Em 2005 eu planejava minha terceira ida à Cidade maravilhosa (por algum inexplicável capricho do destino eu só consigo ir ao Rio de 7 em 7 anos: a primeira foi em 1991, para o Rock In Rio 2, e a segunda em 1998, para a primeira apresentação do U2 no Brasil) quando soube que haveria um show do Nine Inch Nails, uma de minhas bandas favoritas, no Festival Claro que é rock. De cara já decidi que iria. Mal sabia eu que a banda de Reznor era apenas a cereja do bolo daquele que foi, na minha modesta opinião, o melhor festival de música que esse país já viu, com uma escalação digna de eventos de primeiro mundo do tipo Coachella ou Lollapalooza. Quando as demais atrações foram sendo anunciadas, eu mal conseguia acreditar: Flaming Lips, Sonic Youth, Iggy & The Stooges (gente, IGGY AND THE STOOGES !!!) e suicidal Tendencies – que foi substituido de ultima hora, pasmem, pelo Fantômas, de Mike Patton, Dave Lombardo e Buzz Osbourne, do Melvins, ninguém menos do que o cara que ensinou Kurt Cobain a tocar guitarra! Desnecessário dizer que a expectativa foi a mil.
No grande dia eu amanheci longe, muito longe. Estava em Campo Grande, um dos bairros mais afastados do Rio (não por acaso parece mais uma cidade à parte), na casa do meu amigo de longa data Chorão 3, ex-gangrena gasosa. Precisava ir até Ipanema encontrar outro brother dos tempos dos fanzines, Danubio Aguiar, do “Mensageiro”, que nos serviria como guia, para de lá partir para a igualmente distante “Cidade do rock”, em Jacarepaguá, o mitológico descampado onde aconteceram os Rock In Rio 1 e 3 e onde acontecerá a futura edição de 2011. Foi uma volta completa pela “cidade maravilhosa”.
Chegamos ainda com o sol a pino. Consegui entrar com uma meia-entrada falsificada (50 contos) achando que estava arrasando na “esperteza”, quando me deparo com cambistas vendendo 3 ingressos por inacreditáveis 10 reais !!! Isso aconteceu, pelo que soube, porque a Claro havia dado de presente um ingresso a quem tivesse comprado um aparelho nos dias que antecederam o evento, o que deve ter provocado um derrame de bilhetes descartados por quem não tinha interesse em ir. Normal, ganha-se umas, perde-se outras, e assim caminha a humanidade (aos trancos e barrancos).
Lá dentro, fui encontrando amigos cariocas que não via há tempos, como os Jasons Vital e Flock, e outros que via regularmente mas que sempre tinha prazer em reencontrar, como o gordinho carrancudo porém sempre gente boa Leonardo Panço, também do Jason. Conheci também Michael Meneses, carioca/sergipano com quem mantinha contato via net. O tempo ia passando e alguma coisa estava, claramente (sic), errada: um dos palcos ainda estava sendo montado e os shows simplesmente não começavam! Só depois fiquei sabendo que houve um acidente com o equipamento no caminho de São Paulo para o Rio, o que causou um desastroso atraso de mais de 3 horas ...
Desastroso porque causou um megacorte no set list de duas das principais bandas escaladas, Sonic Youth e Flaming Lips – especialmente lamentável para mim, já que esta seria, provavelmente, minha única chance na vida de ver ao vivo os reis da psicodelia “indie” e da distorção. Mas ok, nada de desanimar, já que o estupro era inevitável, era relaxar e gozar.
Cachorro Grande tocou ainda pelo dia – bom show, mas nada comparável ao que viria a seguir, portanto dispensável. Não exatamente o que veio na sequencia deles, uma tal de Good Charlotte que havia sido chamada apenas para satisfazer o público adolescente e na qual eu não prestei a mínima atenção. A partir daí foi uma cansativa maratona de apresentações memoráveis (uma nem tanto, como logo veremos) que me deixou exausto porém sorrindo de satisfação.
Tudo começou com o maravilhoso mundo da Disneyworld, quero dizer, dos Flaming Lips. Eu só os conhecia, e meio mal, de disco, e não estava preparado para o que estava por vir: foi um dos eventos mais “alto astral” que meus olhos e ouvidos tiveram o deleite de presenciar. Para começar, eles recrutaram alguns fãs para se fantasiarem como bichinhos de pelúcia e ficarem dançando nas laterais do palco, enquanto a banda executava suas canções de forma um tanto quanto desleixada porém absolutamente apaixonada, como já é característica deles. E tome clássicos da psicodelia moderna, como “race for the prize”, “Do you realize” e “She don´t use jelly”, além de excelentes covers de “War Pigs”, do Black Sabbath, apropriadamente dedicada à Besta-fera do apocalipse então em plena atividade, o presidente norte-americano George Bush, e “Bohemian Rapsody”, do Queen, com direito a um gigantesco karaokê com todos acompanhando a letra (muito louca, por sinal, não conhecia, é uma espécie de delírio aparentemente provocado por sentimento de culpa “pós-homicídio”) pelo telão – que mostrava, também, um bizarro close da garganta do vocalista, imagem captada por uma microcâmera instalada ao lado do microfone. Memorável. A lamentar apenas a duração, reduzida devido aos atrasos, o que nos privou do já célebre passeio na bolha de Wayne Coyne.
Já o show do Sonic Youth foi uma das maiores decepções de minha vida. A banda estava visivelmente mal-humorada (quero crer que devido ao atraso) e tocou apenas músicas que eu não conhecia, além daquelas intermináveis e chatíssimas improvisações em cima de microfonias inaudíveis. Foda que eu já estava cansado e resolvi sentar, mas um peso na consciência começou a martelar na minha cabeça -porra, era provavelmente minha única oportunidade de ver o Sonic Youth ao vivo e eu lá, sentado, morgado. Quando resolvi finalmente levantar para continuar VENDO, e não apenas OUVINDO, acabou! Desesperadoramente frustrante. Minha namorada na época, que estava comigo, resumiu bem a situação: “esses aí só fizeram “desdobrar””.
Mas o que veio a seguir compensou tudo. Depois de um longo tempo de espera, com apenas um roadie, bem “coroa”, por sinal, fazendo intermináveis inspeções no palco sob os berros da platéia impaciente, surge a catarse em forma de banda, Iggy & The Stooges, com formação “quase” original, ainda com Ron Asheton, que viria a falecer alguns anos depois, na guitarra. Desnecessário dizer que foi catártico, emocionante, visceral e inesquecível – e olha que eu vi tudo “de cara”, sem uma gota de álcool ou qualquer outra substancia entorpecente no sangue, para a incredulidade dos meus amigos de Aracaju para quem relatei o fato posteriormente. Eu poderia inclusive morrer naquele exato momento e morreria feliz, mas haviam ainda mais duas apresentações potencialmente bombásticas pela frente ...
Fantômas, o show mais improvável de minha vida. Não foi dessa vez que eu tive a honra de ver um dos meus ídolos do Slayer em ação ao vivo, já que Dave Lombardo não pôde vir e foi substituído, à altura, por Terry Bozzio, conhecido por seu trabalho com Frank Zappa. Foi surreal: uma gigantesca cacofonia de ruídos aparentemente desconexos comandada com maestria pelo maluco-mor Mike Patton. Musicalmente é meio chato, mas valeu demais pela ousadia da produção em chamar algo tão anti-comercial para um evento deste porte – dava pra ver claramente (sick again) o público “feijão com arroz“ se dispersando em sinal de reprovação, o que, convenhamos, é sempre lindo.
Fechando a noite, Nine Inch Nails. Lindo, poderoso, pulsante, chapante. Jogos de luzes ofuscantes, batidas poderosas chacoalhando nosso coração, belas melodias (“Hurt” é muito emocionante ao vivo) invadindo nossos ouvidos. Um desfile de músicas memoráveis de todas as fases da banda, de “Head like a Hole”, do “pretty hate machine”, a faixas do então novo disco deles, “with teeth”. Trent Reznor é poser pra caralho, sempre jogando os microfones para o lado com um ar blasé, mas ele pode, porque ele é foda. Tava cansado mas resisti bravamente até o final.
No final, o caos. Aquela porra de cidade do rock fica no fim do mundo e no meio do nada, é impressionante. As poucas vans que apareciam eram disputadas a Tapas, e eu já começava a ficar preocupado pois íamos ficando para trás e o descampado estava cada vez mais vazio. Depois de uma longa espera conseguimos, finalmente, embarcar numa van pra lá de superlotada, no que foi, sem sombra de dúvidas, a viagem mais desconfortável de minha vida, em pé e me contorcendo, até Ipanema – a mesma Ipanema na qual eu vi de rolê tranquilamente, na noite seguinte, dois de meus maiores ídolos, Mike Patton e Buzz Osbourne.
Foi lindo.
A.
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Claro Que é Rock 2005
Fantomas * Flaming Lips * Iggy & The Stooges * Sonic Youth * NIN
por Marcelo Costa
30/11/2005
Várias verdades puderam ser conferidas após a edição do badalado festival Claro Que é Rock, no último fim de semana, em São Paulo e no Rio de Janeiro: 1) O público brasileiro é definitivamente difícil de agradar 2) Os cariocas não prestigiam o rock 3) Mike Patton é um mala 4) Festivais de grande porte são ótimos para ferrar cambistas 5) Os técnicos de som brasileiros não conseguem equalizar o som de dois palcos da mesma forma: o som do Palco A estava beeem melhor que o do palco B 6) Iggy Pop e Trent Reznor são fodas 7) Uma pergunta: Onde se compra um daqueles arremessadores de confetes que o Wayne Coyne estava usando?Na verdade, tudo que deu certo em São Paulo não deu certo no Rio de Janeiro. Enquanto a capital paulista viu 25 mil pessoas circularem pela Chácara do Jóquei, em horários distintos (é importante frisar), os cariocas colocaram apenas 12 mil pessoas na imensa Cidade do Rock, sofreram com longos atrasos (que não aconteceram em SP) que, por fim, causaram o cancelamento do show da Nação Zumbi e cortes nos 'set lists' de Flaming Lips e Sonic Youth. E enquanto era possível comprar de cambistas por R$ 30 um ingresso para a área VIP em São Paulo, no Rio de Janeiro teve ofertão: três ingressos por R$ 10.
No entanto, fora os contratempos do Rio de Janeiro, a edição paulistana do evento foi praticamente perfeita. Começou às 15h com o Ronei Jorge dando partida na finalíssima do concurso do festival (que foi vencido pelos gaúchos do Cartolas) para pouco mais de cinco mil pessoas. Quando o festival começou mesmo, às 19h, com o Good Charlotte, cerca de mais de dez mil pessoas (umas cinco mil com menos de 18 anos) já caminhavam pelo local. Ao final, 25 mil pessoas pisaram na lama de um quase autêntico Woodstook brasileiro (ainda bem que não choveu!!!). Tirando as imensas filas para se comprar comida e os estacionamentos distantes, o Claro Que é Rock se mostrou um bom grande festival.
Algumas pessoas reclamaram do som (ótimo), outras do local do festival (quem sabe preferiam a "limpeza" de um Credicard Hall). Porém, vamos ao que interessa: música. "Nós somos o Suicidal Tendencies", disse Mike Patton ao tomar o microfone com sua banda, Fantomas. A rigor, como diz um amigo, o Fantomas deve ser muuuito bom, ou então muuuito ruim. Eu fico com a segunda hipótese. Um crossover inaudível dos piores clichês de punk e metal aliados a barulhinhos eletrônicos. Uma brincadeira sem graça. Funciona como desconstrução e até tem seu valor estético em um festival de massa, um local em que a maioria do público refém de MTV vai ver bandas certinhas como o Good Charlotte, e dá de cara com uma apresentação totalmente surreal, mas é o tipo de coisa que enche o saco após dez minutos. Mesmo.
Já o Flaming Lips prometeu mundos e fundos ao público. "Vocês vão ver o show mais foda de suas vidas", disse Wayne Coyne. Não foi, mas com certeza foi o mais divertido e um dos melhores de todo o festival com os Lips levando seu mundo de Disneylândia para o palco. Uma dezena de bichinhos estilo Parmalat, confetes, bolha de plástico, guitarrista vestido de Papai Noel, baixista vestido de Caveira, uma loucura. Visualmente era impossível não ser conquistado pelo mundo fantasioso de Coyne, que ainda brindou o público com seus ótimos vídeos feitos de próprio punho no telão (e que acabam de ganhar edição nacional via DVD: Void 1992-2005 Video Overview In Decelebration). Se um show de rock é diversão e entretenimento, a apresentação do Flaming Lips foi perfeita, apesar do quesito música ficar em segundo plano, e o vocalista ter um fiozinho de voz que sumia a todo o momento. Mesmo assim, clássicos como She Don't Use Jelly, Race For Prize, Fight Test, Do You Realize? e a sensacional Yoshimi Battles The Pink Robbots fizeram a festa do público, que ainda pode participar de um imenso karaokê na boa cover de Bohemian Rhapsody, do Queen, e ainda viu Coyne sacanear George W. Bush numa cover da poderosa War Pigs, do Black Sabbath, que encerrou a festa provando que mesmo no mundo da fantasia é possível ser político e oportuno. Simplesmente sensacional.
Iggy & The Stooges subiram no palco A do evento dispostos a sacanear o público. O som, altíssimo, impediu que o coro de 20 mil pessoas cantando "Now I wanna be your dog" sobrepusesse a excelência de barulho que saia das caixas de som. No repertório, quase todas as pérolas dos dois primeiros álbuns clássicos dos Stooges (The Stooges, de 1969, e Fun House, de 1970) se alternavam para a alegria e loucura dos fãs. No palco, os irmãos Ron (guitarra) e Scott Asheton (bateria) contavam com a presença histórica do baixista Mike Watt, lenda do rock norte-americano. E à frente de tudo isso o insano, demônio, maluco e carismático Iggy Pop, que aos 58 anos se entregou de corpo e alma para o público brasileiro. Vestindo uma calça nacional modelo feminino de menos de 10 dólares, Iggy passou todo o show se contorcendo, simulando sexo com caixas de som, e incentivando o público a invadir o palco. Cantou No Fun entre mais de quinze pessoas, que ora tomavam o microfone de sua mão, ora o abraçavam, ora levavam a mão ao rosto sem saber se acreditavam que estavam ao lado de uma lenda. Ao final, não quis deixar que os invasores saíssem do palco, reclamou da iluminação ("Não quero saber se vocês são da televisão ou do governo, acendam as luzes", ordenou) e mostrou que efeitos e iluminação são dispensáveis se você tem carisma, um bom repertório e é um cara fodaço. Clássico.
Com a lembrança do show arrasador que a banda fez no Free Jazz alguns anos atrás, o Sonic Youth era a certeza de uma apresentação apoteótica. Grande engano. A rigor, existem dois Sonic Youth desde sempre. Um legal pra caralho (de hits como 100%, Teenage Riot, SugarKane e do show no Brasil em 2001) e outro chato demais (de inaudíveis álbuns paralelos como Anagrama, Goodbye 20th Century e Slaapkamers Met Slagroom). O que se apresentou no Claro Que é Rock trazia o clima charmoso do Sonic Youth cool soterrado pela execução e a paixão pela microfonia do Sonic Youth chato. Em uma palavra, o show foi tedioso. Boa parte da culpa pelo tédio pode ser jogada sobre o repertório, com cinco longas canções do fraquíssimo Sonic Nurse, álbum mais recente de estúdio da banda, que fecha a trilogia Nova York iniciada com os bons NYC Ghosts & Flowers (2000) e Murray Street (2002). Porém, mesmo canções incendiarias como Schizofrenia e Bull on the Heather soaram pálidas e desconfortáveis. Ao fim, a banda definiu a apresentação com uma exaustiva e terrivelmente chata onda de microfonia que durou longos dois minutos e meio. Acredite: o Sonic Youth é muito foda no palco, mas não esse Sonic Youth.
Após o banho de água fria que foi a apresentação do casal Thurston Moore/Kim Gordon, o Nine Inch Nails se revelou uma expurgação de demônios. Em seu livro Barulho, o jornalista André Barciski comentava sobre um show do Nirvana que havia visto em Seattle, 1993: "Finalmente entendi o que um amigo me falou sobre um show do Ministry. 'Foi a coisa mais violenta que eu já vi'. Eu não entendia ou não acreditava. Agora sim deu para pegar o espírito da coisa. A violência em questão não é aquela coisa escrota a que estamos acostumados, com imbecis armados de machadinhas querendo matar alguém. Ninguém sai machucado de um show do Nirvana, mas purificado. O Nirvana solta os bichos que existem em você". E é mais ou menos isso que se pode dizer de uma apresentação do NIN. Uma avalanche de bateria eletrônica misturada a porradas humanas, baixo seqüenciado, guitarras poderosas, um jogo de luzes de palco absurdo e por cima de tudo isso o vocal insano do maluco de carteirinha Trent Reznor. Enquanto uns 700 gatos pingados urravam a cada nova música, uns outros 12 mil achavam que estavam em uma rave. Na boa, as letras surreais do gênio Trent Reznor esperam os últimos.
No repertório do Nine Inch Nails, pouca concessão ao material novo, do bom (mas levezinho) With Teeth (2005), representado pela faixa título e pelas boas The Line Begins to Blur, The Hand That Feeds e Only. De resto, Trent resgatou porradas de seus primeiros álbuns como Sin, Head Like a Hole e Terrible Lie (Pretty Hate Machine, 1989), March of the Pigs, Closer e a fodaça Hurt apenas em voz e piano (Downward Spiral, 1994), e praticamente ignorou o constantemente detonado álbum duplo The Fragile (1999), mixando The Frail com The Wretched. No geral, a apresentação foi monstruosa, um tiquinho "poseur" (com instrumentos e pedestais constantemente jogados de um lado para o outro do palco) e teve, como único ponto negativo, o avançado da hora. Por mais que a porrada estivesse saindo clara e alta pelas caixas de som, nem todo o público tinha pique para pular ensandecidamente àquela altura da madrugada. No entanto, quem questionava o NIN como headliner do festival teve motivos de sobra para entender a escolha após um show memorável. E o que foi Hurt? Só faltou Johnny Cash baixar no palco...
No saldo final, o Claro Que é Rock conseguiu apagar o quase fiasco das apresentações do Placebo no primeiro semestre, primou (em São Paulo) por uma boa organização no geral para um festival deste porte, e esbarrou em qualidade de shows com o Curitiba Rock Festival, com Stooges, NIN e Flaming Lips fazendo shows à altura de Weezer e Mercury Rev. Só precisa, para 2006, destacar melhor as bandas nacionais.
Um comentário:
bateu até nostalgia
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