Até 2007, era improvável que o nome de John Lindqvist fosse conhecido fora dos limites da Suécia. Isso mudou naquele ano com o lançamento do filme Deixe Ela Entrar (Låt den Rätte Komma In), baseado em seu homônimo livro de estreia (ainda inédito no Brasil). A história da vampirinha adolescente de 200 anos que fica amiga de um
menino vítima de bullying arrebatou público e crítica, gerando um remake
(intitulado Deixe-me Entrar, bem razoável) nos Estados Unidos.
Os filmes também evidenciaram o talento de Lindqvist, ex-comediante
stand-up, para conjugar terror e ternura de forma até então inédita, mas
sem concessões à inaceitável assepsia cristã de um Crepúsculo. Agora, chega ao Brasil seu segundo livro, Mortos Entre Vivos, que narra um levante de zumbis em Estocolmo - só que, diferente de outras obras do gênero, a sanguinolência habitual
cede lugar ao drama em dois níveis: o da sociedade, que não sabe o que
fazer com os ”redivivos”, e o dos parentes, que, de uma hora para a
outra, tem seus mortos (putrefatos) batendo à sua porta.
Nesta entrevista por email, Lindqvist fala do livro, dos filmes (Deixe Ela Entrar e as vindouras adaptações de Mortos Entre Vivos e Harbour, seu terceiro livro), da dificuldade de lidar com zumbis-crianças etc.
(Matéria - aqui, não editada - e entrevista publicadas originalmente no Caderno 2+ do jornal A Tarde, de Salvador - BA)
ENTREVISTA: JOHN A. LINDQVIST
Como o livro surgiu? Você decidiu escrever uma história de zumbis e
foi em frente? E como você resolveu remover o “fator canibal” dos seus
zumbis? Foi uma decisão consciente?
JAL: Eu queria escrever
um romance sobre zumbis, mas com uma ideia básica nada convencional para
o gênero – que era não deixar que eles fossem agressivos. E, daí, ver
aonde isso me levaria.
É bem doloroso perder entes queridos, mas no livro, a dor é
multiplicada quando eles voltam. É como se você tivesse dado um “drible”
no gênero, substituindo o temor primevo da morte pelo sofrimento de ter
de conviver com parentes mortos e em decomposição zanzando por aí. É,
ao mesmo tempo, apavorante e fascinante.
JAL: Essa também foi uma das ideias que tive desde o início. Não deixar
que os zumbis fossem uma turba sem nome e sem rosto contra a qual você
tem que lutar, tornando tudo, no fim das contas, uma história de guerra.
Não. Eu quis que os mortos fossem a avó ou pai ou o filho de alguém. Eu
quis escrever uma história sobre nossa relação com os mortos, não
apenas sobre o medo que temos deles.
O livro apresenta muitos personagens e situações perturbadoras. Mas
nenhuma permaneceu comigo tanto quanto Elias. A ideia de um menino de
seis anos parcialmente mumificado é muito perturbadora. Ele é também o
único morto-vivo do livro que demonstra alguma expressão facial – e
maligna. Como leitor, foi o personagem que me deixou a impressão mais
forte. Você teve outras respostas como esta?
JAL: Sim. A maioria das pessoas que leu o livro achou essas passagens
especialmente perturbadoras – e elas foram mesmo as mais difíceis de
escrever, no que tange à emoção. Por isso mesmo, são as que me deixaram
mais orgulhoso. Também tive várias dificuldades com Elias quando estava
escrevendo o roteiro para a adaptação cinematográfica que está a
caminho. Há limites para o que você pode mostrar na tela, especialmente
quando se trata de crianças.
Há também um aspecto de mistério bem forte em Mortos Entre Vivos, com
todos aqueles fenômenos envolvendo clima, eletricidade, telepatia e
aqueles vermes brancos. O que são eles? Uma raça alienígena? Nossas
almas? Ou cada leitor deve pensar na sua solução?
A ideia dos vermes é que eles são um aspecto de nossas almas. Um aspecto
muito incompleto, mas ao mesmo tempo, é aquele que nos mantém de pé.
Por algum tipo de erro cósmico (o qual achei que ficaria bobo se eu
tentasse explicar), essas partes cruciais de nossos corpos (quando
vivos), retornam aos mortos.
Quais são suas influências? Há algum trabalho prévio (livro ou filme) que o inspirou nas ideias de Mortos Entre Vivos?
Não, não mesmo. A influência seria o gênero zumbi como um todo. Eu
queria escrever algo que olhasse para o fenômeno de um ângulo diferente.
Isso foi, claro, alguns anos antes da atual onda zumbi. Escrevi a maior
parte do livro em 2003.
Como um comediante stand up se torna escritor de terror? É uma
trajetória bem incomum. O personagem David é meio que seu alter ego, já
que ele é comediante stand up?
Bem, sim. Usei locais e experiências associadas ao fato de ter sido
comediante em David, mas ele não é meu alter ego. Muito raramente uso
pessoas do meu convívio como inspiração. Uso só pequenos aspectos de mim
mesmo e crio personagens em torno desse aspecto
Desde os anos 1940, zumbis são utilizados para ilustrar metáforas
várias – desde a escravidão ao consumismo, a falência do American Way
of Life etc. Há alguma metáfora em Mortos Entre Vivos?
Não. Eu não escrevo em metáforas ou alegorias. Ainda que minhas
histórias sejam, por vezes, interpretadas como tais. Mortos Entre Vivos
tem sido muitas vezes visto como um comentário sobre a forma como nós
(suecos) tratamos os imigrantes. Ou os deficientes físicos. Ou qualquer
um que seja outsider, de uma forma ou outra. Mas nunca foi minha
intenção. Eu só queria escrever um romance de zumbis diferente.
Você esperava tamanho sucesso para Deixe Ela Entrar? O que achou das
adaptações cinematográficas – o original sueco e o remake
norte-americano?
Eu tinha sérias dúvidas se o livro sequer seria publicado, só para
começar. Ele foi recusado por todas as grandes editoras da Suécia,
então, não, nunca esperei tal sucesso. Achei o filme sueco um dos
melhores filmes de horror já feitos. E o remake, um dos melhores filmes
americanos de horror já feitos.
Algum outro livro seu vai ser adaptado para o cinema?
Sim. Mortos Entre Vivos está em processo de adaptação. O roteiro está
escrito e só faltam alguns poucos detalhes a serem resolvidos. Eu e
Tomas Alfredson, que dirigiu Deixe Ela Entrar (o original e também o recente O Espião Que Sabia Demais, com Gary Oldman) talvez façamos juntos a adaptação de Harbour (Porto), meu terceiro livro, em algum momento no futuro.
Você é fã de zumbis? O que acha dessa popularização, com The Walking Dead, o livro e filme Guerra Mundial Z, de Max Brooks e os games e filmes Resident Evil? Como você vê tudo isso?
Zumbis são meus monstros preferidos, mas não devo escrever mais sobre
eles. Quanto a essa coisa toda, espero ansiosamente pelo (game) Resident Evil 6, já que joguei todos os games anteriores. E também gosto muito de The Walking Dead.
por Franchico
rock loco
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