
Gostou da manchete estilo Notícias Populares? É que eu realmente
queria que você soubesse a história de César e Maria Amélia Teles. Era
um jovem casal, vinte e poucos anos, e já com dois filhos, Janaína e
Edson. Eram os anos mais difíceis da ditadura militar, que enfrentavam. César era integrante do Partido Comunista Brasileiro. Cuidava da
gráfica clandestina do partido. O casal foi preso. Os dois foram
torturados. Na frente das crianças, que tinham quatro e cinco anos.
Maria Amélia ouviu: "seus filhos também estão sendo torturados. A esta
hora, sua Janaína já está no caixãozinho."
Mentira. Mais uma crueldade. O líder da tortura foi o coronel Carlos
Alberto Brilhante Ustra. Vive livre e tranquilo. Foi beneficiado pela
Lei da Anistia. A família Teles processa Ustra. O Tribunal de Justiça de
São Paulo adiou ontem o recurso de Ustra contra sua sentença, na qual
foi reconhecido como torturador. A decisão é inédita e importante. Responsabiliza um militar por sua
ações durante a ditadura. Não adianta mais só dizer que estava seguindo
ordens, enfrentando os terroristas, ou que a Lei da Anistia tudo apagou.

O que quer a família Teles, indenização?
Nem um centavo. Só a responsabilização civil de Ustra. Punição pelo que
fez o comandante do Doi-Codi em São Paulo, onde morreram mais de
quarenta pessoas em decorrência de torturas. "Ninguém propôs a lei da anistia para anistiar os torturadores, só o
Supremo Tribunal Federal resolveu achar isso. A lei tem que ser
interpretada corretamente", disse César, hoje com 67 anos, ao Valor
Econômico.
Ustra tinha tudo para sair na boa. Ainda tem, mas ficou mais difícil.
O advogado dos Teles, que virou o jogo ontem, é Fábio Konder Comparato,
um dos mais eminentes juristas brasileiros. "O Tribunal de Justiça não
pode se recusar a reconhecer a responsabilidade civil do mais notório
torturador da ditadura".
Viro a página do jornal. Durante o não-depoimento de Carlinhos
Cachoeira na CPI que tem seu nome, seu advogado, Márcio Thomaz Bastos,
recebe elogios de parlamentares de partidos vários. Todo bandido tem direito à melhor defesa
que puder pagar, sei - mas mesmo se o dinheiro veio do crime e dos
cofres públicos? Mais ainda. Estamos no Brasil. O sorriso irônico de Cachoeira ecoando no de Bastos diz mais do que sou capaz.

Tenho pouca fé na Comissão da Verdade e
menos ainda no Judiciário brasileiro, para não falar do Executivo,
Legislativo, e mesmo do Quarto Poder. O que significa dizer: tenho pouca
fé nos brasileiros. Sabemos onde vivem os monstros. Do passado e
presente. Se permanecem impunes e atuantes, é por nossa impotência
institucional, nossa decisão coletiva, minha vergonha.
Mas alguns de nós, tantos anos atrás, decidiram ser César e Maria
Amélia, e outros Ustra. E, hoje, uns escolhem ser Márcio Thomaz Bastos
e, outros, Fábio Konder Comparato.
por André Forastieri
no
Blog
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