1 - Você consegue lembrar como foi seu primeiro contato com os fanzines? E o que te motivou a editar o Escarro Napalm?
Adelvan Kenobi: Foi através de uma loja especializada em rock que havia aqui nos anos 80. Eles tinham alguns fanzines à venda. Na verdade eu já fazia um fanzine sem saber – chamava de “apostila” !!! Eu estava começando a gostar (muito!) de rock e queria compartilhar minha paixão com as outras pessoas de alguma forma, então fiz minha própria “revistinha” artesanal. Foi um lance muito instintivo, nunca tinha ouvido falar a palavra “fanzine” em toda a minha vida – lembrando que eu morava no interior do menor estado do Brasil (Itabaiana/Sergipe) nos anos 80, então a circulação de informação era infinitamente menor do que hoje em dia. Minha formação “roqueira” foi toda moldada pelo Rock In Rio e pela Revista Bizz – que era “mainstrean” mas reverberava e, mais que isso, enaltecia o “underground”. Foi através da Bizz que li a resenha do disco “Descanse em paz” do Ratos de Porão, por exemplo, e fiquei curiosíssimo em conhecer aquilo. Posteriormente virei “metaleiro” (pero no mucho, sempre fui “traidor” de todos os movimentos) e leitor da Rock Brigade. Mas quem me iniciou pra valer na rede de fanzines, me fez ver que havia toda uma movimentação no Brasil e no mundo em torno daquela cultura, foi Sylvio “suburbano”, vocalista da Karne Krua, a mais antiga banda de punk rock ainda em atividade no nordeste. Ele viu uma cópia de meu fanzine (já não chamava mais de apostila) na tal loja, a “Distúrbios Sonoros”, e me mandou um pacotão cheio de zines, panfletos, flyers e manifestos, todos ligados ao anarquismo e ao movimento punk. Tive um início de contato com o “mundo exterior” via zines nesta época, mas somente mais tarde, já no início dos anos 90, através da coluna “Run Xerox”, da revista Animal, comecei a me envolver pra valer. Lembro que pessoas que ainda hoje eu considero meus amigos, como Oscar F. de Goiânia e Fellipe CDC, do DF, estavam na lista das primeiras pessoas para quem eu mandei a primeira edição de meu novo (na época) fanzine, o Escarro Napalm.
2 -Como era produzido seu zine - formato, conteúdo, etc ?
AK: O formato, na primeira versão, chamada apenas Napalm (tirei o nome da Bizz, era uma casa noturna dos anos 80 na qual as bandas de rock se apresentavam), era o mais conveniente: folha de papel ofício inteira. Só depois, com o “Escarro Napalm”, optei pelas folhas dobradas e grampeadas, que davam mais trabalho mas, por outro lado, davam à publicação um aspecto melhor, de “revista”, mesmo. O conteúdo do primeiro era um só: rock. Mesmo assim, nas ultimas edições (foram 8 ou 9, não lembro bem), acabei abrindo espaço para outros assuntos, como o cinema (via um amigo que se tornou colaborador e era fissurado na sétima arte) e a política, quando reproduzi os panfletos que me haviam sido enviados por Sylvio. No Escarro Napalm o conceito seguiu por aí: rock “underground” e “alternativo”, mas também o que me viesse à mente e fosse do meu interesse. O Blog segue a mesma linha – sou eu e meus temas de interesse, enfim. Nunca quis fazer os chamados “pro-zines”, mais profissionais e que se assemelhavam a revistas (alguns deles viraram revistas, como a Panacéia e a própria Rock Brigade), com sessões bem definidas. Eu curtia a anarquia, a diagramação zoada – muito embora curtisse muito alguns “pro-zines”, como o Papakapika, de Curitiba, e o Cabrunco, que eu considero o melhor fanzine já feito aqui, em Sergipe, e um dos melhores do Brasil.
3 - Como era aquela época de xerocar, enviar - e também receber - os zines pelo correio?
AK: Era muito trabalhoso mas também muito divertido. Me lembro que a primeira vez que fui xerocar o Escarro deixei lá na loja pra pegar depois. Lembro que a garota que me atendeu falou que uma outra funcionária perguntou se ela não tinha medo de eu não ir pegar as cópias, no que ela respondeu: “minha filha, você imagina o trabalho que esse rapaz teve pra datilografar (lembram disso?) e colar isso tudo aí, você acha mesmo que ele vai abandonar tudo aqui, sem mais nem menos?” Ah, a sabedoria popular, hehehehe. Eu tinha uma espécie de fetiche por carteiros, quando via algum rondando a minha rua já ficava ansioso, na expectativa de ter algum pacotinho recheado de pérolas do underground pra mim. Foi assim, através das fitas-demo e dos fanzines, que eu conheci bandas sensacionais, como a Gangrena Gasosa, do Rio, ou Os Cabeloduro e o DFC, do DF.
4 - Quais foram os zines, zineiros, quadrinhistas e ações no underground que mais entusiasmaram você durante a década de 1990?
AK: Vixe, muitos. Sei que vou esquecer alguns, mas não posso deixar de citar Fellipe CDC, me influenciou muito com seu caprichado “Protectors of noise” e seu entusiasmo eterno, que persiste até hoje – aquele é um guerreiro do underground, pode ter certeza ! Oscar F. ficou muito meu amigo, nos encontramos pessoalmente duas vezes na época, em Brasília e depois em São Paulo. Gostava muito do traço dele, era elegante e poético. De SC Henry jaepelt, sensacional, mais o Dietmar Hille, do “Distorção Alternativa” (creio que o zine melhor diagramado que eu conheci) e o Edson Luis do Abrigo Nuclear. Do Paraná, Marcel e Digão, do papakapika, e Andhie Yore, do “The Wild side”, de Maringá. Você, Law, e o Claudio MSM, curtia muito essa estética expressionista sombria de vocês – sempre tive meu lado “gótico”, ainda tenho, aliás. A galera do Rio, muito gente boa e batalhadora, especialmente o Alberto Monteiro, talentosíssimo, Marcos OF, do “Meleka Corrosiva”, que ficou muito meu amigo, o Panço e seu Gnomo da Tasmânia e Danúbio e o “Mensageiro” – aliás, foi pra ele que dei minha primeira entrevista, como vocalista da banda ETC, um projeto de grindcore pornográfico que eu tinha com Silvio da Karne Krua. De São Paulo, vários, mas os mais próximos eram o Hugo Leta, a Danieus e o Marcio Sno. Joacy Jamys, do Maranhão, talentosíssimo, inquieto, meu amigo – infelizmente nunca o conheci (nem conhecerei, já que ele faleceu) pessoalmente, mas nos falávamos bastante por telefone. E os caras de Fortaleza, especialmente o Weaver – até hoje acho que "Masturbação, Iogurte e Rock And Roll" foi o melhor fanzine que eu já li em toda a minha vida.
5 - O Blog conseguiu substituir os zines impressos, quer dizer, consegue manter o mesmo 'espírito'?
AK: Cara, o espírito acho que sim. Mas não é a mesma coisa, evidentemente. Há muito mais contato, sei que muito mais gente entra em contato com o blog, mas é mais frio. Pouca gente deixa comentários (e olha que eu facilito ao máximo o espaço para comentários), há pouco “feedback” direto. Além disso, acho a internet muito dispersiva – a pessoa ta lendo ali já pensando em outra coisa que quer acessar, é bizarro. Muita informação. Excesso de informação, mesmo. Por isso até evito colocar muitos links no blog, pra tentar fazer com que a pessoa simplesmente pare e leia, o que hoje em dia é muito difícil – e falo tudo isso de experiência própria, já que também sou internauta. Mea Culpa, também.
6 - Você acredita que ainda faz algum sentido manter os zines xerocados circulando?
AK: “o que a gente não inventa, não existe”, já dizia aquele mote, acho que era da Rede Globo. Porra, se existe quem queira fazer e quem curta ler, faz sentido, sim. “tudo vale a pena se a alma não é pequena”, dizia o poeta. Pra mim mesmo não dá mais, e já não deu bem antes de eu entrar em contato com a internet. Parei de fazer fanzines em 1995, por cansaço. Muita carta pra responder, chega!!!
7 - Como está a cena alternativa [underground e/ou independente] de arte e rock de Aracaju?
AK: BEM melhor do que era antes, porém ainda bem aquém de seu potencial. Há bandas sensacionais dos mais variados estilos, o que é ótimo, já que por muito tempo tudo circulou em torno do metal e do Hardcore. Há a The Baggios, blues rock, a Plástico Lunar, hard rock e psicodelia, que eu acho uma das melhores bandas de rock do Brasil hoje em dia, a Mamutes, mais pro hard rock "setentista", The Renegades of punk, que é punk vegano com vocal feminino, muito bom, Nucleador, crossover de primeira, Scarlet Peace, Doom Metal, Aliquid, Finitude e Tchandala, Heavy Metal, Sign Of Hate, Death metal na linha do Cannibal Corpse, Mystical Fire, Black metal. E há as bandas já “clássicas” que sobrevivem: Lacertae, com seu experimentalismo “com cheiro de capim molhado”, Snooze, que é uma das grandes referências “indie” do Brasil, e a Karne Krua, incansável. Quem quiser acompanhar esta cena, é só ouvir o meu programa e dar uma olhada no blog de vez em quando. Ta tudo lá.
8 - E a experiência de radialista com o Programa de Rock, como aconteceu e o que rola na programação?
AK: Aconteceu de repente, e foi mais um sonho realizado: sempre tive essa vontade de ter meu próprio programa de radio, até porque sempre tive esse instinto de compartilhar meus interesses, divulgar as coisas que eu gostava. Fomos chamados, eu e Fabinho da banda Snooze, pelo Diretor da radio, que faz parte da Fundação Aperipê, a versão sergipana da Fundação padre Anchieta, que gere a TV cultura de São Paulo – só pra você se situar. É uma emissora publica, gerida e mantida pelo estado, portanto livre de amarras comerciais, o que é ótimo! Aliás, o programa só poderia existir numa radio como a aperipê mesmo, pois comercialmente é inviável, já que toco de tudo, do Extreme Noise Terror ao Cocteu Twins, passando pelos alternativos daqui, do Brasil e do mundo. Me divirto muito fazendo o Programa de Rock. É diversão levada a sério – como o eram os fanzines, aliás.
AK: De arte, descobri recentemente que nosso amigo Oscar F. é, atualmente, um artista plástico consagrado em Goiânia, o que eu acho absolutamente maravilhoso !!! “We do not hate it when our friends become successful” – falo por mim e por você, Law, tomei essa liberdade. Nunca vi nenhuma tela dele ao vivo, só reproduções, mas boto fé que deve ser do caralho. Fora isso, sempre coloco reproduções de artistas plásticos que gosto, especialmente os sergipanos, pra divulgar, no meu blog. Curto artes plásticas, sempre frequentei “vernissages”, mas sempre ao lado dos roqueiros vândalos que vão lá só pra beber, hehehe. Tenho descoberto séries de TV – taí um gênero que deu um salto, de uns 15 anos pra cá. Recomendo A Sete Palmos, Roma, Spartacus, True Blood, Familia Soprano... Lost acompanhei toda, mas fiquei extremamente decepcionado com o final. Foi patético. Infelizmente nas séries o aspecto artístico quase sempre sofre interferências do lado comercial, o que prejudica muito algumas produções. Já bandas, caralho, são muitas … vou citar só duas: The Baggios e Plástico Lunar, as duas melhores de Sergipe...
9 - E o que você tem descoberto ultimamente... blogs, bandas, arte...
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