terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Uma Nova Esperança ...

Que estranho fenômeno político leva Bernie Sanders a reunir multidões e avançar nas pesquisas, resgatando heróis revolucionários e defendendo ideias opostas às do establishment

Por Bhaskar Sunkara, em Jacobin | Tradução: Vinícius Gomes Melo

“Eu não sou um soldado do capitalismo. Eu sou um revolucionário proletário… Eu sou contra todas as guerras, exceto uma”. Foi o que disse o senador Bernie Sanders, em 1979, ao citar, para uma coletânea da Folkways Records, o discurso do famoso candidato presidencial pelo Partido Socialista norte-americano Eugene V. Debs.

A linguagem estava deslocada, em um país prestes a viver a era Reagan, onde até mesmo as mais modestas conquistas do Estado de bem estar social norte-americano estariam sob ameaça. Ainda assim, dois anos depois, Sanders tornou-se o prefeito da maior cidade do estado de Vermont. O Vermont Vanguard Press celebrou a “República Popular de Burlington” com uma edição especial. Sanders pendurou um quadro de Debs em seu novo escritório. O quadro hoje está na parede do seu escritório no Capitólio, o Legislativo dos EUA.

Tecnicamente, Sanders é um independente que disputa as convenções partidárias junto ao Partido Democrata. E sua própria variedade de socialismo é mais semelhante à do ex-primeiro-ministro sueco Olof Palme, também um social democrata, do que à de Debs, um simpatizante dos bolcheviques. Sanders gosta de comparar o sucesso dos países escandinavos, com seus Estados de bem estar social, com a desigualdade no interior da sociedade norte-americana, destacando a miséria infantil e falta a assistência médica acessível nos EUA. Suas soluções – cobrança progressiva de impostos e serviços públicos robustos – não estão muito distantes daquelas que seus colegas mais à esquerda no Senado, como a senadora Elizabeth Warren – propõem.

Para Sanders, o manto de socialista é acima de tudo um aceno à rica história norte-americana de radicais e reformadores, aqueles que foram amplamente apagados pelo da história do progresso nacional pelo conservadorismo doméstico, assim como pela Guerra Fria no exterior. O próprio padrão de Sanders em suas votações, alinha-se muito com os progressistas no Partido Democrata. Como Howard Dean afirmou em Meet the Press, em 2005, “ele é basicamente um democrata liberal… A verdade é que Bernie Sanders vota 98% das vezes com os democratas”.

A base democrata concorda. Por anos, eles evitaram que o partido colocasse candidatos para concorrer contra ele em Vermont – mais um sinal de que o rótulo de socialista já não evoca imagens de filas para o pão e gulags.

Sanders não oferece aquela visão emancipatória, ou com princípios políticos anti-imperialistas, que devemos reivindicar da esquerda, mas sua defesa incondicional do Estado de bem estar social contrasta fortemente com as políticas, favoráveis às corporações, de sua concorrente Hillary Clinton. E como Elizabeth Warren provavelmente não concorrerá em 2016, apenas Sanders pode empurrar as primárias para a esquerda, obrigando Hillary a assumir uma série de compromissos audaciosos para apaziguar (e depois afastar, quando eles não forem cumpridos) uma descontente base progressista.

Ao contrário da maior parte da Europa, os Estados Unidos nunca tiveram um forte partido trabalhista que disputasse o poder e construísse um generoso Estado de bem estar social. Porém, durante boa parte do século passado, muitos no Partido Democrata foram capazes de construir alguns fragmentos disso, dentro de certos limites.

Os movimentos que exerceram esse papel – sindicatos, organizações de direitos civis e grupos comunitários – ainda estão por aí. Mas por não terem controle estrutural algum sobre um partido que, fundamentalmente, representa os interesses do capital, são facilmente colocados de lado. À medida em que a distância entre eles e as políticas perseguidas por líderes do partido, como Barack Obama, torna-se mais evidente, não surpreende que comecem a erguer suas vozes.

Hillary Clinton está profundamente enraizada na tradição Novos Democratas, e teve um papel na criação das políticas que se tornaram o senso comum dentro do partido. Os Novos Democratas juntaram-se sob o auspícios do já falecido Conselho da Liderança Democrática (DLC, sigla em inglês), no final dos anos 1980. Quando o “tribute-e-gaste” tornou-se eleitoralmente inviável, os democratas supostamente deveriam promover um governo cada vez mais reduzido e menos atuante (ainda que brincassem com uma política social progressista, nas margens)

É inegável o papel dos Clintons na transformação do Partido Democrata em plano nacional, ao longo dos anos 1990 (no processo, obtiveram recompensas eleitorais de curto prazo). Afinal de contas, foi o presidente Bill Clinton – e não Ronald Reagan – que equilibrou o orçamento e colocou um fim ao “bem estar social como o conhecemos”. E foi Hillary Clinton, então primeira-dama, que apoiou de maneira forte as mudanças promovidas pelo DLC, como a emenda de reforma no Estado de bem-estar social de 1996. O presidente Obama, apesar de suas promessas de mudanças na batalha das primárias em 2008 contra Hillary, não se desviou da agenda de interesses do DLC. Os liberais mais tradicionais opuseram-se às políticas dos Novos Democratas, à falta de ação de Hillary quanto às mudanças climáticas e à agressiva política externa que incluiu o apoio à invasão do Iraque.

Nos últimos anos, a maré política continuou a se mover contra os Clintons, especialmente quando começou a crise financeira de 2008. À direita, o movimento Tea Party, politicamente engajado e ativo, ganhou a maior parte das manchetes. Porém, o movimento Occupy, as insurgências trabalhistas como a greve do Sindicato dos Professores de Chicago, as ações dos trabalhadores de fast-food, os protestos contra a violência policial e a maior atenção dada a desigualdade de renda – tudo isso aponta para a incipiente reemergência da esquerda nos EUA.

Eleitoralmente, um mix eclético de personalidades lutou para preencher os espaços que as ações populares abriram – desde o prefeito de Nova York, Bill de Blasio, até populistas no Senado como Elisabeth Warren. Mas exceto Sanders, nenhuma dessas figuras está preparada para disputar em 2016.

Sanders descreveu sua possível candidatura como uma tentativa de construir organização e pressão a partir da esquerda: “Se eu concorrer, meu trabalho será ajudar reunir gente para um tipo de coalizão capaz de vencer e transformar a política”. Isso seria a mais profunda tentativa de fazer algo do tipo entre o Partido Democrata desde a eletrizantes campanhas de Jesse Jackson na década de 1980.

Sanders pode apenas sonhar em reunir as forças políticas que Jackson conseguiu, e as razões para que os liberais mais convencionais queiram que Hillary vença as primárias são fáceis de entender. Na esfera nacional, ela é figura mais conhecida e popular na corrida do Partido Democrata; e pode sustentar a popularidade do partido entre as mulheres. Ela é dura de ser batida, e uma grande vitória em 2016 pode pavimentar o caminho para um Congresso de maioria democrata.

Mas as pesquisas indicam que, assim como o Partido Republicano despenca para a direita, o eleitorado que se declara democrata está tendendo de maneira coerente e uniforme para posições progressistas. No núcleo de uma potencial base para a campanha de Sanders, está a divisão cada vez maior entre a liderança centrista do partido e os eleitores que ainda mantêm a visão dos democratas como o partido do New Deal e da Grande Sociedade1.

Talvez como resposta ao renovado fervor na direita, mais democratas afirmam ser a favor de um governo ativo, capaz de regular as corporações e garantir serviços sociais. Esse grupo de liberais enxerga os poucos êxitos de Obama – a reforma na assistência médica, por exemplo – como insuficientes, considerando as concessões oferecidas por seu governo às corporações. A ausência de uma organização como um Tea Party, para articular politicamente esses sentimentos, abre espaço para que Sanders consolide os progressistas em um bloco eleitoral coerente.

Enquanto isso, como o site Politico reportou, Hillary é vista, por alguns grandes doadores liberais, como alguém muito centrista para merecer apoio. Até mesmo aqueles que não compartilham das políticas social-democratas de Sanders querem que ela seja desafiada pela esquerda e veem o candidato como uma potencial alavanca para tirar o Partido Democrata da posição de centro-direita.

É mais provável que seja Sanders quem altere o tom e o conteúdo do debate, do que alguém como Dennis Kucinich, o congressita de Ohio que atuou com a voz progressista solitária nas recentes primárias presidenciais, mas jamais conseguiu conquistar um apoio maciço. Sanders é levado a sério pelos eleitores. Ele tem a credibilidade, e a bagagem, de alguém que é um senador, e é uma voz poderosa na defesa da redistribuição de riqueza.

Em uma era de estagnação econômica, as frustrações que outrora foram caladas podem ferver, em descontentamento aberto. Há um número suficiente de pessoas à esquerda, da coalizão democrata, para dar dor de cabeça à campanha de Hillary. Seus planos de se descolar para o centro, para turbinar o mais rápido as perspectivas para as eleições gerais, saíram sem dúvidas dos trilhos, por conta do crescimento de Sanders.

Não será, é claro, suficiente para vencer desta vez; mas, se vista como uma oportunidade para a construção de um movimento, a candidatura de Sanders pode fortalecer a esquerda no longo prazo. As tensões entre os democratas são sérias e podem aumentar a possibilidade para o realinhamento das forças progressistas em bases totalmente diferentes.

Este é um projeto diferente das tentativas de Michael Harrington (e outros) para conveter os democratas em um partido social-democrata mais tradicional, ao forçá-lo para a esquerda. Nosso objetivo deve transcender por completo o partido.

Está longe de ser um plano à prova de falhas, mas nesse momento a melhor aposta para a esquerda na arena eleitoral é apoiar tanto as campanhas políticas eleitorais independentes, e as candidaturas primárias de socialistas insurgentes, como as de outros radicais. Ter Sanders defendendo abertamente o socialismo, e contestando o histórico dos Novos Democratas perante uma audiência nacional é um pequeno passo na direção certa.

Certamente há perigos em uma candidatura presidencial de Sanders. Em ocasiões anteriores, tentativas de fortalecer movimentos sociais através de “alguém de fora” nas primárias – como as campanhas de Jesse Jackson – acabam em becos sem saída. Levaram, possivelmente, ao enfraquecimento dos esforços políticos independentes.

Mas a candidatura de Sanders não precisa ser apenas uma convergência das forças de esquerda contra uma nomeação quase certa de Hillary. Ao invés disso, pode ser um caminho para que os socialistas reagrupem-se, organizem-se e articularem o tipo de política que se comunique com as necessidades e aspirações da ampla maioria das pessoas. E poderia começar a legitimar a palavra “socialista”, servindo como estopim para deflagrar conversas a respeito – mesmo que o socialismo de bem estar social de Sanders não vá tão longe.

Uma vibrante campanha de Sanders seria um sinal de que as perspectivas sombrias quanto ao emprego, e a pressão cada vez maior sobre os trabalhadores norte-americanos, estão criando um espaço político para a mudança. Há grande razão para acreditar que, se ele falhar, que vozes radicais poderão tomar seu lugar, levando de volta, ao palco principal da política, a memória de Eugene Debs.

1 Great Society, conjunto de políticas sociais lançadas pelo presidente Lyndon Johnson (democrata, 1964-65) com objetivo de combater a pobreza e a desigualdade social. Veja mais na Wikipedia.



Para a esquerda norte-americana, esta parece ser a melhor e a pior das épocas. Nunca antes, na história do país, um socialista declarado como o senador Bernie Sanders teve autênticas possibilidades de ser o candidato presidencial de um dos grandes partidos. Um século atrás, o Partido Socialista da América tinha mais de 100.000 membros e grande influência no movimento operário. Mas ninguém com as ideias de Sanders jamais apresentou uma candidatura com o potencial de chegar à Casa Branca.

Os jovens, especialmente, estão seguindo o senador de 74 anos de Vermont (embora nascido no Brooklyn, Nova York) que ataca os “milionários de Wall Street” com um tom cru e sincero. Também aplaudem suas promessas se for eleito: fazer com que universidade seja gratuita, criar um sistema de saúde financiado pelo Estado que chegue a todos os cidadãos e eliminar a influência do dinheiro na política. Desde a grande recessão de 2008-2009, as desigualdades econômicas são uma questão central para os eleitores democratas, e as denúncias de Sanders são mais apaixonadas e críveis que as de Hillary Clinton, que recebeu milhões de dólares como conferencista no mundo empresarial, e até poucos meses, tinha praticamente garantida as primárias democratas.

Agora, a crescente popularidade de Sanders é também reflexo da profunda decepção da esquerda depois do mandato de Barack Obama. Quando tomou posse o primeiro presidente negro em 2009, tanto liberais quanto radicais esperavam – e, em muitos casos, previam – que ele ia lançar uma onda de reformas similares ao New Deal de Franklin D. Roosevelt nos anos trinta e à Grande Sociedade de Lyndon B. Johnson, em meados dos anos sessenta.

Mas a reforma de saúde, a conquista legislativa mais importante de Obama, não conseguiu o apoio da maioria da população. E desde que os republicanos ganharam o controle da Câmara dos Deputados em 2010, o presidente teve que recorrer aos decretos – que têm alcance limitado e podem ser revogados nos tribunais – para conseguir muitos dos seus objetivos.

Enquanto isso, os republicanos tomaram o poder na maioria dos estados, em parte por assustarem os cidadãos brancos de renda modesta com a ideia de que o presidente vai tirar suas armas e anistiar os imigrantes ilegais. A ausência quase total de sindicatos no setor privado deixou os trabalhadores brancos de esquerda sem uma instituição que possa mobilizá-los para lutar por seus interesses.

Obama chegou à Casa Branca prometendo “restaurar a confiança vital entre o povo e seu governo” e sublinhando que “o país não pode prosperar por muito tempo se apenas favorece os prósperos”. No entanto, dentro de um ano ele vai voltar à vida privada com a tristeza de que a maioria dos norte-americanos, de todas as ideologias e que não estão de acordo em nada mais, acredita que não se pode confiar no Governo para satisfazer suas necessidades.

Ainda assim, os norte-americanos de esquerda tiveram algumas vitórias significativas com ajuda de Obama, e deveriam comemorar. O casamento gay já é lei, quando há menos de 10 anos foi proibido em todos os estados. Os fundos de investimento estão sujeitos, agora, a normas destinadas a tentar evitar que possam levar de novo o sistema financeiro ao caos. No ano passado, os EUA encabeçaram as negociações em Paris que possibilitaram um acordo promissor para combater a mudança climática.

A frustração com o ritmo lento das reformas ajudou a inspirar novos movimentos sociais de esquerda, de BlackLivesMatter a campanhas estudantis para que as universidades se dissociem de empresas que produzem combustíveis fósseis. Os funcionários do McDonalds e outras redes de fast food que fizeram greves de um dia por um salário mínimo de 15 dólares por hora (o dobro do atual) mostraram que se os trabalhadores quiserem, podem conseguir melhorias, mesmo quando os sindicatos são, na maior parte, fracos. Enquanto as Câmaras de Deputados dos estados controlados pelos republicanos aprovaram leis que restringem o aborto, em todo o país as mulheres universitárias carregam em suas mochilas e laptops adesivos que dizem “É claro que sou feminista”.

Esses exemplos indicam que a cultura norte-americana está se inclinando mais para ideias nascidas na esquerda que as defendidas pelos conservadores. Este não é um fenômeno novo. Sempre houve esquerdistas de várias tendências que exigiram que os direitos individuais e as oportunidades fossem promessas que todos pudessem alcançar, independentemente de sua raça, seu sexo ou qualquer outro traço de identificação. Foi o esforço para tornar realidade esse objetivo que impulsionou os movimentos para abolir a escravidão, para obter o voto para as mulheres e os direitos civis e de voto para os afro-americanos, e o direito de casamento e adoção para os homossexuais. E são eles que também defenderam a ideia progressista de que homens e mulheres devem ser livres para buscar a felicidade, independentemente das hierarquias e dos preconceitos herdados.

Mas sempre foi mais difícil construir o tipo de sociedade que quer Bernie Sanders, levar os Estados Unidos do culto à liberdade individual para um lugar no qual os cidadãos possam adotar o evangelho da solidariedade proposto pelos partidos da social-democracia da Europa, tão poderosos no passado. Que milhões de norte-americanos agora aplaudam a tentativa de Sanders de imitar essas organizações talvez seja o elemento mais chamativo em uma eleição que tem desafiado as previsões dos especialistas bem pagos do país.

por Michael Kazin

"Meus caros amigos,

Quando eu era criança, eles disseram que não havia nenhuma maneira deste nosso país de maioria protestante eleger um católico como presidente. Em seguida, John Fitzgerald Kennedy foi eleito presidente.

Na década seguinte, disseram que a América não elegeria um presidente do "Sul profundo"(¹). O último a conseguir isso por si mesmo (e não como vice-presidente) foi Zachary Taylor em 1849. E então nós elegemos Jimmy Carter presidente.

Em 1980, eles disseram que os eleitores nunca escolheriam um presidente divorciado que casou novamente. O país tinha modos muito religiosos para isso, disseram. Bem-vindo, presidente Ronald Reagan, 1981-1989.

Eles diziam que você não poderia ser eleito presidente se não tivesse servido nas Forças Armadas. Ninguém conseguia se lembrar de alguém que não servira eleito Comandante-em-chefe. Ou quem tinha confessado fumar (mas não tragar!) drogas ilegais. Presidente Bill Clinton, 1993-2001.

E, por fim, "eles" disseram que não havia maneira de os democratas ganharem se um homem negro fosse o indicado para a Presidência – e um homem negro cujo nome do meio era Hussein! Os Estados Unidos da América seriam ainda muito racistas pra isso. "Não faça isso!", pessoas se advertiam discretamente entre si.

Boom!

Você já se perguntou por que os especialistas, a classe política, sempre afirmam que o povo americano "simplesmente não está preparado" para alguma coisa – e eles estão sempre tão errados? Dizem o que dizem para proteger o status quo. Eles não querem distúrbios.

Tentam assustar as pessoas comuns para que elas votem contra o seu melhor julgamento.

Agora, neste ano, "eles" estão alegando que não há como um "socialista democrático" ser eleito presidente Estados Unidos. Essa é a principal afirmação que chega agora da campanha de Hillary Clinton.

Mas todas as pesquisas mostram Bernie Sanders realmente batendo Donald Trump por duas vezes mais votos do que se Hillary Clinton fosse a candidata.

Embora as pesquisas mostrem nacionalmente Hillary batendo Bernie entre os democratas, quando o pesquisador inclui todos os independentes, então Sanders bate Trump com vantagem de 2 por 1 sobre o resultado de Hillary.

A forma como a campanha de Clinton tem atacado Sanders de "socialista" é lamentável – e surda. De acordo com a NBC, 43% dos democratas de Iowa identificam-se mais estreitamente com o socialismo (partilha, ajuda) do que com o capitalismo (ganância, desigualdade). A maioria das pesquisas apontam que os jovens adultos (18-35) em toda a América preferem o socialismo (justiça social) ao capitalismo (egoísmo).

Então, o que é o socialismo democrático? É ter uma verdadeira democracia onde todo mundo tem um lugar à mesa, onde todos têm voz, não apenas os ricos.

O dicionário Merriam-Webster anunciou recentemente que a palavra mais buscada em sua versão on-line em 2015 foi "socialismo". Se você tiver menos de 49 anos (o maior bloco de eleitores), os dias da Guerra Fria & Commie Pinkos(²) & a Ameaça Vermelha parecem tão estúpidos como o filme "Reefer Madness".(³)

Se o maior argumento de Hillary a respeito de porque você deve votar nela é "Bernie é um socialista!" ou "Um socialista não pode vencer!", então ela está perdida.

O New York Times, que admitiu ter criado histórias de armas de destruição em massa no Iraque e nos empurrou para invadir aquele país, já adotou Hillary Clinton – a candidata que votou a favor da Guerra do Iraque. Eu pensei que o Times tinha pedido desculpas e se reformado. O que está havendo?

Bem, o Times gosta que seus candidatos sejam realistas e pragmáticos. E para eles, isso significa Hillary Clinton. Ela não quer acabar com os bancos, não quer trazer de volta a lei Glass-Steagall(4), não quer aumentar o salário mínimo para US$ 15 por hora, não quer o sistema de saúde gratuito como o da Dinamarca. Que é apenas não realista, acho eu.

Claro, houve um tempo em que a mídia dizia que não era "realista" aprovar uma emenda constitucional dando às mulheres o direito de votar. Eles disseram que nunca passaria porque só legisladores homens votariam na emenda no Congresso e nas legislaturas estaduais. Isso, obviamente, significava que nunca passaria. Eles estavam errados.

Disseram uma vez que não era "realista" aprovar uma Lei de Direitos Civis e uma Lei do Direito ao Voto uma depois da outra. A América simplesmente não estava "pronta para isso". Ambas passaram, em 1964 e 1965.

Há dez anos fomos informados que o casamento gay nunca seria lei do país. Que coisa boa que não demos ouvidos àqueles que nos diziam para sermos "pragmáticos".

Hillary diz que os planos de Bernie apenas não são "realistas" ou "pragmáticos". Esta semana, ela afirmou que "um sistema público de saúde nunca, jamais, vai acontecer".(5) Nunca? Jamais? Uau. Por que não desistir assim?
Hillary também diz que não é prático oferecer universidade gratuita para todos. Você não pode ficar mais prático do que os alemães – e eles são capazes de fazê-lo. Assim como muitos outros países.

Clinton encontrará maneiras de pagar pela guerra e por benefícios fiscais para os ricos. Hillary Clinton foi a favor da guerra no Iraque, foi contra o casamento gay, a favor do Patriot Act(6), a favor do Nafta , e quer colocar Ed Snowden na prisão. Isso é o bastante para embrulhar sua cabeça, especialmente quando você tem Bernie Sanders como uma alternativa. Ele será o oposto de tudo isso.
Há muitas coisas boas sobre Hillary. Mas é claro que ela está à direita de Obama e vai nos mover para trás, não para frente. Isso seria triste. Muito triste.

Oitenta e um por cento do eleitorado é feminino, de cor ou jovem (18-35). E os republicanos perderam a vasta maioria de 81% do país. Quem quer que seja o democrata na disputa em novembro próximo vai ganhar. Ninguém deve votar por medo. Você deve votar em quem você acha que melhor representa o que você acredita.

Eles querem assustá-lo com a ideia de que vamos perder com Sanders. Os fatos, as pesquisas, gritam exatamente o oposto: nós temos uma chance melhor com Bernie!

Trump é alto e assustador – e os liberais se assustam fácil. Mas liberais também gostam de fatos. Aqui está um: menos de 19% dos EUA são caras brancos acima de 35 anos. Então acalme-se!

Finalmente, confira este gráfico – ele diz tudo. (Nota: Hillary agora mudou sua posição e é contra TPP – Trans-Pacific Partnership.)

Eu apoiei pela primeira vez Bernie Sanders a um cargo público em 1990, quando ele, como prefeito de Burlington, me pediu para ir até um comício na sua corrida eleitoral para se tornar congressista de Vermont. Eu acho que muitos não estavam dispostos a discursar por um declarado socialista democrático naquele momento.

Provavelmente alguém de seu escritório de campanha cheio de hippies disse: "Eu aposto que Michael Moore vai topar". Eles estavam certos. Fiz o meu melhor para explicar por que precisávamos Bernie Sanders no Congresso dos EUA. Ele ganhou e eu tenho sido um defensor seu desde então – e ele nunca me deu razão para não continuar com esse apoio. Sinceramente, pensei que nunca escreveria começando com as palavras: "Por favor, vote no senador Bernie Sanders para ser o nosso próximo Presidente dos Estados Unidos da América".

Eu não pediria isso para vocês se não achasse que nós real e verdadeiramente precisamos dele. E nós precisamos. Talvez mais do que imaginamos.

Atenciosamente,

Michael Moore

Tradução: Henri Figueiredo no blog Tempus Fugit

Notas do tradutor

1) Deep South. Extremo Sul ou Sul Profundo.

2) Pinko é uma gíria cunhada em 1925 nos Estados Unidos para descrever uma pessoa considerada simpatizante do comunismo, embora não necessariamente um membro do Partido Comunista. Tem conotação pejorativa e serve para descrever qualquer um percebido como esquerdista ou socialista.

3) "Reefer Madness", também conhecido como "Tell Your Children", é um filme-propaganda de 1936 feito para exibição nas escolas contra o uso da maconha e relacionando-a com loucura e violência. Foi dirigido por Louis J. Gasnier.

4) A lei Glass-Steagall, ou ato Glass Steagall de 1933, estabeleceu a Federal Deposit Insurance Corporation, ou agência garantidora de créditos. A lei foi promulgada pela administração de Franklin D. Roosevelt para, basicamente, evitar um colapso financeiro sistêmico (como aquele ocorrido em 1929) e foi fundamental para o New Deal. Em novembro de 1999 foi revogada devido ao lobby do setor financeiro junto ao Congresso dos EUA. O documentário vencedor do Oscar "Inside Job" mostra como a derrubada da lei Glass-Steagall ajudou na grande crise do sistema em 2008. O cancelamento da Glass-Stegall removeu a separação que antes existia entre os bancos comerciais e os de inversão (que, fundamentalmente, especulam com ativos mobiliários de natureza não-exigível).

5) A frase original é "(…) single payer health care will NEVER, EVER, happen." – O pagamento único de saúde (Single payer healthcare) é um sistema em que o governo, ao invés de as seguradoras privadas, paga por todos os custos de saúde. Sistemas de pagamento único podem contratar os serviços de saúde de organizações privadas (como é o caso no Canadá) ou podem ter e empregar recursos de saúde e pessoal (como é o caso no Reino Unido). O termo "pagador único" descreve apenas o mecanismo de financiamento referente aos cuidados de saúde financiado por um único organismo público a partir de um único fundo.

6) USA PATRIOT Act, a "Lei Patriótica" ou "Ato Patriota" é o decreto assinado por George W. Bush logo depois do 11 de Setembro de 2001, em 26 de outubro de 2001. Permite, entre outras medidas, que órgãos de segurança e de inteligência dos EUA interceptem ligações telefônicas e e-mails de organizações e pessoas supostamente envolvidas com o terrorismo, sem necessidade de qualquer autorização da Justiça, sejam elas estrangeiras ou americanas. Após várias prorrogações durante o governo de George Bush, em 27 de julho de 2011, o presidente Barack Obama sancionou a extensão do USA PATRIOT Act contrariando sua promessa de campanha." 

(A principal fonte da maioria das notas foi a Wikipedia em inglês. Todas passaram por edição e checagem em ao menos uma segunda fonte)

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