segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

CHEIRO DA TERRA

Há alguns anos a maior emissora de televisão do estado, não por acaso afiliada da Rede Globo, promoveu uma votação popular para eleger a música que melhor representava a cidade de Aracaju, uma espécie de Hino informal da capital. A vencedora foi, com toda justiça, "cheiro da terra". Sempre gostei muito desta música, ela meio que povoa meu inconsciente e desperta em mim (e quero crer que em todos os sergipanos, a julgar pelo resultado da votação) um sentimento de apego às raizes, às nossas origens. Tenho certeza que, se um dia for morar longe, mas longe mesmo, como meu camarada Juliano Mattos, prestes a se mudar definitivamente para a Republica Checa, sentiria muitas saudades de Aracaju toda vez que ouvisse, mais uma vez, esta canção.

O disco que a trouxe ao mundo, "viagem cigana", de 1983, do grupo Cata Luzes, é muito bom. Um verdadeiro marco da Música Popular Brasileira feita em Sergipe. Duvida? Baixe aqui, ouça e confira por si próprio. E olha que quem fala isso não é nenhum bairrista enlouquecido ou adepto incondicional da MPB, muito pelo contrário - eu sou do rock, e vou morrer sendo. Portanto, para corroborar minhas palavras, solicito o auxílio luxuoso do jornalista Rian Santos, cujo texto, publicado originalmente em seu blog "Spleen & Charutos", reproduzo abaixo:

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A informação veio num comentário fortuito do colega Pascoal Maynard, que guarda no humor cáustico e nos cabelos brancos a bagagem que falta à molecada cheirando a mijo das redações. Este ano, o grupo Cata Luzes completa trinta anos de atividade e pretende comemorar o feito com toda a pompa que a circunstância merece. Projetos destinados a celebrar a data certamente serão enviados aos entes públicos encarregados de zelar pelo patrimônio cultural do lugar, mas enquanto a realeza de nossa música não sobe no palco, vale a pena pegar o rastro da Viagem Cigana (1983) realizada pelo conjunto na época de minhas fraldas e ficar abestalhado com a vitalidade de um trabalho tão rico que simplesmente ignora as intempéries do tempo.

É consenso entre pesquisadores e especialistas que, nos idos de 1970, a música sergipana, enquanto expressão popular massiva, simplesmente não existia. Talvez por isso, a fórmula gasta de confundir o nome de determinado artista com o desenvolvimento da linguagem em que ele se expressa faça tanto sentido no caso do Cata Luzes. O grupo foi o primeiro vencedor do Festival de Música Popular Sergipana, realizado no início dos anos 80 – marco histórico e pedra fundamental da música produzida na terrinha –, abrindo a porteira para a caralhada de bons músicos e compositores que desembocaria na diversidade criativa de nossos dias.

A justiça do julgamento ficou registrada em dois LP’s da maior importância, garimpados ainda hoje pelos colecionadores mais dedicados dos quatro cantos do mundo. Na ambição de tal posse, a singularidade da inspiração de Cláudio Miguel (voz e vioão), Valdefrê (voz e violão), José Amaral (voz e percussão) e Tonho Amaral (voz e percussão).

Viagem Cigana – Um disco histórico. Aqui, o adjetivo extrapola o ornamento e se veste com bastante justeza do significado pretendido. É bem verdade que a participação do saudoso Paulo Moura, que assina os arranjos e a direção artística do rebento, empresta alguma mineirice e distinção ao produto. A força inata das canções, contudo, supera qualquer artifício estranho à criação.

Com apenas 16 canais, o Cata Luzes conseguiu mais do que muito músico entupido de recursos, trancado num estúdio moderno, sem nenhuma idéia na cachola e meio mundo de computadores à disposição. O segredo para alcançar a felicidade do resultado parece guardado na maestria dos músicos que acompanharam o quarteto durante as gravações. Estamos mencionando gente da estirpe de Jaques Morelenbaum, Joel Nascimento e Túlio Mourão, entre outros.

Além disso, uma intenção aventureira permeia as dez faixas de Viagem Cigana, como se a música do Cata Luzes futucasse o bandoleiro ressentido, o andarilho ressabiado, o romeiro vencido por um fardo de léguas e pelos fantasmas do medo que assombram a todos nós. O mesmo medo que, numa canção do conjunto, “Assusta, assalta/ os delinqüentes/ dos vis albergues naturais”.

riansantos@jornaldodiase.com.br

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2 comentários:

Anônimo disse...

O adjetivo luxuoso nem combina com o seu amigo aqui! rsrs

A Wild Garden disse...

Muitas vezes o simples dá um show. Só que os limitados não conseguem assistir.