quarta-feira, 31 de março de 2010

1984 (de Orwell) existe.



por Adelvan Kenobi

As atenções de todos se voltaram com uma intensidade previsivelmente gigantesca para “1984”, a obra máxima do autor inglês Eric Arthur Blair, que publicava sob o pseudônimo de George Orwell, à medida que se aproximava a data fatídica. Apesar de minha pouca idade na época (nasci em 1971), lembro-me perfeitamente de ter tomado conhecimento pela primeira vez da existência do livro através de uma matéria da revista Manchete. Todos eram unânimes em afirmar que ele supostamente teria ajudado a evitar a materialização de seu próprio conteúdo, ou a, pelo menos, impedir que o “Império do mal”, o regime totalitário que se escondia por trás da chamada “cortina de ferro”, se espalhasse pelo mundo. Mas lembro também de ter lido algumas considerações perspicazes sobre semelhanças desconcertantes entre o que era descrito no romance e determinados aspectos da vida moderna mesmo aqui, no chamado “mundo livre” das “democracias” capitalistas ("mundo livre" este que no nosso caso, na América Latina, estava tomado por sangrentas ditaduras militares), como a alienação das classes populares, alimentada por uma frenética indústria de produtos culturais de gosto duvidoso, dentre eles nossa “teletela”, a televisão.

Ao contrário de "Nós", o livro do russo Ievgeny Zamiátin que serviu de inspiração para Orwell, do qual eu demorei quase 10 anos para saber da existencia e mais cerca de 10 anos para finalmente conseguir um exemplar e ler, 1984, além de ter se tornado um clássico, é tambem um "Best seller", por isso não foi difícil encontrá-lo a um prêço camarada num dos (infelizmente) poucos sebos existentes aqui em Aracaju. Li e fiquei absolutamente fascinado pela historia de Winston Smith, "o último homem da Inglaterra". Tanto que é, ao lado de "Nada de novo no front", de Erich Maria Remarque, um dos dois únicos livros que li mais de uma vez na vida, e coloquei na cabeça que, caso um dia tivesse uma filha, a chamaria de Julia, em homenagem a um de seus personagens. Um outro efeito positivo da chegada da data fatídica foi a produção de um filme para o cinema. Não chegou a ser exatamente um grande sucesso de bilheteria, mas o tenho em conta como uma filta cult, à qual assisti, assim como li o livro, varias vezes. Trata-se de uma adaptação superfiel ao romance, totalmente desprovida de glamour ou mirabolantes efeitos especiais. Uma historia triste contada e forma simples e direta, com excelentes interpretações de todo o elenco, destacando-se Richard Burton, que faz o papel de OBrien, o funcionário do partido encarregado de entrar em contato com o cidadão 6079 Smith, W.

A obra de Orwell foi amplamente usada, evidentemente, como propaganda anti-socialista na guerra fria. E era previsível que isso acontecesse, já que é praticamente uma descrição do regime sob o qual vivia a União Soviética durante o período stalinista. Mas engana-se quem acha que trata-se apenas disso. É um libelo contra o totalitarismo e o esmagamento da individualidade em prol do coletivismo, mas é também um alerta contra a massificação e a uniformização do pensamento. E o mundo capitalista, na verdade, é muito mais sutil e, consequentemente, mais eficiente em seus mecanismos de controle e dominação das massas. Envolvidos no turbilhão de uma verdadeira revolução das comunicações, vivemos também a era do “pensamento único”, do “consenso de Washington” e do “Fim da história”. O “sistema” inocula em nossas mentes a todo isntante, de forma às vezes escancarada, mas na maioria das vezes subliminarmente, que não há outra alternativa viável à forma vigente de organização econômica e social, e que ela precisa ser mantida, mesmo que todos os indícios indiquem que está nos levando em direção a um desastre. E isso é feito principalmente através da grande imprensa, dominada em todo o mundo por um punhado de grupos econômicos poderosíssimos totalmente comprometidos com o “stablishment”. Há, inclusive, um programa de televisão que ostenta o nome de um dos personagens principais do livro, o “Grande Irmão”, que tudo vê e “zela por ti”. Estamos, portanto, muito mais próximos de viver a distopia descrita por Orwell mesmo hoje, com o fim da guerra fria, do que poderia-se supor através de uma leitura superficial.

Há, no entanto, um país que é a materialização quase que perfeita do mundo de “1984” : A Coréia do Norte. Uma nuvem de mistério envolve aquela parte do planeta, totalmente fechada em si mesma. Sempre tive curiosidade em saber o que acontecia por lá, curiosidade esta que começou a ser satisfeita com a leitura do livro “Viva o Grande Líder”, do jornalista brasileiro Marcelo Abreu. Nele, ele conta sua viagem “clandestina” ao país – para poder entrar teve que se passar por turista. E foi através dele que eu tive contato com o que parece ser um roteiro padrão pré-estabelecido pelo governo para todos os visitantes: Visitas a monumentos e museus onde é marcante a onipresença da imagem do “grande líder”, Kin Il sung (que mesmo depois de morto continua ocupando oficialmente o cargo de presidente), e de seu filho, o dirigente máximo Kin Jong Ill. Para que se tenha idéia da dimensão do culto à personalidade, numa passagem do livro o repórter sente-se aliviado ao entrar finalmente num ambiente (um restaurante, se não me engano) onde não há imagens dos dois, apenas um quadro com dois ramos de flores, apenas para descobrir, pouco tempo depois, que as tais flores representam justamente os dois governantes. Sua descrição das ruas amplas, escuras (racionamento de energia) e praticamente desertas da capital Pyongyang à noite, seguida da romaria de cidadãos que começa a sair de suas casas pela manhã encorajados por marchas militares e palavras de ordem proferidas por alto-falantes, me deu a impressão de que o autor deve ter se sentido o próprio Winston Smith, ou talvez preso a um episódio do seriado “Além da imaginação”. Nem no campo fica-se livre da propaganda oficial, com outdoors espalhados ao longo das estradas e slogans esculpidos nas rochas das montanhas – da mesma forma como Smith e Julia, ao contrario do que pensavam, não estavam livres da vigilância do partido ao afastar-se do aglomerado urbano.

Tive alguns outros contatos com relatos de viagens à Coréia do Norte posteriormente, mas a vigilância é severa e o roteiro é sempre o mesmo, o que torna as descrições um tanto quanto repetitivas, mas com alguns pequenos detalhes (sempre bizarros) a mais. Na História em quadrinhos “Pyongyang”, de Guy Delisle, por exemplo, o autor menciona que uma majestosa construção chamou-lhe a atenção mas, ao perguntar sobre sua finalidade a seu guia, foi solenemente ignorado. Só depois ficou sabendo que tratava-se do Hotel Ryugyong, um elefante branco inacabado encravado no meio da capital, que começou a ser construído como mais uma peça de propaganda do regime, prometendo ser o edifício mais alto do mundo, mas cujas obras foram paralisadas por falta de recursos e erros de engenharia, numa flagrante demonstração da ineficiência de um governo excessivamente centralizado e burocratizado. Por conta disso o prédio é simplesmente ignorado, ninguém fala dele e todos fazem de conta que ele não está lá. É como se não existisse. Situação mais surreal do que esta, impossível, mas é sempre bom lembrar que este tipo de desperdício não é exclusividade dos regimes ditos “socialistas” – aqui mesmo do lado temos um magnífico exemplo de tragédia em forma de obra pública inacabada, o metrô de Salvador, que já consumiu meio bilhão de reais em recursos para ser construído para levar o nada a lugar nenhum, já que terá apenas 6 km de extensão numa cidade com cerca de 3 milhões de habitantes.

Outra interessante fonte de informação é a série de reportagens que a jornalista Ana Paula Padrão fez para o Jornal do SBT há alguns anos e que pode ser vista via youtube clicando aqui.

Abaixo, mais sobre George Orwell e a Coréia do Norte.

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ISSO AÍ, MEU IRMÃO

Fonte: http://blogdoorwell.blogspot.com/

Por uma coincidência incrível, dois programas de grande audiência da tevê brasileira tem relação com minha obra literária. Estou falando, obviamente, do Big Brother, inspirado no livro 1984 e do A Fazenda, que lembra muito meu outro livro, Revolução dos Bichos. Só que nesse segundo caso, o dono da fazenda é pastor e os porcos são representados por antas.

Quero dizer que não acredito que os programas de tevê precisem ter conteúdo edificante ou que tenham de colaborar com a formação cultural das plateias. Tevê, em especial, é feita pra divertir. Quer cultura? Então vai pra biblioteca e leia em silêncio, por favor. Gosto de Big Brother e tenho muito orgulho de ter escrito 1984, livro que inspirou e deu origem ao nome do programa. Adoro paredão e sou daqueles que gastam todos os créditos do pré-pago para participar das votações de eliminação.

E digo mais. O programa é até respeitoso com 1984. Vejamos isso nos pormenores. No livro, o Estado mantinha o controle do pensamento dos cidadãos através de vários meios, entre eles, a manipulação da língua. Para tanto, os especialistas do Ministério da Verdade criam a novilíngua, uma outra língua ainda em construção que, quando estivesse completa, impediria a expressão de qualquer opinião divergente do regime.

De certa forma isso acontece no BBB. Os participantes falam uma outra espécie de português que os impede de expressar qualquer coisa. Já reparou como uma das funções do Bial é traduzir os participantes?

Basicamente, em 1984, eu mostrava como uma sociedade oligárquica e coletivista é capaz de reprimir qualquer um que se opuser a ela. O personagem principal, Winston Smith, um homem com uma vida insignificante, só que sem um corpo esculpido na academia, recebe a tarefa de perpetuar a propaganda do regime.

No BBB também temos personagens com vidas insignificantes. A sociedade brasileira continua oligárquica. O coletivista fica por conta da audiência e das redes sociais. E cada participante é um divulgador do regime. Do capitalista e das baixas calorias.

Bom, um pouco de adaptação toda obra tem de sofrer quando muda de plataforma. Mas quer mais reverência a 1984 do que isso?

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Sobre o filme: Depois da guerra atômica, o mundo foi dividido em três estados e Londres é a capital da Oceania, dominada por um partido que tem total controle sobre todos os cidadãos. Winston Smith é um humilde funcionário do partido e comete o atrevimento de se apaixonar por Julia, numa sociedade totalitária onde as emoções são consideradas ilegais. Eles tentam escapar dos olhos e dos ouvidos do "Big Brother", sabendo das dificuldades que teriam que enfrentar. Aqui, tudo funciona: 1984, o filme, nada deixa a dever a 1984, o clássico de George Orwell. E esta é uma das grandes virtudes tanto do roteiro como da direção de Michael Radford. Diante da grandiosidade do livro, seria extremamente fácil que o filme soasse vazio, medíocre. Mas, ao contrário, a adaptação de Radford é provocante. Winston Smith é um funcionário do governo totalitarista liderado pelo "Grande Irmão", uma "entidade" que, através de telões, controla a privacidade de todos os cidadãos do país. Certo dia, ele recebe um bilhete de uma bela garota, Julia, a quem conhecia de vista: "Eu Te Amo", lê, espantado. A partir daí, Winston passa a sair com a garota, desafiando as leis do país, que aboliram o orgasmo e incentivam a inseminação artificial. Winston e Julia desafiam, com seu amor, o próprio Sistema, que prega o ódio como maneira de subjugar seus oponentes. Prazeres simples (porém ilegais), tais como provar geléia com pão e beber café "de verdade", passam a fazer parte da rotina do casal, que redescobre o valor da fidelidade e do calor humano.

Comentário postado em 01/01/2010 por Marcos Afonso (44 anos) - “O grande equívoco deste filme é fazer pensar que o autor refere-se aos "regimes totalitaristas" como sinônimo de socialistas, ideia acentuada pela direção de arte do filme que propõe cenários secos e figurinos monocromáticos e repetidos. O autor pensou no tema no calor da II Guerra e refere-se ao fascismo, cujo exemplo mais pungente é o nazismo. Para quem nunca observou, o fascismo é um regime capitalista in extremis. O fim da guerra fria autorizou o fim da reflexão política no ocidente e a globalização transformou o mundo em um grande mercado consumidor, devidamente moldado pela propaganda. Aliás, a ideia de propaganda surgiu no fascismo. Não estaria todo mundo se vestindo igual como no filme, ainda que seja com roupas "de marca"? Não estão as câmeras vigiando a todos? Não é a denúncia anônima uma fonte para investigações na nossa sociedade? A propaganda não transformou a falta de privacidade em algo divertido e sorridente? O duplipensar não seria uma ideia errada que poderia ser tomada como certa? Ou seja, estamos no futuro previsto pelo filme. O elenco é excelente e com ele podemos ver o último trabalho de Richard Burton. O roteiro é fiel ao livro. Na época do lançamento do filme, pessoas saíam antes do fim por não suportar a atmosfera densa do filme, mas hoje, com a violência podendo ser acessada livremente pelas câmeras onipresentes e a propaganda glamurizando a invasão e a evasão de privacidade, as ideias de reserva e recolhimento são vistas com desconfiança e podem fazer o filme parecer apenas uma película soturna, distanciada e George Orwell um roteirista corretamente formatado pelas "empresas de consultoria".”

Fonte: http://www.interfilmes.com/

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De Uma Classe á outra
Artigo de Mario Sergio Conti
Fonte: Revista Piauí

Segundo dos três livros de não ficção de George Orwell dos anos 30, O Caminho para Wigan Pier é uma obra de transição. O primeiro, Na Pior em Paris e Londres, é um testemunho dos anos que passou entre mendigos, cozinheiros e garçons. O terceiro, Homenagem à Catalunha, conta a sua participação na Guerra Civil Espanhola.

Os livros podem ser tomados, a posteriori, como uma trilogia cujo fundamento unificador é a experiência direta com a vida dos pobres - fossem eles indigentes de Paris e Londres, mineiros do norte da Inglaterra ou trabalhadores espanhóis transformados em soldados. A trilogia também comporta uma progressão, uma trajetória que começa no individualismo de um moralista e termina no engajamento antistalinista.

Na Pior em Paris e Londres é apolítico. A simpatia de Orwell pela ralé é de caráter sentimental. O máximo que ele capta do sistema que a explora, ou a põe à margem do mundo do trabalho, é a descrição do funcionamento de um grande hotel parisiense: a rígida estratificação de funções dos trabalhadores na cozinha, e a burguesia apenas entrevista, do outro lado da porta, nos salões.

Já em Homenagem à Catalunha, a política é o nervo do livro. Orwell foi à Espanha para escrever sobre a guerra civil, e não para participar da luta. Ao chegar a Barcelona, sofreu o impacto da efervescência revolucionária: o tratamento igualitário (camarada no lugar de señor e señora), as lojas expropriadas, os prédios públicos cobertos pelas bandeiras vermelhas e negras dos socialistas e anarquistas, o desaparecimento dos automóveis particulares, as igrejas postas abaixo, a abolição da gorjeta.

"Foi a primeira vez que estive numa cidade na qual a classe operária estava na sela", escreveu. Alistou-se então para defender a república socializante. Orwell, que via com desprezo as disputas entre partidos de esquerda, se dizia socialista. Na Catalunha, simpatizava com os anar-quistas, mas concordaria em combater ao lado dos stalinistas e foi parar numa brigada organizada pelo Partido Ope-rário de Unificação Marxista, o poum, liderado por um ex-trotskista. Numa trin-cheira, levou um tiro que lhe atravessou a garganta e saiu pela nuca. Não morreu por pouco e, enquanto convalescia, aprendeu à força o que é a política num momento de aceleração da história: violência, mentira, luta de vida e morte por interesses materiais e poder.

De um lado, estavam os fascistas, apoiados pela Alemanha de Hitler e a Itália de Mussolini. De outro, a frágil república burguesa, ameaçada pelo ímpeto igualitário dos trabalhadores e dependente das armas enviadas pela União Soviética de Stálin. Perseguido pelos espiões e agentes stalinistas, que transformaram o partido comunista catalão num aparelho assassino, Orwell acompanhou de perto a dizimação do poum. O partido foi colocado na ilegalidade, amigos seus foram torturados e mortos, e sua própria vida correu perigo.

O Caminho para Wigan Pier (que será lançado neste mês pela Companhia das Letras) fica a meio caminho entre a compaixão pelos indigentes de Na Pior em Paris e Londres e o comprometimento político de Homenagem à Catalunha. É um meio caminho dividido ao meio. A primeira parte é fruto da convivência de dois meses de Orwell com operários do norte da Inglaterra, numa situação de enorme desemprego. Nela predomina a observação meticulosa, a descrição objetiva (mas furiosa) de uma condição de vida atroz. A segunda é uma análise da estrutura e dos preconceitos de classe britânicos. Confessional e idiossincrática, a análise serve de base para um ataque (também furioso) contra os políticos socialistas, que, teoricamente, deveriam organizar os operários contra a exploração.

Mesmo tendo sido feito por encomenda, é um dos seus livros mais pessoais. Ele é fruto do projeto literário e existencial - duas dimensões inextricáveis na obra de Orwell - que adotou ao voltar à Inglaterra em 1927. Durante cinco anos, trabalhara como policial na Birmânia, onde foi uma peça na engrenagem da colonização. Peça menor, mas significativa: aos 20 anos, era responsável por uma população de 200 mil "nativos". Tomou tal horror ao imperialismo que decidiu duas coisas: abandonar sua classe social e ser escritor. Em O Caminho para Wigan Pier, ele mostra o entrelaçamento entre metrópole e colônia:

No sistema capitalista, para que a Inglaterra possa viver em relativo conforto, 100 milhões de indianos têm que viver à beira da inanição - um estado de coisas perverso, mas você consente com tudo isso cada vez que entra num táxi ou come morangos com creme.

Eis o Orwell moralista, focalizando um sistema econômico de alcance planetário pelo prisma da culpa individual. A seguir, é o Orwell profeta que pontifica:

A alternativa é jogar fora o Império e reduzir a Inglaterra a uma pequena ilha gélida e sem importância, onde todos nós teríamos que trabalhar muito duro e sobreviver, basicamente, à base de arenque com batatas. Essa é a última coisa que qualquer esquerdista deseja.

Mau profeta: o Império Britânico desmoronou e a Inglaterra, mesmo com a perda de importância, não teve de sobreviver a arenque e batatas. Quanto à afirmação de que nenhum esquerdista queria o fim do Império, ela só não é uma asneira completa porque havia, sim, pelo menos um intelectual de esquerda que não queria a independência da Índia e da Birmânia: George Orwell. Ele defendeu, até 1943, que birmaneses e indianos não tinham condições de se governar sozinhos.

Esse anti-imperialismo sui generis é condensado numa afirmação bestial de O Caminho para Wigan Pier: "Para odiar o imperialismo, é preciso fazer parte dele." O que equivale a afirmar que os povos coloniais são incapazes de compreender, e detestar a contento, o sistema que os oprime. Só os imperialistas podem legitimamente odiar o Império. E apenas George Orwell, que esteve na colônia e foi parte da máquina imperial, estava apto a explicar, como escritor, que o preconceito social serve de cobertura ideológica para a dominação.

"Nasci em uma camada social que se poderia definir como a faixa inferior da classe média alta", escreve ele em Wigan Pier. Em inglês, a categoria pende ainda mais para o cientificismo sociológico: lower-upper-middle class. Na vida real, isso significava ter nascido na Índia, de um pai funcionário público cuja família decaiu, conseguiu manter a fachada aristocrática, mas não a prosperidade. E de um avô materno francês que foi tentar a sorte na Birmânia depois que a fortuna familiar secou. Significava também ter cursado uma escola de elite, Eton, mas com bolsa. Nela, a inoculação dos valores tradicionais se confundiu com a consciência ardida de que era mais pobre que os colegas baronetes e, aluno medíocre e revoltado, seu futuro na sociedade era incerto. Desistiu de cursar a universidade, não achou seu lugar na colônia e retornou à Inglaterra.

O programa lítero-existencial de se livrar do esnobismo e do reacionarismo de classe e se tornar escritor implicou aprender, educar-se. A poeta Ruth Pitter, que esteve com Orwell quando ele regressou da Birmânia, lembrou: "Ele escrevia tão mal. Teve que ensinar a si próprio a escrever. Ele era como uma vaca com um mosquete." Autodidata, leu de tudo, treinou a mão em centenas de resenhas, ensaios, colunas e artigos, manteve um diário minucioso e publicou romances mais ou menos autobiográficos: Dias na Birmânia, A Flor da Inglaterra e A Filha do Reverendo. A opção preferencial pelos pobres, contudo, rendia mais como assunto literário e estratégia de desenraizamento social. Por isso aceitou a proposta do Clube do Livro de Esquerda de ir a Lancashire e Yorkshire para investigar a onda de desemprego e narrar a vida operária.

A literatura de aproximação dos trabalhadores é fértil e multifacetada. Ela abarca A Situação da Classe Tra-balhadora na Inglaterra, que Friedrich Engels publicou em 1845; os escritos do americano Jack London no início do século xx, que Orwell admirava; e os diários nos quais Simone Weil relata a sua vida como trabalhadora na Renault e na Alstom, nos anos 30, reunidos em A Condição Operária.

Em A Situação da Classe Trabalhadora, a pesquisa econômica, histórica e sociológica se sobrepõe à experiência do convívio com os trabalhadores, ainda que Engels tivesse um contato triplo com a classe operária: como pensador, político e patrão. Ele colaborou com Marx na elaboração da teoria comunista. Participou do movimento que criou a Internacional. E era filho de um industrial alemão que montou uma fábrica em Manchester, na Inglaterra, administrada por Engels durante décadas.

O Caminho para Wigan Pier tem um aspecto documental que por vezes lembra A Situação da Classe Trabalhadora. Mas, se influência houve (e é duvidoso que Orwell tenha sido influenciado por Engels, apesar de ter O Manifesto Comunista em alta conta), ela é imperceptível. O objeto de ambos é o mesmo, mas as abordagens são distintas. Toda a primeira parte do livro de Engels é uma história da formação do proletariado inglês à luz do desenvolvimento econômico e do progresso tecnológico. Já Orwell resume essa história de maneira sumária, caricatural mesmo:

Colombo atravessou o Atlântico, as primeiras locomotivas a vapor entraram em movimento, os ingleses resistiram firmes sob as espingardas francesas em Waterloo, os salafrários de um olho só do século xix louvavam a Deus e enchiam o bolso; e, assim, tudo aquilo veio dar nisto - nestas favelas labirínticas, com cozinhas escuras lá no fundo e gente velha e doente rondando como um bando de besouros negros. É uma espécie de dever ir a esses lugares, vê-los e cheirá-los de vez em quando - especialmente sentir o cheiro deles, para não nos esquecermos de que eles existem; embora talvez seja melhor não nos demorarmos muito tempo por lá.

O andamento rápido, de teor panfletário, desemboca no "dever" moral de cheirar a gente animalizada, os "besouros" que são produto da civilização industrial.

Alguns trechos de Wigan Pier ecoam O Povo do Abismo, livro de 1903 no qual Jack London descreveu a vida da gentalha de Londres, e que Orwell leu quando estava em Eton. Como Orwell, o americano viveu em pensões e asilos repugnantes e dormiu na rua para descrever por dentro a desgraça social.

O segundo capítulo de O Caminho para Wigan Pier, que trata dos trabalhadores nas minas de carvão, é um testemunho infernal dos porões da sociedade industrial. As descrições do calor demoníaco, da fuligem que cola na pele e tapa os poros, da barulheira incessante, do esforço desmesurado e mecânico, dos desmoronamentos, da necessidade de andar quilômetros agachado se sucedem sem pausa. A acumulação de detalhes, os cortes súbitos da terceira pessoa (objetiva) para a primeira (irada) resultam num painel pestilento:

Os subterrâneos onde se escava o carvão são uma espécie de mundo à parte, e é fácil viver toda uma vida sem jamais ouvir falar dele. É provável que a maioria das pessoas até prefira não ouvir falar dele. E, contudo, esse mundo é a contraparte indispensável do nosso mundo da superfície. Praticamente tudo que fazemos, desde tomar um sorvete até atravessar o Atlântico, desde assar um filão de pão até escrever um romance, envolve usar carvão, direta ou indiretamente. Para todas as artes da paz, o carvão é necessário; e se a guerra irrompe, é ainda mais necessário. Em épocas de revolução o mineiro precisa continuar trabalhando, do contrário a revolução tem que parar, pois o carvão é essencial tanto para a revolta como para a reação. Seja lá o que for que aconteça na superfície, as pás e picaretas têm que continuar escavando sem trégua - ou fazendo uma pausa de algumas semanas no máximo. Para que Hitler possa marchar em passo de ganso, para que o papa possa denunciar o bolchevismo, para que os fãs de críquete possam assistir a seu campeonato, para que os 'Nancy poets'[1] possam dar palmadinhas nas costas um do outro, o carvão tem que estar disponível.

E, inesperadamente, ele volta à superfície com uma flor na mão:

Seria fácil atravessar de carro todo o norte da Inglaterra sem se lembrar, nem uma só vez, que dezenas de metros abaixo da estrada os mineiros estão atacando o carvão com suas picaretas. E contudo são eles que estão fazendo seu carro andar. O mundo deles lá embaixo, iluminado por suas lâmpadas, é tão necessário para o mundo da superfície, da luz do dia, como a raiz é necessária para a flor.

O carvão foi substituído pelo petróleo, pelas hidrelétricas e pela energia nuclear. Mas a unidade de raiz e flor, negada pelo ocultamento das atrocidades do mundo do trabalho e a "naturalidade" da vida social, permanece a mesma. A atualidade de Wigan Pier é reforçada quando Orwell, depois de esmiuçar as favelas e casas dos mineiros, de expor a imundície, a superlotação e a insalubridade, registra:

Hoje ninguém acha admissível onze pessoas dormirem em um quarto, e mesmo os que têm uma renda confortável ficam vagamente perturbados ao pensar nas "favelas" - daí todo o falatório sobre "relocação dos moradores" e "desfavelização", que ressurge de tempos em tempos desde a Primeira Guerra. Os bispos, políticos filantropos e sei lá mais quem gostam de falar caridosamente sobre a "desfavelização", pois assim podem desviar a atenção dos males mais sérios e fingir que se você abolir as favelas, vai abolir a pobreza. Mas todas essas conversas levaram a resultados surpreendentemente insignificantes. Pelo que se pode ver, a superpopulação não diminuiu nada - talvez esteja um pouco pior do que há dez ou doze anos.

Se é certo que as condições de vida do proletariado inglês melhoraram, foi à custa da sua luta política e, também, da generalização e das mutações do capitalismo, que, por sua vez, fizeram surgir, na periferia do sistema - em Joanesburgo, Mumbai ou São Paulo - uma classe operária que vive em favelas tão ou mais horrendas que as percorridas por Orwell. No Rio de Janeiro, onde as favelas foram feitas para abrigar os soldados que voltavam da guerra em Canudos, há mais de 100 anos é recorrente a conversa de bispos, políticos filantropos e sei lá mais quem sobre relocação e desfavelização. Mas, para continuar com os termos de O Caminho para Wigan Pier, a situação dos bairros de trabalhadores talvez esteja um pouco pior do que há dez ou doze anos.

A atualidade brasileira também aparece quando Orwell diz que, na revista Punch, é "assumido como fato inconteste que a pessoa da classe trabalhadora, enquanto tal, é uma figura ridícula - exceto quando dá sinais de ser demasiado próspera, quando então deixa de ser ridícula e se torna um demônio". Basta trocar o nome da publicação para constatar que a hostilidade de classe continua a mesma.

É difícil escrever sobre lugares e pessoas de pobreza lancinante. "Palavras são coisas muito frágeis", diz Orwell em Wigan Pier. "De que adianta dizer 'goteiras no teto' ou 'quatro camas para oito pessoas'? É o tipo de expressão por onde o olhar desliza sem registrar nada. E, contudo, quanta riqueza de miséria e sofrimento essas palavras abrangem!" Ele desenvolveu um estilo tremendamente eficaz. Suas frases, assertivas e certeiras, estão isentas de adereços e tremeliques sintáticos. Parecem de tal maneira coladas à realidade que sugerem ser sua própria expressão.

Num ensaio de 1946, Orwell defendeu que "é impossível escrever algo legível sem lutar constantemente para apagar a própria personalidade. A boa prosa é como uma vidraça". Esse credo, no qual o escritor se limita a contar o que contemplou, apalpou e cheirou, é tão somente isso: credo. Em Wigan Pier, a ênfase em escrever sobre a sujeira, com páginas e mais páginas em torno do tema "a classe operária fede", não decorre apenas do que ele percebeu na vidraça da realidade. Decorre também da sensibilidade pessoal do escritor. Dos recursos que decalcou do naturalismo francês (Orwell gostava de Zola). E também do seu afã de épater le bourgeois. É a sua personalidade que está em primeiro plano, e não a vidraça.

As biografias mais recentes de Orwell colocaram em cheque o credo do escritor-vidraça, que mostraria a realidade tal e qual ela é. Em Wigan Pier, ele tomou a precaução de alertar que, em Na Pior em Paris e Londres, "quase todos os incidentes ali descritos realmente aconteceram, embora em outra sequência". Quase é eufemismo. Orwell tinha uma tia que morava em Paris quando ele viveu com mendigos e trabalhou como lavador de pratos em restaurantes. E não contou em Na Pior que recorreu a ela quando estava muito na pior. Alguns de seus escritos de não ficção mais elogiados, como "Um enforcamento" e "O abate de um elefante", alteraram bastante a realidade. É provável que ele nunca tenha visto um enforcamento. E que matou um elefante em circunstâncias bem diferentes das que descreveu.

A publicação no ano passado dos Diários de Orwell, na Inglaterra, permite avaliar o quanto ele mudou a realidade para retratá-la. Em fevereiro de 1936, quando estava em Wigan, ele escreveu no diário:

Passando numa ruela de lado, horrível e sórdida, vi uma mulher ainda jovem, mas muito pálida e com o costumeiro olhar gasto e exausto, ajoelhada na sarjeta e enfiando um pedaço de pau num cano de esgoto de chumbo, que estava entupido. Pensei em como era terrível ter como destino se ajoelhar na sarjeta de uma ruela de Wigan, num frio de rachar, e cutucar um cano entupido. Nesse momento, ela levantou a vista e captou o meu olhar, e a sua expressão era a mais desconsolada que eu já vira; fiquei chocado porque ela estava pensando exatamente a mesma coisa que eu.

Em O caminho para Wigan Pier, a anotação vira o seguinte:

O trem me levou embora, através do monstruoso cenário de montanhas de escória de carvão, chaminés, pilhas de ferro-velho, canais imundos, caminhos feitos de barro e cinzas, atravessados por incontáveis marcas de tamancos. Já era março, mas o tempo estava horrivelmente frio e por toda parte havia montes de neve enegrecida. Enquanto passávamos devagar pela periferia da cidade, víamos fileira após fileira de casinhas cinzentas de favela saindo em ângulo reto das margens dos canais. No fundo de uma das casas, uma moça ajoelhada no chão de pedras enfiava um pedaço de pau no cano de esgoto que vinha da pia dentro de casa, e que devia estar entupido. Tive tempo de vê-la muito bem - o avental feito de pano de saco, os tamancos grosseiros, os braços vermelhos de frio. Levantou a vista quando o trem passou, e eu estava tão perto que quase encontrei seu olhar. Tinha a cara redonda e pálida, o habitual rosto exausto da jovem favelada de 25 anos que parece ter quarenta por causa dos abortos e do trabalho pesado; um rosto que mostrava, naquele segundo em que passou por mim, a expressão mais infeliz e desconsolada que jamais vi. Percebi no mesmo instante que nos enganamos quando dizemos: "Para eles não é a mesma coisa que seria para nós", supondo que as pessoas criadas na favela não conseguem imaginar nada mais do que a favela. Pois aquilo que vi em seu rosto não era o sofrimento ignorante de um animal. Ela sabia muito bem o que estava lhe acontecendo - compreendia tão bem como eu que terrível destino era esse, ficar de joelhos naquele frio terrível, no chão de pedras úmidas do quintal de uma favela, enfiando uma vareta em um cano de escoamento imundo, entupido de sujeira.

O texto do livro é mais complexo e pungente que a anotação rápida no diário. Mas há uma diferença significativa. Orwell viu a moça ao andar a pé, e em O Caminho para Wigan Pier ele se coloca num trem, que se distancia logo que cruzam o olhar. A modificação é de natureza dramática: ela sublinha a rapidez do encontro fortuito e a separação inapelável de dois seres humanos que, compartilhando a mesma consciência, estão separados pelas barreiras de classe.

É corriqueiro - e desejável - que um escritor reconstrua o que viu para obter determinado efeito. Em literatura, não existe a-vida-como-ela-é. Escrever numa prosa neutra, como Orwell preconizava, é um recurso estilístico como outro qualquer, e não a expressão última do real. E tampouco garante que o escritor escape dos preconceitos de sua classe ou de sua época. Em Wigan Pier, por exemplo, Orwell defendeu: "Você consegue sentir afeto por um assassino ou um sodomita, porém não consegue sentir afeto por um homem de hálito pestilento." O que coloca assassinos e homossexuais numa mesma categoria, a de criminosos, e é homofobia.

Na segunda parte do livro, o convencionalismo é mais evidente. Sua atitude geral é considerar que estar junto com os operários, e não se importar com o cheiro deles, é mais sensato que teorizar a respeito do comunismo. Que a luta de classes é uma insensatez. Que basta gritar "Justiça e Liberdade!" que a igualdade social virá. E achar que a pregação socialista é coisa de esquerdistas da classe média, que ele define assim: "Vegetarianos de barbas compridas, comissários bolcheviques (metade gângsteres, metade gramofones), senhoras bem-intencionadas de sandálias, marxistas de cabelos desgrenhados mastigando preciosismos, quakers em fuga, fanáticos do controle da natalidade, carreiristas dos bastidores do Partido Trabalhista."

O conjunto é uma argamassa de senso comum, anti-intelectualismo, empirismo epidérmico, simplificações reducionistas, antifeminismo e hostilidade aos militantes socialistas e à política em geral. O ponto de vista, outra vez, é moral e individualista.

O caminho de Orwell rumo à causa dos trabalhadores foi diverso dos de Friedrich Engels, Simone Weil e Jack London. Para Engels, ser filho de um burguês e patrão de fábrica não impediu que lutasse pelo comunismo na teoria e na prática, e que usasse o capital da família para ajudar Marx a sobreviver enquanto escrevia O Capital.

Filho de um pai que o abandonou e de uma mãe que tentou o suicídio, Jack London era de origem operária. Aos 16 anos, trabalhava dezoito horas por dia. Não conseguiu cursar a universidade por falta de dinheiro. Foi vagabundo, aventureiro, pescador clandestino e marinheiro. Tornou-se um escritor imensamente popular e se dizia socialista revolucionário. Não obstante, escreveu um ensaio racista sobre a China cujo título é "O Perigo Amarelo".

Simone Weil foi professora, sindicalista, militante de esquerda - lutou na Espanha, com os anarquistas - e crítica do stalinismo. Filósofa de formação, viveu como operária e resistiu à ocupação nazista da França. Aproximou-se pouco a pouco da metafísica e do misticismo religioso, de pendor ascético e tingido de masoquismo. Morreu aos 34 anos, em 1943.

O caminho de Orwell foi tortuoso. Sua fuga da prisão de classe teve elementos de expiação por ter servido o imperialismo. E foi empenhada e honesta. Enquanto tantos escritores usaram e usam a literatura como ferramenta de alpinismo social, foi um espeleólogo que desceu aos subterrâneos da exploração. Viveu sempre de escanteio, doente e na pobreza. Só ganhou dinheiro com livros quando estava para morrer, aos 46 anos. Apesar de A Revolução dos Bichos e 1984 terem sido usados durante a Guerra Fria como propaganda anticomunista, terminou seus dias defendendo a revolução socialista.

Era sincera a sua afinidade com camponeses da Birmânia, rebotalhos de Paris e Londres, operários favelados de Wigan e trabalhadores em armas da Catalunha. Foi essa empatia que o levou, no batismo de fogo na Espanha, a se revoltar contra a traição da causa operária promovida pelo stalinismo, numa época em que boa parte dos artistas de esquerda enaltecia o ditador - vide Neruda, Jorge Amado, Aragon, Picasso e tantos outros. Empatia e revolta que são o pano de fundo de 1984, um marco da literatura política do século xx cujas invenções linguísticas - teletela, Big Brother - continuam em circulação, agora do avesso, na vidraça da indústria cultural.

[1] "Nancy poets" é uma expressão de Orwell para designar os escritores reunidos em torno do poeta W. H. Auden: Christopher Isherwood, Louis MacNeice, Stephen Spender e Cecil Day-Lewis. Como "Nancy boy" é gíria para homossexual, a expressão é pejorativa.

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http://www.korea-dpr.com

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A Coreia do Norte, oficialmente República Democrática Popular da Coreia (hangul: 조선민주주의인민공화국; transl. Chosŏn Minjujuŭi Inmin Konghwaguk) é um país asiático que ocupa a metade norte da Península da Coreia. Faz fronteira a norte com a China e com a Rússia, a leste com o Mar do Leste (Mar do Japão), a oeste com a Baía da Coreia e ao sul com a Coreia do Sul. Sua capital é Pyongyang. É um dos poucos países socialistas restantes no mundo, e vem sofrendo de dificuldades econômicas desde o fim da União Soviética.
A história da Coreia do Norte começa quando acaba a Segunda Guerra Mundial, em 1945. Neste ano os japoneses foram expulsos da península coreana e forças soviéticas e estadunidenses ocuparam a área. Os soviéticos estabeleceram-se ao norte do paralelo 38 e os estadunidenses ao sul. Formaram-se dois países divididos que reclamavam o direito sobre toda a península, cada um proclamando ser o legítimo representante do povo coreano.
A paz se mantinha fragilmente e em 25 de junho de 1950 a Coreia do Norte invadiu a Coreia do Sul e deu início a uma grande guerra, envolvendo China e União Soviética de um lado e os EUA do outro. Em 27 de julho de 1953 foi assinado um armistício entre o comandante do exército norte-coreano e um representante da ONU, criando uma zona desmilitarizada entre os dois países.
Um regime de partido único tal qual o soviético foi implantado no país e tem sido assim até hoje. A Coreia do Norte apresentava bons índices de desenvolvimento econômico e industrial durante todo o terceiro quarto do século XX, graças à ajuda da URSS e ao cenário econômico mundial, mas a partir da crise do petróleo que surgiu nos anos 1970 o país sucumbiu diante da modernização tecnológica e econômica dos países capitalistas e não mais conseguiu se reerguer. Hoje depende freqüentemente de ajuda humanitária e apresentou, em 1995, um IDH com o Coeficiente de Gini no valor de 0.766, similar ao da China nos dias atuais, e superior ao IDH do Brasil na época. Mas o país, que passa por crises sociais graves busca acordos multilaterais para se re-erguer.
Em 1994 morreu Kim Il-sung, que governara o país desde 1948. Seu filho, Kim Jong-il, assumiu o comando do partido dos trabalhadores norte-coreano em 1997, e seguindo a linha do pai, opõe-se à abertura econômica do país, inflando gastos com o setor militar, possivelmente para barganhar algo dos inimigos políticos.
A República Popular Democrática da Coreia é uma ditadura proletária estabelecida por Kim Il-sung desde o final da década de 1940 até a sua morte, em 1994, quando o cargo de líder máximo passa para seu filho, Kim Jong Il.
Pela estrutura política, que centraliza o poder decisório de todos os sectores da sociedade num só organismo, o Partido, pode-se bem afirmar que a Coreia do Norte é o último país stalinista do planeta, pois adota um sistema de governo muito similar àquele adotado na União Soviética durante a ditadura de Josef Stalin. Como tal, promove repressões políticas aos opositores, prendendo-os, torturando-os, executando-os ou enviando-os aos campos de trabalho forçado, os chamados gulags.
A Coreia do Norte assinou com os EUA em 1999 um acordo pelo qual os norte-coreanos abriam mão do seu programa nuclear em troca de combustível enviado, porém sob a administração de George W. Bush os EUA descumpriram sua parte do acordo, o que combinado com um crescimento das hostilidades da potência norte-americana, levou a Coreia do Norte a acelerar o seu programa nuclear.
O país afirmou ter o direito de testar tais mísseis, pois é um país soberano. O Conselho de Segurança das Nações Unidas adotou dia 15 de julho daquele ano uma resolução impondo sanções à Coreia do Norte por seus testes de mísseis. Em 9 de Outubro de 2006, a Coreia do Norte teria realizado um teste subterrâneo de um artefato nuclear. Dias depois, as sanções voltaram em vigor, pois o Conselho de Segurança da ONU considerou uma ameaça à paz mundial. Até a China, principal aliada da Coreia do Norte, apoiou a implantação das sanções.
Em 25 de Maio de 2009, a Coreia do Norte anunciou ter realizado mais um teste nuclear subterrâneo.

Fonte: Wikipedia

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Kim Il-Sung (Pyongyang, 15 de abril de 1912 — Pyongyang, 8 de julho de 1994) foi o líder da Coreia do Norte da fundação do país em 1948 até a data de sua morte. Sucedeu-lhe como líder seu filho, Kim Jong-il.
Exerceu o cargo de primeiro-ministro de 1948 a 1972 e de presidente de 1972 até sua morte. Foi também o secretário-geral do Partido dos Trabalhadores da Coréia, em que era o comandante autocrático.
Como líder da Coréia do Norte, partiu de uma ideologia marxista-leninista até formular a Idéia Juche baseada no culto à personalidade. Conhecido como Grande Líder, Kim Il-sung é oficialmente o Presidente Eterno da Coréia do Norte, segundo a constituição do país, sendo seu aniversário de nascimento e morte feriados no país.
Este presidente é considerado um deus norte-coreano até hoje; no mausoleu onde està sepultado, tem empregadas que choram 24 horas por dia.
Vida pessoal
Kim Il-sung desfrutou relações íntimas com inúmeras mulheres, incluindo atrizes de cinema, dançarinas, modelos profissionais, suas próprias secretárias, enfermeiras de boa aparência e "kisaengs" - o equivalente coreano da gueixa.
Kim Il-sung casou-se com Kim Jong-suk, que aceitava com submissão o caráter mulherengo do marido - e como se não bastasse existem rumores de que ela era maltratada por ele. Ela morreu em 1949, com 32 anos.
Os rumores na época eram de que se suicidara com um tiro ou com veneno. Oficialmente foi anunciado o seu falecimento em decorrência de um ataque cardíaco.
Logo após a morte da primeira esposa, Kim Il-sung desposou Kim Song-ae, uma bela mulher vinte anos mais nova que ele, e já grávida de um menino, Kim Pyong-il.
No final de sua vida Kim Il-Sung passou a exigir transfusões de sangue de jovens virgens para si, na esperança que sangue jovem lhe prolongasse a vida.

Fonte: Wikipédia

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Kim Il Sung

15/4/1912, Mangiongdae, Coréia do Norte
8/7/1994, Mangiongdae, Coréia do Norte

De 1948 até 1994, ano de sua morte, Kim Il Sung governou a Coréia do Norte com mãos de ferro. Nascido numa família de camponeses, recebeu uma educação cristã. Durante as lutas pela independência da Coréia, então pertencente ao Japão, a família de Kim mudou-se para a Manchúria, na China. Lá Kim Il Sung freqüentou uma escola chinesa. Aos 15 anos foi preso como membro da Liga da Juventude Comunista do Sul da Manchúria. Libertado em 1930, passou a integrar o Exército Revolucionário Coreano.

Kim Il Sung tornou-se líder de um grupo guerrilheiro. Com a invasão da Manchúria pelos japoneses, cresceu o movimento de resistência na Coréia e na China. Mais de 200 mil chineses e japoneses envolveram-se na guerrilha.

Durante a Segunda Guerra, a Coréia foi invadida pelos japoneses e Kim Il Sung foi obrigado a partir para o exílio na União Soviética. Em 1945, a Conferência de Yalta permitiu que tropas soviéticas e americanas se instalassem na Coréia, dividindo o país em duas partes. O governo provisório da Coréia do Norte ficou a cargo de Kim Il Sung. Em 1948 a União Soviética estabeleceu a República Democrática Popular na Coréia do Norte.

Oficialmente líder do Partido dos Trabalhadores Coreano, Kim Il Sung na realidade teve poder quase total sobre o país, exercendo papel similar ao de Mao Tsé Tung, na China. Entre 1950 e 1953 Kim liderou os norte-coreanos na guerra contra a Coréia do Sul, protegida pelos Estados Unidos e pelas Nações Unidas. Após o acordo de paz entre as duas Coréias, Kim Il Sung intensificou um governo ditatorial baseado no culto à personalidade. Passou a ser tratado como "Grande Líder", enquanto seu filho Kim Jong-il, designado como seu sucessor, passou a ser "Estimado Líder".

Kim Il Sung desenvolveu também uma filosofia de massas chamada "Juche", que significa auto-suficiência, verdadeira religião oficial. Morreu em 1994, aos 82 anos, vítima de uma parada cardíaca. Quatro anos depois seu filho Kim Jong-il, atribuiu-lhe o título de "presidente eterno".

O regime comunista ainda em vigor na Coréia do Norte resultou numa imensa estagnação econômica que tem deixado a maior parte da população do país na miséria e a fome é um dos grandes males do país. Os recursos financeiros do Estado são carreados para a área militar, inclusive com o desenvolvimento de armas nucleares. Estas e a possibilidade de se usá-las na Coréia do Sul ou mesmo no Japão impedem uma intervenção norte-americana ou internacional no país e garante a sustentação do regime.

Fonte: UOL Educação ( http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u449.jhtm )

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Kim Jong-il

16 de fevereiro de 1942, Monte Paektu (Coreia do Norte)
Kim Jong-il governa a Coreia do Norte desde 1994. Preside também a Comissão de Defesa Nacional. É o sucessor de seu pai, o ditador Kim Il-sung, que governou o país a partir de 1948.

Segundo fontes ocidentais e sul-coreanas, o verdadeiro nome de Kim Jong-il é Yuri Irsenovich Kim. Ele teria nascido no povoado de Viatskoe (ou Viatsk), um acampamento militar siberiano perto de Javárovsk, na Rússia (na época, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS). Ali, seu pai era o líder dos exilados coreanos comunistas.

As mesmas fontes afirmam que Kim Jong-il nasceu em 16 de fevereiro de 1941, mas sua biografia oficial fornece a data de 16 de fevereiro de 1942, salientando que o ditador nasceu no monte Paektu, na Coreia do Norte. Ainda segundo os biógrafos do regime, a vinda ao mundo de Kim Jong-il foi acompanhada de sinais de bom agouro, como a aparição de um duplo arco-íris no céu.

Kim Jong-il recebeu a maior parte de sua educação na China, para onde foi levado, por razões de segurança, durante a Guerra da Coreia. De volta a seu país, teria estudado ciências políticas e econômicas. Depois de sua graduação, em 1964, Kim começou a lenta ascensão nas fileiras do Partido Comunista Norte-Coreano, primeiro no Departamento de Organização, depois como membro do Politburo e, em seguida, designado para o cargo de diretor adjunto do Departamento de Agitação e Propaganda.

Em 1973, Kim foi nomeado secretário de organização e propaganda do Partido Comunista. E, em 1974, foi escolhido, oficialmente, como sucessor de seu pai. Durante os anos seguintes, exerceu o cargo de ministro da Cultura e chefe de operações do partido contra a Coreia do Sul.

Em 1980, o controle de Kim Jong-il sobre o partido era total. Nessa época, ele passa a ser conhecido como "Estimado Líder", configurando-se o primeiro passo na construção do culto à personalidade que já era praticado em relação a seu pai. Em 1991, Kim é nomeado comandante supremo da Forças Armadas Norte-Coreanas.

Quando seu pai faleceu, em 1994, aos 82 anos, Kim foi eleito pelo parlamento como chefe de Estado, secretário geral do partido e presidente da Comissão de Defesa Nacional.

Irascível e ciclotímico

Os detalhes sobre sua vida privada são raros, e em muitos casos pouco confiáveis. Alguns foram contados por antigos altos membros do partido que fugiram do país e antigos cozinheiros a seu serviço. Outros rumores parecem ter sido difundidos pelo serviço de espionagem sul-coreano. De qualquer forma, Kim parece ter uma personalidade irascível e ciclotímica. Segundo algumas fontes, ele teria quatro filhos, mas há quem afirme que não tem nenhum. E o mesmo ocorre em relação ao número de esposas, que oscila de nenhuma a várias.

Kim é um autor prolífico, com mais de 40 livros publicados, nos quais desenvolve a doutrina Juche (ou doutrina da auto-estima), um pasticho das idéias leninistas elaborado por seu pai. Segundo a Juche, a nação deve ter absoluta confiança em si mesma, pois as massas são as verdadeiras governantes do mundo.

O ditador também é aficionado do cinema, possuindo uma coleção de mais de 20 mil filmes. Figura folclórica e imprevisível da política internacional, Kim usaria um sósia para aparecer em público e escapar de eventuais atentados. Além disso, usa sapatos especiais, cujas solas, de estilo plataforma, servem para aumentar sua baixíssima estatura.

Sobrevivente de vários golpes militares e tentativas de assassinato, acredita-se que Kim Jong-il sofre de diabetes, e que, no verão de 2008, teve uma apoplexia. As imagens divulgadas depois de meses sem ele aparecer em público o mostraram abatido, mais magro e com possíveis sequelas: o braço esquerdo semirrígido e a mão inchada.

Repetindo o que fez em 2006, o ditador ordenou, no primeiro semestre de 2009, a retomada de testes nucleares e o lançamento de mísseis de longo alcance.
Fontes: Folha de S. Paulo; El País; N. Y. Times

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Kim Jong-il, em coreano 金正日; 김정일, (Viatskoie, Khabarovsk, 16 de fevereiro de 1942) é o líder de facto da República Popular Democrática da Coreia do Norte.

Ocupa os cargos de presidente da Comissão Nacional de Defesa e de secretário-geral do Partido dos Trabalhadores da Coreia (que não é o único como normalmente se pensa), cargo político máximo do Estado norte-coreano. É filho de Kim Il-sung, o antigo líder, e muitos consideram que de fato ele herdou o poder de seu pai, embora haja pleitos eleitorais na Coréia do Norte.

É popularmente apelidado de "querido líder", e a referência a sua figura está presente em quase todas as esferas da vida cotidiana norte-coreana. Por esse motivo, Kim Jong-il é reconhecido internacionalmente como sendo o chefe de estado mais totalitário da atualidade.

Era anteriormente chamado de "playboy" por supostamente gostar de mulheres e bebidas. E também apreciaria filmes de faroeste. É acusado ainda pelo rapto da atriz sul-coreana Choi Eun-hee e de seu marido, com a finalidade de fazerem filmes de propaganda da Coreia do Norte, porém nada nunca foi confirmado.

Recentemente (junho de 2009), foi notificado que o líder da Coreia do Norte, nomeou o seu filho mais novo, Kim Jong-un, para o suceder.

Fonte: Wikipedia

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Juche

O Juche, oficialmente designado como Ideologia Juche, e também designado pelos ocidentais como marxismo-leninismo-kimilsonguismo ou kimilsonguismo é a ideologia oficial de Estado do Partido dos Trabalhadores da Coreia do Norte, que dirige os destinos desse país. O nome, em coreano significa, aproximadamente, auto-estima. Defende que o objetivo da revolução deve ser as massas e não qualquer poder externo, o que implica que a nação tenha confiança em si mesma como autarquia, num sentido lato. O ideólogo do Juche foi, essencialmente, Kim Il-sung.
O Juche tem sido promovido pelo governo norte-coreano na política e no sistema educacional desde que o conceito foi elaborado em 1955 por Kim Il-sung. No início, a ideologia consistía em duas idéias fundamentais: a revolução proletária pertence às massas e o homem é o guia da revolução.
Calendário Juche
O governo e as organizações da Coréia do Norte usam uma variação do calendário gregoriano, no qual o primeiro ano coincide com o nascimento de Kim Il-sung (1912). A numeração dos anos segue o sistema chinês Minguo, utilizado na República da China. Não há mudanças nos meses em relação ao calendário gregoriano, nem existe um ano zero. Nos textos coreanos, é habitual que o ano Juche seja posto na frente do ano gregoriano correspondente.
Política da Coréia do Norte
Do ponto de vista econômico, o Juche defende a auto-suficiência industrial e de serviços, para preservar a dignidade e a soberania da nação. A ideologia tem sido aplicada firmemente desde os anos 1960. A economia se concentra no desenvolvimento da indústria pesada, defesa nacional e agricultura. Pretendia-se que a Coreia do Norte fosse auto-suficiente em todos os níveis.
Em 1977, o Juche substituiu o marxismo-leninismo (do qual pode-se considerar que é uma derivação) na Constituição da Coreia do Norte, solidificando sua posição como ideologia oficial do governo do país e da sociedade.
Alguns sociólogos e estudiosos consideram o Juche como um movimento religioso. Na Coréia do Norte essa idéia é rechaçada, e considera-se que o Juche é um movimento secular, e que se concentra nos problemas da vida (não no que ocorre após a morte).
Entende-se que o Juche deve ser adaptado às necessidades específicas de cada país. Existem grupos de estudo da idéia Juche em vários países ocidentais, mas com uma presença social muito reduzida.
Como pontos de diferença do Juche em relação ao marxismo-leninismo, podem-se assinalar os seguintes:
* Defesa da independência econômica e política com relação a países estrangeiros.
* Coletivização da agricultura e indústria.
* Culto da personalidade.
* Songun: o aspecto militar é o mais importante da política.
* Forte voluntarismo: as massas são consideradas donas do mundo.
* Nacionalismo e defesa da homogeneidade étnica.
* Respeito e defesa da cultura tradicional.

Fonte: Wikipedia

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Ryugyong Hotel

O Hotel Ryugyong (ou Hotel Ryu-Gyong, Hotel Yu-Kyung, Construção 105[carece de fontes?]; em coreano: 류경호텔) é um hotel em construção, o vigésimo-oitavo arranha-céu mais alto do mundo. Situa-se em Sojang-dong, distrito de Potong-gang, Pyongyang, Coreia do Norte. A construção do arranha-céu iniciou-se em 1987 e foi paralisada em 1992, sendo retomada em 2008[1].

História

O edifício foi declaradamente construído como uma resposta a diversos arranha-céus construídos na Ásia nos anos 80, especialmente ao Swissôtel The Stamford (à época, Westin Stamford Hotel) em Singapura[2], que foi terminado em 1986 pela empresa sul-coreana SsangYong Group. A construção do edifício ficou a cargo da firma norte-coreana Baekdu Mountain Architects & Engineers[3]. O governo norte-coreano esperava financiamento estrangeiro para a obra, que seria uma entrada de capital internacional no mercado imobiliário norte-coreano. Uma firma, the Ryugyong Hotel Investment and Management Co., foi criada para atrair o financiamento estrangeiro. Esperava-se valores na faixa de US$ 230 milhões. Um representante do governo prometeu relaxamento de restrições, como a permissão para criação, no hotel, de cassinos, boates etc.[4]
O plano inicial era entregar o hotel em junho de 1989, para o décimo-terceiro Festival Mundial de Juventude e Estudantes. Entretanto, problemas com os métodos de construção e materiais adiaram o término da obra. A obra foi abandonada em 1992, devido a escassez de energia, problemas de financiamento, a grande fome de 1990 e incapacidade dos elevadores de construção de chegar aos andares superiores. Jornais japoneses estimam que o custo da obra foi de US$ 750 milhões, cerca de 2% do PIB norte-coreano[5][2].
O nome Hotel Ryugyong vêm de um nome histórico de Pyongyang. Ryugyong significa "capital dos salgueiros".

Construção

O Hotel Ryugyong é o vigésimo-oitavo arranha-céu mais alto do mundo, com 330m de altura, 360000m2 de área no térreo e 105 andares; teria 3000 quartos e sete restaurantes, sendo cinco no topo[6][2]. A estrutura de concreto armado consiste em três asas, cada uma medindo 100m de comprimento e 18m de largura. As asas convergem para um ponto comum, onde formam um pináculo. No topo, há uma estrutura circular de 40 m de diâmetro, contendo oito andares. Planejava-se que tal estrutura circular seria rotatória. Sobre a estrutura circular, há seis andares fixos. Há um guindaste sobre o topo. O hotel seria rodeado por pavilhões, jardins e terraços[carece de fontes?]. A inclinação de suas paredes é de 75°[7].
Os planos originais de construção previam um esqueleto estrutural de aço, um requerimento padrão para qualquer edifício de tal magnitude. A Coreia do Norte, entretanto, não possuía ou não tinha como conseguir tanto aço, e insistiu em uma estrutura feita inteiramente de concreto reforçado. O concreto utilizado foi de uma variação doméstica de baixa qualidade, e mostrou-se defeituoso antes mesmo do prédio ser totalmente erguido[8]. Foi dito que a fragilidade do interior da estrutura de concreto é tão severa que muitos elevadores estão inoperantes devido ao empenamento das guias. As estruturas concreto exteriores também expõem grandes corrosões ocasionadas pelo clima[carece de fontes?].

Situação atual

As obras foram interrompidas em 1992. A estrutura básica estava completa à época, porém nenhuma janela fora instalada, nem instalações, ou fittings, e o prédio não foi certificado para ocupação[8].
Em abril de 2008, porém, as obras foram retomadas. A empresa egípcia Orascom Telecom é responsável pela obra, gerenciada pelo engenheiro egípcio Mahmoud Fawzi[6]. Telas de proteção foram vistas ao redor da construção, vidraças foram adicionadas[9] e torres de telecomunicação postas no topo (embora os cidadãos norte-coreanos sequer possam possuir celulares)[6].
Segundo o governo norte-coreano, espera-se inaugurar o edifício em 15 de abril de 2012, o centésimo aniversário de Kim Il-sung, fundador da Coreia do Norte[6]. Entretanto, há dúvidas se a Coreia do norte teria dinheiro, matéria-prima e energia suficiente para um projeto de tamanha magnitute[8]. Estimativas na mídia sul-coreana indicam que, para que o hotel fosse terminado e se tornasse seguro, seriam necessários US$ 2 bilhões, cerca de 10% do PIB da Coreia do Norte[7]
Reações
O hotel foi adicionado a mapas de Pyongyang antes mesmo da construção iniciada, e cartões postais já mostravam o edifício antes de ser sequer vagamente terminado[2]. Algumas fotografias oficiais mostram o hotel iluminado, mas são apenas montagens[carece de fontes?]. Hoje, porém, é comum peças publicitárias que enaltecem as belezas da região apagarem o hotel das fotografias[1]. O edifício se tornou um tabu entre os habitantes de Pyongyang, que resistem em falar dele ou mesmo em explicar do que se trata[8], apesar do edifício de destacar grandemente no horizonte da cidade[7].
O hotel foi considerado por várias revistas e sites (Esquire, Worldhum.com, Weirdasianews.com) como a construção mais feia do planeta[1]. "Hotel of Doom", "hotel fantasma" e "a pior construção da história da Humanidade" são alguns epítetos atribuídos ao prédio[7][10].

Fonte: Wikipédia

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Entrevista com o jornalista Marcelo Abreu
Fonte: http://www.geracaobooks.com.br/

Conhecer por dentro a militarizada e faminta Coréia do Norte não é uma tarefa fácil para ninguém. Nem mesmo para os mais experientes jornalistas com atuação internacional. Mas foi esse desafio que o jornalista brasileiro Marcelo Abreu decidiu enfrentar quando partiu rumo a Pyongyang com o objetivo de registrar suas impressões do último regime genuinamente comunista do planeta, aquele que vem desafiando a comunidade internacional com seu programa de produção e exportação de armas nucleares. É esta viagem que Marcelo Abreu conta no livro "Viva o Grande Líder - um repórter brasileiro na Coréia do Norte," lançado pela Geração Editorial. Nesta entrevista, Marcelo Abreu fala do trabalho jornalístico que resultou no livro e da misteriosa Coréia do Norte.

Como você interpreta a atual situação tensa entre a Coréia do Norte e os Estados Unidos, quando se volta a falar até na possibilidade de conflito militar?

Marcelo Abreu - Esta situação vinha se configurando desde a posse do presidente George W. Bush no começo de 2001, quando as negociações entre Estados Unidos e Coréia do Norte foram interrompidas pelos americanos para um período de 'reavaliação'. Essas negociações envolviam, durante o governo Clinton, temas como a assinatura de um acordo de paz - tecnicamente os dois países ainda estão em guerra, desde a época da Guerra da Coréia (1950-1953) - ajuda humanitária, inspeções do programa nuclear coreano, entre outros itens polêmicos. Claro que os atentados de 11 de setembro e a posterior afirmação de Bush, incluindo a Coréia do Norte no 'eixo do mal', agravaram as coisas e levaram o regime comunista a uma posição de radicalização perigosa.

Por que o regime da Coréia do Norte é considerado, por muitos analistas, como até mais perigoso do que o do Iraque?

Marcelo Abreu - Por causa da situação geopolítica da Ásia. O país é vizinho da Coréia do Sul e do Japão, dois países ricos, superpopulosos e tradicionais aliados dos norte-americanos. Tem também fronteiras com a poderosa China e até com a Rússia. Isto significa que um ataque ao regime comunista provocaria uma retaliação desastrosa contra os vizinhos e contra os 37 mil soldados norte-americanos baseados na Coréia do Sul. Uma desestabilização na Coréia do Norte não interessa a ninguém. Mesmo o final do regime comunista, se acontecesse bruscamente, seria um fardo pesado demais para os coreanos do sul, que teriam que arcar com uma reunificação às pressas, a um custo incalculável.

Quem é o "Grande Líder" do título de seu livro?

Marcelo Abreu - O Grande Líder é, primeiramente, Kim Il Sung, o homem que ficou no poder na Coréia do Norte de 1945 - no final da Segunda Guerra - até 1994, isto é, 49 anos, um recorde mundial. Ele instituiu em torno de si o maior culto à personalidade de que se tem notícia no planeta. Maior mesmo do que o culto a Stalin nos anos 40. Nada na Coréia do Norte acontece sem que seja invocado o nome de Kim Il Sung, considerado pelo regime como uma espécie de Deus. Kim Il Sung foi sucedido pelo seu filho Kim Jong Il - o chamado Líder Querido - que segue na mesma linha de culto à personalidade, aliando a isso um certo gosto pela excentricidade que vai da aparência pessoal até a preferências gastronômicas. Recentemente, Kim Jong Il também passou a usar o título de Grande Líder.

Como surgiu a idéia de viajar a Coréia do Norte?

Marcelo Abreu - Quando em meados dos anos 90 ficou claro que o regime comunista não cairia rapidamente em Cuba e na Coréia - como havia sido previsto logo após o fim da URSS - eu comecei a planejar uma visita ao país de Kim Jong Il. O regime coreano, em vez de desmoronar, tornou-se ainda mais fechado e isolado do resto do mundo, desafiando todas as previsões. A viagem levou anos para se realizar porque as dificuldades para entrar no país foram muitas. Mas as informações colhidas lá e apresentadas no livro agora se tornaram muito importantes para que se entenda a importância e o desafio que esse regime representa para a comunidade internacional.

A Coréia do Norte é conhecida como um país que não aceita jornalistas estrangeiros. Como é que você conseguiu entrar?

Marcelo Abreu - Não entrei oficialmente como jornalista. Seria uma tarefa quase impossível. Para se ter uma idéia, em junho de 2000, cerca de 600 correspondentes internacionais pediram para entrar no país para cobrir a primeira reunião de cúpula entre o líder norte-coreano e o presidente da Coréia do Sul. Nenhum deles conseguiu. A Coréia do Norte sempre teve uma postura de desprezo pelas relações internacionais, coisa que vem mudando lentamente em alguns aspectos mas não no relacionamento com a imprensa. Pyongyang deve ser a única capital do mundo onde não há um só correspondente estrangeiro. Entrei lá como funcionário de uma organização de ajuda humanitária numa complicada negociação que envolveu contatos em vários países.

Você pode circular livremente lá dentro do país?

Marcelo Abreu - Ninguém circula livremente na Coréia do Norte. Nem mesmo os agentes do governo, que são diariamente acompanhados por outros agentes do governo, para evitar qualquer tipo de dissidência. O controle do regime sobre população é total. Até as entradas da capital Pyongyang são permanentemente vigiadas para evitar deslocamentos internos dos coreanos. Mas apesar de tudo, tive mais liberdade de movimento do que se tivesse entrado como jornalista. Pude andar sozinho algumas vezes e falar com pessoas. Essa pressão constante em cima do visitante é uma das coisas mais interessantes entre as que eu conto no livro.

"Viva o Grande Líder" é uma reportagem escrita em primeira pessoa sobre um mundo sobre o qual se tinha muito pouca informação. Como você definiria esse tipo de narrativa?

Marcelo Abreu - É o jornalismo escrito com o envolvimento do repórter, um texto no qual, para que haja uma compreensão total da história, o autor não deve ficar de fora. Neste caso, eu uso a minha viagem como um fio condutor para levar o leitor através do mundo quase fantasioso da Coréia do Norte, o país mais dogmático do mundo, onde a população vive cotidianamente prestando reverência aos líderes políticos enquanto parte do povo morre de fome e enfrenta sérias violações aos direitos humanos. O cotidiano na Coréia parece até ser fruto de uma espécie de delírio.

Como definir um país tão estranho como a Coréia do Norte?

Marcelo Abreu - Gosto muito de uma definição que ouvi de um norte-coreano durante a minha visita ao país, definição que, evidentemente, reflete a visão oficial do sistema. Ele me disse que os norte-coreanos se identificam com a imagem de um porco-espinho, animal relativamente pequeno mas que torna-se muito feroz quando provocado.

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Fonte: Revista Piauí

por ERMANNO FURLANIS

Bill Clinton com Kim Jong Il abafaram a notícia da inauguração da primeira tratoria estatal em Pyongyang, a "Terra da Calma Matinal", sede do regime mais xenófobo do mundo. Quando Kim Sang Soon, o gerente do restaurante, confirmou a inauguração a jornais asiáticos, saiu das cinzas do forno a história de Ermanno Furlanis, o pizzaiolo italiano que, em julho de 1997, saiu de Codroipo, perto de Veneza, com a missão oficial de ensinar aos cozinheiros norte-coreanos, todos eles militares, o segredo da massa italiana. Formado em economia, mas diretor em Udine de uma escola de pizza, Furlanis tirou da gaveta os originais de suas memórias, em que descreve a "quixotesca viagem culinária" de 22 dias "ao estômago da treva"

Convite - Recebi de surpresa uma chamada quase grosseira no celular. Era uma proposta sem muitos rodeios para ministrar um curso de formação sobre pizza em "um país distante". O encontro seria no dia seguinte. Quem fazia o convite era um cozinheiro de alto nível, um Chef com "C" maiúsculo, a serviço em um hotel de primeira categoria numa cidade do norte da Itália. Disse-me que fora convocado por uma delegação estrangeira para uma série de demonstrações culinárias sobre a cozinha regional italiana. A tal delegação também estava interessada em pizzas. As pessoas de lá precisavam aprender a culinária italiana para enfrentar a carestia e, além disso, era preciso lidar com a abertura iminente à economia de mercado. Por fim, encerrando o suspense, me disse: país comunista, Extremo Oriente... "Vietnã?", perguntei surpreso. "Coréia do Norte", foi o golpe final.

Cheguei à entrevista meio ansioso, mas achando muita graça. No fundo eu não tinha nada a perder - no pior dos casos, uma viagem a menos. Entrei no salão do encontro, que era a sede de uma casa de exportações, no 4º andar de um antigo edifício do centro histórico, e tudo começou a velar-se de uma pátina surreal. Primeiro o Chef me apresentou ao "Jovem", um coreano que falava razoavelmente nossa língua e sorria com esforço o tempo todo. O "Velho", ao contrário, não falava nossa língua supérflua nem se entrincheirava atrás de sorrisos inúteis; com as "lâminas" que tinha em lugar dos olhos, me fez uma rápida radiografia de ponta a ponta e depois se sentou na cabeceira de uma clássica mesona de conselho administrativo. O interrogatório foi sistemático e insistente. Em seguida, uma rachadura no "baixo-relevo" do Velho: uma espécie de careta que podia ser entendida como um sorriso. Tom de voz pacato. Disse algumas palavras ao Jovem... "Acho que poderemos chegar a um acordo", repetiu, dirigindo-se a mim num tom por fim amigável, confidente, inesperadamente quase íntimo.

Como previsto, poucos dias depois me ligaram para a confirmação. Disseram que em breve partiríamos por quinze dias. Perguntei como deveria proceder quanto aos ingredientes e aos utensílios indispensáveis ao preparo dos nossos pratos, que não podiam ser substituídos por ingredientes e aparelhos coreanos. Responderam que fizesse simplesmente uma encomenda num atacadista e enviasse para eles tanto a mercadoria quanto a fatura, recomendando que não se preocupasse com a despesa. Ao final, sem a mais mínima pressão, entregaram envelopes com o pagamento, antecipado e em espécie. Por aquele detalhe entendi logo que era coisa ligada ao governo, embora eles agissem e falassem sempre em nome de uma fantasmática "Company".

Rumo a Pyongyang - Quinze dias depois, eu, minha mulher, o Cozinheiro e a respectiva consorte estávamos girando por Berlim, numa transferência de aeroporto, vindos de Malpensa e de partida para Pyongyang. Pouco antes do horário do vôo, um funcionário da Air Koryo finalmente apareceu, depois de horas de preocupante espera, para abrir o escritório, entregar os cartões de embarque e, sobretudo, os vistos de entrada, em formulários avulsos, não afixados nos passaportes, "para nos tutelar em relação ao Ocidente e seus órgãos de controle", como nos explicaram mais tarde. Embora faltassem apenas poucos minutos, não havia sinal do nosso vôo nos telões. O funcionário, apesar de eu falar alemão, não explicou nada, informando apenas o número do portão. Ao fundo, surgia a cauda intrigante e inquietante de um Ilyushin, com inscrições belas e incompreensíveis, mas tradução em inglês: "Air Koryo". De qualquer modo, agora já estava feito, a porta se fechara e a aventura, querendo ou não, começava.

Uma hora depois, passamos às refeições. O programa era corrido, e esse era um prenúncio do que seria o ritmo de nossas "férias". A comida se mostrava abordável e insolitamente abundante para uma refeição de bordo, mas de insuportável frequência: o ritual se repetia regularmente a cada duas ou três horas, no máximo - sinistra antecipação das futuras e impensáveis comilanças que nos aguardavam no país da carestia. No trecho Moscou-Pyongyang, então, a coisa parecia não ter fim: a situação estava cada vez mais sombria, o cheiro, cada vez mais desagradável, minha confiança no Ilyushin, cada vez mais escassa e, além disso, meu frágil sono era constantemente interrompido por bandejas de comida que devíamos aceitar, já que éramos convidados a isso com insistência, após nos acordarem bruscamente.

Já visível durante a fase de aterrissagem sobressaía a foto gigantesca do ex-presidente soberano da Coréia do Norte, Kim Il Sung, dando as boas-vindas do lado interno do aeroporto. Quando o portão se abriu, fomos literalmente circundados pelo calor e a umidade. O aeroporto internacional de Pyongyang, o principal da Coréia do Norte, parece a estação ferroviária de uma cidadezinha italiana secundária: poucos saguões, apenas duas linhas - Moscou e Pequim -, dois vôos por linha. A passagem pelo controle não foi fácil diante daquele homenzinho de uniforme branco e impecável, com um chapéu de policial mais alto do que ele. Virava e revirava nossos vistos, uma mala estava perdida, o cansaço era total e a confusão reinava quando, finalmente, o véu de tensão se rompeu: surgiu "o homem providencial", nosso "anjo da guarda vigilante", que nunca nos perderia de vista durante toda nossa permanência, ou quase, a dor e a delícia de nossa estada - o inefável Mr. Om.

Era um oriental típico, miúdo mas sólido, cerca de 40 anos, aspecto falsamente indefeso, com o característico sorrisinho de praxe. Na verdade, esperávamos um certo Mr. Pah, mas este evidentemente era de nível superior. Mr. Om cumprimentou-nos com cordialidade e logo nos deixou à vontade. Enquanto isso, porém, tomou nossos vistos e passaportes e sumiu com eles. Não os veríamos mais durante toda a permanência ali.

Via-se que Mr. Om era uma pessoa de grande experiência e cultura. Sabia perfeitamente o inglês e usava formas muito sofisticadas, que eu mal compreendia, além de conhecer bem o mundo ocidental, dando provas disso sem parar. Exaustas e extremamente confusas, as mulheres davam os típicos sinais de que já estavam no limite. Marilu começou a esbravejar durante a longa espera pelo carro e mal deixou escapar um "Vamos ver com que calhambeque virão nos buscar, quero voltar para casa", quando, num piscar de olhos, o vimos se materializar. Um Mercedes preto com vidros escuros e as típicas seis portas chegava para nos levar. Ajeitadas as bagagens, o frescor do ar-condicionado nos deixou finalmente aliviados. Os entendimentos com nosso anfitrião deslancharam logo, e eu me sentia como se já o conhecesse há séculos. Começamos a bombardeá-lo de questões, e logo lhe perguntei se tinha um dicionário inglês-coreano. Por essa pergunta deve ter me classificado como o chato da turma, porque me respondeu com um risinho sem graça e me batizou logo em seguida: "Ermanno, eh, eh, my best friend."

Hóspedes oficiais - Percorrendo o anel viário para Pyongyang, me concentrei no panorama inexpressivo. Um campo de vegetação rala e desolada, semelhante à nossa, com acácias e latifólios que o tornavam bem familiar, apesar da distância de onde viemos. Em compensação, as filas de pedestres à beira da estrada, com rostos e cores tão diferentes do habitual, deslocando-se ou esperando não se sabe o quê, e os ciclistas com os típicos capacetes triangulares me fizeram sentir como se estivesse dentro de uma página do meu velho livro escolar. A metrópole surgiu diante de nós depois de uma meia hora, peremptória, mastodôntica, monumental em cada ângulo e, no entanto, tinha algo de improvável. Não via a hora de chegar ao hotel Koryo, onde tínhamos reserva, e tomar uma boa ducha, ligar para casa e depois sair explorando aquela selva de cimento monocromática, cheia de imensas inscrições vermelhas, lindas, e tentar decifrá-las com o prometido dicionário. Mas o hotel Koryo não nos receberia, pois não nos registrara entre seus hóspedes. As surpresas estavam apenas começando.

Em vez disso, chegamos a uma alameda barrada ao final por um enorme portão com um "porteiro" dentro de uma cabina que, ao ver uma luzinha verde vinda do carro, fez o portão se abrir. Um parque magnífico nos acolheu, árvores, flores, chafarizes e canteiros podados até o último fio de folha emolduravam um estranho edifício, estruturado em duas alas mais ou menos quadradas, com uns 150 metros de largura, sendo uma de quatro andares, a outra mais baixa, completamente desprovida de janelas e unidas por um corpo central mais estreito. Fora do carro, além do calor, fomos inundados por um penetrante chiado de cigarras, umas dez vezes mais intenso do que o do nosso país. Era um som estranhíssimo: primeiro começava uma, depois o rumor aumentava lentamente em ondas regulares e finalmente atingia um máximo quase ensurdecedor, para em seguida aplacar-se repentinamente. Essa trilha sonora, unida ao perfeito deserto do parque, criava uma atmosfera cada vez mais irreal.

Um jovenzinho vestido de branco veio buscar nossas bagagens. Nenhuma recepção, nenhuma chave de quarto. Agora estava claro, aquilo não era o hotel Koryo. Ao meu pedido de explicações, Mr. Om respondeu afável, com um sorriso cúmplice: "Ermanno, my friend, don't worry, we have time."

O palácio que nos acolhia era esplêndido, todo revestido de mármore branco, e com poucas e belas plantas ornamentais. Nada de quadros, poucos móveis e objetos, mas acima de tudo um silêncio tumular - e nenhuma alma viva. À direita havia uma espécie de grande sala, muito bem cuidada, com teto rebaixado, lambris de madeira e várias poltronas e mesas. Mr. Om nos acomodou ali e desapareceu. Depois uma senhora idosa nos trouxe bebidas, em rigoroso silêncio. Sorriu-nos muito e saiu da sala andando para trás e curvando-se, para não nos dar as costas. Em outra ocasião, na mesma sala, a velhinha nos trouxe uma fruta congelada, da qual ela também se serviu, como um sorvete. Tinha uma bela cor amarela, era pastosa e de sabor delicado. Ela disse que era "sapote", como estava escrito na etiqueta, com a indicação de origem, Califórnia.

Os quartos eram magníficos, autênticos apartamentos, com uma sala ampla, um imenso quarto de dormir, banheiro e vários vestíbulos. A cama era um exagero: larguíssima, com soberbos cobertores de seda vermelha, finamente decorados à oriental. A sala tinha uma escrivaninha e uma estante repleta. Os muitos livros eram impressos em várias línguas: inglês, espanhol, francês, japonês. Na maior parte, tratados tediosíssimos do presidente-soberano-deus Kim Il Sung ou de seu filho, o herdeiro sucessor Kim Jong Il.

O Cozinheiro me telefonou do outro apartamento, todo excitado, e me disse que ligasse a tevê. Foi o que fiz, enquanto me servia de uma das bebidas da geladeira: a televisão transmitia imagens de guerra com cantos épicos ao fundo, legendas do tipo karaokê, e paradas militares com comentários ameaçadores e retumbantes. No outro canal, um espetáculo de teatro que pretendia ser cômico, com atores todos fardados. Durante todos os dias de permanência na capital, o tom dos programas não mudaria, exceto por um breve noticiário-relâmpago, rigorosamente centrado em notícias internas.

O telefone tocou mais uma vez. Era Mr. Om, que nos esperava para o almoço. Respondi que não precisava, que eu tinha comido demais no avião. Ele nos fez entender com elegância, mas decidido, que a recusa era impossível, porque "o programa" era sagrado e não podia ser discutido.
Mais tarde entendemos que o programa era feito por outros, e cabia a ele zelar pelo seu cumprimento. Como bom ex-oficial, deduzi que se tratava de um procedimento militar. O almoço seria o primeiro de uma longa e interminável série. Três vezes ao dia, durante toda nossa estada, nos seriam servidas iguarias e especialidades não só coreanas, mas de todo o mundo, em quantidades industriais. De qualquer modo, o momento das refeições era sempre agradável, e
Mr. Om dava o melhor de si, exibindo toda sua arte diplomática e contando historietas, "funny stories", muito divertidas, das quais se orgulhava bastante.

O programa da tarde previa as mulheres no quarto e nós com Mr. Om. O destino, outra surpresa. Fomos para o outro lado da cidade, onde visitamos uma grande clínica de salas amplas e espaçosas, completamente deserta a não ser pela equipe médica, com aparelhos de todo tipo, moderníssimos. Mr. Om nos explicou que devíamos nos submeter a alguns exames médicos, "para evitar que pudéssemos ter problemas". Passamos por um check-up completo: radiografias, eletrocardiograma, encefalograma, ltrassonografias, exames de urina e, depois de alguns rodeios, com muito tato, mas irremovíveis, nos tiraram uma boa amostra de sangue.

Primeiro, o turismo - No dia seguinte fizemos uma visita pela cidade. Foi apaixonante, apesar de institucional. Confirmando as primeiras impressões, tratava-se de uma verdadeira megalópole: imensos edifícios e monumentos de dimensões impensáveis, com toda a pompa oriental. Mr. Om nos explicou que a cidade foi completamente destruída durante a guerra. Somente algumas dezenas de construções resistiram à catástrofe: duas lindas portas antigas com o típico telhado em forma de pagode, alguns palácios e uma esplanada às margens do rio. Disse-nos que em Pyongyang caíram sete bombas por metro quadrado, um recorde absoluto, até hoje não superado. Depois houve um esforço imenso de reconstrução, com evidentes propósitos de propaganda. Imaginem a visão de imensas estradas projetadas para um tráfego futuro, ainda distante no tempo, margeadas por arranha-céus futurísticos como os de São Paulo, no Brasil, e tudo pontuado por monumentos de três, quatro ou até dez vezes o tamanho do nosso Altar da Pátria, e com o mesmo nível de gosto estético.

O verde não falta, concentrado especialmente à beira dos cursos d'água que correm pela cidade, lentos e muito largos, mas também nos parques de diversão colossais e decrépitos, demonstração sei lá de quê. O estádio, uma jóia da engenharia esportiva, tem as dimensões do Camp Nou de Barcelona, com 40 mil lugares ou pouco mais. Uma enorme cúpula prateada que domina a cidade. As grandes inscrições vermelhas são o arremate que torna homogênea essa mistura de estilos ao mesmo tempo imperial e capitalista. A mais frequente era "Kim Il Sung Tonjgi Manse", que equivaleria mais ou menos a "Vivas - ou vida longa e glória - ao camarada Kim Il Sung".

Percebemos melhor a grandiosidade da cidade do alto da Torre Idea Juche,
80 metros de concreto armado com um elevador veloz, sobre uma leve elevação. A torre é amplamente circundada de jardins e jatos d'água paralelos ao curso do rio, e um colossal monumento em bronze reluzente com o emblema do comunismo coreano, foice, martelo e pincel - que no Oriente se usa para escrever e é símbolo dos intelectuais. Um lugar esplêndido.

Raramente vi reunidos de modo tão harmônico e cenográfico monumentos de gosto tão duvidoso. Longe, na outra margem do rio, a outra parte da cidade, com a grande biblioteca em primeiro plano: quatro andares com cerca de mil metros quadrados de salas de leitura e bancos individuais, além de volumes e discos do mundo inteiro. Tinha até Oh! Sole mio, que gentilmente desencavaram para nós. Mas o abafamento naquele dia era total e uma capa cinzenta oprimia essa imensa demonstração de potência. A única nota de fato colorida eram as crianças, perfeitamente enquadradas nos uniformes - camisa branca, saia ou calça azul e lenço vermelho. Centenas de pelotões em fila, visíveis sobretudo quando atravessavam as pontes: uma interminável faixa branca. Outra nota agradável era a frota de barquinhos com casais e amigos nos rios, e os muitos jogadores de xadrez chinês nos parques. Debaixo dos prédios futurísticos se entreviam aqui e ali, amarradas a uma árvore, cabras para o leite, umas galinhas e muitas patas, para os ovos. Apesar das aparências, mesmo dentro da cidade permanecia uma economia de subsistência.

A um exame mais atento, muitos muros e recintos das estruturas civis - não os monumentos, sempre impecáveis - estavam num estado periclitante, para dizer pouco. Frequentemente faltavam vidros, e a iluminação ao entardecer era tão fraca nos apartamentos que mais parecia vela de morto, e não lâmpada. Tudo isso, unido a um tráfego rarefeito, com poucos Trabant e moderníssimos carros de alta cilindrada, todos de vidros escuros, conferiam à metrópole um ar bem lúgubre, especialmente à noite. A visita ao metrô confirmou essa atmosfera tétrica. Ele se aprofundava por quase 100 metros abaixo da terra, e a escada rolante mais parecia uma descida ao Hades, escandida por estranhos lamentos provenientes de estrídulos alto-falantes que, pelo tom, executavam hinos à glória e à magnificência d'Ele. Ao final da descida eram bem visíveis, através de fendas nos muros laterais, espessas portas de aço antirradiação, que, se necessário, poderiam transformar os túneis em refúgios antinucleares. Estava explicada a excessiva profundidade: o uso de guerra era o mais importante. Trata-se de um povo que vive assediado pela contínua espera de um ataque, nos confirmou Mr. Om.

Todos indistintamente - bonitos, feios, velhos e jovens, homens e mulheres, no trabalho ou no lazer -, todos os habitantes da Coréia do Norte, em qualquer circunstância, levavam rigorosamente à esquerda, sobre o coração, um broche com o rosto do "Grande Líder". Numa manhã nos levaram em visita à chamada "Exposição", cerca de dez pavilhões imensos, guarnecidos de toda demonstração possível da suposta potência industrial norte-coreana. Uma espécie de feira permanente. O mais divertido eram as várias estrelinhas que indicavam o ponto exato em que o Grande Líder parara no dia tal para dizer tal frase aos operários.

No centro urbano, perto dos hotéis e dos grandes magazines, sempre presentes e razoavelmente fornidos, se encontravam pessoas muito bem-vestidas, provavelmente militares, diplomatas e familiares, ou estrangeiros - muitos chineses, menos russos. Basta sair do centro e da cidade para topar, em qualquer canto, com pessoas paradas e sentadas "no ar", na posição típica, os joelhos dobrados, como quando se flexionam as pernas, na fase inclinada. Esperavam não sei o quê, desde não sei quando, e não se sabe por mais quanto tempo. Uns esperavam que suas roupas secassem, outros, diante de velhos caminhões suspensos por colunas de pedra, talvez esperassem que os companheiros, saídos horas antes, voltassem com o pneu recauchutado.

Outros ainda, como descobri depois, estavam empenhados no corte da grama. Eu tinha notado o aspecto descuidado dos prados para além do nosso reino da fantasia, onde ao contrário eram perfeitos, e não conseguia achar uma razão para isso. Mas logo ficou claro: o corte da grama empregava centenas de operários. Eles a recolhiam folha por folha em sacos específicos. Como se sabe, o "pleno emprego" se obtém com uma certa dose de imaginação. Para outras pessoas, encontradas nos dias seguintes em pleno campo, à noite, dormindo estendidas nas estradas, muitas vezes obrigando o carro a perigosas manobras, ou em meio à densidade dos bosques, imóveis, ou dentro de um túnel viário friíssimo, velhos com netos em meio a campinas desertas, abraçados, distantes de tudo, assim como para outras dezenas de imagens inesquecíveis e indeléveis na memória, ainda não tenho uma resposta.

Depois da habitual comilança, só para recitar meu papel, disse a Mr. Om que estava cansado de ficar na gaiola e que queria ver locais públicos, ir dançar. Tinha intuído a ausência desses estabelecimentos no país, mas queria ouvir isso dele. No entanto, ele me pegou no contrapé, e o constrangimento foi meu. Depois de um instante de hesitação, admitiu a inexistência de locais como os nossos, mas disse que mesmo assim nos preparássemos para a dança. Por volta das oito da noite, todos produzidos, ele nos levou ao centro da metrópole. Depois de superarmos uns dois postos de controle, nos fez subir, pelos fundos, uma escadaria. Além do corredor uma visão direta sobre a história se escancarou na minha frente: era a grande praça das manifestações e dos desfiles militares. Um espetáculo de tirar o fôlego. A praça era interminável, quadrada, em frente ao rio. Na outra margem, ao longe, a Torre Idea Juche com o "fogo do conhecimento", um grande lampião vermelho em forma de chama, que tremulava no alto. Nas laterais da praça, austeros edifícios estilo império, os imensos rostos de praxe sobre os edifícios à esquerda. À direita, Marx e Lênin, e uma gigantesca avenida cortava a praça ao meio, permitindo quando necessário as paradas militares. Obra-prima de arte patriótica em perfeito funcionamento, seu efeito sobre nós foi hipnótico. No centro haviam instalado um grande palco com uma placa indicando os "hosanas" da ocasião, a banda e o coro. Era o aniversário de alguma vitória. Ao redor, em blocos perfeitamente quadrados, cada qual constituído de umas 300 ou 400 pessoas, a população de Pyongyang convocada oficialmente para o baile. Mr. Om calculou cerca de 30 mil pessoas. A um sinal do mestre de cerimônias pelo alto-falante, o burburinho cessou de imediato, e um religioso silêncio seguiu a comemoração da festa. Depois começou a dança.

A princípio os blocos formaram círculos e em seguida se abriram em estrela. Então Mr. Om nos convidou a nos misturarmos à multidão. Agradavelmente surpresos pela permissão, aceitamos entusiasmados. Fomos acolhidos com naturalidade. Fizemos círculos de mãos dadas com o povo em festa e nos divertimos muito, se bem que eles, brincando, nos reprovassem porque errávamos todos os passos. Uma noite inesquecível e única, histórica em todos os sentidos. Enquanto isso Mr. Om filmava tudo do alto com a câmera do Cozinheiro. A ordem era "dê diversão a eles" e, como bom soldado, Om se saiu perfeitamente. Ao voltar para a "cela", estávamos eufóricos. Marilu repetia sem parar: "Crazy for Corea, Crazy for Corea." Tinham nos conquistado.

Ao trabalho - Já tínhamos tomado gosto pela vida de turistas quando numa manhã, de repente, às seis, um telefonema nos tirou da cama. Era Mr. Om: "Café da manhã daqui a uma hora, preparem logo suas malas, mas com poucas roupas, estaremos fora só por uns dias, numa localidade de praia."

As imagens que vimos durante o longo trecho de mais de 200 quilômetros, sem parada, deviam comprometer seriamente o blefe. O campo vive num estado de atraso que chega a ser fascinante para meu gosto histórico. Das máquinas que estavam na Exposição, elas mesmas já bastante datadas, nem sinal. Carros puxados por bois ou cavalos, todos rigorosamente de madeira, inclusive as rodas do período "neolítico", bamboleantes. Plantações extensivas, construções muito pobres e rústicas ao lado de novas casinhas, um pouco mais dignas. Mas o mais incrível era a grande massa de gente ao relento, espalhada por todo lado.

Um outro carrão da Company, de vidros escuros, nos esperava. "Mr. Pah?", perguntamos excitados ao novo interlocutor. Tratava-se de um certo Chan. Quanto mais o tempo passava, mais Mr. Pah se tornava um mito. Chan nos guiou pela cidade até nossa base, praticamente inacessível. Tudo em volta era um imenso parque, com laguinhos e plantas exuberantes, depois uma ponte com uma primeira barreira e sentinelas. Ao fundo da alameda, uma segunda cancela com homens armados. Logo depois, um terceiro portão muito mais protegido, com armas mais pesadas. Entramos então no condomínio encantado. Lembrava os balneários turísticos do Adriático: belas casas para duas famílias num ameno bosque de pinheiros. Antes da praia, outra cancela, com um altíssimo paredão e guaritas. Finalmente, após a última cancela, mais leve, de rede metálica e um só homem armado, o lugar que nos esperava.

À direita o mar, uma linda praia branco-cinza, tão bem alisada que parecia cimento; à esquerda, ao pé de uma colina, um parque com lago repleto de lótus; ao fundo, como um anfiteatro sobre as encostas, edifícios postos em semicírculo. Primeiro, o centro com as cozinhas no térreo e, em cima, um pavilhão muito comprido de dois andares interditados, para nós evidentemente proibidos, e mais à esquerda três casas. As cozinhas, equipadíssimas, estavam em cada uma das construções: uma verdadeira obsessão pela comida. Mais adiante, outro muro altíssimo e um portão que nunca atravessaríamos. Mais à esquerda ainda, perto da entrada e à beira-mar, dentro de um enésimo recinto murado, a guarnição dos militares.

O primeiro contato com os rapazes da cozinha foi amistoso e natural. É incrível o entendimento imediato que se estabelece entre pessoas do mesmo ramo, em qualquer parte do mundo: o trabalho não tem fronteiras. Meus três alunos eram: Mr. Li, especialista em confeitaria e panificação internacional, gordo, meio taciturno, mas muito simpático. Inglês, zero. Mr. Chang, mais velho, mas com modos e tons cândidos de adolescente, falava um inglês adorável, em rompantes, com uma pronúncia que de início era quase indecifrável. De fato, os orientais pronunciam o "v" como "b" e o "f" como "p": portanto, "muito bela esposa" era, por exemplo, "beri biutipul uaipe". Depois chegou Mr. Kim, um rapaz jovem, mas de olhar mais esperto. As cozinhas tinham tudo e eram amplas, muito limpas e bem mantidas, azulejos até o teto. Minha pizzaria ficava num setor à parte: toda equipada e já funcionando, com materiais recém-chegados da Itália. Pediram-me gentilmente que preparasse logo uma pizza. Expliquei que não era possível, porque minha massa requer 24 horas de fermentação. Disseram-me que, de um profissional da minha fama, eles esperavam outra coisa. Concederam-me quatro horas.

Por sorte, eu tinha trazido fermento natural, pensado especialmente para um imprevisto desse tipo, e consegui panificar. A massa estava perfeita, mas não sei se foi uma sorte. Enquanto a preparava, meus alunos, caneta e bloco nas mãos, anotaram cada mínimo detalhe; os outros, uma dezena, os da cozinha, todos ao redor, concentrados. Pediram-me até que contasse as azeitonas e a distância entre elas, não sei se por brincadeira, mas parecia sério. Uma das pizzas, cuidadosamente escolhida por Mr. Om, de salaminho, foi levada para fora da cozinha. Poucos minutos depois, fui convocado a uma espécie de tribunal. O mais velho dos três, carregado de ouro, Rolex, charuto entre os dedos e olhar desencantado, muito semelhante a um Humphrey Bogart oriental, após alguns minutos tensos me sorriu benévolo e me fez o maior elogio de minha carreira: "Para fazer uma massa como esta é preciso ser uma pessoa muito sofisticada." Estendeu a mão e se apresentou: Mr. Pah! Sim, finalmente era ele!

Do bom e do melhor - Os dias seguintes foram tranquilos, de uma consoladora rotina. Durante o dia, eu não devia preparar mais que dez ou vinte pizzas, o que me ocupava por cerca de duas horas, enquanto meus alunos anotavam tudo obsessivamente, até os detalhes mais ridículos, como a distância entre as azeitonas, e aos poucos se incumbiam cada vez mais do meu trabalho, ruminando minhas técnicas numa velocidade impressionante. Na capacidade de aprendizado daqueles rapazes se lia o segredo do milagre econômico do Extremo Oriente, dos tigres orientais. Disseram-me que eram todos militares. O menor era tenente. Confirmei também a absoluta adesão ao projeto comunista: me explicaram que, para eles, o dinheiro, mais parecido com cédulas de Banco Imobiliário do que dinheiro de verdade, é absolutamente supérfluo. O Estado dá tudo por lei: casa, roupas, alimentos, automóvel e até cigarros. O pouco dinheiro, em média uns 200 euros ao mês, segundo eles - mas o câmbio é fictício -, serve para os caprichos. O conceito é bom, pena que não se consiga aplicá-lo a todos. No entanto, durante minha permanência ali, absolutamente ninguém deixou escapar, nem de passagem, escondido, uma nesga que fosse, o mínimo sinal de descontentamento, e não só entre o pessoal da base que, bem remediado, obviamente não tem motivo de queixa, mas menos ainda entre as pessoas que eu encontraria em seguida nas poucas escapadas com Mr. Om, e com as quais pude conversar.

O Cozinheiro estava exaltado diante de tanta opulência de meios. Pediu-me que completasse uma lista de ingredientes e coisas a serem importadas da Itália, uma encomenda de vários milhões, que chegaram pontualmente em poucos dias. Mr. Pah inclusive teve a idéia, vendo um dia um folder entre meu material, de comprar um forno a lenha pré-fabricado. Dentre os modelos disponíveis, escolheu o mais caro, me fez telefonar e encomendá-lo imediatamente, depois de ter-me pedido que construísse um. Só o fechamento da empresa por férias coletivas evitou aquele enésimo desperdício. Além disso, de vez em quando surgia uma espécie de entregador vindo de todos os cantos do mundo. Topei com ele em duas ocasiões, enquanto desencaixotava dois volumes enormes: um com os melhores queijos franceses, de vinte tipos diversos, e um com vinhos, sempre franceses. Fui me queixar e, três dias depois, fresco da Itália, chegou o Barolo.

Ele, em pessoa - Mr. Om me disse que nos preparássemos, porque no dia seguinte cozinharíamos no mar, em um barco. Manifestei-lhe minha perplexidade, que ele atalhou imediatamente com o sorriso habitual e um lapidar "Don't worry, Ermanno". No dia seguinte um iate com ampla cabine e a indefectível cozinha estava à nossa disposição, minha e do Cozinheiro, exclusivamente como táxi. Li a marca: "Capri, Miami-Florida", mistérios da política internacional. Por uma meia hora voamos feito uma flecha, sempre ao som das dolorosas músicas coreanas, em meio a centenas de ilhas e ilhotas que formam o arquipélago em frente à base. Finalmente surgiu diante de nós uma espécie de parque de diversões móvel e flutuante, ancorado a cada dia em pontos diferentes. Era formado por dois toboáguas, que terminavam numa piscina. Nem Fellini teria imaginado tanto. A cerca de 900 metros estava ancorado um ferryboat de serviços cujo coração, nem é preciso dizer, era uma cozinha perfeitamente equipada, com enormes vidraças sobre o mar, onde trabalhar era um prazer. Sobre uma grande ponte flutuante e articulada à embarcação - nem pude crer em meus olhos - tinham transferido a pizzaria inteira, com todo o necessário. Bastava pôr mãos à obra.

A certa altura, depois de ter feito as pizzas e antes do grande banquete, houve muita agitação e me arrastaram à força para beber uma cerveja num confortável salão. Eu não entendia. Meu colega, menos flexível que eu, não quis saber disso, até porque estava concentrado numa complicada preparação. Ficou furioso com seus alunos, que o empurravam para fora, desconfiou de algo e quis ficar ali de qualquer jeito. Suas suspeitas se confirmaram: levantou os olhos e, para além do vidro escuro, enquanto desembarcava do iate e da ponte ia pela passarela que levava diretamente à luxuosa suíte de cima, O viu: era Ele, o homem dos murais, o sucessor do criador da Juche Idea, o Grande Líder, com o habitual cortejo, a corte. Pôde reconhecê-lo pela cabeleira única, não só famosa na Coréia, mas em todo o mundo. Confessou-me que se sentiu como se tivesse visto Deus. Até hoje o invejo por isso.

Nossos dias na base transcorreram de modo cada vez menos tenso. Depois de um tempo nos habituamos às várias armas e até as sentinelas nos respondiam, com grandes sorrisos escondidos, às nossas joviais saudações. Eu continuava cuidando de minha pizzaria: de manhã, na sede, e à tarde, se o tempo permitisse, no iate, aonde chegava sempre a bordo do "meu" táxi particular. Já o Cozinheiro na maioria das vezes se transferia, com armas e bagagens, para preparar o jantar em uma das trinta casas do condomínio. As mulheres gozavam de um balneário só para elas, onde encontraram duas garotas só uma vez; mas, por outro lado, o local era vigiado por numerosos serventes que deixavam a areia "brilhando" e impediam com gritos muito explícitos que elas se aventurassem em águas proibidas ou em áreas reservadas.

A volta - Certa manhã, Mr. Li não parava de repetir estranhas frases. Kun-gan-san, ahhh! E se jogava de costas e ria. No almoço entendi por quê. Tinham decidido que faríamos um passeio de dois dias no mágico monte de Kungansan, como me confirmou Mr. Om. O habitual piquenique, e depois a caminhada. O monte era lindo, mas muito semelhante aos nossos. Interessantes eram as inscrições nas paredes rochosas, algumas de caracteres enormes, visíveis a longa distância. A grafia pitoresca dos coreanos dava um toque artístico ao conjunto. Aqui e ali se viam turistas chineses e algumas bancas de suvenires, embriões de uma economia de mercado. Com 5 dólares por casal foi até possível dar uma volta de barco num lago verde-esmeralda, lá no cume, onde por incrível que pareça havia dois barqueiros autônomos.

O jantar foi outro fato interessante. Levamos nossas próprias provisões a uma espécie de restaurante onde justamente colocavam a estrutura à disposição do freguês e era possível consumir as próprias coisas. O serviço, alguns talheres, pratos e copos ficavam por conta deles. Era um belo local à beira de um lago; pena que a certa altura tenha havido um apagão total e não se viu mais nada. Quando fomos para o hotel, Mr. Om, encorajado pelo Rémy Martin, se esqueceu da mulher distante em Pyongyang e acompanhou até a casa a simpática guia alpina, uma jovem muito afável.

Após mais de vinte dias naquele ritmo de "trabalho duro", as duas semanas combinadas tinham obviamente vencido, mas ninguém falava em voltar. Evidentemente nossa obra era apreciada. Confirmei a impressão pelas polpudas gorjetas, certa vez 1 mil ienes numa única cédula, e cerca de 120 dólares numa outra ocasião patética. Uma noite, por volta da uma da manhã, bateram à porta. Embaixo me esperava Mr. Pah, sério como nunca o tinha visto, e ele me disse que sabia que para mim talvez fosse uma afronta, mas que eu não me ofendesse: seus hóspedes, entusiastas da pizza, pediam-me que aceitasse uma pequena colaboração coletiva. Deu-me então um rolo de notas americanas. Tinha sido o dia da pizza de salaminho.

Finalmente, durante um almoço, conhecemos um novo amigo, um cozinheiro recém-chegado de Karachi, Paquistão. Agora é a vez dele, pensamos, mas não nos disseram explicitamente nada sobre nossa partida. Entendi que a temporada tinha acabado quando um dos rapazes, já meu chapa, me pediu uma camisa de manhã e fez gravar nela meu nome, Pyongyang e a data, em belos caracteres vermelhos, finamente bordados com fios de seda. Entregou-me a malha apertando minha mão com força, mas não disse nada. A confirmação chegou de repente no fim da tarde: partiríamos naquela noite. Era o último golpe de Mr. Pah, sua assinatura inconfundível, genial, que assim se despediria de nós, sem o fazer pessoalmente.

Como se não bastasse nos terem impressionado tanto, a última noite em Pyongyang não podia deixar de ser clamorosa. Várias vezes tínhamos entrevisto uma grande construção com uma placa em inglês: Bowling. Imaginávamos que fosse um dos tantos locais decrépitos da Coréia e desafiamos Mr. Om a nos levar ali. Depois de longa insistência, ele concordou com o habitual sorrisinho matreiro. Mais uma vez o constrangimento seria nosso. Entramos na mais grandiosa e moderna sala de boliche jamais vista, com vinte pistas, espelhos e luzes por todo lado, novinha em folha, em perfeito estado. A princípio pensamos que se tratasse de uma exibição para turistas, mas fomos desmentidos. Era frequentada por coreanos que jogavam, aliás, melhor do que a gente.

Quase por magia, na manhã seguinte nossos passaportes reapareceram na limusine de onde haviam sumido. Esnobamos a alfândega e, sem check-in, esperamos no salão de honra nossa vez de embarcar, ao lado de generalões carregados de medalhas. Om estava taciturno e insolitamente frio; agora a missão estava cumprida, e ele já se transportara de corpo e alma para outras paragens. Nem nosso coro de estádio, que improvisamos da janela do ônibus, conseguiu abalá-lo.

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Um comentário:

Juliano Mattos disse...

Orwell é sem dúvida a minha maior influência literária ao lado de Chomsky e talvez Kafka.

1984 e Homenagem à Catalunha são os meus dois livros favoritos, bem à frente dos demais.

O que mais admiro em Orwell é a sua honestidade e sinceridade. As descrições da Guerra Civil Espanhola são comoventes porque ele até consegue ter algum afeto mesmo pelos inimigos.

Já li alguns livros mais de uma vez, mas esses dois foram os únicos que já li 4 ou 5.