quarta-feira, 28 de abril de 2010

(*) Voltei, Recife.


Assim como os muçulmanos que têm que ir a Meca pelo menos uma vez na vida, minha peregrinação é anual e tem como destino o Recife, no Abril pro rock. É assim desde 1995, quando fui pela primeira vez, na terceira edição – isso depois de ficar sabendo da existência do Festival através do pessoal da Living In The shit, que tinha tocado lá no ano anterior como banda de suporte de Stela Campos, que na época atendia por Lara Hanouska. Naquela noite memorável, acompanhado de meu amigo de fé, irmão e camarada Marcos “Meleka Korroziva”, do Rio de Janeiro, tive a honra de ver, entre outras coisas, uma apresentação da Nação Zumbi ainda com Chico Science. De lá para cá, perdi pouquíssimas edições, acho que duas. Este ano a programação não estava tão convidativa, mas calhou de o Megadeth se apresentar dois dias depois e deixar a viagem bem mais atrativa.

Chegamos no Hellcife em pleno inferno – hora do rush, com um engarrafamento monstro pior do que o comum, por conta das obras de (mais um) viaduto. Quando adentramos o Centro de convenções, Mullet Monster Mafia estava no palco. Surf music com metais, coisa que, a princípio, eu deveria gostar, mas não sei se era eu que ainda estava entrando no clima ou a banda que é medíocre mesmo, sei que não gostei e já tratei de ir dar um passeio pelos stands de bugingangas e comidas. Senti falta logo de cara da barraquinha da Monstro, primeira vez em muito tempo que não a vejo por lá. Sinal dos tempos, muito provavelmente – muito poucos discos a venda, o comercio se concentra mais em camisetas, buttons, imãs de geladeira e demais traquitanas que não dá pra baixar de graça na net. Em termos de “rango”, estava melhor do que nos dois últimos anos, no Chevrollet Hall, mas também já teve dias melhores. Do lado esquerdo da entrada, uma imensa parede negra com alguns quadros bastante interessantes (ver imagens). Salta aos olhos, também, a redução do espaço ocupado no Centro de convenções, sinal de que era esperada apenas uma fração do publico que costumava lotar toda a área disponível, nos tempos áureos.

O público foi chegando á medida que a noite ia avançando. Claustrofobia, de São Paulo, fez um show extremamente barulhento, mas sem imaginação. Aquele thrash modernoso e sem graça de sempre. O mesmo pode-se dizer do Eminence – que é um pouco menos “duro”, mas igualmente desprovido de talento criativo. Pra “lascar” tudo de uma vez, me sobe ao palco um tal de “Terra Prima”, “gay metal” dos mais afetados. Não posso nem dizer nada sobre o show porque mantive distancia, já que aquela não é, definitivamente, a minha praia. Quando foi anunciado o show do Agent Orange, corri para a frente do palco pra ver e trouxe junto minha namorada, falando pra ela que aquela era uma banda clássica do punk rock e um dos motivos de eu estar ali (conheço-os pouco, mas sempre ouvi falar muito bem e como referência pra muita coisa que veio depois, além de ter gostado do pouco que ouvi). Passados cerca de 15 minutos de show ela me olha com cara de enfado e pergunta “é essa a banda que você acha tão boa” ? Não era. Não sei dizer exatamente o que foi, mas não funcionou. Foi muito ruim. O som da guitarra estava péssimo, “xôxo”, como dizemos por aqui, e o público (eu incluso) não conseguia se empolgar e começou a se dispersar. Deve funcionar melhor num espaço menor – ou não, vai saber.

Mas o que veio a seguir, não decepcionou. Varukers fez, finalmente, o primeiro grande show da noite. Crust (ou D-Beat) de primeira, na linha do Exploited, Discharge, G.B.H., Chaos UK e demais bandas da segunda geração do punk britânico. Uma britadeira de esporros impecável, grandes riffs, uma verdadeira muralha de guitarras acompanhada de batidas pesadas, com grande perfomance do vocalista Rat, em forma apesar de já não ser mais nenhum garotinho e ostentar uma bela pança. Na sequencia, provavelmente o melhor show que eu já vi dos Ratos de Porão. Estavam literalmente com o capeta no corpo e transferiram o espírito das trevas para a platéia, que se comportou de forma absolutamente ensandecida - para que se tenha uma idéia, até um extintor de incêndio foi roubado de uma das laterais e acionado no meio do público por algum maluco sem noção. João Gordo comandou a desgraça num clima de “foda-se” total – ele estava meio que com uma idéia fixa de que já que o mundo ia mesmo acabar em 2012, foda-se tudo. Foda-se, foda-se e foda-se, era a palavra de ordem. Tocaram, inclusive, e com toda a convicção possível, “Igreja Universal”, a pra lá de ácida crítica aos atuais patrões do Gordo, já que ele está no cast do “Legendários”, o programa de Marcos Minhon (péssimo, por sinal) que desfalcou a MTV do que ela tinha de melhor. Superou o Varukers de longe e foi, definitivamente, o show da noite.

Pra encerrar, Blaze Bayley adentra ao palco com uma camiseta do Brasil e uma daquelas calças “poca ovo” coladas no corpo e uma bandana na cabeça – um “modelito”, digamos, no mínimo bizarro. Um grupo de fiéis seguidores já o saudava há algum tempo – fala sério, tem que ser muito “metaleiro” pra ser fã de Blaze Bayley. O som em si não é ruim, é Haevy Metal de qualidade, bem executado e com composições variando entre o bom e o razoável, mas a perfomance do cara naquela noite foi especialmente irritante. Fiquei até não agüentar mais ver ele fazendo sinal pra platéia levantar os braços pela milésima vez. Haja saco.

Na noite seguinte, chegamos ao som da Plástico Lunar. Pouiquíssima gente na platéia, o que é uma pena, pois a banda fez um show muito bom, redondinho e preciso, o que é impressionante se levarmos em conta que, em algumas canções, haviam 3 guitarristas no palco, já que os ex-membros Rafael Costelo e Daniel haviam viajado a Recife para participar do festival. Em todo caso, acabaram dando sorte, porque consta que se apresentaram justamente na hora em que a Rede Globo Nordeste fez um flash ao vivo do festival, o que significa que eles foram vistos por todo o Pernambuco via televisão.

Bugs, do Rio Grande do Norte, não me empolgou. É pesado, é energético, mas é muito chato, com letras pseudo-intelectuais e existencialistas – “ela vestiu-se em chamas” é dose. Depois entrou um tal de Zeca Viana que eu nem sei de que se trata nem tenho o menor interesse em saber. Pra compensar, tivemos a Vendo 147, de Salvador. Que porra foi aquilo ? Absolutamente sensacional. O melhor show de todo o festival, sem sombra de dúvidas. Um verdadeiro massacre “roqueiro” de primeiríssima qualidade conduzido com precisão pelos irmãos siameses gigantes do “clone drum”, Glauco e Dimmy, “O Demolidor” (ex-Honkers). É uma banda instrumental com dois bateristas dividindo o mesmo bumbo, o que, por si só, já chamaria a atenção pelo inusitado da formação, mas não seria nada se as composições não fossem também muito boas e a execução das músicas não fosse feita com precisão e entrega fora do comum. E foram. O “medley” com grandes riffs do rock (“Back in Black”, “Enter Sandman”, “purple haze”), em especial, levou o público ao delírio. Saíram do palco ovacionados – dá até orgulho de ter um sergipano fazendo parte dessa história, no caso Duardo, ex-Snooze.

No palco ao lado, Nevilton. Bem legal. Rock and roll energético com um acento pop simpático. A perfomance do cara (o Nevilton) é ensandecida, beirando até o exagero, mas parece sincera. Pena que tiveram pouco tempo. Já o River Raid, de Pernambuco, teve muito tempo, o que tornou o show um tanto quanto arrastado e cansativo (muito por culpa de algumas composições com um andamento excessivamente lento), apesar de competente e “potente”. Bom trabalho de guitarras, bem na linha de outra banda lá mesmo de Recife, o Sweet Fanny Adams – indie-rock estiloso e bem executado.

Sou fã da Plastique Noir, de Fortaleza, e vê-los ao vivo foi um dos principais motivos dessa minha ida ao Abril. Infelizmente, as coisas parecem não ter dado muito certo e o show foi um tanto quanto decepcionante – não de todo ruim, mas dá pra sentir que eles podem (e devem, em ocasiões mais favoráveis) render muito mais. Logo de cara interrompem uma música por algum problema técnico que não consegui entender qual foi, mas que parece não ter sido totalmente resolvido, já que os músicos pareciam desconfortáveis no palco, especialmente o baixista Daniel, que parecia estar tocando sem retorno. Fora isso, a perfomance da banda foi ok, com destaque para os belos dedilhados e caras e bocas do guitarrista Marcio Mazela, um figura – aliás, depois do Vendo 147, o grande destaque da noite foram as dancinhas dele no meio do público ao som de Afrika Bambaataa.

Wado é bom, mas é samba rock, né. Sei lá, não curto muito essa malemolência praieira dessa gente bronzeada que quer mostrar seu valor não. Minha praia é mais a do rock, rock puro, duro, e quanto mais velho, mais roqueiro fico. Não vi o show porque não tava a fim de ouvir samba rock, mas já baixei discos de Wado e gostei, reconheço imensamente seu valor como compositor e arranjador acima da média. Sem falar que é uma grande pessoa, nunca tive muita intimidade mas conheço ele do tempo em que andava muito por Maceió com o povo do Living In The Shit.

E se o que eu queria era rock ( o que é natural, estando num festival chamado Abril pro rock ), foi exatamente o que não tive no restante da noite. 3 Na Massa foi extremamente chato – coisa que não deveria ser, em se tratando de um projeto de dois caras da Nação zumbi escudados por belas vozes femininas. Deve ser porque eu sou roqueiro, “do mal” – o mesmo provável motivo de eu ter achado um saco os dois últimos shows seguintes, “Instituto Mexicano Del Sonido”, que eu nem vi, só ouvi de longe, e Afrika Bambaataa. Esse eu fui ver, já que se trata de uma figura histórica para a música em si, o criador do hip hop em pessoa. Não gostei e fui embora antes do fim porque não é a minha praia, mas foi bem animado, um verdadeiro bailão funk cheio de grooves matadores comandado por dois MCs alucinados, dois negrões cabulosos que pareciam ter saído de alguma cena de “Warriors”.

O Pato Fu eu não vi, e não me arrependi.

Fui. Mas ano que vem eu volto.

Assim espero.

Amém.

A.

* Composição: Luis Bandeira

Voltei, Recife
Foi a saudade
Que me trouxe pelo braço
Quero ver novamente "Vassoura"
Na rua abafando
Tomar umas e outras
E cair no passo

Cadê "Toureiros"?
Cadê "Bola de Ouro"?
As "pás", os "lenhadores"
O "Bloco Batutas de São José"?
Quero sentir
A embriaguez do frevo
Que entra na cabeça
Depois toma o corpo
E acaba no pé

2 comentários:

A Wild Garden disse...

Como adoro a internet!
Nunca fui "no Abril pro Rock" como canta Wander Wildner, mas através do Adel, fui virtualmente. É,já ouvi falar isso do Agent Orange.

programa de rock disse...

pow, que legal ter te proporcionado essa "viagem virtual". Obrigado pelas visitas e pelos comentários, são um grande incentivo.