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por Arthuro Paganini |
Sob um sol escaldante as pessoas esperavam, pacientemente,
pela despedida do líder. Ao meio dia, em ponto, o caixão foi depositado sob um
toldo em frente ao Palácio Olímpio Campos, antiga sede do governo do estado,
hoje transformado num charmoso museu. Orações são ouvidas, antigos slogans de
campanha entoados, mas nada do corpo ser conduzido até o carro dos bombeiros,
como programado. O povo – eu incluso – começa a perder a paciência. Ouço
rumores de que a partida havia sido adiada, para as 4 da tarde. Uma movimentação
intensa de operários rearrumando as estruturas de isolamento parecia confirmar a
notícia. Ligo o radio e ouço que era isso mesmo. Por decisão da família, atendendo
a um pedido expresso pelo próprio governador, que havia dito à primeira dama
que queria ser visto pelo povo em sua hora final. Só que eu e a maioria dos
presentes, por trás do cordão de isolamento, não estávamos conseguindo ver
nada! Por sorte tinha coisas a resolver no centro, então fui “cuidar na vida”,
com a promessa, para mim mesmo, de voltar a tempo do último adeus.
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por Sergio de Jesus |
Voltei a tempo de assistir à salva de tiros, seguida pela
condução solene do ataúde ao início de sua última viagem, sob aplausos efusivos
dos presentes. Os bombeiros depositam coroas de flores e uma bandeira do
Flamengo por sobre o caixão e o cortejo tem início. Comoção geral. Acompanho o
carro até que ele vire a esquina da Assembléia legislativa para pegar a “rua da
frente”, rumo ao aeroporto – seria conduzido até Salvador, pois Aracaju não
possui a estrutura necessária para a cremação. Estava quase chorando – sim, eu
gostava mesmo dele – quando uma cena inusitada me faz soltar uma gargalhada:
Sapulha, um dos mais notórios malucos que povoam a cena “underground” da
cidade, acompanhava o cortejo na linha de frente, em meio às autoridades “engravatadas”,
visivelmente constrangidas. Tentava, inclusive, empurrar, ou subir, no carro,
sendo repelido de seu intento pelos soldados do corpo de bombeiros. Parecia uma
cena de novela de Dias Gomes – só faltou ele gritar “VIVA ODORICO!” ou algo do
tipo. Para além da comicidade involuntária, o episódio serve para ilustrar o
caráter popular da cerimônia, o que está perfeitamente de acordo com o espírito
do falecido. Como um amigo observou no Facebook, o próprio Deda, se tivesse
presenciado a cena – de repente presenciou, de outro plano, não sei – teria esboçado
um sorriso.
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por Arthuro Paganini |
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Caráter popular que se revela, também, nas conversas que
ouvi enquanto esperava e que, no meu entender, dizem algo sobre o longo caminho
a ser ainda percorrido para que as pessoas se libertem das estruturas arcaicas de
pensamento a que estão presas: ao meu lado uma senhora, emocionada, decreta
que, tendo Deda partido, nunca mais daria seu voto a nenhum candidato. A não
ser Valadares, que deu a ela uma casa para morar. “E se Valadares pedir pra
senhora votar em alguém?”, alguém pergunta. “Aí eu voto”, ela responde, se
contradizendo. "Pois ele vai pedir, tenha certeza". "Ah, mas em "Jaqueline" eu não voto não, de jeito nenhum". Um outro alguém, homem, aparentando ter entre 40 e 50 anos, “trepado”
num poste, tripudia de quem chora pelo homem que se vai, dizendo que ele mesmo
não chora por ninguém, só por Valadares, que também havia lhe dado uma casa para morar. Se toda aquela gratidão é
fruto de uma política habitacional consistente, é legítima e deve ser realmente
louvada. Há, no entanto, um que de "voto de cabresto” no ar, mas quem sou
eu para julgar aquelas pessoas, legitimamente fiéis a quem as socorreu num
momento de necessidade? Não vou transformar este artigo num tratado sociológico, até porque não tenho competência para tanto. Apenas conto, aqui, o que vi e ouvi.
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por Arthuro Paganini |
Ouvi também uma outra conversa que louvava valores arcaicos
e que procurarei reproduzir da maneira mais fiel possível: em outro ponto da
praça no qual parei para pegar uma sombra dois senhores conversavam sobre os supostos
“bons tempos” de polarização radical e intransigente pré “revolução” de 1964
...
- Hoje em dia é uma putaria, com o perdão da palavra. Um sobrinho
meu, que mora em Brasília, me disse “tio, nunca entre em nenhuma briga por
causa de político, porque enquanto vocês brigam aqui por um lado ou por outro,
lá eles vivem abraçados, às gargalhadas. São todos amigos. Só brigam quando estão
aqui.
- É verdade. No meu tempo era preto no branco. Se você era
PSD, era PSD, se era UDN, era UDN. Não tinha esse “coloio” não, era cada um na
sua, quando se encontrava era só pra trocar tiro.
- Verdade. Me lembro que na eleição de Lot contra Janio o
povo do lado vencedor prometia mandar bala no adversário assim que a eleição
terminasse, e salve-se quem puder.
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por Arthuro Paganini |
- Uma vez mandaram um pistoleiro matar meu pai, que era
chefe político. Ele perguntou quem tinha sido o mandante e por quanto o
contratou, daí ofereceu o dobro pro pistoleiro apagar quem mandou ...
- Mas isso é coisa de quem tem bala na agulha, heim, seu pai
devia ser rico, então ...
- Oxe, mas era. Aqueles terrenos todos ali no (vou omitir o
nome do bairro pra evitar uma possível identificação das pessoas, já que não
tenho como comprovar a veracidade dos fatos narrados) eram dele, era tudo sítio,
fazenda. Mas então, mandou matar e quando o matador chegou dizendo que havia
feito o serviço, pediu comprovação, perguntou: “tirou foto do cabra safado
sangrado?”, e não é que o peste tinha a foto mesmo? Eu vi, lembro como hoje, e
olhe que eu era pequenininho, criança ainda. Aí meu pai disse “fique por aqui
mesmo, num de meus sítios, até as coisas se acalmarem. Não se preocupe que
ninguém vai lhe procurar aqui não”. E assim foi. Algum tempo depois eu era
delegado em (omito, pelo mesmo motivo) e um cabra vem falar comigo e me
pergunta se era eu mesmo o responsável pelo policiamento na cidade. Eu disse
que sim e ele me diz que haviam mandado ele pra me matar, mas que não iria
fazer isso não porque havia sido criado na fazenda de meu pai e que pra ele eu
era como se fosse um irmão. Me perguntou inclusive se eu não queria que ele
ficasse por ali, fazendo minha segurança, mas eu disse que não carecia não, que
tinha três guardas sob o meu comando.
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por Arthuro Paganini |
- Pois é, nesse tempo as pessoas honravam a palavra, não é
essa putaria de hoje em dia não.
Pois é ...
A.
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