segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Operação Cajueiro: um carnaval de torturas

(**) Ação de repressão militar realizada no ano de 1976, em Aracaju, a 'Operação Cajueiro' inspirou o diretor sergipano Fábio Rogério a realizar um curta-metragem sobre este momento marcante da história do Estado. O filme, que está sendo produzido com patrocínio do Governo de Sergipe, através do Edital de Apoio à Produção de Obras Audiovisuais promovido pela Secretaria de Estado da Cultura (Secult), é um vídeo-documentário com estrutura narrativa baseada em entrevistas com pessoas que foram presas durante esta operação.

‘Operação Cajueiro: um carnaval de torturas’, título do curta, nasceu de uma ideia que foi amadurecida através de conversas entre os realizadores Fábio Rogério, Vaneide Dias e Werden Tavares com ex-presos políticos. Segundo Fábio, as gravações, que iniciaram em dezembro de 2013, já foram encerradas e o filme segue na fase de finalização e edição da trilha sonora. “Queremos reabrir a discussão sobre o período da Ditadura Militar, e contribuir, através da nossa leitura, com a discussão”, frisa.

Para a construção do curta, Fábio Rogério entrevistou algumas pessoas que foram presas, além de advogados e outros personagens fundamentais para contar essa história. “Conseguimos entrevistar alguns dos principais presos da operação, mas além deles conversamos com pessoas como Leila (ex-esposa de Rosalvo Bocão), que nos apresentou o universo de fora da cadeia, algo muito importante para entendermos como as famílias foram afetadas com toda aquela operação de repressão. Além dela, entrevistamos Laete Fraga, uma das advogadas do processo, que nos passou importantes detalhes”, informa.

Para Werden Tavares, que divide a produção e direção do curta com Fábio Rogério, a construção do filme tem ar de dever histórico a ser cumprido. “A missão do realizador é buscar uma forma através da junção de imagens e som que comunique a sua verdade com o mundo. O momento político atual com essas manifestações e toda a tentativa de se entender, pede uma reflexão maior sobre o passado de luta, pra que se caia nem no discurso reacionário nem no discurso anacrônico. A gente não pode aceitar que a nossa geração não conheça algo com tanto conteúdo quanto a Operação Cajueiro”, destaca.

Para os realizadores, o edital da Secretaria da Cultura foi fundamental para a concretização do curta. “Edital de fomento é sempre uma parte importante para a nossa cadeia produtiva. Assim, acreditamos que a Secult exerce um papel importante nesse processo. Mas acreditamos que não podemos parar por aí, e precisamos avançar mais e mais”, frisa os realizadores Fábio e Werden. 

Sinopse do filme 

O documentário fala da maior ação repressiva do governo militar em Sergipe, conhecida como ‘Operação Cajueiro’, ocorrida no carnaval de 1976, com o objetivo de acabar com a reorganização do PCB em Sergipe. Memórias vivas nos revelam os acontecimentos deste período obscuro da história contemporânea de Sergipe e, paralelamente, no contexto atual, voltam a ganhar espaço as discussões sobre os Direitos Humanos, a abertura dos arquivos da Ditadura Militar e a revisão da Lei de Anistia.

Milton Coelho, militante da liberdade


(*) Há quase 40 anos, no dia 20 de fevereiro de 1976, a Operação Cajueiro deixaria uma marca indelével na história política de Sergipe. Para alguns militantes da liberdade, no entanto, as cicatrizes seriam ainda mais profundas, e acompanhariam o corpo maltratado pelos carrascos do golpe de 64 vida afora, pelo menos nos episódios em que restou vida. Esse é o caso de Milton Coelho, que denuncia no passo claudicante que nos ofereceu a intimidade de sua casa e de sua memória a mutilação de uma geração inteira.

O encontro foi mediado pelo Professor Dudu, presidente da Central Única dos Trabalhadores, empenhado na construção de um Memorial dedicado às atrocidades perpetradas pelo Regime Militar em Sergipe. O sindicalista enxerga no exemplo de Milton Coelho muito mais do que o personagem que as páginas de uma história que ainda está para ser devidamente contada se encarregou de construir. Coberto de razão, Dudu encara Milton Coelho como um verdadeiro símbolo. Símbolo, personagem e homem de carne e osso, Milton Coelho concorda com o jornalista Zuenir Ventura quando ele afirma que o ano de 64 ainda não acabou. Segundo ele, não é possível admitir mácula de sombra sobre a História. “Eu sou partidário de que é preciso identificar todas as ocorrências. É preciso identificar todos os que participaram daquelas atrocidades para que as novas gerações sejam municiadas e não permitam que tudo se repita”.

As atrocidades que Milton Coelho menciona eram praticadas com método. Ele conta que os jagunços envolvidos no desbaratamento da célula sergipana do Partido Comunista Brasileiro (PCB), objetivo maior da Operação Cajueiro, se esmeravam numa espécie de ritual. “Quando levados pelos seqüestradores e entregues aos responsáveis pela fase que antecedeu a formalização do Inquérito Policial Militar, os presos políticos, que na maioria já tinha uma borracha circulando os olhos, receberam “tratamento” de impacto, começando pela troca da roupa que vestiam por um macacão com um número no peito e colocação de um capuz. Aqueles que eram considerados mais comprometidos na organização da resistência à ditadura militar receberam o que era chamado de “tratamento especial”, incluindo torturas com a cabeça emergida em depósito com água, por várias vezes, pontapés nas costelas em ambos os lados, choques elétricos nas mãos e no pênis, além da ameaça de provocarem “suicídio”, quando, circulando uma corda nos tornozelos do preso, afirmavam que iriam suicidá-lo”.

O próprio Milton Coelho foi objeto do ritual macabro, e carrega na carne as marcas da violência. Além de cicatrizes e uma costela quebrada, ele foi condenado a tatear o mundo pelo resto de seus dias. A retina deslocada, responsável por uma deficiência visual que até hoje não conheceu cura, lhe impôs prejuízos econômicos e dificuldades pessoais, mas não abateram seu interesse pela vida. Atento e forte, Milton Coelho acompanha as transformações da conjuntura política e acredita que, a despeito de incoerências pontuais, o campo político da esquerda precisa se manter unido para garantir os avanços necessários à manutenção da democracia.

Nas palavras do próprio Milton, “Nós temos uma população que, infelizmente, ainda não tem consciência política. Isso pode facilitar o retrocesso. A minha preocupação consiste em não dar chance aos inimigos dos trabalhadores e da liberdade”.

Fotos: Fernando Correia

(**) Fonte: Sergipe Cultural
(*) por Rian Santoa


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