sábado, 11 de janeiro de 2020

Blues sergipano

Silvio Campos
O Blues é um gênero musical eminentemente norteamericano. Sua origem remonta o fim do século XIX e é fruto de uma mistura entre raízes das tradições musicais africanas; "spirituals" - um tipo de música "gospel" negra, sempre acompanhada de palmas e movimentos corporais; canções de trabalho, criadas pra distrair durante a dura rotina da labuta diária, e cantos folclóricos. Entoada quase sempre em tom de lamento, caracteriza-se pelo padrão de chamada e resposta e por progressões de acordes específicos. Projetou-se mundialmente na década de 1950 ao migrar para a área urbana de Chicago, principalmente, e ser eletrificado. Influenciou decisivamente na gênese e no posterior desenvolvimento do rock and roll, com a chamada "invasão britânica".
No Brasil os principais expoentes do gênero são Blues Etílicos, André Christovam e Celso Blues Boy(já falecido).
Ferdinando
Em Sergipe até a década de 1990 não se tem notícia de nenhum nome de relevância que tenha assumido para si a tarefa de tocar blues - o estilo era diluído no repertório de músicos de bar e bandas de rock and roll, sem grande destaque. Algumas, inclusive, o ostentavam no nome, como a Passos Blues band e a Shaman´s Blues. Eram, no entanto, bandas de rock.
Tudo mudou com a chegada da Angelus Novus, em 1995. Foi formada pelo guitarrista e compositor Gilberto Monte, com Beto "Hendrix" na segunda guitarra, Dinho Dog no baixo e Carlinhos na gaita. Completavam a formação os irmãos Fabio(vocal) e Rafael(bateria), da então recém criada Snooze - foi a primeira incursão musical deles fora dos domínios do rock. Fabinho era o caçula da turma, tinha apenas 16 anos, e sequer bebia álcool - levava para os shows uma garrafa térmica com chá para encarar a responsabilidade de ser um frontman tão jovem. A Angelus Novus foi uma grande novidade para a cidade na época e atraía pequenas multidões para suas apresentações, quase sempre no Tequila Café e no Capitão Cook . Tocavam basicamente “Standards” e clássicos de nomes consagrados do gênero, mas tinham também algumas poucas composições próprias. Chegaram a se apresentar uma vez em Lagarto, na "Rinha de Zezé Rocha", com Snooze e Maria Scombona. Detalhe: Rafael Jr. era o baterista das três bandas! Shows de rock - e blues - no interior eram raridade. Ainda são, na verdade ...
Por volta de 1998 Gilberto Monte se mudou para Salvador, onde hoje é um produtor musical requisitado, e a banda continuou por algum tempo com um novo nome, Little Red Rooster, até encerrar definitivamente as atividades. O que poucos sabiam é que no interior do estado, em Itabaiana, um grupo de amigos já algum tempo se reunia em torno de Ferdinando, um virtuoso guitarrista autodidata, para tocar blues.
Em 1993, na capital do agreste sergipano,Carlos Magno, um fã dos Smiths misantropo e recluso, havia comprado uma guitarra para montar uma banda de rock de garagem, mas acabou se dando melhor como baterista. Vendeu-a a um amigo, Ferdinando. Todos se impressionaram com a rapidez e a facilidade com que Ferdinando aprendeu a tocar. Como a banda de rock não tinha dado muito certo, juntaram-se ao baixista Fabio e decidiram se dedicar a uma outra paixão em comum, o blues. Nascia a Urublues, que ficou muito tempo apenas ensaiando e aprendendo a tocar covers.
Magno se revela um letrista de mão cheia – era um leitor voraz – e eles vão aos poucos amadurecendo composições em torno de suas palavras. Urublues se torna, então, uma banda quase que 100% autoral - ao contrário da Angelus Novus - com excelentes composições que falavam daqueles velhos temas de lamentos universais, como desilusões amorosas e noites de bebedeira em “quartos de hotel construídos pra abrigar romances que terminam em pontas de faca”, nas palavras do jornalista Rian Santos.
O primeiro show aconteceu apenas em 1999, em Carira, com duas bandas punk, Karne Krua e Gee-O-die. Mas a partir daí tomaram gosto pelo palco e não pararam mais: logo estavam abrindo para o Jason, do Rio de Janeiro, no Tequila Café, e tocando em Lagarto, no Festival Rock Sertão de Nossa Senhora da Glória, em Canindé do São Francisco, Poço Redondo, Tobias Barreto, Ribeira do Pombal, na Bahia, e em em Aracaju nos festivais Punka, Cajurock, Noites Fora do eixo, Rua da Cultura, Casa Rua da Cultura, no Teimonde, Capitão Cook, Casa Cultiva, em encontros de estudantes da ufs, onde fosse: era só chamar que lá ia o urublues com seu “boogie vigarista”.
A primeira gravação “demo”(de demonstração) foi o registro caseiro de um ensaio lançado em CDR  sob o nome “Na estrada do sol”. A segunda, “Andarilho”, lançada em 27 de fevereiro de 2010 num show antológico no Capitão Cook, foi mais caprichada, contando inclusive com a participação de Leo Airplane, um dos músicos e produtores mais requisitados da cidade, na faixa “Migalhas”. A formação, durante esses mais de 20 anos de atividade, contou sempre com Ferdinando na guitarra e voz e Fabio Santana no baixo, com os bateristas Magno, Marcio, “Pitoco” e Davi, além dos gaitistas Igor Cortes e Mateus Santana. No início da década de 2010 a banda se separou e Ferdinando engatou uma carreira solo, Ferdinando Blues Trio. Voltaram agora em 2019, depois de um hiato de aproximadamente 4 anos, com o baterista Junior Giorgio. Estão compondo músicas novas e pretendem voltar aos palcos apenas quando tiverem um álbum pronto.
A outra grande banda de blues sergipana é a Máquina Blues, capitaneada por Silvio Campos, veterano cantor, compositor e guitarrista de infinitas bandas de rock, e Melcíades, guitarrista, filho do célebre arquiteto e artista plástico itabaianense de mesmo nome. Silvio é mais conhecido da cena punk local, principalmente por ter sido um dos fundadores da mais importante banda de rock do estado, a Karne Krua. Mas sempre teve vontade de tocar e cantar blues. Seu primeiro projeto nesta seara foi a WRS e as Mulheres invisíveis, com Robson “Macaxeira” (hoje no Ferraro Trio) e Wendell Miranda (ex-guitarrista da Karne Krua). Faziam um som basicamente acústico e tocavam em bares. Chegaram a se apresentar em Salvador, mas teve vida curta, pois Wendell se mudou para São Paulo.
A Máquina começou a funcionar pra valer quando Silvio encontrou um fiel escudeiro, Melciades, que era cliente de sua loja de discos. Montaram a Máquina Blues no ano 2000, com Paulo  Antônio no baixo e Adriano Tavares na bateria. A exemplo da Urublues, com um repertório quase que 100% autoral: Silvio se revelou um excelente compositor do estilo, o que foi uma surpresa pra muita gente, já que todos os seus projetos, até aquele momento, giravam em torno do rock pesado, principalmente o punk Hard Core. É também um grande intérprete, com uma entrega impressionante no palco e vocais viscerais movidos a conhaque e com um orgulhoso sotaque nordestino.
A Máquina nunca parou e segue funcionando a todo vapor, tocando bastante pelas noites sergipanas, especialmente em pubs e barzinhos, mas também em alguns palcos públicos e festivais, como os extintos Rua da Cultura e Zons. Nestes quase 20 anos de existência lançaram apenas um EP “demo”, em CDR, em 2003, e um álbum em CD “oficial” – industrializado, “de fábrica” – totalmente independente no ano passado(2018). Chama-se “Um blues pra elas” e pode ser adquirido em formato físico em Aracaju na Rua Santa Luzia, 151, no centro, ou ouvido “na nuvem” em deezer.com.
Em 2009 esta incipiente porém orgulhosa “cena” de blues sergipano ganhou um importante reforço quando a Aperipê FM colocou no ar um programa dedicado exclusivamente ao gênero, o “Encruzilhada”. Produzido e apresentado por Isabela Raposo, ia ao ar aos domingos das 22H à meia noite e fez história, transmitindo inclusive apresentações ao vivo, direto dos estúdios, das bandas locais. O programa promoveu também algumas concorridas festas de aniversário – em uma delas a Máquina lançou um EP virtual, “Esse blues triste”.
Não podemos deixar de mencionar, também, The Baggios, que apesar de não ser exatamente uma banda de blues é fortemente influenciada pelo estilo e tem hoje uma grande projeção no meio independente nacional, aventurando-se, inclusive, em algumas turnês internacionais, na Europa e no México. Foram indicados ao Grammy latino pelo álbum “Brutown”.
Além da Máquina e do Urublues foram formados alguns projetos esporádicos, como o Double Trouble, dupla que reunia Julico, da The Baggios, e Little Mel, da Máquina Blues. Mais recentemente Silvio Campos, o incansável, tem se dedicado a uma nova empreitada, a “Dry Blues”, com Max no baixo, Matheus na bateria e Julio na guitarra.

A.

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2 comentários:

Larissa Oliveira disse...

Muito bom !

Unknown disse...

Que maravilha!! Como é bom saber que o blues se aclimatou bem por aqui e que existem tantas bandas tocando o gênero fora do eixo sulista! Valdir Ramos, desde Araraquara/SP.