era eficiente e planejado. Os hippies, liderados por um velho guru, Obi-Wan Kenobi, e seu epígono, Luke Skywalker, eram desorganizados e intuitivos. Avatar segue a mesma linha, acrescentando pitadas de discurso ecológico. No filme, uma grande corporação quer expropiar índios de suas terras para explorar economicamente um minério valiosíssimo - ao qual o diretor James Cameron deu o irônico nome de "unobtainium", algo que não se pode obter. Para conseguir o seu intento, ela contrata um exército de mercenários e cria uma fantástica tecnologia de espionagem, na qual os informantes podem assumir corpos de índios -são eles os chamados "avatares".
Estão dadas as condições para um desfile de clichês politicamente corretos. A vida comunitária é boa, mas as grandes corporações são más. A ciência - os pesquisadores que querem usar os avatares com fins pacíficos - é "do bem", enquanto a tecnologia é "do mal". Sobretudo, não há espaço para nuances. Quando fez Guerra nas Estrelas, George Lucas disparou uma pedrada no relativismo moral dos anos 70. Ele queria, segundo declarou em entrevistas, fazer um filme onde fosse fácil distinguir o bem do mal, como nos antigos faroestes. Avatar segue a mesma linha. A cada quadro (se é possível chamar de quadro uma imagem que se projeta sobre o espectador) o diretor James Cameron deixa bem claro para quem devemos torcer.
Os diálogos vão na mesma direção. Numa cena em que alguém fala em intercâmbio de cultura entre nós, terráqueos, e os índios puros e idealistas que habitam o planeta Pandora, o protagonista do filme, o ex-fuzileiro naval Jake (interpretado pelo ator Sam Worthington), diz: "O que teríamos para oferecer a eles? Cerveja light e calça jeans?". Claro que ele poderia falar também numa sociedade menos machista (os índios azuis tratam suas mulheres como fazíamos na época das cavernas), ou em realizações artísticas como a Capela Sistina de Michelangelo ou a Nona Sinfonia de Beethoven. Mas aí o filme teria espessura, complexidade, faria pensar - o que não se enquadra na regra do faroeste que baliza tanto Avatar quanto Guerra nas Estrelas.
ROBÔS DE "METRÓPOLIS"
Outra coisa que George Lucas elevou à máxima potência e James Cameron de certa forma segue são as referências à história do cinema. Em Guerra nas Estrelas, os robôs são idênticos aos de Metrópolis (1927), clássico do diretor alemão Fritz Lang, enquanto os figurinos do mestre Obi-Wan Kenobi e demais cavaleiros Jedis são claramente copiados do filme Lawrence da Arábia (1962), a obra-prima do britânico David Lean. Nos anos 70, isso se chamava citação e era considerado "pós-moderno". Avatar, por seu turno, faz um verdadeiro inventário do cinema americano politicamente correto, com referências que vão de Pocahontas (1995) a Dança com Lobos (1990). As referências, no entanto, estão mais no tema abordado - o homem ocidental que se encanta com uma cultura diferente - do que no visual e figurinos.
Além da sensível distância no capítulo efeitos especiais - usando o metro de Avatar, até agora o maior triunfo da era da computação gráfica, as naves espaciais de papelão de Guerra nas Estrelas parecem ainda mais toscas - a grande diferença entre os dois filmes é que, em tempos céticos como os atuais, não se acredita mais em produções que determinem um rumo único para o cinema. Nos anos 70, os intelectuais que na época eram chamados de "apocalípticos" previram que Guerra nas Estrelas e seus sucessores varreriam do mapa as produções calcadas na dramaturgia adulta - ela seria substituída por arrasa-quarteirões com cara de história em quadrinhos. Isso não aconteceu: diretores devotados ao diálogo, como o americano Woody Allen, ou cultores do chamado "filme de arte", como o espanhol Pedro Almodóvar, continuaram existindo e fazendo sucesso. Ao propor, pela via do visual, uma nova experiência estética ao espectador, Avatar é uma resposta poderosa aos dilemas do cinema atual. Na época incerta e fascinante que vivemos, no entanto, sabemos que não é nem será a única.

----------------

Avatar e Amor Sem Escalas - Imagem X Palavra
Já se disse várias vezes que o cinema-espetáculo engoliria os outros gêneros, mas o chamado "filme de diálogo" continua forte. Avatar e Amor Sem Escalas expressam, hoje, essa saudável disputa
Por João Gabriel de Lima
Fonte: Revista Bravo! - Fevereiro/2010
"Rose! Jack! Jack! Rose! Rose! Jack!". No filme Titanic (1997), o personagem Jack, interpretado por Leonardo diCaprio, chama por sua amada Rose 51 vezes. Já Rose, vivida por Kate Winslet, pronuncia, grita ou sussurra o nome de seu namorado Jack 78 vezes (curiosamente, nenhuma delas na tórrida cena de amor em que a moça embaça o vidro de um calhambeque). Apesar do diálogo repetitivo e mal escrito, Titanic era até o mês passado o recordista de bilheteria em todos os tempos, com um faturamento de US$1.8 bilhão. Está em cartaz no Brasil o filme que o superou: Avatar, que em fins de janeiro bateu essa marca impressionante. Além do sucesso, Titanic e Avatar têm em comum o diretor James Cameron, feliz maestro dos filmes mais assistidos da história. E também a ruindade dos diálogos. Só que, em lugar de "Jack! Rose! Rose! Jack!", a saga dos índios azuis abusa dos clichês politicamente corretos. Daria para fazer um best-seller de auto-ajuda com eles.
Claro que os espectadores que deixaram mais de US$3 bilhões na bilheteria dos dois filmes não estão loucos. Titanic e Avatar não podem ser julgados apenas pelas falas de seus personagens. As duas produções - cada uma em sua época - proporcionam ao público o melhor do que se convencionou chamar de "cinema-espetáculo". Além da história de amor entre os protagonistas (acho que não é o caso de repetir o nome deles), Titanic enchia os olhos com a reconstituição do navio mais luxuoso de todos os tempos, e com o impressionante realismo das cenas de naufrágio. Já Avatar ressuscita o cinema tridimensional e propõe uma experiência visual única. O crítico de cinema David Denby, da revista "The New Yorker", escreveu que se trata da produção hollywoodiana plasticamente mais bela em todos os tempos.
O adjetivo "hollywoodiano" costuma ser associado a grandes momentos do cinema-espetáculo como Titanic e Avatar, mas fazer uma ligação imediata entre filmes americanos e produções grandiosas é injusto. Fitas de orçamento altíssimo são exceção, e não regra, em qualquer cinematografia. Até porque não são necessariamente um bom negócio. ...E O Vento Levou (1939) foi um tremendo sucesso, mas um ponto fora da curva. Tentou-se repetir o fenômeno várias vezes com superproduções como Cleópatra (1963), A Maior História De Todos Os Tempos (1965) e A Bíblia (1966) - e todas elas levaram milhões de dólares à tumba. Para não falar de O Portal do Paraíso (1980), que praticamente acabou com a carreira de Michael Cimino, considerado um dos quatro grandes talentos do cinema americano dos anos 70 - os outros eram Francis Ford Coppola, Steven Spielberg e Martin Scorsese. Em valores da época, o filme custou US$50 milhões. Faturou apenas US$1,5 milhão.
Executivos de Hollywood tremem ao ouvir o nome de Cimino, e até recentemente tinham o mesmo pavor de Cameron (que, antes de acertar a mão com Titanic, protagonizou fiascos como o terror submarino O Segredo do Abismo, de 1989). No passado, no entanto, os olhos dos executivos brilhavam à menção do nome de Billy Wilder, o maior roteirista de todos os tempos (autor de Crepúsculo dos Deuses, de 1950 e Quanto Mais Quente Melhor, de 1959, entre outros). A mesma indústria capaz de financiar superproduções atraiu para Hollywood alguns dos melhores dramaturgos do mundo, como o austríaco Wilder - e os diálogos afiados se tornaram a marca do cinema americano tanto quanto a grandiosidade. No negócio das imagens, palavras valem milhões. Em 2006, um grupo de produtores pagou US$250 mil por um roteiro que, com poucas locações e bons atores, daria um filme de, no máximo, US$8 milhões. Depois de encantar a crítica no Festival de Sundance, Pequena Miss Sunshine faturou US$40 milhões na bilheteria, cinco para cada dólar investido. Histórias de sucesso como essa são mais comuns do que superproduções que dão certo.
Existe, assim, uma saudável dualidade no cinema americano. De um lado, as produções "para ver" - os filmes caros, grandiosos, que enchem os olhos. De outro lado, os filmes "para ouvir" - aqueles que ganham o jogo pela força dos diálogos. Nas premiações deste ano cada tendência terá um forte representante. De um lado do ringue, o já citado Avatar, que já ganhou o prêmio máximo - melhor drama - do Globo de Ouro, a prévia do Oscar (leia texto na página 64). No outro corner está Amor Sem Escalas, de Jason Reitman, vencedor do prêmio de Melhor Roteiro no mesmo Globo de Ouro (leia texto a partir da página 60). Sempre que aparece uma superprodução que desafia padrões, como Avatar, ressurgem os comentários segundo os quais o cinema se aproxima dos jogos de computador e negligencia os temas "adultos", desenvolvidos na boa dramaturgia. Bobagem. Filmes "de espetáculo" e filmes "de diálogo" sempre existirão. Numa oposição saudável que gera inovações dos dois lados e traz vitalidade ao cinema.