sábado, 16 de julho de 2011

Sou fã desse filho da puta ...

O filme Febre do Rato, de Cláudio Assis, foi o grande vencedor do Festival de Cinema de Paulínia deste ano. Ele levou oito prêmios, incluindo o de melhor filme de ficção do ano e melhor longa de ficção pelo júri da crítica.
O longa foi também premiado nas categorias melhor ator para Irandhyr Santos, melhor atriz para Nanda Costa, melhor fotografia, melhor montagem, melhor direção de arte, melhor trilha sonora.

O Palhaço, segundo trabalho de Selton Mello, conquistou quatro prêmios, incluindo o de direção em ficção, melhor roteiro e melhor ator coadjuvante para Moacir Franco.

O filme - Em conexão com a tradição dos poetas de rua pernambucanos, Febre do Rato narra os sabores e dissabores na vida de Zizo, que vive a recitar seus poemas aos amigos, às mulheres e no tabloide que edita.
Anarquia e sexo, é disso que são feitos o filme e a poesia de Zizo. Assis continua fazendo cinema visceral. Mas, desta vez, há mais lirismo e nenhuma cena de violência, o que sugere um olhar mais maduro do diretor.

Febre do Rato não se trata de um filme comercial evidentemente, mas a interpretação de Irandhir Santos é magistral. A trilha sonora, de Jorge du Peixe (da Nação Zumbi), tem a cadência certa. E a fotografia em preto e branco de Walter Carvalho é irretocável.

Em entrevista, Assis enaltece o espírito de grupo e diz que, sem os amigos, nunca poderia ter feito esse filme. Zizo também vive cercado de sua trupe e este é o combustível de sua poesia. Neste sentido, o filme é um bom retrato sobre os ativistas culturais da nação pernambucana.

(Folhapress)

O anarco cineasta

Homenagem a Zizo, um poeta do subúrbio do Recife, o terceiro longa-metragem de Cláudio Assis, Febre do Rato, será lançado durante o Festival de Paulínia (SP), que acontece entre 7 e 14 de julho.
O filme, a cujos trechos a revista CULT teve acesso em primeira mão, abre com o ator Irandhir Santos, na pele do poeta, declamando: “Logo ali por trás do mangue, descansa a insônia, a faca, o serrote, o trabalho, o sexo e o sangue”. Já de início se restabelece uma conexão com o movimento cultural do Recife dos anos 1990, de que Assis é tributário: o mangue beat. Mas não só de sua poesia.
Conhecido por não ter papas na língua, o diretor que apontou a família Barreto, Cacá Diegues e Hector Babenco como coronéis do cinema nacional, continua defendendo uma arte contestatória: “Como dizia Chico Science, ‘de que lado você samba, de que lado você vai sambar?’. De que lado está seu cinema? É um cinema para manter as coisas como estão ou para pensar, mudar? Na vida você tem de ter atitude”.
Leia abaixo a entrevista exclusiva concedida por Cláudio Assis à revista CULT.
CULT – À época do lançamento de Amarelo Manga (2003), premiado no Festival de Berlim e grande vencedor do Festival de Brasília, você se queixava de certo “coronelismo” no cinema brasileiro. As coisas mudaram?
Cláudio Assis – Não. O coronelismo ainda existe, e existe entre os jovens também. O cara antes era coronel porque detinha uma distribuidora, dinheiro para produzir etc. Hoje os jovens cineastas também são coronéis, pois ficam adquirindo esse sentimento, esse olhar, essa visão maniqueísta, ficando presos do mesmo jeito que os mais velhos.
No cinema brasileiro, é muito triste ver os mais jovens querendo repetir o que já existe, não há o cinema da reinvenção. Por mais que se diga que o cinema é uma arte nova, ele está em extinção, então é preciso um olhar novo, que não esteja preso a regras, estereótipos, mercado.
Já que o mercado é esse aí, que só quer o que já está posto, por que não tentamos uma nova linguagem ou um discurso que seja compatível com o que o público está sentindo?
O que eu pretendo, que é muito pouco, é que as pessoas tenham um olhar de estrangeiro. Busco em Febre do Rato fazer um cinema de atitude, de coragem, da proposição de ser o que você é, de não ter vergonha do que faz. Não sei se estou conseguindo, mas estou tentando. Quero que as pessoas pensem: “Se ele está fazendo, eu também posso fazer como quero”. Se eu conseguir isso, então realizei meu sonho.
Febre do Rato fecha uma trilogia, após Amarelo Manga e Baixio das Bestas (2007) e esgota o que você tem a dizer sobre o Recife e Pernambuco?
Chegou uma hora em que pensei que eu, Hilton Lacerda [roteiro], Walter Carvalho [fotografia] e Matheus Nachtergaele estávamos fazendo uma trilogia.
Mas acho que não, não foi projeto ou intenção. São olhares diferentes sobre a mesma coisa para ver se as pessoas entendem de um jeito ou de outro. Descobri que não era trilogia porque estou desenvolvendo um projeto com o [jornalista] Xico Sá, adaptação de um livro dele, que também está no mesmo lugar que os outros filmes.
Acho bom, à medida que você está amadurecendo, dar vários olhares, colocar várias camadas sobre o mesmo tema. Ao mesmo tempo, se ele não encerra uma trilogia, dá um arremate sobre o tema da loucura do ser humano, do amor, do desamor, de como se ama errado, se padece amando.
Você ressalta que sempre fala do amor em seus filmes. Nos anteriores, a narrativa é entremeada com um discurso social. Em Febre do Rato, o discurso é poético?
Sim, é o discurso de que por meio da poesia podemos falar de igualdade. Que não há diferença de sexo, cor, de nada. A gente tem uma luta, uma questão que é humana. E só um poeta pode falar disso. Por isso o filme é preto e branco, traz um poeta anarquista, que cria seu mundo como quer.
O ponto de partida é este: dar às 
pessoas a possibilidade de elas serem o 
que são. Serem simples, honestas.
Meu cinema é muito plugado na realidade social. Acho que o mundo é muito injusto com todo mundo. E, por mais que entrem questões como o amor e a anarquia do poeta, a gente tem um problema social que é muito grave e não dá para se ausentar. E o momento que eu tenho para estar presente nessa discussão é num filme.
Demoro cinco, seis anos para fazer um. Então tenho que dizer algo sobre o social. Esse filme tem diferença em relação aos outros porque o documental invade a ficção.
Falando disso, em uma das sequências finais do filme, Zizo invade o desfile de Sete de Setembro no Recife e é detido pela polícia. Durante as filmagens, a polícia tentou prender Irhandir Santos quando ele tirou a roupa…
Chegaram oito carros da polícia, mais nove motocicletas. Queriam prender o Irandhir porque a gente estaria fazendo atentado ao pudor. As ruas já estavam bloqueadas após acerto com a companhia de trânsito. Então estava tudo certo, mas alguém alcaguetou. Mandei fugirem com o ator e os negativos.
O cara mata, rouba, estupra criancinha e sai livre. A gente coloca um cara nu em um filme e isso é crime? Isso é falsa moral, prepotência, anacronismo. Qual o problema de tirar a roupa? O que é uma bilolinha, uma xoxotinha, uma bundinha? Em que uma coisa tão bonita agride? O cara não tava nem de pau duro. O personagem pedia que as pessoas se desnudassem, mas de um tipo de consciência, não tinha nada a ver com sexo. Não era uma provocação.
Seu discurso se confunde com o discurso de seus personagens?
Sim. Isso porque o Brasil tem o cinema que fala só da miséria, da violência. E tem o outro, que é esse cinema continuação da novela das 8, [do diretor] Daniel Filho e do resto. E existem também aqueles outros que ficam querendo ser mais ou menos, não põem a cara pra bater.
O mal do Brasil é que as pessoas querem ser cineastas. Isso dá um status que tem a ver com dinheiro, poder. Você é um ser especial, incomum. Tem de ter a responsabilidade de mostrar o que quer dizer.
Como dizia Chico Science, “de que lado você samba, de que lado você vai sambar?”. De que lado está seu cinema? É um cinema para manter as coisas como estão? Ou para pensar, mudar? E teu compromisso com a sociedade sobre questões como preconceito? Quem é você? Para que você é artista?
Como é o trabalho já quase familiar com uma equipe conhecida dos outros dois longas-metragens, como Hilton Lacerda, Matheus Nachtergaele, Walter Carvalho, Irhandir Santos etc.?
Há a fome e a vontade de comer. Isso é que leva essas pessoas a se juntar. Por isso digo que os filmes não são meus, mas de todos os envolvidos. Eu não conseguiria isso se não tivesse a fotografia de Walter Carvalho, a cara do Matheus, do Irhandir etc. Temos a oportunidade de dialogar de maneira democrática, na qual quem manda é o filme, não o diretor.
Amarelo Manga foi chamado de “o filme mais premiado e menos visto” à época de seu lançamento. Baixio das Bestas teve audiência ainda menor. Que público Febre do Rato pretende encontrar?
Acho que é um filme para um público maior. É mais aberto, por mais que seja em preto e branco. É poesia o tempo inteiro. Acho, sinceramente, que ele contempla o que já foi dito nos outros dois, mas fala de uma maneira mais romântica, sutil, muito leve.
Como você lida com o rótulo de personagem polêmico de plantão no cinema nacional?
Achei bom na época de Amarelo Manga porque a gente estava fazendo filme a partir do nada, com apenas dez cópias. Se for eu que tiver de botar a cara a tapa para divulgar o filme, não tem problema. O importante é o filme.
Continuo a mesma pessoa, não mudei de casa, de mulher, não comprei nada. Não estou preocupado em enricar. Minha preocupação é com meus filmes e o que faço com o dinheiro público. Tenho muito respeito, faço com arte e carinho.
Não é que eu goste de ser polêmico. É que as pessoas não assumem o que fazem ou pensam de verdade. Não têm respeito por si, pela obra, pelo que compreendem com o cinema. Quero provocar o diálogo, fazer com que as pessoas saiam do cinema e pensem: “Por que as coisas não mudam?”.
Estudei economia, fui do Partido Comunista Revolucionário, mas faço cinema porque quero contribuir de uma maneira poética. Mudar o pensamento das pessoas é mais importante do que chegar com armas. Isso não leva a nada. O cinema pode provocar a mudança nas pessoas de maneira mais elegante, construtiva, de modo que você tenha lazer, prazer. Mas não gosto do rótulo de ser polêmico.
E o nó da dependência das leis de incentivo, isso melhorou ou piorou? Como vê o Ministério da Cultura sob a direção de Ana de Hollanda e a discussão em torno do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad)?
Votei na Dilma, adoro ela, acho do caralho ter uma mulher na Presidência. Mas o mundo é muito discriminatório. Tem agora cota para tudo. No governo agora tudo é mulher. Para mim não importa se é mulher, homem ou gay. A questão é a competência. O mundo foi criado em torno do macho. Mas não é só porque a Dilma é mulher que vai botar todo mundo para ser mulher. O que interessa é que a gente cada vez mais amplie as conquistas sociais, culturais…
[Quanto ao Ecad,] eu olhei e pensei: “Que pobreza”. Venderam meu filme Amarelo Manga para vários lugares e eu não recebi nada. Venderam para lugar que eu nem sei. Tem tanta coisa para a gente avançar na área do cinema, do teatro, da cultura toda, e fica essa preocupação com o Ecad. Ei, ei, cuidem disso, botem advogado para cuidar, mas ampliem. A gente já andou tanto que voltar para isso é muito pouco, é perda de tempo, retrocesso.
Eduardo Simões
CULT

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