Dia 12 de março próximo a melhor sessão de cinema de Aracaju estará de volta. Com os filmes:
> Scott Pilgrim Contra o Mundo (omelete, por Érico Borgo): Para o quadrinista Bryan Lee O'Malley e o cineasta Edgar Wright, a vida acontece em fases. Mas não aquelas fases das aulas de biologia, infância, adolescência etc. Em Scott Pilgrim Contra o Mundo (Scott Pilgrim Versus the World, 2010), a vida acontece em fases como as dos videogames.
É curioso que a melhor adaptação já feita para o cinema de um videogame não tenha existido previamente como um jogo. Wright leva a estética dos games às telas, traduzindo em cores e gráficos toda uma geração de títulos clássicos em uma verdadeira celebração do "8 bits". Scott Pilgrim (Michael Cera, fazendo a única coisa que sabe) é inocente como Mario, luta como Ryu e tem mais corações que Link. Parte do visual criado aproveita também a origem de Scott Pilgrim nos quadrinhos, incluindo onomatopeias, recordatórios em quadro e influências de mangá.
Mas é explorando as barreiras da linguagem do cinema, com raro e frenético entusiasmo, que o filme realmente explode na tela. Wright pensa o "cinema em quadrinhos" experimentando na edição, velocíssima, e dando à produção algumas das elipses mais chocantes e concisas do cinema desde que Fritz Lang se aventurou pela interseção de tempos. É curioso notar também como a manipulação de espaço e tempo para contar uma história, interesse fundamental da profissão de montador, é aqui ferramenta, mise en scène e tema, com Ramona Flowers (Mary Elizabeth Winstead), a protagonista e interesse romântico do herói Scott Pilgrim, capaz de encontrar e utilizar "buracos de minhoca" para se locomover, algo que ela usa de forma tão cotidiana, como entregadora da loja canadense da Amazon.
Mais que um interesse romântico, Ramona é verdadeiro MacGuffin, o objeto de desejo que, segundo o termo cunhado por Alfred Hitchcock, direciona os esforços dos protagonistas, que se sacrificam para obtê-los. Na trama, Scott Pilgrim é movido pela presença da enigmática Ramona e decide enfrentar os "sete ex-namorados do mal" da moça mesmo sem saber quem exatamente ela é.
Como nos videogames, cada ex-namorado é uma fase a ser superada. Como na vida real, cada memória do outro é uma bagagem a ser compreendida pelo par. E Scott parte de sua "vidinha preciosa e simples", de moleque sem ambição, em direção à superação, ao amadurecimento. O prêmio óbvio, a princesa, é a própria Ramona. A vida adulta é a consequência dos pontos de experiência coletados pelo caminho.
Confunde-se a história simples e bem-humorada com "infantilizada". Preguiça, desconhecimento ou puro preconceito, não importa. Os sentimentos e as metafóricas situações em Scott Pilgrim são absolutamente reais, algo que o cinema de gêneros com apelo pop teima recentemente em deixar em segundo plano. E daí se o protagonista é capaz de feitos incríveis e trafega por mundos fantásticos? Se o amor que ele diz sentir não é demonstrado na tela, corre-se o risco de parecer tão empolgante quanto uma cópia em alta definição da Mona Lisa.
Scott Pilgrim Contra o Mundo é, assim, um épico pós-moderno para a geração criada dentro de casa. Uma imperdível celebração da cultura pop e dos relacionamentos complicados.
> Biutiful (Época, por Laura Lopes) é sobre a morte. Morte coletiva, solitária, por doença, velhice, acidente, assassinato… Sobre a morte dos relacionamentos, o sofrimento de se sentir outsider em uma terra que não é sua e longe de quem se ama, ou daquele que tem qualquer tipo de sofrimento mental. Há a imagem de pessoas mortas, mas o filme também tem uma estética esquisita, de ambientes sujos, empoeirados, úmidos, melados. É tudo grudento, e um pouco repulsivo, sem ser escatológico.
Iñárritu, que não sei se é espírita, nos apresenta Uxbal – Javier Bardem, em excepcional atuação –, um homem que ajuda os mortos a morrerem em paz, como em Sexto sentido: quem morreu precisa confessar para se livrar de um peso e viver uma “outra” vida. Ele é, o que parece, recém divorciado e tem a guarda de dois filhos fofos – a ex-mulher, Marambra, é bipolar e promíscua. Uxbal trabalha com a morte, tira o sofrimento dos mortos, mas passa a lidar com tragédias próprias, todas ligadas… à morte. Isso inclui um câncer de próstata em fase avançada, e a sua dor em ter que se despedir dessa vida, e dos filhos.
O que é a morte? Para onde ela leva? Quais são as palavras que aquele que se foi gostaria de ter dito? Isso alivia sua passagem? Existe essa passagem? Tais questionamentos vêm à mente até de pessoas céticas a desprovidas de crenças religiosas como eu.
Iñárritu junta todas essas questões, muito subjetivas, a elementos da vida em uma cidade grande, como Barcelona. E de uma maneira muito pragmática e natural, fazendo com que elas apareçam sem descambar para um roteiro de filme além-vida ou de temática espírita. Entram na trama o trabalho escravo, imigrantes ilegais chineses e senegaleses, a corrupção policial e a produção e comércio de produtos falsificados. O filme tem tantos elementos que transcorrer mais sobre o enredo seria perda de tempo.
Biutiful não é de chorar. É de arrepiar, de dar nó na garganta, de fazer o coração bater mais rápido, quase que numa taquicardia. O filme é como um soco no estômago: primeiro você sente a dor e fica sem ar, depois chora. Aconteceu assim, comigo. Talvez porque eu seja profundamente sensível à morte. Não que eu tenha medo dela, mas de quem ela possa me levar.
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