quarta-feira, 18 de setembro de 2013

IRON MAN

Você sabia que Tony Iommi (AKA Deus), o cara que inventou o Heavy Metal com seus riffs de guitarra infernais, é filho de pai brasileiro? Pois é, eu também não. Mas está lá, na página 18 de “Iron Man – Minha jornada com o Black Sabbath”, a autobiografia escrita em parceria com T. J. Mammers recém lançada em terras tupiniquins: “Acho que minha avó era do Brasil. Meu pai nasceu no Brasil”.

Só que não é verdade! É um erro de tradução. O original diz “I think my nan was from Brazil. My father was born here" – “Here”, no caso, é a Inglaterra, onde o músico vive e onde, certamente, escreveu – ou ditou para que seu parceiro escrevesse – o livro. Tremenda bola fora da editora Planeta e de Tatiana Leão, a tradutora, que evidencia a falta de preparo dos envolvidos nas publicações relacionadas à música em nosso país. Uma pena ...

Em todo caso, me diverti com a leitura. Numa narrativa enxuta e sóbria desenvolvida em 90 capítulos curtos ao longo de 400 páginas, o músico reflete sobre tudo o que ele aparentemente lembra ter acontecido em sua vida, sem se furtar a mencionar passagens polêmicos e/ou constrangedoras. Vai de sua infância, passada entre sacos de mantimentos que seus pais armazenavam em casa para abastecer a loja da família, à morte de Ronnie James Dio, ocorrida logo após uma volta triunfal da formação que gravou o clássico “Mob Rules” sob o nome de Heaven and Hell – aqui, aliás, ele me tira uma dúvida: a mudança de nome não se deveu a problemas contratuais, mas à necessidade de diferenciar as duas bandas, já que eles também tocavam eventualmente, na época, como Black Sabbath, só que com Ozzy nos vocais. Como a edição original foi lançada em 2011, não fala da recente gravação do disco com a formação “quase” original - muito embora mencione os planos para que isso aconteça. – nem sobre o câncer que o acometeu, a não ser por uma breve frase que encerra o penúltimo capítulo, no qual discorre sobre alguns de seus problemas de saúde: “Desde que fiz o tratamento com células tronco (para tratar dores nas articulações), não senti necessidade de tomar mais nenhum analgésico nem outros remédios. Tem sido fantástico. Até algo mais surgir ...

É especialmente divertido comparar a forma com que Tony e Ozzy (que também escreveu recentemente uma autobiografia, já resenhada aqui neste blog) narram as mesmas passagens de suas vidas, como a vez em que foram recepcionados por um culto sinistro no corredor do hotel onde estavam hospedados e apagaram as velas que eles acenderam cantando “parabéns pra você”. Os caras ficaram fulos de raiva e, evidentemente, decepcionados. Ou quando Bill chamou acidentalmente a polícia ao confundir um botão de emergência com o interruptor do ar condicionado, o que promoveu o caos na casa em que estavam hospedados, cheia de todo tipo de substâncias ilegais que se possa imaginar. Ambos têm um senso de humor afiado, mas diferente: o de Tony é mais refinado que o de Ozzy, totalmente demente e “escrachado”.

Para os fãs – e o livro é recomendado apenas a eles, já que a narrativa é bastante enxuta, totalmente desprovida de floreios literários – há o deleite de conhecer a visão do homem (há controvérsias. Eu, particularmente, considero-o uma entidade acima de nós, meros mortais) sobre os bastidores das turnês e das gravações dos discos. Interessante notar como ele consegue descrever os amigos com quem trabalhou de forma honesta, apontando inclusive seus defeitos, mas sem perder a elegância e procurando não ser injusto. Quase sempre acentua os pontos positivos das relações, como quando fala dos problemas de Glenn Hughes com as drogas, mas ressaltando sempre que ele era um ótimo cantor, ou quando relata sua relutância ao pedir a Dio para que não falasse mais sobre arco-íris e dragões nas letras do Black Sabbath. “Mas porque? Gosto tanto deles”, respondeu o baixinho, depois finalmente convencido de que o tema estava um tanto quanto repetitivo. Só desce o cacete mesmo, sem dó nem piedade, em quem de direito: nos empresários que os roubaram e em Ernie C., guitarrista do Body Count, que produziu “Forbidden”, décimo oitavo e último disco de estúdio da banda antes do atual “13”. A passagem, por sinal, evidencia o erro que normalmente se faz ao colar em Tony a pecha de autoritário: fica claro durante todo o livro que ele tomava a frente das produções apenas para que as coisas não saíssem do controle, já que o cara estava o tempo todo cercado de lunáticos – e isso inclui ele mesmo, ele admite. A única diferença é que ele conseguia focar no trabalho quando necessário. Na produção de “Forbidden” ele resolve dar uma chance à gravadora para provar que eles estavam errados ao achar que o som do Sabbath estava ultrapassado e necessitava de uma renovação. O resultado foi o pior disco da carreira da banda, na opinião de boa parte dos fãs – e do próprio Tony.

Aproveito o ensejo de estar mencionando a opinião do autor sobre terceiros para encerrar com a transcrição do trecho em que ele descreve Lemmy e os caras do Motorhead. Antológico:

“O Motorhead abriu para nós nos Estados Unidos. O vocalista, Lemmy, é uma grande figura.

É lógico que não havia comida no ônibus deles, só bebidas. Você passava pelo camarim deles e não tinha nada para comer, mas tinha muito vinho, cerveja e Jack Daniel´s. Eles são a epítome do rock´n´roll. Nunca saem dessa. Nunca vou esquecer de quando vi o guitarrista, Phil Campbell, ao lado do palco uma vez. Ele vomitou e, no minuto seguinte, estava no palco tocando. Caramba, como é que eles fazem isso? Como eles agüentam? O corpo dele deve ser indestrutível.

Lemmy provavelmente vai morrer no palco. Certamente não o vejo em uma casa de repouso quando mais velho. Ele costumava entrar no ônibus de turnê e sair no dia seguinte com a mesma roupa, no palco também, e assim ia... Motorhead, eles simplesmente vivem como ciganos.

Uma história engraçada que ouvi a respeito de Lemmy. Ele estava tocando e perguntou ao homem do monitor:

- Você consegue ouvir esse som horrível que está saindo dos meus monitores?

- Não – respondeu o cara.

- Nem eu, aumente!

A.

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