sexta-feira, 29 de julho de 2011

ops, foi ontem ...

Tudo tem sempre seus lados positivo e negativo. Não gosto do twitter, não é útil para mim, não me interessa. Isso é bom, pois já me distraio o suficiente na net para me dar ao luxo de me afogar em mais uma rede social. Mas também é ruim, pois perco coisas como o Lingerie Day, um dia em que as garotas trocam, via microblog, fotos desinibidas. Foi ontem, perdi. Mas pra conpensar deixo vocês com mais este texto excelente do Fausto Salvadori Filho publicado no Boteco Sujo:

Durante uma festa de casamento em um bufê sofisticado, uma das convidadas pede licença para ir à toalete. Ana é uma senhora como as outras da festa: uma mãe de família ainda bonita em seus 48 anos, vestida num tailleur elegante, nada que chame a atenção. Passando por garçons empertigados que entregam os alimentos pela esquerda e as bebidas pela direita conforme os mandamentos do serviço à francesa, Ana chega ao banheiro do bufê. Assim que tranca a porta, contudo, a madame adota um procedimento que a etiqueta européia nunca teria previsto. Após abaixar a calça e a calcinha, ela saca da bolsa uma câmera digital, desliga o flash e passa a fotografar a própria nudez. Cinco minutos depois, Ana já está de volta à mesa, aproveitando discretamente a festa ao lado do marido e do casal de filhos.

No dia seguinte, Ana trata de publicar em seu blog as imagens da noite anterior, ao lado de centenas de outras fotos que mostram todas as partes do seu corpo — todas, menos o rosto. Filhos e marido não podem saber que a mãe e esposa do mundo real adota na Web a identidade de uma “madame e puta” chamada Escravinha Feliz, que adora se exibir em closes ginecológicos.

— Não me excitaria fazer fotos comportadinhas... Adoro uma vulgaridade — diz.

Expor-se ao onanismo de outros internautas foi a maneira que Ana encontrou para compensar a frustração sexual da vidinha convencional que levava ao lado do marido — um profissional liberal bem sucedido que ela ama, porém considera “muito devagar” para satisfazê-la sexualmente, mais interessado em colecionar dinheiro do que orgasmos.

Na sua vida secreta, Escravinha fica excitada tanto por se ver (“Quando baixo as fotos, fico meio louca por mim mesma, acho que eu até me comeria”) como por saber que é vista — e desejada.

— Gosto de mexer com a libido alheia. Saber que o mundo pode me ver tão intimamente é muito gostoso — afirma essa Dama do Lotação da era virtual.

Expor a sensualidade na Web é um hobby também para a professora de inglês Anne Becker, 2 anos, mas acabam aí suas semelhanças com Ana/Escravinha. As fotos que Anne exibe são discretas e sofisticadas, um erotismo à moda antiga feito de corsetes, cintas-ligas e meias arrastão. Anne descobriu esse mundo ainda na infância, assistindo aos clássicos de Hollywood com os pais. Na adolescência, gostava de comprar lingeries trabalhadas para dançar sozinha no quarto, imaginando-se Ava Gardner ou Jean Harlow diante do espelho. É o que Anne continua a fazer até hoje, mas o espelho em que se exibe atualmente são os sites das suas redes sociais (Tumblr, Flickr, Twitter), nos quais a professora publica imagens suas clicadas por um amigo fotógrafo.

— Todo ser humano, não só a mulher, é exibicionista — diz Anne, que sonha em se tornar estilista de uma linha de lingeries produzida para resgatar a “sexualidade misteriosa e artística de antigamente”.

Para Anne, explorar a própria sexualidade na Web é “uma forma de femininismo”:

— Mulheres lutaram durante muito tempo para conseguirem explorar a sensualidade sem serem julgadas
por isso — afirma a professora, que sonha em se tornar estilista de uma linha de lingeries pensada para resgatar a “sexualidade misteriosa e artística de antigamente”.

Pode ser a sacanagem anônima de Ana/Escravinha, o erotismo saudosista de Anne ou todas as variações possíveis entre um e outro. Não importa. Elas querem tirar a roupa. Cada vez mais mulheres, de todas as idades, estilos e profissões, tomam a iniciativa de exibir a própria sensualidade, aproveitando as novas tecnologias que baratearam a produção e disseminação de imagens. São amadoras dedicadas, que não apenas se exibem de graça como podem até pagar para se expor — como as mulheres que gastam até R$ 4.000 para fazer um “book sensual”, item que algumas já consideram pelo menos tão importante quanto o álbum de casamento.

A ânsia feminina pela autoexposição está tão disseminada que pode transformar uma piada num megaevento virtual, como descobriu por acaso o advogado Fernando Gouveia (na Web, Gravataí Merengue). Em julho de 2009, durante uma conversa com amigos no Twitter, ele brincou escrevendo que o site deveria ter seu Lingerieday, uma data para os twitteiros publicarem fotos de si próprios em roupas de baixo.

— Começou de uma gozação, piada mesmo — lembra Gouveia, que no dia seguinte foi pego de surpresa pela chuva de centenas de imagens de mulheres em roupas íntimas que inundou o Twitter. A esbórnia coletiva ganharia ares de evento: o Lingerieday entra regularmente para os Trending Topics como um dos termos mais acessados pelos usuários do Twitter em todo o mundo e recebe a adesão de milhares de participantes, algumas das quais chegam a comprar lingeries novas especialmente para mostrar no dia combinado.

Gouveia, que também faz questão de se exibir no Lingerieday, lembra que o evento é, em tese, unissex — embora a quantidade de homens que mostram as próprias cuecas seja proporcionalmente muito menor, a ponto de passarem quase despercebidos. Para ele, o exibicionismo virtual se limita a espelhar o que ocorre no mundo off-line:

— Acho que a vaidade é uma coisa nossa, humana, não exatamente da mulher. Os homens quando são mais bonitos também gostam de tirar a roupa, mas em geral somos bem feios.

Motivo para uma mulher tirar a roupa é o que não falta.

— Ela pode querer se mostrar para ouvir elogios, para chamar a atenção de alguém especificamente, ou de todos em geral. Pode ser pra se sentir mais feminina. Pode ser uma exposição com o intuito geral de conhecer gente interessante... enfim. Eu arriscaria dizer que é pra se divertir mesmo — afirma uma tradutora de 28 anos que prefere se identificar apenas como Lu Bom, por temer a rejeição do ambiente universitário em que estuda.

“Viciada em ver putaria na internet”, Lu prefere ser espectadora da sacanagem virtual. Mas, como todo voyeur tem seus dias de caça, Lu não resiste a publicar algumas fotos suas de calcinha e sutiã no Twitter, durante o Lingerieday, e em outros sites.

Por quê? Lu cita dois motivos. O primeiro, ligado ao autoconhecimento:

— Gosto de ter fotos do meu corpo como um registro, pra que no futuro eu tenha fotos de como fui, e principalmente para que eu mesma possa me ver do ponto de vista do outro.

E cita um segundo motivo, bem mais prático:

— Postar uma foto ou outra na internet me aproximou de pessoas legais e já me rendeu umas boas trepadas, o que nunca é demais.

A nudez fotografada é tão fascinante para quem se expõe como para quem a vê. Observar a própria nudez numa foto é uma experiência que mistura familiaridade e estranheza, como um médium que enxerga o próprio corpo durante uma viagem astral.

— Tirar uma foto é diferente de se olhar no espelho. Você consegue se ver da maneira como as outras pessoas vêem você — explica a estudante de Rádio e TV Mariane Custódio, 24 anos.

Mariane começou a tirar fotos de si e de suas amigas por brincadeira, durante as festas de pijama da adolescência. Com a experiência, aprendeu a conhecer seu próprio corpo e a gostar de ver as próprias formas. Tirar a roupa diante da câmera tornou-se um hábito: dos 19 aos 23 anos, fez cinco ensaios sensuais com amigos fotógrafos. Mesmo que poucos tenham visto as fotos (a circulação dos ensaios ficou restrita a alguns amigos), aquelas imagens colaboraram com sua autoestima e, hoje, são o seu Prozac.

— Quando estou me achando feia, pego para ver alguma dessas fotos e volto a me sentir bonita — conta. — Quero continuar me fotografando até ficar velhinha.

Para Gustavo Gitti, editor de conteúdo do site Papo de Homem, as mulheres se expõem em busca de uma identidade.

— As mulheres (homens também, aliás) são dependentes do olhar masculino para afirmar sua identidade. ‘Quem sou?’ é inseparável de ‘Quem você vê quando olha pra mim?’” — opina . Assim, mostrar o corpo seria “uma forma de ser olhada, reconhecida, de se sentir viva, de ter o próprio corpo, por mais estranho que isso pareça”. (Leia aqui o texto completo de Gustavo sobre as exibicionistas.)

Talvez por isso um ensaio sensual seja capaz de produzir tanto impacto na autoestima feminina. Foi assim para a dona-de-casa Catharina Mota Souza, 26 anos, passou tempos difíceis após o nascimento da primeira filha. Prematuro de seis meses, o bebê de 900 gramas passou seus primeiros três meses na UTI e, ao sair, continuou a demandar uma série de cuidados especiais nas mãos de pediatras, fisioterapeutas, oftalmologistas, neurologistas... A menina estava bem, mas Catharina sentia-se desanimada.

Catharina encontrou uma saída ao ver “Minha patroa é um avião”, quadro do programa “Superpop” em que a fotógrafa Gina Stocco produz ensaios sensuais de mulheres casadas. Catharina adorou a idéia. Selecionada pelo programa, pode provar que, além de mãe, era também uma mulher provocante que podia se deitar na mesa de sinuca do bar favorito de seu marido, vestindo máscara e lingerie, sendo fotografada por Ginna diante de dezenas de freqüentadores.

Ao contrário de outras protagonistas de books sensuais, Catharina nega que tenha feito o ensaio para agradar ao marido:

— Eu fiz para agradar a mim mesma.

Pronto o ensaio, o que acender para valer a vaidade de Catharina foram os elogios que ela recebeu... de outras mulheres.
— As mulheres são muito mais cruéis do que os homens em seus comentários. Por isso os elogios femininos me fizeram muito bem, mais do que os masculinos — compara.

É, talvez essa festa de mulheres arrancando alegremente a roupa, no fundo, não seja para os nossos olhos.

— Nessa festa, nós só podemos entrar de penetra — avisa o poeta Fabrício Carpinejar.

Partindo do príncípio de que “toda mulher nasce lésbica e depois se torna heterossexual”, Carpinejar acredita que as mulheres que se exibem estão na verdade “querendo se mostrar para as outras mulheres”.

— É como uma mulher que compra uma roupa nova e pede a opinião para ti. Não importa o que tu fales, ela sempre quer a opinião de outra mulher — afirma o poeta.

Carpinejar lembra que as mulheres sempre tiveram o “voyeurismo manso dos álbuns de fotografia”. “Mulheres só debutam e casam para poder ter o álbum de fotografias”, diz. Para o poeta, elas têm a necessidade de “cristalizar seus momentos” em fotografias porque têm, como ninguém, “a consciência do quanto a imagem é provisória” e de que a beleza não vai durar para sempre.

E o poeta dá uma dica: a vaidade é essencial, mas não pode virar narcisismo nem megalomania.

— A mulher não pode se banalizar. Precisa guardar sempre algum pudor, sentir uma vergonha do que ela tem de mais valioso — aconselha.

Autora do ensaio de Catharina, Gina Stocco conta que descobriu o mercado dos ensaios sensuais por acaso. Após posar para um namorado fotógrafo, há cinco anos, começou a tirar fotos das amigas e logo percebeu que aquilo poderia virar um negócio: hoje, cobra até R$ 4.100 por um book.

Atuando no mercado desde 2008, o fotógrafo Marcus Steinmeyer já coleciona histórias de mulheres que salvaram o casamento após um ensaio sensual e algumas observações curiosas: “As mulheres mais cheinhas são as que têm mais autoestima e aceitam melhor o próprio corpo”. Para Steinmeyer, o desejo exibicionista feminino sempre existiu; o que mudou foi a entrada em cena da fotografia digital, que tornou viável vender books sensuais para pessoas comuns.

Cliente de Stenmeyer, a promotora de eventos Renata Malavazzi, 35 anos, pagou um ensaio sensual no ano passado e não vê a hora de fazer o próximo. As oito horas que passou diante da câmera, bebendo algumas doses de uísque para relaxar, significaram para ela “um dia de glamour”.

—Queria ter essas fotos para provar que posso ser tão sensual quanto qualquer mulher que sai em revista — afirma Renata.

Talvez a vontade de tirar a roupa para vestir a pele de uma gostosa seja uma reação à mudança nos papéis que as mulheres passaram a desempenhar nas últimas décadas: obrigadas a acumular Profissional, Mãe e Dona-de-Casa, num belo dia elas perceberam que haviam se esquecido da Mulher.

— A gente procurou tanto se igualar aos homens na labuta, no dividir os papéis dentro de casa, que esqueceu aquela nossa parte feminina que nos diferencia dos homens — conta a professora universitária Flávia Roger, 36 anos. Para ela, a nova nudez é uma retomada de uma valorização do feminino que as feministas haviam deixado de lado.

— Antes nós queimávamos sutiãs, hoje queremos mostrar a lingerie — compara. Embora como professora esteja mais acostumada a valorizar a inteligência, Flávia diz que não se pode esquecer também da “beleza exterior”. — A gente consegue gostar muito mais do que tem dentro quando o que está fora ajuda — ri.

A professora gastou cerca de R$ 800 para fazer um ensaio sensual com a empresa Sensual Art e Stúdio Books. O preço saiu até barato, porque para Flávia a sessão de fotos equivaleu a “uma terapia de curto prazo”. No momento em que a professora se vestia de colegial no estúdio fotográfico, estava exorcizando os últimos vestígios de um trauma: a traição do seu primeiro marido com uma prima dele, nove anos mais nova do que Flávia, que pôs fim a um casamento de oito anos.

— Quando isso acontece, você sente que não é desejável — conta. Embora boa parte do trauma tenha sido superado com um novo casamento, Flávia afirma que o ensaio serviu para expulsar de vez o que restava nela de baixa autoestima: — O ensaio fez desaparecer qualquer noção de que eu não desperto o olhar de alguém. Despertou até o meu.

Mas nem sempre tirar o sutiã diante de uma câmera dá direito a um passaporte carimbado para a realização sexual e todas as outras categorias possíveis de felicidade. Por um lado, nem todas estão preparadas para lidar com o que a exposição pode trazer. E, por outra, há riscos reais.

Enfermeira de um hospital federal no Rio de Janeiro, Juliana, 24 anos (Poison Chantilly), adora participar do LingerieDay para ver as reações que suas fotos provocam. “Isso me diverte”, conta. Uma reação com a qual não contava foi a de um fã que passou a persegui-la pela internet.

— Uma vez ele me deixou uma foto da minha rua no Orkut com o recado ‘Agora só falta o número da sua casa.’ Tive medo — relata. O fã obsessivo não voltou a dar as caras, mas Juliana aprendeu a ser mais reservada na Web.

Mariane Custódio chegou a colocar algumas fotos dos seus primeiros ensaios na Web, mas tirou-os do ar por não gostar dos comentários que passou a receber. Acima de tudo, Mari se incomodava em ser vista apenas como uma gostosa.

— As pessoas que não me conheciam ficavam achando que ficar pelada fosse meu trabalho, quando era um hobby — diz.

E sexo também tem a ver com poder. Sempre. Mesmo que seja apenas o poder de dominar alguns territórios do mundinho da Web — uma guerra na qual a exibição de bundas e peitos tem o poder de armas de destruição em massa. Há um ano, a estudante Bárbara Cristina Santos de Lima, 20 anos (codinome Catwoman69), criou um fotolog sem dar muita atenção ao que fazia, movida por um misto de falta do que fazer com vontade de chamar a atenção. Mas logo ela entrou no clima belicoso das demais fotologgers, que disputavam a audiência com uma fúria de participante de reality show.

— Uma menina faz de tudo para ganhar mais acessos. Posta foto com peito para fora, ou de roupa curta. Tem que dar um jeito de estar em primeiro lugar, por cima da outra — conta Barbara/Catwoman.

Uma garota sem graça do interior de Minas Gerais que só começou a chamar atenção dos garotos no final da adolescência, quando seu corpo finalmente ganhou curvas, a instrutora de vôo Fernanda Lizardo logo percebeu que conseguiria as coisas mais fáceis usando a sensualidade. Começou a postar fotos sensuais na internet aos 20 anos porque queria chamar a atenção para seu blog, O Sexto Sexo. O sujeito que visse as fotos da gostosa iria querer saber o que ela escrevia, era seu raciocínio. Deu certo: o site fez sucesso e, no ano passado, virou livro.

— A mulher aprendeu desde sempre que usar a aparência pode ajudar em vários campos da vida: trabalho, afetivo, familiar... — aponta Fernanda. Ela não vê nada de degradante nesse uso utilitário para a sensualidade, como apontaria uma leitura feminista tradicional. Só se for degradante para o homem: — Quer coisa mais degradante do que um homem se submeter a um par de peitos, a uma bunda?

Sensualidade chama atenção, mas Fernanda acredita que, para a maioria das pessoas, o exibicionismo é uma brincadeira que não terá maiores consequências para o cotidiano. O dia a dia, afinal, passa por outros caminhos.

— O cara que vê a foto lá longe cria mil fantasias, mas ele nunca conversou comigo— compara. — Meu chefe quer mais é saber se o relatório do dia está pronto, minha mãe quer saber se estou me alimentando direito, meu senhorio que saber do aluguel em dia...

Nem sexo é tudo na vida.

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