quarta-feira, 19 de novembro de 2014

A missa negra

Às dezessete horas da sexta-feira, 13 de dezembro do ano bissexto de 1968, o marechal Arthur da Costa e Silva, com a pressão a 22 por 13, parou de brincar de palavras cruzadas (NOTA DO BLOG: num outro texto do livro é dito que o ditador se orgulhava de não mais “perder tempo” com livros: há 20 anos sua leitura se limitava à necessária para a resolução de palavras cruzadas) e desceu a escadaria de mármore do palácio para presidir o Conselho de Segurança Nacional, reunido à grande mesa de jantar. Começava uma missa negra. (...)

          O marechal deteve-se na porta do salão, conversando baixo com o vice-presidente Pedro Aleixo, que acabara de chegar de Belo Horizonte. Demoraram-se por quase meia hora. Quando Costa e Silva ocupou a cabeceira da mesa, cada ministro tinha uma cópia do Ato Institucional numero 5 em frente a seu lugar. Dois microfones, colocados ostensivamente sobre a mesa, gravariam a sessão. A sala estava tomada pelo barulho de sirenes de veículos que circulavam no pátio da mansão.

          O presidente abriu a sessão com um discurso em que se denominou “legítimo representante da Revolução de 31 de março de 1964” (NOTA DO BLOG: é bom sempre lembrar que a denominação e a data são apenas as mais convenientes para os golpistas. Na verdade o golpe – que nunca chegou nem perto de sequer lembrar verdadeiramente uma revolução – se consolidou no dia seguinte, primeiro de abril. O dia da mentira. Diz algo sobre o caráter do regime que lançou o país em trevas por 21 anos que a consolidação da ditadura tenha se dado numa data igualmente agourenta, uma sexta-feira 13) e lembrou que com “grande esforço [...] boa vontade e tolerância” conseguira chegar a “quase dois anos de governo presumidamente constitucional”. Ofereceu ao plenário “uma decisão optativa: ou a Revolução continua, ou a Revolução se desagrega”. Batendo na mesa, anunciou que “a decisão está tomada” e pediu que “cada membro diga o que pensa e o que sente”. Era o primeiro discurso desconexo daquela sessão presidida pela determinação de proclamar uma ditadura. O marechal suspendeu a reunião por vinte minutos, para que cada ministro lesse o texto, e desculpou-se pela pressa. Com um preâmbulo de seis parágrafos, o Ato tinha doze artigos e cabia em quatro folhas de papel. Sua leitura atenta exigia pouco mais que cinco minutos. Costa e Silva retirou-se debaixo de aplausos.

deu no "pravda" da ditadura
Em “A Ditadura Envergonhada”
Vol. 01 de “As ilusões Armadas”
por Elio Gaspari

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