quarta-feira, 23 de junho de 2010

Flesh + Blood ( Conquista Sangrenta )

“Cult Movie” é a denominação que geralmente se dá a filmes que tiveram pouco retorno nas bilheterias mas que sobrevivem na memória afetiva de alguns que o cultuam, seja por algum aspecto em especial que os identifica com alguma espécie de grupo em particular, seja por ter sido incompreendido em sua época e redescoberto mais tarde, caso de Blade Runner, por exemplo – fenômeno que, acredito, se repetirá com o subestimado “Watchmen”.

Nos anos 80 eu morava em Itabaiana, agreste sergipano, a 52 km de Aracaju. Para minha sorte, era uma época em que havia cinema no interior do estado, e foi lá, "na tela do Cine Santo Antônio”, que eu vi algumas das grandes pérolas cinematográfica da década. Uma das maiores foi “Conquista Sangrenta”, considerado a primeira produção americana do diretor Paul Verhoeven, apesar de ter sido rodado ainda na Europa. Adolescente “rebelde” e com os hormônios à flor da pele, fiquei totalmente chapado com aquela história de “capa e espada” totalmente fora dos padrões bem-comportados de Hollywood, ou “politicamente incorreta”, como se diz hoje em dia.

A História se passa em 1501 e gira em torno de um grupo de mercenários anárquicos e sanguinários liderado por Martin, interpretado por Rutger Hauer, que é traído pelo seu último contratante e orquestra uma vingança com conseqüências imprevisívies, já que no caminho acabam seqüestrando, involuntariamente, a noiva do filho do nobre, magnificamente vivida no auge de sua forma física e beleza por uma das grandes musas do cinema de então, Jennifer Jason Leigh. Leigh nunca foi de negar fogo (vide sua arrebatadora interpretação da prostituta Tra lala em “Last exit to Brooklin”) e está totalmente a vontade como a “assanhada” princesinha virgem literalmente “doida pra dar” e que cai nas graças do “vilão” líder do bando. Numa das melhores cenas de um filme repleto de cenas memoráveis, ela é estuprada por Martin e dá a entender que está gostando da brincadeira, ao ponto dos demais beberrões começarem a zombar de seu suposto “líder” que estaria sendo, no final das contas, ele mesmo estuprado. Com Hauer, numa química perfeita, passa a dividir cenas pra lá de calientes onde aparece por diversas vezes em deliciosos nus frontais, para nossa alegria. Um pouco demais para o padrão moral do americano comum, não ? Talvez isso, e muito mais, explique o fraco retorno da fita nas bilheterias, o que fez dela uma pequena pérola esquecida, porém sempre redescoberta graças, principalmente, a algumas exibições na TV madrugada adentro (já assisti na Globo, e surpreendentemente sem cortes). As aspas na palavra vilão lá atrás, aliás, se justificam pela absoluta falta de maniqueísmo do filme. Nele todos os personagens, sem uma única excessão, têm um caráter moralmente questionável. O jovem Arnolfini, que no início parecia o “mocinho” padrão das sessões matinais de aventura, passa a ter um comportamento cruel e obsessivo a partir do momento em que começa a empreender a caçada a sua noiva, por quem se apaixonou ao dividir com ela um pedaço de mandrágora, uma raiz que supostamente cresce logo abaixo de qualquer árvore onde alguém tenha sido enforcado – sim, meus caros, a cena mais “romântica” se passa entre dois cadáveres putrefatos pendurados logo acima da cabeça dos amantes. Já a “mocinha”, Agnes, fica visivelmente dividida entre os dois, lisonjeada pela fidelidade de seu príncipe prometido porém encantada pelo charme do soldado experiente.

Flesh+Blood (título do original em inglês) é, antes de mais nada, uma aventura escapista como outra qualquer. Mas é também uma prova viva de que não é preciso ser um débil mental para se divertir com um filme de aventura – eles podem ter como pano de fundo um rebuscado contexto histórico com muito a dizer sobre a época que retratam. Aqui, estamos em plena transição da Idade Média para a Moderna, inteligentemente representada pela luta do estudioso Steven contra as superstições e todo tipo de crendice e ignorância que imperam ao seu redor. Chegamos ao requinte de presenciar uma verdadeira “guerra bacteriológica”, quando um dos personagens usa um cão contaminado pela peste negra para desalojar os fugitivos encastelados numa fortaleza. A religião também não é poupada: entre os mercenários há um padre totalmente escroto e alucinado que ajuda Martin a liderar o bando através de supostos sinais emitidos pela estátua de um santo que eles encontram pelo caminho. Sexo, violência, escatologia, ação e aventura - tudo isso faz de “Conquista Sangrenta” um filme imperdível. Não deixe de ver – há umas edições “meia-boca” disponíveis em DVD no Brasil, mas é possível encontrá-lo com relativa facilidade e boa qualidade na rede mundial de computadores (ver links abaixo). Baixe também a trilha sonora, assinada pelo grande Basil Poledouris, o mesmo de “Conan, o Barbaro”.

Paul Verhoeven ainda faria alguns bons filmes (caso de “Robocop” e “Total Recall” (Vingador do futuro), grandes sucessos de crítica e público), mas depois se entregaria de vez ao pastiche cinematográfico e cometeria uma das maiores aberrações da história de Hollywood, “Showgirls”, que alguns consideram uma comédia involuntária – eu, particularmente, não achei a menor graça. Recuperou-se parcialmente com “Tropas Estelares”, que apesar do conteúdo fascistóide é uma boa aventura de ficção científica, e “O Homem sem sombra”, uma interessante fábula moral estrelada por Kevin Bacon. Seu maior sucesso comercial, no entanto, continua sendo “Instinto Selvagem”, que eu acho um lixo. Fique com a primeira fase do diretor, quando ainda filmava na Holanda, cuja cereja do bolo é, justamente, “Conquista Sangrenta”, uma obra de transição e, também, uma pequena obra-prima.

por Adelvan Kenobi

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FILMOGRAFIA DO DIRETOR PAUL VERHOEVEN:

* 2006 - A espiã (BR) - Black book: Livro negro (PT) (Zwartboek)
* 2000 - O homem sem sombra (BR) - O Homem Transparente (PT) (Hollow man)
* 1997 - Tropas estelares (BR) (Starship Troopers)
* 1995 - Showgirls (Showgirls)
* 1992 - Instinto selvagem (BR) - Instinto Fatal (PT) (Basic instinct)
* 1990 - O vingador do futuro (BR) - Desafio Total (PT) (Total recall)
* 1987 - Robocop, o policial do futuro (BR) - Robocop (PT) (Robocop)
* 1985 - Conquista sangrenta (BR) (Flesh & blood)
* 1983 - O Quarto Homem (BR)(PT) (De vierde man)
* 1980 - Sem controle (BR) (Spetters)
* 1979 - Voorbij, voorbij (TV)
* 1977 - Soldado de laranja (BR) O Soldado de Orange (PT) (Soldaat van oranje)
* 1975 - O amante de Kathy Tippel (BR) (Keetje Tippel)
* 1973 - Louca paixão (BR) (Turks fruit)
* 1971 - Wat zien ik?
* 1970 - De worstelaar
* 1968 - Portret van Anton Adriaan Mussert (TV)
* 1965 - Korps Mariniers, Het
* 1964 - Floris
* 1963 - Feest
* 1962 - De lifters
* 1961 - Niets bijzonders
* 1960 - Een hagedis teveel








 




 


 
 

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