JD - Você pegou a contramão da história, concorda comigo? Justamente quando meio mundo se apressa em decretar o fim dos suportes analógicos e a morte do impresso, em plena era do streaming, o cara me aparece com um livro "de carne e osso". Ainda dá pra botar fé nessa entidade misteriosa, o leitor?
Adofo Sá - Não tenho um pingo de fé na humanidade, e boto menos fé ainda no leitor. Mas discordo, em termos. Hoje em dia se publicam mais livros do que nunca, a tecnologia barateou os custos de produção e até fanzines são feitos em gráfica. A internet quebrou as pernas dos grandes mercados culturais estabelecidos em alicerces corporativos, mas acabou ajudando muito a produção independente ao facilitar o acesso à informação e à divulgação do trabalho. Comecei com o blog como uma alternativa barata à autopublicação, processo que eu abracei nos anos 90 com os zines. Ao longo dos anos 2000, blogs perderam espaço pra redes sociais e a informação imediata se sobrepôs ao texto, à pesquisa e até mesmo à credibilidade - a notícia que você lê no Facebook muitas vezes não é verdadeira. Mas o incômodo só existe pros jornais, revistas e TVs, da mesma forma que as gravadoras se foderam com o livre compartilhamento de MP3. No underground a coisa vai muito bem, obrigado.
120 Dias de Sodoma, quinze anos depois ... |
Agora, é verdade que as pessoas lêem cada vez menos, estão aí os zeros na redação do Enem pra comprovar. Ler é poder, quem não lê tem mais é que se foder.
JD - O Viva La Brasa se detém sobre um universo muito específico, habitado por tudo quanto é tipo de freak. Os papocos do underground interessam a quem, além de seus próprios habitantes?
Adofo Sá - O livro não foi feito pra agradar. Não tenho a ilusão de falar a todas as pessoas, até porque eu conheço muita gente com quem não quero nem falar. O público-alvo são pessoas que entendem a viagem e curtem o universo retratado ali: cena independente, histórias em quadrinhos e estados alterados da mente. Não é pra toda a família. Se quiserem usar como livro de mesa, tirem as crianças da sala.
JD - O lançamento do Viva La Brasa tem tudo para se transformar numa grande congregação de malucos e afins. O livro leva a sua assinatura, naturalmente, mas as quase 300 páginas do volume celebram os feitos de uma geração inteira. O barato é coletivo?
Adofo Sá - O barato é louco, o sistema é bruto e o projeto é coletivo como um ônibus lotado. Banquei todo o livro com grana do próprio bolso, quanta gente você conhece que faz isso? Vivemos num estado onde grande parte da arte é subsidiada com verba pública, nisso eu tô indo na contramão. Sempre gostei de trabalhar com colaboradores, desde os zines nos anos 90. Ganho a vida com audiovisual e sei da importância do trabalho em conjunto. Por isso, fiz questão de assinar o livro "Adolfo Sá & amigos".
Uma renegada ... |
Já tá aqui em casa ... |
Dito isto, não poderia encerrar este relato sem comentar o motivo primário da noite: O livro de Adolfo Sá, "Viva La Brasa", que estava finalmente sendo lançado, depois de mais de dois anos de "maturação". Está belíssimo! Mais um impecável trabalho de diagramação comandado por Gabi Ettinger. Uma verdadeira obra de arte, impressionante. A curadoria ficou por conta do Calango doido Rian Santos e, numa primeira olhada, me pareceu perfeita. Tem, inclusive, um texto meu sobre a Karne Krua, deliciosamente pomposo e dramático, do qual eu nem me lembrava mais, já que havia sido originalmente publicado na edição xerocada de meu fanzine, o Escarro Napalm, há exatos 20 anos!
Um grande registro não apenas do trabalho de Adolfo, do qual sempre fui fã, mas de todos nós, "fanzineiros" e demais militantes do "underground" alternativo de uma geração que começou a produzir em tempos ainda pré-digitais, por volta da segunda metade da década de oitenta e primeira da de noventa do século passado, e não parou mais. Nem vai parar.
"Viva La Brasa" me representa! Tenho orgulho de fazer parte dessa história.
Relato da festa de lançamento por Adelvan "Kenobi"
Entrevista por Ria Santos
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