quarta-feira, 5 de março de 2014

1 Ano sem Hugo Chávez

De vez em quando a história ilumina um personagem que não entra em nenhum dos moldes que forjou a própria história. O mártir dos Andes, Salvador Allende, nos convenceu de que não se podia tentar uma reforma profunda da sociedade pela via pacífica e muito menos uma revolução, e de repente, quando ninguém esperava, como um trovão numa noite de verão, das entranhas de nossa América do Sul, da comarca do maior dos libertadores de nosso Continente, Simón Bolívar, aquele que nosso visceral José Enrique Rodó definiu como o barro da América, atravessado pelo sopro do gênio, surge uma revolução que rompe todos os moldes e contradiz todos os manuais.  
Por Federico Fasano Mertens, do La República - Abril de 2011.
Uma revolução pacífica, uma revolução dentro do sistema capitalista. Definem-na como a revolução na revolução. Não tem o apoio dos sindicatos operários, amarrados a seus privilégios, nem das organizações estudantis menos conscientes. Se apoia fundamentalmente nos pobres, nos marginais, os deserdados da terra, os “sans culottes”, os desempregados, os sub-empregados, os autônomos. E também os soldados, os marinheiros, pilotos e oficiais, as Forças Armadas, majoritariamente de extrato popular, não elitista, cuja origem de classe surge da pequena burguesia.
Uma revolução que não prega a ruptura anticapitalista, que respeita as classes médias, que se beneficiaram com o crédito, a moradia, os automóveis como nunca antes se haviam beneficiado. Mas também uma revolução que avança inexoravelmente em direção à mudança profunda das injustas estruturas do centenário sistema oligárquico da Venezuela.
As cifras de igualdade sustentadas pelo duas vezes prisioneiro de Yare e do forte Tiuna assombram pelo salto quântico que representam e que nunca antes se haviam conseguido na história da Venezuela.
Este é o marco em que queremos que se desenrole esta entrevista.
Fasano: A revolução bolivariana parece ser um modelo novo, diferente das quatro únicas revoluções sociais da América Latina. A mexicana de 1910, a boliviana de 1952, a cubana de 1959 e a nicaraguense de 1979. Três delas foram derrotadas, como todos sabemos, e todas sem exceção chegaram ao poder pela via armada, não pacífica, e de imediato começaram a construir organismos de poder popular.Trotsky dizia que a revolução política modifica o sistema institucional, enquanto que a revolução social transforma as relações de propriedade. A revolução bolivariana é uma revolução política ou uma revolução social? Que tipo de revolução é?
Chávez: Muito obrigado pelo teu convite, Federico, La República é um grande jornal, obrigado. É bastante amplo teu enfoque.
Fasano: Eu te pediria respostas, digamos, concisas, para dar lugar a todas as outras. Porque todas as outras vão compondo o quebra-cabeças para decifrar o enigma de teu projeto histórico.
Chávez: Entendo, porque você monta o quebra-cabeças depois, você é um montador de quebra-cabeças. Veja, faz uns minutos que estava conversando com Eduardo Galeano, e ele me falava de sua admiração por um venezuelano, Simón Rodríguez, mestre, entre outros, de Bolívar. Bolívar depois chama Rodríguez  de “o Sócrates de Caracas”. Segundo Galeano, foi o mais profundo filósofo de nossa América do século 18, um grande pensador e um grande projetista do futuro. Você me fala do projeto histórico, nosso projeto histórico vem de lá, do projeto que foi concebendo o caraquenho –Bolívar dizia que era um caraquenho universal. Elaborou um grande projeto de libertação da América do Sul toda, e dizia que tinha que tomar dos incas a figura histórica e fazer um Incanato e também previa a unidade política, geopolítica da América do Sul sob o nome de “Grande Colômbia”. Esse projeto é de (Francisco de) Miranda e o elaborou em seu longo périplo como revolucionário. Miranda participou na revolução de independência dos EUA comandando tropas, foi amigo de Washington, Jefferson, depois foi coronel russo na corte de Catarina, e então foi marechal da França revolucionária. Napoleão disse: “É um Quixote sem loucura”. E, aos 60 anos –para aquela época é o equivalente a uns 100 hoje–, cruzou o Atlântico em uns barquinhos, colocou a bandeira tricolor, desembarcou na Venezuela e lançou o projeto, e faz 200 anos segue sendo o líder da primeira república com o grau de Generalíssimo. Miranda, daí vem o projeto histórico, e logo vem Bolívar, o toma e o encarna (e Simón Rodríguez e muitos outros lutadores e pensadores venezuelanos), um projeto de libertação, uma revolução política, social, econômica, cultural –uma revolução tem de ser integral. Rodríguez dizia: “Simón, os americanos mais meridionais devem fazer uma revolução política e devem começar pela revolução social, cultural, econômica”. E dizia mais: “comecem pelos campos”. Enfim, uma revolução integral, são as bases históricas fundamentais. Esta revolução começou há 200 anos, só que havia desaparecido no caminho e rebrotou do fundo da terra.
Fasano: Você definiu o marechal Antonio José de Sucre como um socialista. Um homem honesto que não gostava do exercício do poder, e, bom, terminou assassinado. Continua pensando o mesmo sobre Sucre já que estás falando do profundo da história?
Chávez: Bom, o socialismo, você sabe que tem distintas facetas. Do meu ponto de vista, Cristo foi socialista. Você lembra daquela frase: “É mais fácil um camelo passar por um buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus”. Cristo e o profeta Isaías que dizia: “Pobre daquele que se dedique a acumular terra, terra e terra e tire terra dos demais, porque lhes darei com o látigo da Justiça”. Cristo no Sermão da Montanha: “Bem-aventurados os pobres, porque deles será o reino dos céus”. A igualdade. Cristo diz que o único caminho para a paz é a igualdade. Isto é socialismo, mas, bem, numa época em que não se utilizava o termo.

Fasano: Você concorda com o presidente Rafael Correa, que quando o entrevistei me falou entusiasmado do socialismo cristão.

Chávez: O socialismo cristão. O socialismo inca, para não ir tão longe, às ruas de Nazaré e da Galiléia. Há um conjunto de estudos fundamentados que falam da existência do socialismo indo-americano, que você sabe que aportou muito a respeito. Tudo isso são nutrientes. Sucre, quando é eleito presidente da Bolívia, começa a entrar em choque com a oligarquia. Ele vai embora. Simón Bolívar fica, e começam as conspirações, lhe dão um golpe de Estado, quase o matam, lhe deram um tiro num braço. Então, Sucre é socialismo. Quando a América foi batalhar por sua emancipação, entendeu que o fazia também pela justiça, pela igualdade, ambas são irmãs inseparáveis. Liberdade e igualdade. Então esses são os nutrientes. As bases de nosso projeto socialista do século 21. Mas vem de longe. Igualdade, liberdade, paz, justiça social, uma revolução integral.

Fasano: Parodiando o manifesto de 48, podemos dizer que hoje um fantasma percorre o mundo. O fantasma da democracia participativa, que o projeto da revolucão bolivariana está propondo. O fantasma que percorria a europa feudal era a democracia formal. A de hoje, a participativa. Como vocês pensam em concretizar o socialismo do século 21, o difícil trajeto que vai da democracia formal surgida na revolução francesa até a democracia participativa que o socialismo real soviético não pôde concretizar? Qual é a rota crítica desse trajeto?

Chávez: O poder. A rota crítica é o poder. A democracia, o poder do povo. Agora, a democracia meramente participativa é antinômica, não tem solução dentro de si mesma, porque termina sendo uma maneira de expropriar o poder ao dono do poder, e este termina concentrado. O poder político, o poder midiático, econômico, econômico cultural, etc. A hegemonia na elite: essa é a democracia que pregam os EUA, que tanto defendem o chamado pós-modernismo, porque termina tirando o poder, eliminando do povo todo vestígio de poder. Deixa-o impotente.

Fasano: Essa velha democracia não compartilha o poder.

Chávez: Não, o hegemoniza para seu próprio fim. Entende o poder como o poder em si, o poder como o fim último. Agora, veja, na Venezuela nossa Constituição o permite, do princípio ao fim. Permita-me ler só um artigo, o artigo 2, dos princípios fundamentais. A Venezuela se constitui em um Estado democrático e social de Direito e Justiça –não só de Direito. É a teoria fundamental–, de Direito e de Justiça que propugna como valores superiores de sua ordem jurídica e de sua atuação a vida, a liberdade, a justiça, a igualdade, a solidariedade, a democracia, os direitos humanos. A proposta socialista. Você me perguntava o caminho crítico. O poder, é a concepção de poder, uma nova concepção do poder e uma nova forma de criar poder e distribuir o poder. E é por isso que as elites se opõem com tanta fúria a um projeto como o nosso, que está distribuindo o poder, mas sob um novo conceito. É o que diz um bom argentino, filósofo que, recentemente, ganhou o Prêmio Pensador Libertador, Enrique Dussel: o poder obediência. Eu sou presidente, mas não para mandar. Mando obedecendo. Eis o caminho crítico.

Fasano: Tuas palavras me recordam Federico II, que disse: “Só sei mandar obedecendo”. E foi dos governantes mais democráticos que essa monarquia teve. Creio que você fala do poder, mas eu te vejo mais como o anti-poder. Você desmitificou o poder e o aproximou das pessoas. O compartilhou, conectou o cidadão com o poder. Porque o poder antes era para uma elite, para 10% das pessoas. Tenho a impressão que hoje este processo bolivariano está mudando a concepção mais tradicional, inclusive marxista do poder. Você acaba de dizer que a chave está no poder ao povo. O poder passa a ser compartilhado. Por isso falo em anti-poder. Não acha que pode ser pensado sob este ângulo?

Chávez: O poder é aproximar o povo do poder. Estava lembrando de uma canção. Lembra daquel cantor norte-americano que cantava “Quando o poder do amor for superior ou se impuser ao amor ao poder haverá vida, haverá paz”? Então se trata de outra concepção do poder e, neste sentido, você tem razão, eu me situo no campo do anti-poder. Porque é um poder contra outro poder, o poder clássico, despótico, para dominar. O poder para apropriar-se. O poder para a dominação. Este poder que representamos é exatamente o contrário, e você também o representa e Pepe (Mujica) também. Nós formamos parte de um poder de libertação, sob uma nova concepção do poder. Creio que não se trata de aproximar o povo do poder. Porque imagine um menino de quem você aproximasse um sorvete. Ele quer o sorvete, não estar próximo a ele. Tem que dar, transferir, poder ao povo. Muita gente dirá: o que é o poder? Bom, o poder é poder viver. Quer dizer, muita gente diz a frase “querer é poder”. Não necessariamente, o povo quer viver, viver plenamente, o povo terá poder quando possa –parece redundante, mas é necessário–, dispor dos recursos e meios necessários para continuar vivendo, para viver plenamente. Para satisfazer suas necessidades. Raúl Sendic falava muito bem das necessidades, das leis da sobrevivência, alimentos, medicamentos, as necessidades de subsistência, as da vida e as suntuárias (de luxo, suntuosas). Não me refiro às suntuárias, que são inesgotáveis, que são até destrutivas. Me refiro às necessidades da vida, de um ser humano, de um coletivo. Isso é, no fim, aonde chega toda a filosofia e todo o conceito de poder.

Fasano: Acha que o povo venezuelano está preparado para o socialismo à venezuelana?

Chávez: É um processo. Compare as épocas. Bom, Federico, inclusive –não faça isso nunca, te sugiro– se você fosse revisar os discursos do velho Chávez, desde que me tornei conhecido, no dia que me rendi…

Fasano: Desde que tinhas 38 anos…

Chávez: Sim, desde o golpe. E, depois, em todos estes anos até o dia em que cheguei à presidência e ainda uns aninhos mais, jamais propus o socialismo. Sempre manifestei respeito à teoria, mas lembre-se de onde vínhamos. A queda soviética, a bandeira do socialismo foi arriada em quase todo o mundo. Mas, na dialética e no caminho, eu pessoalmente e muitos de nós fomos nos convencendo que é falso aquilo de uma terceira via entre o capitalismo e socialismo. Socialismo ou barbárie, como dizia Rosa de Luxemburgo. E então veio o golpe de Estado, em 2002, toda a agressão dos EUA e seus aliados. A partir daí todos nós começamos a levantar a nova bandeira e lançamos a bandeira socialista. Nestes anos, se você perguntasse na Venezuela à população, em uma pesquisa séria, não chegavam aos 5% as pessoas que apoiavam o socialismo. E a maior parte eram esses velhos militantes, irredutíveis. A maioria de 80 anos para cima, talvez. Hoje em dia, as pesquisas indicam que cerca da metade da população ou mais opinam a favor do socialismo em diferentes intensidades. Mas o mais importante é que nas pesquisas o capitalismo abertamente não chega a 10%. É um caminho.

Fasano: Agora, é gradual. O fundamentalismo do mercado é um osso muito duro de roer. Eu vejo que as duas grandes linhas da revolução bolivariana passam pela democracia participativa de um lado e a substituição gradual do fundamentalismo de mercado, por outro. Mas é um osso duro de roer. Como pensam em substituí-lo? Acaso se inspiram na economia das equivalências, como uma forma de ir avançando até a substituição paulatina da economia de mercado? Há algum plano sobre isso? O que está pensando e fazendo a revolução bolivariana no tema crucial da onipotência do mercado?

Chávez: Eu te diria que há um plano grande e um conjunto grande de planos pequenos, médios, e vamos avançando com muitas dificuldades. Não é fácil. Mas há uma orientação estratégica e um caminho que estamos andando. Me explico. Fundamentalismo de mercado, neoliberalismo: nós começamos a combatê-lo desde o primeiro dia e estamos aprofundando a intensidade e o ritmo. Trata-se de criar –e é uma das grandes linhas gerais do projeto bolivariano, histórico– uma economia diversificada, uma democracia econômica e isso só é possível com um modelo socialista. Estamos inventando novas formas de economia popular. Você lembra aquela outra frase de que o socialismo não pode ser decalcado nem copiado, que deve ser uma invenção heróica? Simón Rodríguez outra vez. “Inventamos ou erramos”. Somos obrigados a inventar. Estamos investindo muito, por exemplo, na criação de cadeias produtivas para toda a economia. É vital. As cadeias produtivas, desde o setor primário, passando pelo setor secundário de processamento, armazenamento, produtos finais, até a distribuição. Quando eu não era presidente, e o povo não tinha o poder popular, não havia nem um mercadinho para vender arroz, pão, nada. Hoje, ao final deste ano, estamos chegando a mais de 50% de incidência das cadeias produtivas. Todo o alimento que se subministra na Venezuela vem por meio da propriedade social. Quer dizer, não passa pelas mãos especulativas e especuladoras das cadeias capitalistas que compram um quilo de milho a 1 bolívar, lá no produtor primário, e vem vendê-lo, processado em qualquer cidade da Venezuela, a 100 bolívares, inflacionando tudo. Incluindo a mais-valia, mas ademais da especulação capitalista, está a avareza capitalista. Então é preciso criar o modelo, e estamos criando-o, repito, desde o setor primário, até o setor do comércio, o setor terciário.

Fasano: Que empresas estratégicas seria necessário nacionalizar no futuro, para ir avançando rumo ao Socialismo do século 21? Já foram nacionalizadas algumas essenciais, mas vocês têm previsto outro tipo de nacionalizações?

Chávez: Nós temos um esquema de nacionalizações. O que fizemos primeiro foi frear o processo de privatizações de empresas estratégicas, como o petróleo da Venezuela. Recuperamos plenamente a soberania petrolífera e isso nos permite agora implementá-la em função do projeto histórico. As grandes empresas básicas do Estado –siderúrgica, petroquímica, alumínio– também tinham sido privatizadas, e as recuperamos. E agora estamos aplicando algo muito novo na Venezuela, muito da teoria socialista: o controle operário. Bom, com muitas dificuldades, às vezes estrondosas, mas vai avançando o controle que possui a classe operária organizada. Não aqueles velhos sindicatos pelegos, como vocês chamavam ou chamam ainda, mas o poder operário, conselhos de trabalhadores, e também os sindicatos. A recuperação da terra é fundamental. Nacionalizamos, recuperamos ou expropriamos quase 4 milhões de hectares nestes anos e vamos continuar. Dentro de uns dias vamos fazer um evento de recuperação de cerca de 300 mil hectares que tinha uma companhia inglesa, explorando a terra, explorando os trabalhadores, enriquecendo e levando embora os lucros. Nacionalizamos a telefonia, por exemplo, o banco da Venezuela, o banco patrimonial que haviam privatizado. Nós também nos dedicamos a criar espaços de propriedade social, para ir convivendo e até nos aliando com alguns setores da empresa privada. Não negamos isso. Dizemos que a empresa privada, o setor privado da economia, pode perfeitamente seguir existindo e estamos dispostos inclusive a apoiá-lo, como fizemos, sempre e quando seja no marco do projeto desta Constituição e do interesse social que aqui está planteado como estado de Direito.

Fasano: Uma revolução se mede pela forma em que se cria e distribui a riqueza. Vi algumas cifras que me assombram, me diga se estão corretas. A pobreza extrema estava em 20% quando você entrou…

Chávez: Um pouquinho mais… 25%. Agora está a menos da metade disso, está em 7%.

Fasano: 7%? Eu pensava que tinha baixado a 9%. A pobreza geral estava em 50%.

Chávez: E até mais. Chegou a 60%, por aí, ao final dos anos 1990. E agora está em 33%.

Fasano: Há um assunto que se discute muito porque é essencial para o Uruguai. O abismo entre riqueza e pobreza que o modelo progressista no Chile não conseguiu diminuir e que nosso modelo uruguaio tampouco pôde. Observe que aqui diminuiu a pobreza e a indigência em níveis surpreendentes, ainda que não tanto como em seu país, mas não conseguimos reduzir a brecha entre a pobreza e a riqueza. E vejo as cifras venezuelans, e bom, me parece, não podem estar corretas. A desigualdade estava em 28% e caiu a 18%, 17%.

Chávez: Sim, estão certas. A América Latina é o continente mais desigual, em todas as medições mundiais.

Fasano: Mais que a África.

Chávez: Exatamente. Agora a Venezuela é o país, e isso é reconhecido pela ONU, pela Cepal, que mais avançou nesta década na redução da desigualdade e estamos à frente na América Latina, com o menor índice de desigualdade. Isso tem uma razão: é, outra vez, o poder. Os recursos. Preste atenção. Nos últimos 20 anos, no que nós chamamos de Quarta República, os governos anteriores, o investimento social na educação, na saúde, chegava a apenas 30% dos recursos, nós o elevamos a mais de 60%. Duplicamos o investimento social na educação, na saúde, o desemprego era de quase 20% e agora é 7%, 8%. O salário mínimo na Venezuela era uma miséria, hoje é o mais alto da América Latina (equivalente a U$697,09). E não nos cansamos, além disso, de inventar mecanismos de redistribuição. Por exemplo, agora mesmo nos caiu o inverno. Primeiro uma seca terrível, depois um inverno atroz. E neste momento nós temos mais de 120 mil pessoas abrigadas em quartéis, em instituições do Estado, em acampamentos, mas dignos, inclusive no Palácio do Governo. E inventamos uma lei –nós inventamos leis para obrigar a nós mesmos– que diz que, enquanto essas famílias estiverem abrigadas, vão receber um bônus quase equivalente ao salário mínimo. A Previdência Social: na Venezuela havia 300 mil pensionistas. Hoje temos 5 vezes mais e andamos em busca de anciãos para completar as cotas dos que não podem pagar e que portanto não estavam registrados na Previdência Social, que estava sendo privatizada quando chegamos. Inventamos outra lei e já temos mais de 20 mil pescadores, velhos pescadores, velhos camponeses, na Previdência Social e agora estamos fazendo uma lei popular e eu vou aprová-la logo, para que os senhores que cuidam edifícios, os porteiros, que tampouco têm Previdência Social. Não nos cansamos de buscar maneiras de distribuir até onde nos alcance, buscando sempre os equilíbrios macro-econômicos.

Fasano: Essa riqueza já existia antes também e no entanto…

Chávez: Uuuuu…! O governo da Venezuela foi o primeiro exportador de petróleo cru no mundo, de 1925 até 1970. Uma coisa horrível.

Fasano: Deve ter havido expropriação fraudulenta dos direitos do povo venezuelano! Sobre o aumento do poder aquisitivo me deram 400% de aumento. São as últimas cifras que disponho, é isso mesmo?

Chávez: É provável. Tem que considerar a inflação que segue sendo alta na Venezuela…

Fasano: Mas não tão alta como nos governos de 1984 até 1999, quando você assumiu.

Chávez: Não. Nos anos 1990, a inflação era de 100%. Nós temos uma média de 20% ou 21% em todo este período. Mas certamente o poder aquisitivo na Venezuela subiu e não só do ponto de vista clássico do cálculo dos rendimentos. Porque eu sempre digo que há que se levar em conta tudo. Digo a meus companheiros, aos amigos do Banco Central, que calculam tudo e são técnicos. Nós criamos esta rede de alimentos que chega à metade da população. Vamos importar, com certeza, alimentos da Argentina, estamos aumentando a produção. Mas te digo uma coisa: nesta rede que se chama Mercal, se vende desde carne… sobretudo a cesta básica. Nessa rede que atende hoje 14 milhões de venezuelanos num total de 26 milhões de habitantes, a inflação é zero: enquanto o mercado de fora aumenta os preços, na nossa rede estão congelados há anos, e os medicamentos são gratuitos. Nós criamos mais de 6 mil centros médicos, desde pequenos consultórios até grandes hospitais, onde as pessoas vão e não lhes é cobrado absolutamente nada. Operações de coração, tomógrafos, graças à revolução cubana e a esse gênio da raça humana que se chama Fidel Castro, então isso contribui. Enquanto uma família tinha que pagar pelas escolas, agora estamos dando às crianças de primária um computador para cada criança, gratuitamente. Eu dou o exemplo do soldado. Não se dá a ele um fuzil de presente, é para defender a pátria. Nós o equipamos. O fuzil de uma criança é o computador. São uns computadores feitos em Portugal, e agora estamos fazendo-os na Venezuela.

Fasano: É verdade que subsidiam mais de 40% dos produtos básicos em relação ao preço de mercado?

Chávez: Sim, mais de 40% e não só de produtos básicos. Ontem firmamos com a presidenta da Argentina a importação de automóveis feitos lá. Mas os compramos nós diretamente, entes do Estado, e os distribuimos diretamente aos profissionais, ao povo. Veículos familiares, de classe média, classe popular, que pode consumir. Você compra um veículo Volkswagen montado na Argentina que chega à Venezuela por outras vias que é vendido no mercado capitalista e nós o vendemos pela metade do preço. Também outros veículos iranianos que estamos montando na Venezuela com apoio do Irã. Um similar no mercado é vendido lá pela metade do preço. Computadores, telefones celulares. Você sabe a quanto vendemos celulares do tipo Blackberry? 3 dólares. Estamos montando-os agora.

Fasano: Nós podemos importá-los a esse preço, 3 dólares?

Chávez: Sim, claro, e também fertilizantes a um terço do que vendem no mercado especulativo.

Fasano:Vocês investem em educação mais de 5% do PIB, é isso?

Chávez: Mais. Antes, os governos investiam cerca de 2 ou 3%, se chegava a isso. Agora estamos nos aproximando aos 10% porque há muitas formas de investir. Nós temos agora a Educação Inicial, que antes não existia, era para uma minoria. As chamadas crianças em idade de pré-escola. Criamos um sistema que chamamos de “Simoncito”, em homenagem a Bolívar e a Rodríguez. A educação primária toda, a secundária e a universitária. Triplicamos a matrícula universitária. Você vai agora pela Venezuela em qualquer bairro e encontra homens e mulheres de 60 e 80 anos estudando. E de quarenta e de 50, nossa idade, seguindo os estudos secundários que não puderam por causa da pobreza. Ou terminando os universitários. Nós estamos no 5º lugar mundial em matrícula universitária, segundos no continente depois de Cuba. Sem contar as conexões educativas que formaram um sistema complementar ao sistema oficial clássico. Por exemplo: as conexões educativas de alfabetização, de educação para o trabalho, a cultura, as redes de cultura. Enfim, devemos estar muito próximos dos 10% do PIB neste esforço. E, bom, é Bolívar. É a base do projeto histórico. Bolívar dizia: “A educação, a educação, a educação: as Nações marcharão até sua grandeza no mesmo passo com que caminhe sua educação”.

Fasano: Nos preocupa aqui o tema da burocratização. Quais são suas estratégias para evitar a burocratização e a corrupção no aparato do estado?

Chávez: Esse é um tema que é preciso resolver. É um veneno que corrói por dentro, é imanente, forma parte do estado burguês. Sobre o que se fundamentou o estado burguês? A corrupção política. Quando o poder se assume como um fim em si e para si, se acaba a política e daí derivam todas as demais corrupções, para meus amigos e para meu partido. Mandar roubando é mandar dominando. Agora, se você manda ou governa obedecendo ao dono do poder, que é o povo, para a satisfação de suas necessidades, então irão diminuindo os níveis de corrupção política, econômica, ética, moral, que no fundo são a mesma coisa: a perda dos valores da política. É uma luta cultural de todos os dias. A burocracia é parte do que dizia Karl Marx: “Nada nasce do nada”. O estado novo, a sociedade nova, ele dizia, nasce contaminada pela velha. É a luta entre o novo e o velho e o velho sempre quer corromper o novo, é uma batalha corpo a corpo. Tem que se fundamentar. Eu dizia na Argentina, saindo de uma reunião socialista onde falei muito disso. A pessoa tem que ir como um soldado à batalha, com uma bússola. Saber direito aonde vai e qual é o caminho. E tem que ter sobretudo algo muito claro, um princípio tão sólido ou mais sólido que o aço: a lealdade a uma luta pelo povo, a lealdade a um povo. Quem não tenha isso bem sólido pode ir se corrompendo e se corrompe pelo caminho, e se converte em um burocrata, insensato, insensível e em um contra-revolucionário. Estejam muito atentos, todos os dias, em todas as partes.

Fasano: A informação, eu vejo assim, é o lado mais fraco da democracia venezuelana. Os meios na Venezuela não são representativos das distintas forças sociais que compõem a nação. Vocês vivem a apropriação fraudulenta, de caráter privado, de um bem comum à sociedade, a qual é excluída dos direitos cidadãos. Este simpático discurso liberal confundiu deliberadamente a liberdade de expressão da sociedade com a liberdade de possuir meios de comunicação. E quem te fala é um dono de meios de comunicação, portanto legitimado para dizer essas coisas. E esse discurso liberal também confundiu a liberdade de difusão das ideias com a liberdade de difusão do meio, assim como a liberdade de informação com a liberdade do informador. Qual é a estratégia de vocês ante a injusta situação da Venezuela? A questão midiática, a disputa dos meios.

Chávez: Eu sei que você conhece esse assunto. Creio que é um dos problemas mais graves que existem hoje, não só na Venezuela e em nossa revolução bolivariana, senão no mundo. Olhe o que está passando na Líbia. Há uma guerra civil, e o poder ianque e seus aliados europeus, com todas as redes que detêm a comunicação, foram preparando o terreno, para, como disse Fidel Castro desde o primeiro dia, a inevitável guerra da OTAN contra a Líbia, pelo petróleo da Líbia. Então agora querem convencer o mundo que, para salvar a Líbia, é preciso bombardeá-la. Nós nos deparamos com essa problemática desde o primeiro dia. Primeiro, você sabe, houve uma lua-de-mel, me rodeavam, mas quando se deram conta de que eu ia firme por uma direção, veio a guerra midiática e montaram um golpe abertamente pelas televisões privadas, os grandes jornais da burguesia. Hoje seguimos na batalha, mas a situação ou a correlação de forças vem mudando. Já não há uma plena hegemonia como havia. Temos a TeleSur, uma grande conquista. Temos na Venezuela, nasceram como uma explosão ruidosa, os meios de comunicação alternativos, que eram perseguidos, chamados ilegais. Agora tem uma lei e o Estado os apoia com recursos técnicos, financeiros. Milhares de emissoras comunitárias, de pequeno alcance, médio alcance, jornais comunitários, televisões comunitárias. Temos ainda o canal do Estado que estava no chão, do ponto de vista tecnológico, moral, e agora é um dos principais canais do país. Recuperamos este canal. O espaço eletromagnético é de propriedade social, é bom que saibam as pessoas. Só que se concede a uma empresa para que o explore. Bom, terminou a concessão de uma empresa que fez bastante dano ao país, e logo o Estado a recuperou e agora se converteu na principal televisão venezuelana social, a que tem maior cobertura no país. Enfim, estamos enfrentando como tem que ser feito, com liberdade e com uma tolerância infinita. Sobre mim disseram cada coisa na televisão, cada insulto, cada injúria que não seria permitida num Estado de Direito. Me acusam de ser um tirano, mas imagine que às vezes vão pensadores da direita mundial serem entrevistados pela televisão e diante das câmeras dizem: estamos na Venezuela, aqui não se pode falar, isto é uma tirania sangrenta. Dizem isso na televisão, ao vivo, no centro de Caracas! É melhor rir.

Fasano: Um calcanhar de Aquiles da Revolucão bolivariana parecem ser os sindicatos de trabalhadores tradicionais, corrompidos, os estudantes manipulados e a deserção dos intelectuais. Como pensa reverter esta situação? Porque o clássico era que operários e estudantes estivessem participando. E alguns setores intelectuais, que servem melhor aos mandarins do que ao povo que deveriam servir, também se afastaram do projeto histórico. Ou isso está mudando?

Chávez: Sempre existe o interesse, também midiático, de que as pessoas acreditem exatamente nisso, que a juventude venezuelana, que os estudantes, são contra a revolução, que os sindicatos são contra. Não é bem assim. Os velhos sindicatos, claro. Mas apesar de todo o poder da burguesia nos anos precedentes, todo esse chamado a greves gerais, a sabotar o país por greves, fracassou. Existe também uma confederação de trabalhadores totalmente livre, crítica com o governo, mas que apoia a revolucão e critica o que tem de criticar.

Fasano: Independência de classe e….

Chávez: Claro… E com consciência operária. E isso vem evoluindo, o mesmo acontece com o setor estudantil e a juventude. Há uma parte da elite burguesa que muitas vezes inventa coisas para chamar a atenção. A CNN lhes dá destaque. No entanto, os meninos dos bairros, que são milhões, que estão estudando, que estão com a revolução, configuram o perfil de uma juventude revolucionária. A cada dia você vai ver com maior claridade na paisagem os trabalhadores, os estudantes, as mulheres organizadas, que força têm essas mulheres! Os povos indígenas, movimentos sociais. Te juro, Federico, que sou o primeiro adversário de que o partido tome conta disso. Não, eles devem ser livres. Tem que nos interpelar, nos dar broncas, nos falar cara a cara. Gente sem moradia, sem casa, mas organizados e organizando-se. Organizai-vos, dizia Cristo, crescei e multiplicai-vos. Marx: trabalhadores do mundo, uni-vos.

Fasano: Já levamos quase uma hora e seus assessores olham para o relógio, mas quero perguntar pela questão militar. Revolução pacífica, porém armada. Allende nos mostrou que podemos ser os pacíficos que queiramos, mas se o projeto popular não se defende tudo está perdido. Você concorda com o grande revolucionário alemão Wilhelm Liebknecht, que dizia que a revolução social não se faz contra o exército nem sem o exército, mas com o exército? Qual é a política militar da revolução bolivariana?

Chávez: Concordo que a revolução social deve saber defender-se e a história o comprovou. Eu e Fidel nos telefonamos, nos escrevemos, eu o visito sempre que posso, é como o grande pai. Estávamos comemorando 19 anos de nossa rebelião. Saímos de 20 quartéis. A juventude militar nas ruas. Era um movimento como quixotesco. E Fidel me dizia: “Chávez, vejo que aquilo foi como Moncada (assalto ao Quartel de Moncada por Fidel em 1953), mas ao contrário, multiplicado por 100. Isto é, eles se foram e um grupo de jovens quixotes tomou o quartel. Você tomou o quartel, mas por dentro. E saíram dos quartéis.” Ele, observador e sábio. Então certamente não se pode fazer uma revolução profunda e plena sem um exército. Fidel teve que criar um exército novo, algumas pessoas de (Fulgencio)Batista se integraram. Mas foi o exército, o exército rebelde, o campesino, o de Che Guevara, todos aqueles. Eles foram e criaram um exército. No caso venezuelano, por distintas circunstâncias da vida, nós estávamos no exército. Eles não aspiravam a ser soldados, eu queria ser militante. Queria ser desportista de beisebol e vim a Caracas faz 40 anos para prestar os exames de admissão para a Escola Militar. E consegui entrar. Sou um camponês. E, bem, no caminho, me fiz revolucionário. (O jornalista) Ignacio Ramonet fez uma entrevista comigo muito longa e falou: ”Dizem por aí que quando você entrou na Escola Militar em 1971 já entrou com o livro de Che Guevara debaixo do braço”. E eu lhe disse que não foi assim. Entrei com um bastão de beisebol e uma bola debaixo do braço. Tinha 16 anos. Mas o que você pode escrever é que quando saí, quatro anos depois, saí com o livro do Che sob o braço. Eu me fiz revolucionário nas fileiras militares. Comecei a me identificar com o exército de Bolívar, de Artigas, e com a história desse Bolívar soldado que disse: “Maldito o soldado que volte as armas contra seu povo”. Esse Bolívar que disse: “Sigo a gloriosa carreira das armas só para lograr a honra que elas dão de libertar a minha pátria e merecer a bendição do povo”. Esse Bolívar em Santa Marta, solitário, expulso e moribundo que disse em seu último discurso: “Os militares deverão desembainhar sua espada, mas sempre para defender as garantias socais”. Esse Bolívar se transformou em nosso líder. Nos anos 1970 quase fui para a guerrilha porque, recém-graduado, me mandaram, no ano de 1975, a um batalhão antiguerrilheiro. Rodríguez, hoje meu ministro da Energia, estava ainda na guerrilha e havia uns grupos guerrilheiros na Venezuela. Me mandam para lá e eu entro em contradição e quase vou embora com eles. Afortunadamente não ingressei porque por aí não havia caminho, mas me convenci, em contato com alguns velhos guerrilheiros, com meu amigo Adán, meu irmão mais velho, e revolucionários da universidade. Me dei conta que tinha de começar a criar células bolivarianas dentro do Exército. E passamos nisso quase 20 anos, até a rebelião de 4 de fevereiro (de 1992, contra Carlos Andrés Perez). Hoje, as forças militares venezuelanas são umas forças que se definem com orgulho como anti-imperialistas, revolucionárias, socialistas. Sem eles seria impossível avançar. Veja o que ocorreu no dia 11 de abril (de 2002, quando tentaram um golpe contra Chávez). O império fracassou, a burguesia venezuelana fracassou. Me sequestram. Me tiram o poder de mando. Desestabilizam meu país. Lembra de José Vicente Rangel, que era meu ministro da Defesa? Estamos os dois sozinhos, 3 da manhã. Que fazemos? Ao amanhecer, o golpe em plena marcha. E de repente digo a José Vicente: vou para lá. “Como você vai?” Vou me entregar aos golpistas, aos generais golpistas –eu os conhecia a quase todos. Vou ver se a vida valeu a pena. Se eu morro hoje ou me expulsam do país e isso se acaba, perdi a minha vida. Mas vou ver se ter investido 30 anos da minha vida no exército valeu a pena. Fui. O que querem? Eram cerca de 100 golpistas. E detrás deles os ianques e a burguesia. O golpe desmoronou. Os capitães ficaram a meu lado, os soldados me liberaram e se uniram ao povo. Mandaram dizer ao povo, que começou a rodear os quartéis. Não houve um só soldado venezuelano que disparasse contra o povo. Ficaram com o povo e os golpistas se foram. Ou seja, é possível. Allende tentou, mas olhe como terminou Allende, um presidente mártir. Ele, que era médico. Nós vimos no vídeo, ele foi seu próprio soldado com aquele capacete e uma metralhadora velha que lhe deu Fidel. Ficou sem soldados, foi seu próprio soldado. Nós não, nós temos soldados. É uma revolução pacífica e continuará sendo pacífica.

Fasano: Hugo, todo mundo se preocupa com a sua segurança. Os filósofos do século 18 acreditavam que era o gênio individual que mudava a história, não? Mais que a subjetividade das massas insatisfeitas… Há uma espécie de lenda que diz que Chávez é a revolução bolivariana. O que acontece se Chávez não está mais? O que acontece se desaparece o condutor? Vocês trabalharam para deixar estruturas sólidas, firmes, que suportem a ausência do caudilho?

Chávez: Entendo o que você diz. Agora, triste da revolução que depende de um só homem. Na realidade, não é uma revolução, é demasiado frágil para pretender ser uma revolução. Na Venezuela é uma situação sui generis. Eu não me creio imprescindível. Não existem imprescindíveis. Um dia quase me afoguei em um rio, e me salvou um cadete. Se ele não viesse e me agarrasse, o mais provável é que eu me afogasse aos 18 anos. E se eu tivesse me afogado, a revolução bolivariana teria surgido da mesma maneira. Agora, o homem, o indivíduo dá seu toque, seu ritmo, seu toque de líder, seus toques pessoais, a uns processos que não dependem de um homem, porque são processos de um processo. Há vários anos, quando Fidel quase morreu, fui vê-lo. Quase não podia falar, estava muito grave, perdera muito sangue. E os médicos me disseram: Chávez, por favor, um minuto. Mas ele queria me ver. Recordo sua mão, me agarrou muito forte e disse: “Chávez, estou pronto para morrer se tenho que morrer, mas você não pode morrer”. Isso ele me dizia na época. Avançamos neste tema, estamos fazendo um esforço muito grande para promover o poder popular, organizações populares, o partido socialista unido. Aliado com outros partidos e os movimentos sociais, um projeto muito mais entendido pelas pessoas. Uma juventude participativa protagonista. Essa é a garantia de uma revolução, jamais será um ser humano, por mais gênio que possa ser.

Fasano: Quando chegar o último minuto da tua vida… Esperamos que demore muito, mas como gostaria que o recordassem?

Chávez: Pelo que fui sempre até chegar o momento último da minha vida. Eu sou dos que dizem, como o poeta, “confesso que vivi”. Se me recordassem pelo que fui… Sobretudo que me recordem como um soldado. Se alguém disser: “Chávez foi um soldado”, é o suficiente.

Fasano: Uma última. Marx dizia que a humanidade só se coloca tarefas que está em condições de resolver. As tuas parecem ser enormes, com a magnitude e a utopia que te guia. Você crê que poderá com elas? Não acha que, lembrando Simón Bolívar, está arando no mar?

Chávez: Não. Temos que ir sempre assumindo o desafio e a carga do tempo histórico e isso se pode concretizar com aquela máxima de Marx: “É necessário, é imprescindível ascender do abstrato ao concreto”. Uma revolução tem que ser científica ou não é. Quer dizer, tem que se fundamentar no estudo profundo das condições e deve, a partir desse estudo ou diagnóstico, estabelecer seus limites da maneira mais acertada possível. Se caímos nos terrenos da utopia estaremos condenados a repetir Bolívar: “aramos o mar”. Nós cremos, e eu cada dia mais, que na Venezuela estamos arando em terra fértil. Porque há com o que arar. Há povo, há força, há amor, há paixão, há condições.

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