
E moto, carro, cachorro, criança, banda de rock tocando,
pessoas passando na frente da câmera e entrevistados pouco a vontade ao serem
filmados. Assistir aos “Erros de gravação” do DVD “Fanzineiros do Século
Passado - Capítulo 2: O fanzine a serviço do rock, os fanzineiros deste século
e os estímulos para a produção impressa” nos dá uma idéia das dificuldades
passadas por Marcio Sno para concluir sua obra. E olha que é uma trilogia,
ainda falta a terceira parte ...
Nunca tive problemas com a palavra “amador”. Porra, vem de “amar”.
Amadores devem amar o que fazem, já que, justamente por não serem
profissionais, não trabalham em troca de remuneração. O problema é que
associou-se esta simpática palavra a algo feito às pressas, sem dedicação ou
esmero – “nas coxas”, pra ficar num termo mais chulo e popular. Mas não precisa
ser assim, e o filme do Sno é um grande exemplo disto. Salta aos olhos que não
foi feito por profissionais: é gritante a disparidade de qualidade entre
imagens e a

deficiência na captação de som de alguns (muitos) trechos. Isto não
o torna, no entanto, menos atraente, e muito menos menos importante. Pelo
contrário: confere ao trabalho um certo charme alternativo que se confunde com
o próprio objeto abordado, o universo dos fanzines e da chamada “imprensa
alternativa” em geral.
O capricho aparece já na apresentação do DVD, que vem
embalado por um belíssimo livreto que é, por si só, um fanzine xerocado. Ótima cópia,
por sinal. Valoriza o trabalho dos colaboradores - uma coisa que me irritava
muito nos meus tempos de correspondência era quando eu recebia um material de
qualidade com uma cópia sofrível. Na capa, Henry Jaepelt, e no miolo textos
explicativos assinados por Cecilia Fidelli e pelo próprio Sno (os não assinados
acredito que sejam dele) emoldurados por ilustrações de Marcatti, cópias de
páginas de zines diversos e tirinhas produzidas por Pedro de Luna e Maria Jaepelt.

O disco é personalizado e vem num envelope dentro do “zine”. Ao colocá-lo no
DVD player, sugiro diminuir primeiro o volume da televisão, especialmente se
você estiver vendo de madrugada com a mulher dormindo no quarto ao lado, porque
os riffs toscos do primeiro disco da Gangrena Gasosa, que servem de trilha para
o menu, explodirão nos alto-falantes. Na tela aparecerá a imagem da capa numa
reprodução nítida em fundo colorido com os itens a serem escolhidos: além do
documentário em si, os extras trazem a primeira parte do filme, o treiler e os
já citados erros de gravação – 17 minutos hilários onde se destaca a luta de
entrevistador e entrevistados contra, principalmente, o barulho dos aviões e
uma simpática dobermam que insiste em se fazer ouvir até, finalmente, dar as
caras no canto da tela ...

Um grande problema da primeira parte foi resolvido de forma
elegante por Sno: à medida que os personagens vão se manifestando, muito do que
é dito é ilustrado na tela com legendas (em fontes bonitas e legíveis) e
imagens (muito bem diagramadas). Enriqueceu muito o resultado final,
visualmente falando. Já os conceitos e tópicos abordados, por sua vez, aparecem
um tanto quanto fragmentados pela edição ágil porém excessivamente picotada, na
maior parte do tempo. Este aspecto melhora no final, quando o filme passa a
enfocar algumas experiências específicas, como a Ugra (que não se sabe bem o
que é, se uma editora, um blog ou um
fanzine, ou tudo ao mesmo tempo agora – o mais provável), o Zinescópio (este
sim, definitivamente um blog, dedicado a disponibilizar scanners de fanzines
originalmente publicados em impressos de papel) e a Livraria HQ Mix.

Personagens mais ou menos famosos e semi-anônimos desfilam
nos 60 minutos de filme falando principalmente de São Paulo (normal, lembro
que, quando eu estava “na ativa”, cerca de 60% da correspondência que recebia
vinha de lá), mas também de Londres, do Canadá, Rio de janeiro, Rio Grande do
Sul e Paraíba. O autor não viajou até lá para gravar as imagens, elas foram captadas
e enviadas por
amigos e colaboradores, o que resulta numa ligeiramente
desconfortável diferença de som e imagem que faz
você ora ver tudo nitidamente,
ora não ver quase nada, como no caso das entrevistas com Wander Wildner, BNegão
e Bacalhau do Autoramas, que foram feitas com iluminação precária no Backstage
de algum show. Além disso, terá que regular o volume da TV a todo momento - especialmente
se estiver na condição de não poder perturbar o sono de alguém, como no meu
caso.
No final das contas o saldo é pra lá de positivo e já é,
definitivamente, um marco no que se refere ao registro do que se propõe a
registrar. Não é completo porque o tema é por demais amplo e difícil de
ser avaliado por nível de importância – alguns dos personagens
retratados, por exemplo, me eram totalmente desconhecidos ou conhecia
apenas vagamente de nome, mas parecem ter atuado de forma decisiva no
cenário de um modo geral. Nem tudo chegava a mim, afinal. Não chega, nem
poderia chegar.
Mas confesso que o que mais me emocionou, de tudo, foi a
dedicatória que encerra a exibição: além da merecidíssima porém mais que esperada
citação ao grande Redson, do Cólera, são lembrados também Joacy Jamys, um
verdadeiro baluarte do cenário alternativo nacional, falecido há 5 anos, e, aí
sim, para minha surpresa, o meu grande amigo de fé, irmão e camarada Marcos OF,
do Rio de Janeiro. Surpresa
porque ele era um cara discreto que não fazia muito
alarde do que fazia e, que eu saiba, publicou apenas

duas edições de seu
simpático fanzine “Meleka Korroziva” no início da cada vez mais distante década
de 1990 do século passado. Se foi de forma abrupta e inesperada, ainda muito
jovem – tinha a minha idade, 40 e poucos anos. Fiquei muito feliz em ver que não
foi esquecido ...
A primeira tiragem do DVD, de 200 cópias, está esgotada, mas
eu imagino que se muita gente começar a pentelhar o Sno requisitando sua parte
que lhe cabe nesse minifúndio ele vai acabar cedendo e imprimindo mais algumas
unidades. Comece agora, mandando um e-mail para
marciosno@gmail.com, clicando em Márcio Sno para mandar um recado via facebbok ou acessando o blog http://marciosno.blogspot.com
Para assitir On line, clique
aqui.
por Adelvan
3 comentários:
É, cutuca o SNO, vale à pena. Imperdível!
Adelvan, muito obrigado pela divulgação desse trabalho.
Os apontamentos foram sinceros e precisos, principalmente no que se refere aos problemas técnicos, as quais tentei reduzir ao máximo, mas não deu.
Já fui taxado de ser etnocentrista por ter "privilegiado" a galera do sul e sudeste. E você apontou certamente ao comentar que todos os depoimentos que captei foram feitos em SP, afinal não tive (não tenho) grana pra viajar e realizar as gravações. As que vieram de fora, foram contribuições de amigos que registraram e me mandaram. Enfim, são aquelas coisas que temos que ficar justificando quando colocamos algo para circular.
Mas tenho plena convicção que o que eu faço é, ante de qualquer coisa, sincero.
Obrigado pelas palavras motivadoras!
Grande abraço!
É como eu disse: a esmagadora mairoria das cartas que eu recebia eram de SP, então, mesmo que você tivesse tido grana pra viajar, creio que o foco acabaria sendo maior por aí mesmo, porque afinal é onde as coisas acontecem, pois o Brasil É realmente desigual (não só o Brasil, na Italia, por exemplo, é notório que o sul é menos desenvolvido que o norte) e há uma tendencia de concentração nas grandes metrópoles.
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