Eram outros
tempos, claro. Tecnicamente, ainda estávamos na década de oitenta do século
passado. Nada de internet e todas as facilidades de gravação e comunicação que
temos hoje em dia. Tudo
era feito na raça, na base da força de vontade pura e simples. O disco, lançado
de forma independente pela banda, sem nenhum suporte de gravadora, foi
totalmente produzido no Recife e é uma verdadeira pedrada! A potencia de sua
sonoridade permanece, mesmo quando ouvido hoje, tanto tempo depois. É um
clássico, portanto. Não fosse um produto de "fora do eixo" - de um
tempo em que o termo ainda não havia sido apropriado por entidades de
procedência e finalidade duvidosa - constaria, sempre, de todas as listas, ao
lado de outros clássicos do cancioneiro punk nacional, como os discos do
Cólera, coletâneas como "Sub" e "crucificados pelo
sistema", do Ratos de Porão.
Ratos de Porão é, aliás, a influência mais
óbvia, até mesmo pela presença do vocalista "Pesado", que não tinha
esse apelido por acaso. Seu som era, no entanto, bem mais elaborado - do que o
do Ratos dos primórdios. Graças, principalmente, à excelência de
seus músicos, o guitarrista Pedrito, o baixista Ricardo "Paredes", e
Nino, na bateria. Pesado tinha um vocal bastante característico, potente sem
ser gutural ou excessivamente gritado. E o mais importante: eles sabiam COMPOR!
As músicas são todas ótimas, com refrões fortes e um excelente senso de ritmo e
melodia. Nas letras, o de sempre: críticas às principais instituições que regem
o destino dos homens, como a igreja, o exército, a polícia e a política. Mas
feitas de forma pensada, inteligente, sem o panfletarismo pueril presente em
muitos de seus pares.
O disco tem pelo menos dois clássicos absolutos do Hard
Core nordestino, as músicas "Meu Filho" e "A Ordem". Dois
verdadeiros "hits" subterrâneos - quem viveu a época e teve a
oportunidade de vê-los ao vivo sabe a catarse que a frase "Evacuem essa
área", berrada a plenos pulmões por Pesado depois da abertura com um riff
básico porém pra lá de eficiente, provocava na audiência. Mas TODAS as faixas,
sem excessão, são muito boas. Da "pancada" que abre o disco,
"programados pra morrer", até o final, com "consciência
inválida", passando por momentos antológicos e de forte apelo imagético,
como na letra de "vaticano", que sentencia: "o vaticano late e o
povo levanta as mãos pro céu". Ou em "O ecologista morto", um
belíssimo libelo em memória de Chico Mendes - chega a ser arrepiante a
intensidade com que seu nome é pronunciado na música, em tom de lamento e, ao
mesmo tempo, exaltação.
A Câmbio Negro gravou um segundo disco - "Terror
nas ruas" - mais bem produzido - por Redson, do Cólera - porém mais fraco,
irregular, dois anos depois. Depois, só mais uma demo-tape, "De volta às
ruas", de 1997, que parecia prenunciar bons ventos para o futuro.
Prognóstico que, infelizmente, não se confirmou. A banda acabou pouco tempo
depois. De vez em quando ensaiam uma volta, mas nada de concreto até o momento.
Uma pena. Deixaram, no entanto, uma herança poderosa que segue viva na memória
de todos, personificada, principalmente, nas 14 músicas que integram seu
primeiro álbum.
por Adelvan
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