sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

2001, Odisséia revisitada

Em 1968, um filme e um livro jogaram mais lenha na fogueira de revoluções por minuto que marcou aquele ano. 45 anos depois, pouco sobrou de tantos ideais. Mas aquele filme e aquele livro sobreviveram. Para comemorar o quase meio século de espanto contínuo, a Editora Aleph lançou uma edição especial do livro em questão.

2001: Uma Odisseia no Espaço, de Arthur C. Clarke (1917-2008) , ganhou uma belíssima edição acondicionada em uma caixa adornada com o “rosto” do supercomputador HAL 9000 – um círculo vermelho com uma lâmpada no centro. Quando se retira o livro da caixa, a surpresa: ele é uma réplica perfeita do misterioso Monolito Negro que dá início à trama, com capa, contracapa e  laterais em imaculado preto fosco – e  mais nada impresso. Para completar, a edição traduzida por Fábio Fernandes tem o cuidado de incluir os dois contos do próprio Clarke nos quais livro e filme se inspiraram: A Sentinela (de 1951) e Encontro no Alvorecer (1953). O lançamento traz ainda uma nota de Clarke escrita em 1999, in memoriam para Stanley Kubrick (1928-1999, diretor do filme 2001) e dois prefácios do próprio autor. Um escrito no próprio ano de 2001 e outro da edição original. Uma verdadeira celebração.

Grandeza mítica

Em quadrinhos, por Jack kirby
Epíteto da chamada ficção científica hard – subgênero que leva a sério os detalhes técnicos e científicos, até por que o autor era formado em Matemática e Física – 2001 não foi um livro que gerou um filme. Ambos foram criados quase que simultaneamente, ao longo de parte da década de 1960, por Clarke e Kubrick.

Tudo começou em 1964, quando Kubrick, ainda quente do sucesso de  Dr. Fantástico (1964), “iniciou sua jornada em busca do proverbial ‘bom filme de ficção científica’”,  nas palavras de Clarke. Com a corrida espacial acelerada pela Guerra Fria, Kubrick não queria um filme que se tornasse obsoleto pelos fatos dos anos seguintes. “O que eu quero é um tema de grandeza mítica”, disse ele, citado por Clarke.

Depois de entrar em contato com o escritor, o cineasta recebeu do primeiro uma pilha de seus contos. Kubrick gostou daqueles dois já citados. E aí sugeriu a Clarke que, a partir daquelas ideias básicas, criasse um romance – o qual, por sua vez, seria a base para o roteiro do seu filme.

Livro versus filme


Digam o que quiserem de Kubrick, o homem não tinha pressa para criar suas obras-primas.O resultado está no livro e no filme: duas obras abertas que dificilmente encontrarão a obsolescência e seguem firmemente encravadas no imaginário popular com seus ícones.

O escritor baiano Mayrant Gallo dedicou parte de sua produção à ficção científica. Seus contos de FC estão no livro "Brancos reflexos ao longe" (Lauro de Freitas: Livro.Com, 2011) e são: "Invasores" (incluído na antologia das revistas de Nelson de Oliveira), "Todos os portais, realidades expandidas", (São Paulo:Terracota, 2012), "A nova ordem das coisas", "Gigantes" e "A paz forçada". No livro há ainda outro conto de FC, "A máquina do Dr. K", que não saiu nas revistas do Nelson de Oliveira. Abaixo, ele fala sobre 2001 em entrevista publicada no jornal A Tarde, da Bahia.

P - Tantos anos depois do próprio ano de 2001, o livro de Clarke mantém sua aura? Ou já é uma FC do pretérito, como tantas outras?

A caprichada reedição do livro
Mayrant Gallo - Creio que mantém sim. Não podemos ler os livros imaginando que nossa evolução tecnológica os superou, a não ser que sua trama se limite a apresentar o que de inovador o futuro nos prometia. Não é isso o que está no entrecho de "2001", nem no livro, nem no filme. Li o livro uma única vez e vi o filme umas cinco ou seis. Do que me lembro do livro, ele é perene e intenso; do filme, que é, sem dúvida, com "Solaris", "Sinais", "Blader runner" e "Vampiros de almas", um filme maravilhoso, cifrado, polissêmico, que a cada vez nos desperta mais interesse e nos convida a refletir e tentar decifrá-lo, como precisamos decifrar a vida. Ora, este é o sentido da arte.

P - Diferente do que muitos pensam, o filme de Kubrick e o livro de Clarke foram criados quase que simultaneamente. A diferença é que o livro, até pela sua própria natureza verbal, "explica" melhor o que no filme fica muito no ar, ao sabor da interpretação de quem assiste. Qual é o 2001 definitivo? O essencialmente imagético de Kubrick ou verborrágico de Clarke? Ou uma obra completa a outra?

MG - Se não estou enganado, e para ser exato precisaria consultar minhas leituras, romance e filme desenvolvem a ideia de um conto de Clarke. O fato de o filme ocultar muito do que o romance expõe está, a um só tempo, na natureza do cinema e no estilo de Kubric, que era, parodoxalmente, muito literário. A sci-fi tem, às vezes, o defeito de explicar demais. Todos os autores, em geral, padecem dessa falta de contenção (eu excetuaria Ray Bradbury, que sempre optava por uma narrativa mais poética, mais artística), e Kubric, com seu olhar arguto, optou por uma trama mais metafórica. Isso, no entanto, não nos faz prescindir do livro, que, em sua essência verbal, com descrições e análises de um mundo que "ainda" nos é desconhecido, nos oferece horas e horas de prazer, diversão, conhecimento e imaginação.

P - Muita gente não entendeu até hoje do que se trata 2001. É sobre a evolução humana? É sobre Deus? Sobre a pequenez do ser humano diante do infinito? Qual sua aposta?

MG - Todos estes assuntos e outros mais, pois, como em qualquer obra de arte, seu sentido está se atualizando a cada olhar e a cada época que "dirige" este ou aquele olhar. Metáforas não envelhecem, se atualizam. O maior exemplo é "Vampiros de almas" (filme e livro): o que antes parecia uma alegoria do comunismo nos sugere, hoje, a ideia de que o mundo em que vivemos, voltado para o consumo e o espetáculo, para o fútil e o perecível, nos transforma em seres falsos, triviais, sem estofo e sem sentimentos, consequentemente frios e meio embotados, quase robotizados. "2001" é um filme que, em certos momentos, toca o abstrato. E é por isso que ele é um desafio à percepção e ao entendimento das pessoas. Compreendê-lo é o de menos; antes de mais nada, importa apreciá-lo e aceitar que, no fundo e na forma, ele encerra uma reflexão profunda sobre a existência humana, sobre o que está para além de nós mesmos e de nossa compreensão. É uma metonímia da complexidade do próprio Universo, que comporta tudo: Deus, o Inexplicável e os Seres.

P - Você chegou a ler as continuações 2010, 2061 e 3001? Geralmente, elas são consideradas obras bem inferiores. Qual a sua avaliação, caso tenha lido pelo menos alguma delas?

MG - Não, não li nenhuma. Se bem me lembro, 2010 foi sugerido por um autor brasileiro, em carta a Clarke. Não gosto muito das continuações e sou muito seletivo quanto à  literatura, mesmo a sci-fi, que seria mais de entretenimento, a princípio, e talvez por isso não me interessei pelos demais livros. Tenho o "2010" há anos, mas, ao pegá-lo para ler, tenho receio de me decepcionar. Então vou ler outra obra. Ou reler "Solaris" ou "As crônicas marcianas" ou "O homem ilustrado". O filme "2010", por sua vez, não me empolgou. É como o grosso da produção de filmes de ficção científica: vemos só uma vez.

por Franchico

rock loco

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