sábado, 20 de março de 2010

Fúria por ele mesmo



uma entrevista com Furia por Maíra Ezequiel para o site overmundo.

Do dicionário: Fúria s. f.: acesso violento de loucura; braveza, cólera; ira; sanha; raiva; inspiração; estro; entusiasmo; fervor; pessoa furiosa; mulher desgrenhada; divindades infernais, na mitologia pagã. Em Aracaju – pelo menos no meio artístico, cultural – há mais um sentido para essa palavra. Furia é uma pessoa, um cara. Melhor. Um artista plástico, autor de colagens incríveis, de clara inspiração quadrinística. Um pensador marginal, um intelectual (por que não?), que apesar da pouca escolaridade, já leu bem mais que muitos professores universitários. Aventureiro da música e da literatura. Alguém cujos “acessos violentos de loucura” se transformam em “inspiração” para produzir arte; que consome e produz cultura com “fervor” e “entusiasmo”. Alguém, enfim, comum. Mas cuja “cólera”, “ira”, “raiva” da mediocridade e do senso-comum o movimentam para fazer a diferença. Ainda que ninguém veja. De fato, a alcunha lhe cai muito bem. A seguir, conheça O Fúria.
Quem é você?
Sou João Antônio do Nascimento nascido em 15 de junho de 1974. Gosto de bons livros e boa música. Sem radicalismos. Gosto de cinema. Uns dizem que sou extremamente chato. Sou artista plástico. Espanco bateria de vez em quando. Não tenho nenhuma pretensão de ser músico. Sou extremamente inconstante.
Por que Fúria?
No fim do anos 80 tinha uma banda de funk do Rio de Janeiro chamada Fúria. Esse grupo tinha uma música que emplacou sucesso nacional. Na época, meu visual era completamente punk. E um dos moleques da minha sala botou na cabeça que punk e funk eram a mesma coisa. Então tentei explicar que não era. Enfim terminou numa briga de sete pessoas na sala de aula. No outro dia o colégio inteiro estava me chamando de Fúria. Sem querer proclamei esta alcunha que hoje prefiro invés do meu nome.
O que te deixa furioso?
A raça humana e sua tão pretensa inteligência. Tanta racionalidade e um futuro de caos é o presente para as novas gerações.
O que você faz e já fez da vida?
Trabalho numa livraria e num bar ao mesmo tempo. No turno da tarde trabalho na livraria. No turno da noite trabalho no bar fazendo de tudo. Desde os drinks até servir. Já trabalhei em vários lances. Já fui mestre de cerimônia em festival de rock, servente de pedreiro, entregador de jornal, atendente de loja de música, roadie de banda. E trabalhei muito de graça em produções locais. Já viajei a metade do país de carona. Enfim nada demais.Me fale sobre suas colagens.Meu trabalho consiste no remanejamento de lixo publicitário, revista, chapas de radiografia, cola e o que pintar na cabeça. Dei início ao processo criativo nos meados de 1987. Foi nessa fase que estava mergulhado na produção de fanzines, art pop, vídeo clipes, quadrinhos etc e tal. Meu processo criativo é muito inconstante. São surtos! Pra mim é um ato quase fisiológico, necessário. Pode ser uma imagem que vejo na rua, uma frase que ouço dentro do ônibus e desperta um turbilhão. Então ponho discos na vitrola e deixo me levar pela força da criação. Minha inspiração vem de tudo que tá ao meu redor. Expus em 2000 na Galeria J. Inácio uma individual com 46 obras, o detalhe é que foi minha primeira exposição oficial, em 1997 expus na galeria da biblioteca de Universidade Federal de Sergipe; ainda em 2000 participei de uma coletiva na Galeria Álvaro Santos, em 2003 expus na Casa laranja, e por último fiz um curso de xilogravura com o professor Elias Santos que resultou numa coletiva na Sociedade Semear. Depois não fiz mais nada. Ando meio morto.
Por quê?
Não tenho mais espaço para armazenar; a política sergipana não tem um direcionamento responsável e expor do próprio bolso é oneroso demais; e não tenho mais tanto tempo como outrora.
Além das colagens, que outras atividades artísticas desenvolve ou já se arriscou?
Já cantei em banda de trash metal, toquei percussão num projeto maluco que nunca rola ensaio. E fiz tanta jam session que perdi as contas. Fui um dos fundadores de uma das bandas mais porrada da história do underground sergipano: Camboja. Fiz participação na ExTxC... uma das coisas mais bizarras daqui da cidade. Atualmente a única atividade que me consome por completo é o trabalho. Tem meses que não crio nada. Também faço desenhos horríveis, nem penso em expor. Só.
Você já leu muito e de tudo. De onde veio a paixão pela leitura?
Veio dos quadrinhos. De Turma da Mônica a Moebius. Todos eles me transportaram para o universo fantástico da leitura. Muita coisa. Virginia Woolf, James Joyce, Richard Farina, John Fante, Fernando Pessoa, Paul Auster, Balzac, são tantos que passaria dias enumerando.
O que você tem orgulho de ter lido? Com o que mais se identificou?
Me identifiquei com um autor alemão: Anton Enrhezweig – A Ordem Oculta da Arte ou Psicologia da Imaginação Artística, é um livro que trata da vida e independência da obra de arte. Recomendo.
O que detestou?
Detesto best-sellers. Procuro me afastar do que não presta. É tanta coisa boa e obrigatória pra ser lida que não dá pra perder tempo com o monte de lixo exposto na praça.
Qual seu grau de escolaridade?
Fundamental. Sou o semi-analfabeto ousado. Não me incomodo com tal fato. Tudo que aprendi foi de maneira lenta e deliciosa.
Pensa em cursar a universidade?
Não penso em cursar nenhuma escola superior.
Por quê?
Não tenho paciência para uma metodologia que mais parece uma colcha de retalhos. Uma imensa fábrica de sofistas. E nunca foi uma coisa que passasse pela minha cabeça.
O que tem feito ultimamente?
A escrita tem sido uma fuga mais corriqueira, mas a imagem sempre está atrelada ao meu ato criativo mesmo escrevendo; poderia classificá-la como prosa poética.
Como você se definiria?
Depressivamente eufórico. Devorador voraz de cultura e contra-cultura. Autodidata. Sincero. Anti-reprodução. Desleixado. Mas sou responsável quando me envolvo em qualquer trabalho.
“Anti-reprodução” não é uma contradição pra quem trabalha com colagens?
Contradição é sinônimo de inteligência.

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