segunda-feira, 22 de março de 2010

( * ) Barbarism Begins At Home



Por Adelvan Kenobi

Conheci o diretor Michael Hanneke com “Violência gratuita” (1), um impressionante e assustador exercício de ... violência gratuita. No filme, dois rapazes, quase garotos, invadem a casa de um casal de classe media com o único objetivo de violentá-los e torturá-los da forma mais cruel possível. Assim, sem mais nem menos, sem nenhuma explicação. Por puro sadismo. O diretor já me impressionou logo de cara, na abertura, com uma cena idílica do casal voltando tranquilamente ao lar de carro ao som ensurdecedor de John Zorn (jazzista maluco aficcionado em grindcore quer era fã do Napalm Death e já gravou com o baterista Mick Harris) – por sinal estou atrás da versão original, pois a que vi foi a refilmagem de 2007, muito embora não deva haver muita diferença já que, ao que me consta, ele refilmou tudo na mesma ordem, quadro a quadro. Instigado e ainda contando na cidade com o maravilhoso acervo da (infelizmente) finada Super Vídeo Locadora, de Ivan Valença, assisti outro filme bastante comentado dele, Cachê (2). A violência neste caso é mais sugerida, psicológica, mas não menos sufocante – é a história de outro casal de classe media (ele parece odiar casais de classe media) atormentado por imagens de vídeo que chegam misteriosamente às mãos deles revelando que alguém os está vigiando. Muito bom.

Este ano Hanneke ganhou a palma de ouro de Cannes com sua nova obra, “A Fita Branca”, e, como não poderia deixar de ser, nós, aficcionados pela sétima arte, tivemos a oportunidade de vê-lo na tela gande em Aracaju graças ao excelente trabalho do produtor Roberto Nunes na última Sessão Notívagos, que aconteceu no sábado, 20/03/2010. Trata-se de mais um exercício estilístico com base na violência – no caso, as sementes da maior barbárie já cometida em toda a História da humanidade, a ascenção do nazismo e todas as suas conseqüências. Nunca a origem do mal foi mostrada de forma tão sutil e assustadora. A banda The Smiths tem uma música chamada “Barbarism begins at home” (O barbarismo começa em casa), e é exatamente isto que vemos no decorrer da projeção. Crime – ou melhor, o que a visão canhesta e insuportavelmente conservadora dos habitantes de um vilarejo alemão às vésperas da eclosão da primeira guerra mundial chamam de crime (se masturbar, por exemplo, é um deles) – e castigo. Muitos, e cruéis, castigos. A brutalidade impera, a lei do mais forte é a regra. O Barão, o homem mais rico da região e que emprega quase todos, manda em todo mundo, da mesma forma que os homens falam e as mulheres e as crianças obedecem, e assim vai se formando um caldo de cultura que deu no que todo mundo já sabe, mas que muitos ainda hoje insistem em ignorar. É a gestação de uma geração que muito em breve estaria erguendo a mão direita para o fuhrer e o apoiando incondicionalmente em sua cruzada ensandecida. Há momentos absolutamente antológicos, como o diálogo entre o médico (primeira vítima dos crimes misteriosos que começam a acontecer) e sua amante, a parteira. Merece figurar entre os mais devastadores da historia do cinema, ao lado, por exemplo, daquele em que o personagem de Christopher Walken, um mafioso de origem italiana, é provocado de forma suicida por Dennis Hopper em “Amor à queima-roupa. Tudo isso pra não falar da belíssima fotografia em preto-e-branco. Brilhante.

A noite prosseguiu, como de praxe, com dois shows ao vivo no saguão do cinema. O primeiro foi da sergipana Cabedal. Muito bom. Têm uma pegada mais (muito mais) puxada para o samba-rock, o que não é muito a minha praia, mas salta aos olhos, com uma perfomance animada e animadora, e aos ouvidos, as qualidades dos rapazes, que têm muito futuro pela frente, caso saibam administrar as adversidades que fatalmente encontrarão pelo caminho e consigam construir uma carreira neste maravilhoso e ao mesmo tempo confuso e assustador mundo da música “autoral”.

Fechando o evento com chave de ouro, o Eddie, de Pernambuco. Finalmente ! Faziam mais de 10 anos que eles não tocavam aqui, o que me parece um tanto quanto incompreensível, já que desde o lançamento de “original olinda style” a banda vem crescendo e arrebanhando um publico fiel Brasil afora – pelo menos entre os mais “antenados”, os que se interessam por música de verdade e ignoram o lixo que nos é empurrado goela abaixo diariamente pela grande mídia. A última vez que eles tocaram aqui foi num evento um tanto quanto megalomaníaco da extinta “Marginal produções”, um “Festival de Verão” no antigo “Los Gatos”, próximo ao Espaço Emmes, e que trouxe também mais duas bandas da terra do frevo e do maracatu, Kaya na Real e Faces do Subúrbio. Antes, já tinham se apresentado no Rock-se, festival seminal que aconteceu no Batistão em 1998 (com Pin ups, Marcelo D2, O Rappa, Mechanics e muitos outros), e num show meio “nada a ver” no Espaço 799 (acho que era este o nome), uma casa que ficava no meio do nada, na Coroa do Meio, por trás do farol. Lembro que o Eddie estava totalmente deslocado neste evento, cheio de moleques com camisetas pretas sedentos por rock pesado e satânico, e o então baixista “Roger man” (depois fundador do Bonsucesso Samba Clube) ficou indignado com o descaso da galera, que começava a ir embora, e deu uma pagação geral no microfone, falando que eles deveriam abrir mais a mente e parar de ouvir só rock pesado, num discurso meio sem noção interrompido pelo sempre desencanado e boa-praça Fabio Trummer, que pediu pra ele parar de viajar na maionese pra eles poderem continuar o show.

Pois bem, eis o Eddie entre nós pela quarta vez, lançando numa só noite seus três últimos discos, ‘Carnaval no inferno”, “Metropolitano” e “Original Olinda Style”. Até mesmo eu, que costumo viajar para ver shows e não perco uma edição do Abril pro rock, nunca os tinha visto ao vivo depois do “original” (uma obra-prima), que representou uma virada na carreira da banda, quando eles abandonaram um pouco suas características mais garageiras para fazer um som absolutamente suingado e original. Um rock legítima e genuinamente brasileiro. O show? Foi uma festa, apesar do som falhando e, do meio para o final da apresentação, saturado – especialmente o dos microfones. Fabio Trummer é um misto de show-man inspirado e ao mesmo tempo acanhado. Se comunica com o público o tempo inteiro, mas de forma espontânea e contida, sem nenhum arroubo de rockstar alucinado e embriagado pelo “sucesso”. E as músicas vão se sucedendo, quase todas cantadas em uníssono pela platéia, animada e participativa. Os destaques vão para as ótimas “me diga o que não foi legal”, “lealdade”, “sentado na beira do rio” e o hit “quando a maré encher”, esta ainda da fase mais pesada e guitarreira. Em “Guia de Olinda”, Trummer e Urêa, vocalista e percussionista, improvisam um diálogo hilário, como se estivessem ensinando a um sergipano o que ver na “Marim dos Caetés”. Já em “Vida Boa” eles incentivam todos a “frevar”. Até eu, que não danço, em hipótese alguma, ensaiei uns passinhos à La “Escola coisinha de Jesus”. A destacar também a atitude desencanada dos caras com relação ao download de suas músicas na internet – avisaram que tinham cópias de seus dois últimos discos para vender mas que quem não quisesse comprar poderia baixar facilmente na net, algo que a banda incentiva, chegando ao requinte de dar uma dica de um site (cujo nome eu não me lembro) onde toda a sua discografia estava disponível. Eu particularmente já me considero curado deste antigo vício de comprar discos, mas me empolguei ao ponto de fazer uma exceção e gastei vinte mirréis para completar minha coleção. Aliás, um fato curioso: os discos tinham toda a pinta de “oficiais”, lacracradinhos e com encarte e frente do CD impressos, mas me chamou a atenção o fato de não terem numeração, apesar de estar lá o indefectível selinho de “produzido na zona franca de Manaus – visite o amazonas”. Só que não dizia quem produziu, e a parte “queimada” tem aquela característica cor azulada dos CD-Rs. Estaria o Eddie pirateando seu próprio catálogo ? sinal dos tempos ...

E brincadeira, claro, afinal se o disco é deles, não há pirataria.

Enfim, foi antológico – uma noite para ficar na memória de todos os que estavam lá, abrigados da chuva e da programação insossa e fajuta de uma tal “Virada cultural” improvisada pela prefeitura, cujos responsáveis pela inexistente “política cultural” parecem achar que, em Pernambuco, só existe a Nação zumbi (eles tocam aqui praticamente todo ano, geralmente no Projeto Verão, em detrimento de outros grandes nomes como Otto e o Mundo Livre S/A, outra que faz muito tempo que não pisa os pés nesta terra supostamente amaldiçoada pelo Cacique Serigy). Supostamente, pois aos poucos o pensamento provinciano vai cedendo espaço para teimosos como Roberto Nunes, que fez questão de ressaltar, ao microfone, que este era um evento único já que, com essa característica de unir musica e arte cinematográfica madrugada adentro numa sala de cinema de um shopping Center, só acontece aqui, em Aracaju.

E em abril tem mais uma Virada Cinematográfica.

Nos vemos lá.

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(1) VIOLÊNCIA GRATUITA

Fonte: Omelete

Michael Haneke refilma quadro a quadro seu filme de 1997

por Érico Borgo em 18 de Setembro de 2008

Funny Games
Reino Unido / EUA / França , 2007 - 107
Drama / Suspense

Direção:
Michael Haneke

Roteiro:
Michael Haneke

Elenco:
Naomi Watts, Michael Pitt, Tim Roth, Brady Corbet, Boyd Gaines, Siobhan Fallon e Devon Gearhart
4 ovos

Michael Haneke (Caché) é frequentemente associado a adjetivos como "gênio" por uns. Outros o chamam de "sádico". Não há consenso sobre a obra desse cineasta alemão a não ser a certeza de que ele é polêmico.

Cineasta de filmes perturbadores, voltados a ocorrências violentas e possíveis, divide público e crítica simplesmente porque alguns acreditam que ele vá longe demais em seus retratos, que exigem certo preparo para serem acompanhados.

Violência Gratuita (Funny Games), filme que Haneke dirigiu em 1997, é um de seus trabalhos que mais divide opiniões. Esteja você em qualquer um dos lados do espectro, é impossível sair inalterado da projeção, tal a força da tensão criada pelo cineasta nesse violento drama psicológico.

No filme, dois jovens simpáticos apresentam-se a uma rica família em férias como convidados de seus vizinhos. Não tarda para que suas sádicas e verdadeiras intenções se desfraldem.

As comparações com o clássico Laranja Mecânica (A Clockwork Orange) de Stanley Kubrick são frequentes, mas um tanto exageradas. Há, sim, uma homenagem escancarada ali ao personagem Alex, de Malcolm McDowell, porém a intenção de Haneke não é copiar, mas questionar a própria platéia, que atua em Violência Gratuita como cúmplice, em uma escancarada crítica ao cinema de violência. Para fazer-se entender, Haneke dá as costas para um dos mais básicos princípios do cinema: a transparência. Trata-se da regra segundo a qual o cineasta e suas intenções como realizador devem dar um passo atrás para não quebrar a ilusão da Sétima Arte. Prova dessa ruptura são os momento em que o personagem Paul conversa diretamente com o público, trazendo-o para dentro do filme ou quando lhe convém, coloca-se à parte do filme, quase como um alter-ego do diretor, reeditando a história segundo sua lógica.

Apenas fica a dúvida das razões pelas quais Haneke ter decidido refilmar Violência Gratuita dez anos depois, em 2007, nos Estados Unidos. Não faz qualquer sentido, já que ele não mudou um quadro ou diálogo sequer, apenas os atores (Naomi Watts, Michael Pitt, Tim Roth, Brady Corbet, Boyd Gaines, Siobhan Fallon e Devon Gearhart entram no lugar - mas atuando igualzinho!). Até mesmo as locações são cópias fiéis americanas dos cenários europeus.

É possível argumentar que foi pensando em lucro, já que existe enorme resistência do público dos Estados Unidos a assistir filmes com legendas - mas, novamente, a lógica se perde quando observamos o teor do filme. É o tipo de produção restrita aos cinemas de arte e circuitos alternativos - normalmente bastante receptivo às legendas e produções estrangeiras, mas que arrecadam muito menos dinheiro nas bilheterias.

Haneke pode ser um gênio, mas essa decisão ficou mesmo é com jeito de excentricidade. De qualquer maneira, se você não assistiu ao original (disponível em DVD no Brasil), ao menos há agora a chance de sofrer no cinema com os sádicos de luvinhas brancas. Afinal, não há qualquer diferença entre assistir ao filme de 1997 ou o atual.

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(2) Caché

por Mário "Fanaticc" Abbade em 04 de Maio de 2006

Fonte: Omelete

Caché, 2005
Áustria/França/Alemanha/Itália
Drama/Suspense - 117 min

Direção: Michael Haneke
Roteiro: Michael Haneke

Elenco: Juliette Binoche, Daniel Auteuil, Maurice Bénichou, Annie Girardot, Bernard Le Coq, Walid Afkir, Daniel Duval, Nathalie Richard, Denis Podalydès, Aïssa Maïga, Caroline Baehr, Christian Benedetti, Philippe Besson, Loic Brabant

O diretor austríaco Michael Haneke tem filmado ultimamente na França e usado em seu elenco os profissionais do país. Seus filmes costumam ter como personagens a classe média atingida por algum horror. Ele é um mestre no suspense e na violência abafada, surda. Grande observador do comportamento humano em situações de crises extremas e limítrofes. Diferente dos suspenses americanos, sua tensão é provocada pelo dia-a-dia comum em que as pessoas vivem em situações cotidianas.

Em Caché (2005), a trama é sobre uma família que aparentemente não tem nenhum problema emocional ou financeiro. Georges (Daniel Auteil) e sua esposa (Juliette Binoche) começam a receber fitas de vídeo com imagens de sua casa e desenhos sinistros de alguém misterioso que parece conhecê-los muito bem. Devido ao episódio, o marido reencontra um personagem de sua infância: um argelino, que se tornou pai e vive em um lugar humilde. Este encontro irá resultar em uma tragédia que mudará para sempre sua vida e a de sua família.

O filme começa de uma forma inovadora. Os créditos iniciais são apresentados de forma contínua como se fossem digitados diretamente na tela. Há uma imagem ao fundo, que o público logo descobre ser o lar do casal. O interessante é que, em vários momentos da produção, não se sabe ao certo se a cena apresentada é do filme ou da filmagem feita pela figura misteriosa. Esse tipo de informação se mistura com flashes do passado de George e lembranças antigas. O espectador fica na dúvida se a imagem é parte da narrativa, como mais um personagem, ou foi colocada para compor a história.

Haneke, um cineasta autoral, apresenta os elementos que sempre permearam sua obra: o inevitável efeito que o passado faz no presente, a assombração, a culpa pessoal ou coletiva, a paranóia criada por uma manifestação doméstica ou externa e os indivíduos que relutam em aceitar a responsabilidade por sua própria conduta ou atos. Esses aspectos são relacionados ao medo e à culpa que qualquer ser humano possa vir a desenvolver durante a sua existência. Ele tem uma visão sombria, ambígua e cínica do mundo e isso é refletido em seus filmes.

Um outro lado abordado pelo diretor é a relação entre o povo argelino e o francês. Eles têm uma história tensa, pois a Argélia foi colônia da França. A independência aconteceu há apenas 40 anos. Podemos notar a mesma relação entre os personagens, como também a relação entre o primeiro e terceiro mundo. O filme é, na verdade, uma alegoria política das relações inter-raciais. O mais desenvolvido não se preocupa com o mais necessitado. Só vê e acredita nas suas próprias necessidades.

Durante o desenvolvimento do roteiro, além dos aspectos externos que trazem desequilíbrio à família, os próprios envolvidos criam situações que desestabilizam suas vidas. A desconfiança é plantada no seio familiar, em todas as relações que há nele. Isso faz o público não ter pena dos indivíduos, pois na verdade ninguém é mostrado como santo. Ao que parece, a perfeita harmonia existente na família é apenas superficial, bastando um elemento catalisador para jogar tudo por terra.

Caché tem vários sentidos, alguns literais e outros metafísicos. A câmera pode significar uma invasão de privacidade na vida de George, mas ao mesmo tempo pode ser um elemento que irá trazer a luz ao seu passado para sua esposa e em sua própria consciência. Uma espécie de acerto de contas, possibilitando-o a enfrentar seus próprios demônios. Tanto que a última tomada do filme é tão ambígua quanto a última cena em que George aparece. O público que precisa de um final certinho pode ficar revoltado, mas isso é o que menos importa nos filmes de Haneke. Seu principal objetivo é apontar os movimentos emocionais e não resolvê-los.

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(*) Barbarism Begins At Home

por The Smiths

Tradução:

Barbaridades Começam Em Casa

Unruly boys/Garotos desobedientes
Who will not grow up/Que não se tornarão adultos
Must be taken in hand/Devem ser pegos pela mão
Unruly girls/Garotas desobedientes
Who will not settle down/ Que não acomodarão
They must be taken in hand/ Devem ser pegas pela mão

A crack on the head/ Uma pancada na cadeça
Is what you get for not asking/ É o que você ganha por não perguntar
And a crack on the head/ E uma pancada na cadeça
Is what you get for asking/ É o que você ganha por perguntar

A crack on the head/ Uma pancada na cabeça
Is just what you get/ É só o que você ganha
Why because of who you are/ Por quê? Devido a quem você é
And a crack on the head/ E uma pancada na cabeça
Is just what you get/ É só o que você ganha
Why because of what you are/ Por quê? Devido a quê você é
A crack on the head/ Uma pancada na cabeça
Because of/ Por causa das
The things you said, or didn't say/ Coisas que você disse, ou não disse
The things you did/ Pelas coisas que você fez

Unruly boys/ Garotos desobedientes
Who will not grow up/ Que não se tornarão adultos
Must be taken in hand/ Devem ser pegos pela mão
Unruly girls/ Garotas desobedientes
Who will not grow up/ Que não se acomodarão
They must be taken in hand/ Elas devem ser pegas pela mão

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