segunda-feira, 7 de junho de 2010

Desligue o computador e vá ler um livro.



Eu amo a internet. Sou do tempo* em que nós, amantes da música, por exemplo, ficávamos na dependência de que alguma gravadora lançasse aquele disco clássico daquela banda super influente que por algum mistério insondável nunca havia sido editado no Brasil. Só depois de muito tempo ouvindo falar e lendo a respeito eu fui, finalmente, ouvir alguma coisa do Velvet Underground – e apenas porque Oliver Stone incluiu “Heroine” na trilha sonora de de seu filme “The Doors” e algum programador distraído tocou por engano (assim imagino) a faixa numa rádio comercial aqui em Aracaju. Para mim, portanto, você ligar o computador e ter à sua disposição a discografia completa do Durutti Column, do Einsturzende Neubaten, do Anal Cunt e do Laibach é pura ficção científica. Contudo, temos que admitir que, citando uma frase do historiador norte-americano Robert Darnton que acabei de ler na banca de revistas numa reportagem da Carta Capital**, “a internet tem a extensão de uma galáxia – talvez de um universo – mas a profundidade de um dedo”. “Eu sei de quase tudo um pouco e quase tudo mal”, já dizia aquele hit do Kid Abelha (nunca pensei que um dia fosse fazer um texto citando o Kid Abelha). A frase parece cair como uma luva para a geração atual formada pelo Google e pela Wikipedia, verdadeiros oráculos modernos e excelentes fontes de pesquisa e referência, mas apenas isso. Se você quer realmente se aprofundar sobre um assunto você tem que ler um livro, mas um livro de verdade, não estou falando de Harry Potter ou da saga Crepúsculo. A impressão que eu tenho é de que as pessoas estão a cada dia lendo menos, e quando eu falo de ler não estou falando das mensagens que seu amigo acabou de te passar via MSN ou Orkut. Claro que o título deste “post” não é uma convocação ao primitivismo nem um libelo pela extinção da internet, é apenas um apelo para que eu, você, nós, paremos de perder tanto tempo com distrações superficiais como redes de relacionamento (que só são interessantes até certo ponto) e nos foquemos um pouco mais no que realmente importa: a leitura como uma experiência de imersão. Mergulhar nas águas profundas do conhecimento, ao invés de ficar o tempo inteiro apenas boiando na superfície.

Abaixo, algo que andei pescando na própria rede a respeito ...

*A expressão usada aqui é irônica. Odeio essa história de “no meu tempo”, meu tempo é aqui e agora, pois eu ainda não morri.

por Adelvan

_____________________________________________________________


“ DIDEROT NÃO ESTÁ ONLINE NESTE MOMENTO” - Entre 1750 e 1772, trabalhei concentrado e quase solitariamente na elaboração de uma enciclopédia que abarcasse todo o conhecimento humano disponível na época. Como resultado, publiquei 28 volumes de ciência, arte e filosofia contra o obscurantismo. E com isso dei início a uma das profissões mais satirizadas da história humana: o vendedor de enciclopédia.

Muita gente se pergunta como consegui fazer uma Wikipédia inteira sem a colaboração da rede. Pois foi justamente a ausência de uma conexão de banda larga que me permitiu ser tão produtivo. Hoje eu nem teria passado do artigo sobre a letra A, que por sinal já é um artigo em si.

Virou um inferno trabalhar em um computador ligado à internet. Para um escritor, a rede é o paraíso das distrações. Porque você liga a máquina e não sai logo de cara trabalhando. Primeiro, você confere seus e-mails. Se, por acaso, a sua conta é do Gmail, alguém pode aparecer para um Gtalk. Depois, é inevitável ver o que está rolando no Facebook, se alguma fazendinha cresceu, se o voo para Orlando de alguém está no horário, quem são os aniversariantes do dia.

Já esquecido do que você foi fazer no computador, um aviso do Messenger pula na sua tela. Nada menos que três pessoas querem falar com você. “E ai?” “Tudo sussa?” “Boooooommm Diaaaaaa!” Você educadamente diz aos três que está ocupado e que retornará em outro horário. Mas para isso trocará uma infinidade de “beleza”, “então tá”, “bom trabalho”, “fui”.

Finalmente você está pronto para começar a produção. Nada disso. Como resistir a uma passadinha no Twitter para conferir as DMs, as menções, os trandtopics? Uma vez lá, você lerá algumas reclamações como “odeio gente imbecil”, navegará por alguns links sugeridos e saberá que alguma coisa importante aconteceu. O que fará com que você vá até um portal para entender melhor o corrido. Já bastante culpado e angustiado por não estar fazendo o que deveria, você retorna à página em branco. Mas o relógio no canto da tela e os seus olhos cansados informam que é hora de descansar, hoje não adianta mais insistir. Por isso te dou um conselho. Se você quer se concentrar nos seus objetivos, é melhor deixar de contar com a colaboração da rede e contar consigo.

Do “Blog do Diderot”

_________________________________________________________________

A QUESTÃO DOS LIVROS - Passado, presente e futuro
Robert Darnton

Fonte: Companhia das letras

O historiador norte-americano Robert Darnton decidiu reunir em um único volume seus artigos abordando a questão do livro depois de verificar que, na última década, ele havia sido convidado a um grande número de conferências sobre a suposta "morte do livro", levando-o a suspeitar que os livros, ao contrário, deviam estar muito vivos. A prova, como aponta Darnton, é que a indústria do livro está lançando em todo o mundo cerca de 1 milhão de novos títulos por ano. A despeito dessa aparente pujança, no entanto, a questão permanece intrigante. Estaria a era do livro em papel encadernado chegando perto do fim, em face dos avanços trazidos pelas tecnologias digitais?

Partindo dessa questão, Darnton discute em profundidade alguns temores reais que a nova paisagem suscita. Por exemplo, será que a iniciativa do Google de digitalizar livros de grandes bibliotecas públicas americanas sinaliza uma tendência monopolística visando apenas ao lucro? E como ficarão os interesses de editores e autores em um processo que pode facilmente assumir características predatórias, como ocorreu com a indústria fonográfica? O assunto, como se vê, é atualíssimo.

Robert Darnton confirma sua presença na FLIP - O historiador norte-americano Robert Darnton, atual diretor da Biblioteca da Universidade de Harvard, estará presente na FLIP 2010.

Atualmente, Darnton é uma das referências quando o assunto é o futuro do livro. Depois de verificar que, na última década, havia sido convidado a um grande número de conferências para falar sobre o tema, ele decidiu reunir os artigos escritos em prol da causa em A questão dos livros - passado, presente e futuro.
Esse livro se une a outros importantes títulos do autor, também publicados pela Companhia das Letras, entre eles O Iluminismo como negócio, que trata de outra mudança: a popularização da filosofia, no final do século XVII, em decorrência do longo processo de edição - nem sempre elegante, nem sempre desinteressado - da Enciclopédia de Diderot e d'Alembert.

------------------------------------


** O cheiro do saber - 06/05/2010 - O historiador Robert Darnton analisa por que a realidade digital pode tornar opaco o conhecimento acumulado durante anos nas estantes

Em 1771, o obscuro escritor iluminista Louis Sébastien Mercier publicou O Ano 2440, uma utopia futurista na qual o narrador cai no sono e acorda sete séculos depois em uma Paris harmoniosa, livre dos males do Antigo Regime. No principal capítulo do relato, visita a Biblioteca Nacional, esperando encontrar aquele templo do saber ultraorganizado e acessível, mas encontra apenas uma sala modesta, com quatro estantes. O bibliotecário lhe explica: “Descartamos tudo. Cinquenta mil dicionários, 100 mil livros de poesia, 800 mil livros de viagem e 1 bilhão de romances. Uma comissão de sábios virtuosos leu todos os livros, eliminou o que era falso e resumiu tudo em algumas verdades e preceitos morais básicos, que cabem sem dificuldade nestas quatro estantes”.

Mercier nunca defendeu o descarte de livros. Mas sua fantasia expressou um sentimento já forte no século XVIII e, na nossa época, tornado obsessão: a sensação de estar sobrecarregado de informações, impotente diante da necessidade de encontrar material relevante em meio a futilidades. A utopia de Mercier anunciava algo que hoje deixou de ser utopia: uma biblioteca sem livros. Em lugar das três estantes residuais, terminais de computador com acesso a gigantescos bancos de dados e hiperlinks de livros digitalizados, onde os leitores encontrariam o que desejassem por meio de mecanismos de busca perfeitamente afinados, segundo os algoritmos mais recentes.

Esta é uma das muitas provocações do historiador Robert Darnton em A Questão dos Livros – Passado, presente e futuro (Companhia das Letras, 231 págs., R$ 42,50), um guia apetitoso para alimentar o debate sobre o lugar dos livros no ambiente digital que se tornou uma realidade para milhares de seres humanos. Difícil encontrar uma trajetória mais apropriada para encaminhar a discussão sobre o futuro do livro nesse universo. Após uma breve carreira de repórter policial no New York Times, Darnton, que estará presente na Festa Literária Internacional de Paraty, em agosto, tornou-se professor universitário e um pesquisador dedicado ao estudo da história do livro e da leitura no século XVIII.

Darnton, de 71 anos, trabalhou por quase duas décadas com o manancial de 50 mil cartas da Societé Typographique de Neuchâtel (STN), o único arquivo completo de uma casa editorial franco-suíça do século XVIII que sobreviveu. Dessa enorme pesquisa produziu livros importantes, como Boemia Literária e Revolução, Iluminismo como Negócio e The Devil In The Holy Water – esse último, um estudo sobre a calúnia na França do século XVIII ainda não traduzido no Brasil. Foi editor na Oxford University Press e passou um ano como “acadêmico residente” (no Brasil não há nada parecido) na rede de tevê CBS. Atualmente, dirige a Biblioteca de Harvard, que se transformou nos últimos quatro anos em epicentro da discussão sobre o processo de digitalização de acervos.

“Seja qual for o futuro, ele será digital”, resume Darnton, que, contudo, não se mostra nada ansioso em trocar o reino do iluminismo esclarecido pelo alvoroço do capitalismo corporativo. Segundo ele, deve-se olhar para o futuro digital com adesão crítica, sem nunca deixar de olhar pelo espelho retrovisor. A internet, como toda inovação tecnológica, apresenta-se, ao mesmo tempo, como bênção e maldição.

Para Darnton, ela tem a largura de uma galáxia e a profundidade de um dedo. Embora útil na maioria das situações, tornou-se a maior fábrica de rumores da história, na qual afirmações falsas estabelecem sua veracidade pelo peso das infinitas repetições. A maioria dos sites faz um trabalho muito ruim ou inexistente no sentido de documentar suas fontes ou oferecer referências básicas. Todas as informações vêm com uma forte embalagem de onisciência – ou seja, toda narrativa se passa como se fosse destituída de fonte.

É com essa atitude cuidadosa que Darnton discute em todos os seus detalhes a iniciativa do Google de digitalizar o acervo de grandes bibliotecas públicas. O professor estimula iniciativas parecidas em vários países. A escala da democratização do livro é quase imbatível. No Brasil, a Brasiliana digitalizada de José Mindlin é exemplo recente do sucesso de tais empreendimentos. Mas Darnton demonstra sua insatisfação com o Google Book Searc-h formulando questões até agora irrespondíveis.

Como diretor da Biblioteca de Harvard, ele visitou várias vezes o Google. Em uma delas, perguntou à funcionária que o recepcionou como ela descreveria a hierarquia de status da corporação. “É fácil”, ela lhe retrucou. “Primeiro vêm os engenheiros, depois os advogados e, por fim, os cozinheiros.” Atrás da ironia, havia uma verdade: o Google emprega milhares de engenheiros, mas não tem um único biblió-grafo em sua equipe. Esse descaso é lamentável quando se considera a história das publicações. Nenhum exemplar isolado de um best seller do sécul-o XVIII, por exemplo, fará justiça à variedade infinita das edições. Neste caso, a edição escolhida (de forma arbitrária, pois como determinar qual a edição válida?) será a única a que o leitor terá acesso.

À decisiva questão da relevância, os engenheiros do Google respondem que planejam digitalizar muitas versões de cada livro, à medida que os exemplares forem aparecendo ao ser retirados das prateleiras, como numa linha de montagem. Mas qual versão será colocada no topo do ranking de busca? Será que o Google determinará o ranking de relevância dos livros da mesma forma que faz com todo o resto, de cremes dentais a artistas de cinema?

Será capaz de criar um algoritmo que levará em conta os padrões prescritos pelos bibliógrafos, tais como a primeira edição a ser impressa ou a que melhor corresponda à intenção expressa do autor? Além disso, antes de se revolverem os problemas da preservação digital, todos os textos nascidos “digitais” pertencem a uma espécie em risco de extinção.

Bits se degradam com o passar do tempo e documentos se perdem no ciberespaço por conta da obsolescência da mídia em que foram registrados. Empreendimentos eletrônicos vêm e vão. Bibliotecas de pesquisa, quando não destruídas por vândalos ou fascistas, duram séculos. A obsessão por desenvolver novas mídias inibiu os esforços de preservar as antigas (e o melhor sistema de preservação que já se inventou é o antiquado livro pré-moderno), já que o papel manufaturado antes do século XIX se mostrou o mais durável até agora.

Com a digitalização e a criação de redes entre grandes bibliotecas, o alcance da informação será ampliado e democratizado a uma escala nunca antes experimentada. Mas queremos realmente que um empreendimento comercial detenha o controle exclusivo de tanta informação? A maioria das bibliotecas norte-americanas oferece algum tipo de entrada livre a todo material, e o acesso a revistas é feito mediante pequenas taxas. Quem intervirá, contudo, quando a única empresa que controla o acesso resolver cobrar taxas cada vez mais altas? Como o pessoal da Google não gosta da palavra “monopólio” e Darnton, de ferir suscetibilidades, ele a define como uma “empresa hegemônica, financeiramente imbatível, tecnologicamente invencível e legalmente invulnerável, capaz de esmagar quaisquer concorrentes”. Se a definição peca pela sutileza, corrija-a o leitor.

Darnton não menciona as experiências recentes com o Kindle e o iPad, mas é muito bom ao pinçar exemplos da história do livro, de editores, de livreiros e das bibliotecas, relembrando personagens que, acima de tudo, viveram uma renitente história de amor ao livro impresso. A melhor história é a dos leitores que mantinham seus livros pessoais de lugares-comuns, os commonplace books, magistralmente analisados no ensaio Os Mistérios da Leitura. As mais surpreendentes são as daquelas pessoas que, por medo de parecerem antiquadas demais, não revelam seu amor pelos livros.

O bilionário Bill Gates confessou, em palestra recente, que prefere o material impresso às telas do computador: “Ler na tela ainda é uma experiência vastamente inferior à leitura em papel”, registrou. E confessa: “Mesmo eu, que tenho telas caríssimas e gosto de me considerar um pioneiro da vida web, prefiro imprimir qualquer coisa que ultrapasse quatro ou cinco páginas. Assim posso carregar o texto comigo e fazer anotações”. Gates diz que os livros têm até mesmo cheiros especiais. Numa sondagem de 2005, 43% dos estudantes franceses consideraram o cheiro uma das características mais importantes dos livros impressos, importante a ponto de os levar a rejeitar a compra de livros eletrônicos “inodoros”. A CaféScribe, uma editora on-line francesa, já está oferecendo aos seus clientes um adesivo que exala um cheiro agridoce de livro antigo ao ser colocado próximo ao monitor.

Não é preciso chegar a tanto, já que, segundo Darnton, o livro com páginas supera o computador em muitos quesitos. É resistente a danos, soberbo para o armazenamento e com um design prazeroso. Não precisa de upgrades, down-loads ou boots nem ser acessado, conectado a circuitos ou extraído de redes. Podemos folheá-lo, fazer anotações em suas margens, levá-lo para a cama e guardá-lo numa prateleira. Além disso, nunca enguiça. O iluminista Mercier não conheceu computadores, mas sabia disso. E de muitas outras coisas.

por Elias Thomé Saliba

Carta Capital

2 comentários:

Rodrigo Amaral disse...

Muito bom post. Esse assunto me interessa muito. Realmente, quando o mundo era mais "analógico" as experiências de aprendizado e absorção de conhecimento eram muito mais intensas, marcavam muito mais. Hoje dá impressão de que tudo sempre está escapando entre os dedos. Não tem como isso fazer bem à saúde.

Outro material bom sobre o tema são os textos de Nicholas Carr (http://www.nicholasgcarr.com/)

A Wild Garden disse...

Congratz!
Seu post só vem confirmar o que eu conto pros meus teens e kids nas intermináveis seções "senta que lá vem a História" e eles se divertem e comentam com os "tiozinhos" de plantão. Para seu alívio, my dear, eu que vivo com a new generation, eles adoram os livros! E não só no Mc Book não! Uma vez criado o hábito de leitura nos pequenos, os que hoje tem de 20 anos pra baixo me surpreendem sempre com um livro, uma revista, um download pra comentar, e dá até pra saber a idade de alguém na internet pela escrita e pelo desconhecimentos dos clássicos da literatura, isto na opinião deles próprios. Internet só aumentou, como você fundamentou aí, o alcance da literaturas, seja qual for.
Orra, fui revisar meu post e tá hiper quadrado e acadêmico.
Long live blogs!