Eu tenho certeza que nós fizemos um país bonito, temos é que enforcar
os canalhas. Os finos e educados, temos que enforcar. Mas, olha, o que
eu digo, sempre, é muito fácil fazer uma Austrália: pega meia dúzia de
franceses, ingleses, irlandeses e italianos, joga numa ilha deserta,
eles matam os índios e fazem uma Inglaterra de segunda, porra, de
terceira, aquela merda.
O Brasil precisa aprender que aquilo é uma merda, que o Canadá é uma
merda, porque repete a Europa. É para ver que nós temos a aventura de
fazer o gênero humano novo, a mestiçagem na carne e no espírito. Mestiço
é que é bom. Minha carne na Europa nunca foi tomada por portuguesa, ou por
espanhola, ou por grega. Perguntaram se eu era persa, porque tinha muito
mais cara de árabe, que parece muito mais com cara de índio.
Essas carnes velhas nossas não são caras viáveis na Europa. Então,
nós fizemos um povo. Um povo capaz de herdar 10 mil anos de sabedoria
indígena, de adaptação ao trópico e fazer uma civilização tropical.
Depois é que o europeu chega aqui, plantando trigo. Esse povo está aí e
eu digo que somos a nova Roma. Em Roma, querem que vá falar disso,
querem que eu escreva mais artigos. E por que nova Roma? Somos a maior
massa latina. Os franceses ficaram tocando punheta, os italianos bebendo
chianti, os romenos com medo dos russos, quem saiu fodendo por aí foi
espanhol e português e fizemos uma massa de gente que é de 500 milhões.
Então, os latinos só se multiplicaram aqui. Há dois mil e quinhentos
anos saíram soldados do laço da Etrúria, falando latim, fizeram a
França, fizeram Portugal, não sabem como. Pegaram os selvagens de lá,
latinizaram e permaneceram. Como é que permaneceram em plena Península
Ibérica, com 900 anos de domínio árabe e não se arabizaram? Como é que
aguentaram todas as invasões e se mantiveram?
Nós somos melhores, porque lavados em sangue negro, em sangue índio,
melhorado, tropical. Então, no futuro, você vai ver daqui a 100 anos,
numa reunião, qualquer uma da humanidade, aquele bloco enorme de
chineses, vão sobrar chineses, mais da metade dos homens serão chineses.
Um absurdo! Vai haver quantidade de árabes, mil milhões de árabes.
Importantíssimo, serão uma nova civilização, mil milhões de árabes fiéis
à arabidade. Haverá 500 milhões de neobritânicos, haverá muitos outros.
E haverá mil milhões de latino-americanos, que somos nós, os latinos.
Só nós estamos com a cara lá, nós somos Roma.
Na reunião da humanidade, o que é importante não é a França, a
Europa. Aquilo que dizia Sartre. A Europa, aquela peninsulazinha da
Ásia, dobrada sobre a África, vai ficar reduzida ao seu tamanho. Vai
ficar no mundo, no futuro, a América Latina, e na América Latina o
Brasil, o Brasil com 300 milhões de habitantes.
Não é uma beleza? Mas querem acabar com a foda aqui, querem nos
liquidar. O que eu quero é que esse povo cresça e esse povo vai realizar
sua potencialidade. Não é possível que durante tantos séculos uma
classe dominante infiel nos queira explorar como um proletariado
externo. Isso não vai continuar, não. Eu escrevi um livro, “O Povo
Brasileiro”, que vai ajudar aos brasileiros a se assumirem com orgulho
como a nova Roma e entenderem que nós somos muito mais difíceis de fazer
do que a merdinha da Austrália. Que nós estamos nos fazendo, que nós
vamos amadurecer e é preciso vencer um dia a canalha. Eu quase venci em
1964. É claro que eu não podia vencer, com Lyndon Johnson mandando os
navios dele para cá, com o jango não querendo brigar. Mas quase
vencemos.
Somos uma Roma tardia. O seu gene tem gene Tupinambá, os que foram
mortos. É a herança dos trópicos, vai melhorar. No dia em que a economia
não seja para exportar, mas seja, como a norte-americana, para
consumir.
*Capítulo de longa entrevista concedida por Darcy Ribeiro
(1922-1997) a Antonio Callado, Antonio Houaiss, Eric Nepomuceno, Oscar
Niemeyer, Ferreira Gullar, Zelito Viana e Zuenir Ventura, mediados pelo
editor Renato Guimarães. Do livro “Mestiço É Que É Bom” (editora Revan,
1997)
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