quarta-feira, 28 de abril de 2010
MARAVILHA !
Fui assitir “Alice no País das Maravilhas” de Tim Burton e vi exatamente o que esperava ver, e achei ótimo, assim como achei ótimo o último disco do Motorhead, que entrega há anos somente aquilo que seus fãs querem ouvir e segue firme esbanjando vigor. É esquemático e previsível ? É, mas e daí ? Isso não significa que seja necessariamente ruim. Não entendo essa história de se esperar uma revolução narrativa e/ou estética a cada novo filme de Tim Burton – o cara está lá, fazendo com extrema competência tudo aquilo que se propõe a fazer, então qual é o problema ? Pra mim, nenhum. Me diverti muito, azar de quem foi assitir com uma opinião pré-concebida influenciada pela crítica ranheta.
Me diverti especialmente com a Rainha de Copas, magnificamente interpretada por Helena Bonhan Carter (e fazer com que o expectador note o trabalho do ator, neste caso, é um feito, dada a quantidade de maquiagem e intervenção digital a que o personagem está submetido), mas adorei também o Chapeleiro Maluco de Johnny Depp, o Gato risonho e flutuante com seu sorriso debochado, a caricata Rainha Branca e sua pose de bailarina. Adorei as criaturas fantásticas, o cenário magnificamente colorido, a batalha épica a La “Senhor dos Anéis” no final (como reclamar de uma criatura demoníaca com a voz de Christopher Lee ? Só sendo muito ranzinza mesmo), a mensagem anti-conformista (muito embora o diretor esteja sendo insistentemente acusado de ter se tornado esquemático e repetitivo) e o filme como um todo. Sabia que Alice ia matar a tal criatura e os vilões seriam derrotados no final, evidentemente, mas não liguei a mínima pra isso.
Cinema ainda é a maior diversão, e diversão é solução, sim.
É solução pra mim.
A.
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Abaixo, uma crítica no geral negativa porém embasada e consistente, apontando com precisão os pontos altos e baixos do filme.
por Pablo Villaça, no site Cinema em Cena
Alice no País das Maravilhas - Dirigido por Tim Burton. Com: Johnny Depp, Mia Wasikowska, Helena Bonham Carter, Crispin Glover, Anne Hathaway, Marton Csokas, Matt Lucas e as vozes de Alan Rickman, Stephen Fry, Timothy Spall, Michael Sheen, Barbara Windsor, Michael Gough, Imelda Staunton e Christopher Lee.
Publicado em 1865 depois de ter sido supostamente escrito por Lewis Carroll como uma espécie de declaração de amor à garotinha Alice Lidell, então com 10 anos de idade (Carroll tinha 32), Alice no País das Maravilhas ganhou, ao longo das décadas, mais de 30 adaptações cinematográficas, numa prova clara do fascínio que despertou – e desperta – em cineastas de todo o mundo. Com uma narrativa episódica, repleta de simbolismos e uma protagonista que não se encaixa na sociedade à qual pertence, o livro parecia ideal para um tratamento de Tim Burton, um cineasta que freqüentemente enfrenta problemas com tramas que exigem um desenvolvimento mais complexo e que, além de adorar universos fantasiosos e incômodos, exibe uma clara preferência por personagens desajustados de uma maneira ou outra. Infelizmente, apesar do casamento aparentemente perfeito, a versão do cineasta desaponta pela falta de energia da narrativa, que surge tão enfadada e enfadonha quanto a Alice aqui apresentada.
Usando não só Alice no País das Maravilhas como base do roteiro, mas também a continuação Alice Através do Espelho, o roteiro de Linda Woolverton (O Rei Leão) adota a estratégia mal-sucedida de Hook – A Volta do Capitão Gancho ao trazer a personagem-título já mais velha de volta ao mundo mágico que conheceu na infância. Prestes a se tornar noiva de um aristocrata aborrecido e cansada das convenções impostas pela sociedade de sua época, Alice (Wasikowska) segue mais uma vez o Coelho Branco (Sheen) de volta ao mundo dominado pela Rainha Vermelha (Bonham Carter), onde descobre que deverá derrotar o temido Jabberwocky (Lee) a fim de devolver a coroa à boa Rainha Branca (Hathaway). Para isso, ela contará com a ajuda do Chapeleiro Maluco (Depp), do Gato de Cheshire (Fry) e de várias outras criaturas fantasiosas vistas nos livros de Carroll.
Com o design de produção assinado pelo mesmo Robert Stromberg que este ano recebeu o Oscar por seu trabalho em Avatar, Alice é visualmente eficiente: o mundo visitado pela heroína combina bem os cenários com cores fortes e arrebatadoras com outros nos quais a direção de arte investe em tons mais monocromáticos, como no castelo da Rainha Branca, que parece ter sido uniformemente mergulhado na alvura que batiza a monarca. Além disso, detalhes como a escultura da Rainha Vermelha feita na vegetação servem não apenas para ilustrar algo sobre a personagem (seu egocentrismo) de maneira orgânica, mas também como referência divertida à carreira do diretor (Edward Mãos-de-Tesoura, obviamente). Da mesma maneira, o próprio design das criaturas virtuais merece aplausos – e gostei particularmente do exército de cartas, que surge devidamente trajando armaduras finas como papel. Sim, aqui e ali o trabalho recai no óbvio, como no campo de batalha que se apresenta como um tabuleiro, mas ainda assim é difícil imaginar uma alternativa que teria funcionado melhor, o que torna a opção mais compreensível.
Já os rebuscados efeitos visuais surgem irregulares: por um lado, os personagens puramente digitais, como a Lebre Maluca, o Coelho Branco e a Lagarta conseguem combinar bem as características de um animal com outras que os tornam expressivos como humanos (destacando-se, aí, os sapos suspeitos de furto); por outro, figuras como o Valete (Glover) tropeçam por investirem em corpos digitais para cabeças humanas, já que o gestual das criaturas se apresenta artificial e trôpego. Enquanto isso, Johnny Depp, basicamente dependendo apenas da maquiagem e de próteses, investe numa composição caricata como o personagem exige ao mesmo tempo em que se apresenta em cena como uma espécie de filhote assustado de Madonna, Gene Wilder e Elijah Wood. Falando com a língua presa e usando os ocasionais acessos de raiva do Chapeleiro como recurso para torná-lo um pouco mais complexo, Depp faz o possível para tornar o sujeito interessante, mas acaba sendo vitimado pelo roteiro, que, parecendo ter sido modificado apenas para aumentar sua participação, não consegue justificar plenamente estas cenas adicionais.
E se a Rainha Branca de Hathaway apresenta-se como uma distração curiosa com seus gestuais excessivamente (e propositalmente) delicados, Helena Bonham Carter acaba roubando o filme sempre que surge como a Rainha Vermelha, concebendo a vilã como uma criatura mimada cuja crueldade serve apenas para ocultar sua terrível insegurança. Abusando de todos os animais do reino (os morcegos usados para carregar os lustres são um toque particularmente divertido), a Rainha consegue se tornar bem mais complexa que todos os seus parceiros de cena, sendo hábil também em provocar o riso e em sugerir traumas de infância que, resultantes de sua imensa cabeça, parecem ter plantado as sementes de sua tirania. Com isso, é até injustiça tentar compará-la à Alice de Mia Wasikowska, que, depois da performance promissora na primeira temporada da série In Treatment, aqui concebe uma protagonista terrivelmente desinteressante. Sim, Alice nunca foi a mais fascinante das heroínas, mas aqui ela estabelece um tom tão monocórdio desde sua primeira cena que realmente se torna difícil compreender por que deveríamos investir duas horas em sua companhia – mesmo que Burton construa seu gradual fortalecimento através de pistas visuais como o fato de soltar os cabelos assim que pisa no “país das Maravilhas”.
Mas talvez este tédio constante da protagonista apenas reflita a falta de vigor de toda a narrativa: perdendo longos minutos com cenas que mais parecem ter saído de um videogame (beba, diminua; coma, cresça, pegue a chave; beba, diminua, abra a porta; salve o jogo antes de passar para a próxima fase), Burton falha em imprimir ritmo até mesmo a um roteiro episódico como este, o que não deixa de ser preocupante no que diz respeito aos rumos de sua carreira. Além disso, ao transformar os sonhos descritos por Carroll em realidade, o diretor mata todos os interessantes paralelos que aquele universo estabelecia com o mundo de Alice, perdendo qualquer indício da complexidade antes existente na história, já que nada daquilo parece mais refletir as experiências e anseios da garota.
Como se não bastasse, a conversão para o 3D feita durante a pós-produção reflete o desconhecimento do cineasta com relação à linguagem: observem, por exemplo, como ele investe no rack focus (mudança brusca de foco) em vários planos, o que contraria, por definição, a própria lógica do campo tridimensional – e notem, também, como os cavalinhos voadores que surgem em certo instante acabam estabelecendo uma dinâmica estranha com outro objeto em primeiro plano, que parece estar simultaneamente no meio e atrás das duas criaturas. O erro, aliás, acaba se refletindo também na legenda em português (mas aí a culpa não é de Burton, claro), que em alguns momentos parece sair diretamente do corpo dos personagens em vez de ser projetada à sua frente.
Ainda assim, embora irregular e com sua parcela de problemas, Alice prende o espectador graças ao espetáculo visual que oferece. Uma pena, portanto, que isso se deva mais aos artistas responsáveis pela direção de arte e aos supervisores de efeitos visuais do que diretamente a Tim Burton, um cineasta que às vezes se esquece de como é talentoso.
23 de Abril de 2010
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Um comentário:
Fui correndo com minha filha mais nova a estréia, sob tempestade. Chegamos lá, havia sido adiada. Finalmente, no dia em que ela conseguiu adentrar o cinema ansiosa (e eu achando que ia dormir) tivemos uma viagem empolgante pela Alice underground, com o chapeleiro me lembrando o Johnny Rotten quando novo (antes de tê-lo conhecido). Um filme que prende tanto, que a gente levou um susto quando saiu do estacionamento e deu de cara com um céu azul com nuvens branquinhas iguais aos dos Simpsons!
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