sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Russia, 19 de agosto


Há exatos 20 anos, no dia 19 de agosto de 1991, irrompia uma tentativa de golpe de estado na União Soviética, governada por Gorbachev e sua "perestroika". "“Superar a crise profunda, bem como a confrontação política, interétnica e civil, o caos e a anarquia que ameaçam as vidas e a segurança dos cidadãos soviéticos e a soberania, a integridade territorial, a liberdade e a independência da pátria”, era o objetivo declarado dos inssurectos. Não era nada disso, evidentemente. Tratava-se apenas de uma última tentativa desesperada da velha camarilha burocrática de continuar agarrada ao poder. Houve motivo, portanto, para comemoração entre todas as pessoas de bom senso pelo fracasso do movimento, pelo menos na época. Visto de hoje, nem tanto ...

O golpe foi uma oportunidade e tanto para que oportunistas como Boris Yeltsin usassem a legítima insatisfação popular em proveito próprio. E ele soube capitalizar o momento, infligindo uma derrota humilhante a Gorbachov, um incompetente bem intencionado (de boas intenções o inferno está cheio), e precipitando o fim da própria União Soviética, que virou Comunidade dos Estados Independentes. Foi uma tragédia. O patrimônio publico foi vendido a preço de banana, seguindo o receituário neo-liberal, o que gerou uma brutal concentração da riqueza e a proliferação de organizações mafiosas. As coisas foram de mal a pior até que o bebum, famoso por seus vexames em publico, entregasse o poder a um novo "czar", Vladimir Putin, que pôs ordem na casa - mas até certo ponto, e às custas de uma mal-disfarçada mão forte autoritária travestida de democracia.

Segue assim até hoje. Pobre Russia, parece mesmo condenada a viver sob o jugo de autocracias ...

Na foto acima, a derrubada da estátua de Felix Djerjinsky, fundador da temida KGB, em 1991.

Abaixo, um relato do neto do maior líder comunista brasileiro, Luiz Carlos Prestes, publicado hoje pela BBC Brasil:

A Rússia dos tempos atuais é melhor e oferece muito mais possibilidades que a extinta União Soviética, mas sofre com o declínio de uma série de serviços e com uma obsessão exagerada pelo dinheiro.

É essa a opinião do empresário Vladimir Prestes, neto do maior líder comunista da história brasileira, Luís Carlos Prestes, que ao longo de toda a vida foi leal ao regime soviético.

''Lógico que hoje em dia há mais possibilidades, o mercado é livre, as fronteiras são abertas e você pode ganhar dinheiro e construir sua vida de forma eficaz'', disse Prestes à BBC Brasil, de Moscou, em uma entrevista por telefone.

A liberdade de mercado e abertura das fronteiras é algo crucial para o trabalho de Vladimir Prestes, que ganha a vida exportando frutas secas brasileiras para a Rússia.

A contrapartida, acrescenta o neto do antigo dirigente do ''Partidão'', é que ''o nível de educação caiu muito, as pessoas com 17, 18 anos, não sabem a história de seu país. A cultura americana, com o cinema e o McDonald's, entrou na vida russa e não acho isso muito bom. O setor de agricultura, por exemplo, está destruído, e a agricultura soviética era uma das melhores do mundo''.

Filho do brasileiro Antonio João Prestes, Vladimir nasceu em 1978, quando o governo de Leonid Brezhnev chegava ao fim. Era um período identificado por muitos analistas como de saturação com um sistema econômico estagnado e de escassas liberdades políticas.

Prestes conta que as falhas e contradições do sistema soviético ficavam ainda mais claras para ele, devido aos privilégios que sua família possuía por conta do cargo de seu avô à frente do PC brasileiro e devido às viagens ao exterior realizadas regularmente por eles.

Lista de espera - ''Minha escola tinha 40 outras crianças e eu era o único que tinha TV a cores e máquina de lavar em casa. Quando eu ia ao Brasil, sempre comparava os super-mercados de lá com os da União Soviética. Enquanto nos brasileiros havia 15 marcas de presunto, nos soviéticos só havia dois. Enquanto nos brasileiros havia dez de tipos de queijo, nos soviéticos só se encontrava um, e muitas vezes nem isso'', recorda.

''A população não tinha acesso a várias coisas. Para comprar uma geladeira, era preciso se inscrever em uma lista e esperar até dois anos. Para comprar um carro novo, era preciso esperar cinco anos. Hoje em dia, é difícil imaginar uma coisa dessas'', diz, aos risos.

Com a ascensão de Mikhail Gorbachev ao comando da União Soviética, reformas até pouco tempo inimagináveis começaram a ser introduzidas no país. As políticas de glaznost (transparência) e perestroika (restruturação) ofereceram novas liberdades políticas e reformas econômicas.

''Quando Gorbachev chegou ao poder, o descontentamento estava no auge. Com a chegada da glaznost, começaram a sair várias matérias nos jornais sobre coisas que eram proibidas até poucos anos antes, como os crimes na época de Stálin, os revolucionários soviéticos que haviam sido apagados da história soviética. O povo então entendeu que não sabia a verdade e a visão de todos sobre o passado do país começou a mudar'', conta Prestes.

Rolling Stones e Pink Floyd - ''As pessoas sentiram que alguma coisa estava mudando quando começaram a ser exibidos na TV filmes americanos e quando bandas que até pouco tempo estavam proibidas, como Pink Floyd e Rolling Stones, passaram a tocar no rádio. Foi como respirar ar fresco''.

Mas o entusiasmo inicial foi aos poucos passando. ''Por volta de 1988, as pessoas já estavam começando a se desiludir. Gorbachev não tinha a coragem ou a possibilidade de finalizar as reformas que começou. A União Soviética era um império, onde a Rússia era a matriz. Nas várias repúblicas soviéticas, que não tinham nem um idioma e nem uma cultura em comum, os sentimentos nacionalistas começaram a crescer muito rapidamente.

Para piorar, o país também começou a enfrentar uma crise econômica e, para contê-la, adotou um sistema de racionamento, mediante o qual cada cidadão só tinha direito a uma quantidade determinada de certos produtos.

''Você tinha que apresentar um papelzinho no supermercado para receber um quilo de açúcar ou duas garrafas de vodca. As pessoas perceberam que isso não era normal, porque só haviam visto algo assim na Segunda Guerra Mundial. Além disso, o povo começou a querer mais, e Gorbachev não estava pronto para dar essa liberdade total ao povo.''

Aproveitando o enfraquecimento da liderança soviética, Boris Yeltsin surgiu com força na cena política soviética, insurgindo a população a resistir contra os golpistas linha-dura que tentaram derrubar um Gorbachev enfraquecido. ''Yeltsin falou: 'Vamos acabar com o Partido Comunista e abrir os mercados'. A popularidade de Gorbachev começou a despencar e a de Yeltsin a subir sem parar.''

Em 1991, Yeltsin anunciou a dissolução da União Soviética, marcando 70 anos do fim de um regime que pretendia durar vários séculos.

Aprovação familiar - Apesar da associação histórica do sobrenome Prestes com o comunismo soviético, o empresário conta que sua família ''foi 100% a favor do fim da União Soviética''.

Seu avô, que morreu em 1990, não chegou a ver a derrocada do império soviético, mas, segundo Vladimir Prestes, ficou profundamente desiludido ao ouvir os relatos sobre as contradições do regime.

''Quando íamos de férias ao Brasil, ficávamos na casa de meu avô e de sua mulher, dona Maria. Eles nos faziam um monte de perguntas sobre a situação do país. Eu contava que todo mundo só comia batatas, que faltavam vários produtos nos super-mercados. Eu era criança e não entendia que a verdade era um pouco dura para o meu avô, que gostava muito da União Soviética. Mas graças a Deus ele não viu o que aconteceu.''
Vladimir Prestes, que presenciou os acontecimentos, acredita que no saldo geral ''as coisas estão melhores do que antes'', mas fala com nostalgia sobre os valores o período soviético.

''Naquela época, as pessoas acreditavam em ideais. Achavam que era importante ser uma pessoa boa, educada e culta. Agora, as pessoas da minha idade só têm uma coisa na cabeça: o dinheiro''.

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