quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

A Despedida.

por Arthuro Paganini
Sob um sol escaldante as pessoas esperavam, pacientemente, pela despedida do líder. Ao meio dia, em ponto, o caixão foi depositado sob um toldo em frente ao Palácio Olímpio Campos, antiga sede do governo do estado, hoje transformado num charmoso museu. Orações são ouvidas, antigos slogans de campanha entoados, mas nada do corpo ser conduzido até o carro dos bombeiros, como programado. O povo – eu incluso – começa a perder a paciência. Ouço rumores de que a partida havia sido adiada, para as 4 da tarde. Uma movimentação intensa de operários rearrumando as estruturas de isolamento parecia confirmar a notícia. Ligo o radio e ouço que era isso mesmo. Por decisão da família, atendendo a um pedido expresso pelo próprio governador, que havia dito à primeira dama que queria ser visto pelo povo em sua hora final. Só que eu e a maioria dos presentes, por trás do cordão de isolamento, não estávamos conseguindo ver nada! Por sorte tinha coisas a resolver no centro, então fui “cuidar na vida”, com a promessa, para mim mesmo, de voltar a tempo do último adeus.  

por Sergio de Jesus
Voltei a tempo de assistir à salva de tiros, seguida pela condução solene do ataúde ao início de sua última viagem, sob aplausos efusivos dos presentes. Os bombeiros depositam coroas de flores e uma bandeira do Flamengo por sobre o caixão e o cortejo tem início. Comoção geral. Acompanho o carro até que ele vire a esquina da Assembléia legislativa para pegar a “rua da frente”, rumo ao aeroporto – seria conduzido até Salvador, pois Aracaju não possui a estrutura necessária para a cremação. Estava quase chorando – sim, eu gostava mesmo dele – quando uma cena inusitada me faz soltar uma gargalhada: Sapulha, um dos mais notórios malucos que povoam a cena “underground” da cidade, acompanhava o cortejo na linha de frente, em meio às autoridades “engravatadas”, visivelmente constrangidas. Tentava, inclusive, empurrar, ou subir, no carro, sendo repelido de seu intento pelos soldados do corpo de bombeiros. Parecia uma cena de novela de Dias Gomes – só faltou ele gritar “VIVA ODORICO!” ou algo do tipo. Para além da comicidade involuntária, o episódio serve para ilustrar o caráter popular da cerimônia, o que está perfeitamente de acordo com o espírito do falecido. Como um amigo observou no Facebook, o próprio Deda, se tivesse presenciado a cena – de repente presenciou, de outro plano, não sei – teria esboçado um sorriso.

por Arthuro Paganini
Caráter popular que se revela, também, nas conversas que ouvi enquanto esperava e que, no meu entender, dizem algo sobre o longo caminho a ser ainda percorrido para que as pessoas se libertem das estruturas arcaicas de pensamento a que estão presas: ao meu lado uma senhora, emocionada, decreta que, tendo Deda partido, nunca mais daria seu voto a nenhum candidato. A não ser Valadares, que deu a ela uma casa para morar. “E se Valadares pedir pra senhora votar em alguém?”, alguém pergunta. “Aí eu voto”, ela responde, se contradizendo. "Pois ele vai pedir, tenha certeza". "Ah, mas em "Jaqueline" eu não voto não, de jeito nenhum". Um outro alguém, homem, aparentando ter entre 40 e 50 anos, “trepado” num poste, tripudia de quem chora pelo homem que se vai, dizendo que ele mesmo não chora por ninguém, só por Valadares, que também havia lhe dado uma casa para morar. Se toda aquela gratidão é fruto de uma política habitacional consistente, é legítima e deve ser realmente louvada. Há, no entanto, um que de "voto de cabresto” no ar, mas quem sou eu para julgar aquelas pessoas, legitimamente fiéis a quem as socorreu num momento de necessidade? Não vou transformar este artigo num tratado sociológico, até porque não tenho competência para tanto. Apenas conto, aqui, o que vi e ouvi.

por Arthuro Paganini
Ouvi também uma outra conversa que louvava valores arcaicos e que procurarei reproduzir da maneira mais fiel possível: em outro ponto da praça no qual parei para pegar uma sombra dois senhores conversavam sobre os supostos “bons tempos” de polarização radical e intransigente pré “revolução” de 1964 ...

- Hoje em dia é uma putaria, com o perdão da palavra. Um sobrinho meu, que mora em Brasília, me disse “tio, nunca entre em nenhuma briga por causa de político, porque enquanto vocês brigam aqui por um lado ou por outro, lá eles vivem abraçados, às gargalhadas. São todos amigos. Só brigam quando estão aqui.

- É verdade. No meu tempo era preto no branco. Se você era PSD, era PSD, se era UDN, era UDN. Não tinha esse “coloio” não, era cada um na sua, quando se encontrava era só pra trocar tiro.

- Verdade. Me lembro que na eleição de Lot contra Janio o povo do lado vencedor prometia mandar bala no adversário assim que a eleição terminasse, e salve-se quem puder.

por Arthuro Paganini
- Uma vez mandaram um pistoleiro matar meu pai, que era chefe político. Ele perguntou quem tinha sido o mandante e por quanto o contratou, daí ofereceu o dobro pro pistoleiro apagar quem mandou ...

- Mas isso é coisa de quem tem bala na agulha, heim, seu pai devia ser rico, então ...

- Oxe, mas era. Aqueles terrenos todos ali no (vou omitir o nome do bairro pra evitar uma possível identificação das pessoas, já que não tenho como comprovar a veracidade dos fatos narrados) eram dele, era tudo sítio, fazenda. Mas então, mandou matar e quando o matador chegou dizendo que havia feito o serviço, pediu comprovação, perguntou: “tirou foto do cabra safado sangrado?”, e não é que o peste tinha a foto mesmo? Eu vi, lembro como hoje, e olhe que eu era pequenininho, criança ainda. Aí meu pai disse “fique por aqui mesmo, num de meus sítios, até as coisas se acalmarem. Não se preocupe que ninguém vai lhe procurar aqui não”. E assim foi. Algum tempo depois eu era delegado em (omito, pelo mesmo motivo) e um cabra vem falar comigo e me pergunta se era eu mesmo o responsável pelo policiamento na cidade. Eu disse que sim e ele me diz que haviam mandado ele pra me matar, mas que não iria fazer isso não porque havia sido criado na fazenda de meu pai e que pra ele eu era como se fosse um irmão. Me perguntou inclusive se eu não queria que ele ficasse por ali, fazendo minha segurança, mas eu disse que não carecia não, que tinha três guardas sob o meu comando.

por Arthuro Paganini
- Pois é, nesse tempo as pessoas honravam a palavra, não é essa putaria de hoje em dia não.

Pois é ...

A.

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