domingo, 5 de junho de 2011

"1" - "A Laranja Mecânica", de Anthony Burgess

− Qual vai ser o programa, hein?

Tinha eu, quer dizer, Alex e meus três drugues, quer dizer, Pete, Georgie e o Tapado, o Tapado sendo realmente tapado, e nós estávamos sentados no Leite−bar Korova, rassudocando o que fazer da noite, num inverno agitado, preto e gelado, uma merda, se bem que seco. O Leite−bar Korova era um méssito de tomar leite−com, e vós, ó meus irmãos, já podem ter se esquecido como eram aqueles méssitos, com as coisas mudando tão escorre hoje em dia e todo mundo muito rápido pra esquecer, os jornais também não muito lidos. Bom, o que vendiam lá era leite com alguma coisa. Não tinham licença pra vender bebida, mas também ainda não tinha nenhuma lei contra prodar algumas das novas véssiches que eles costumavam botar no moloco, de modo que a gente podia pitar ele com velocete, ou sintemesque, ou drencrom, ou uma ou duas outras véssiches que deixavam a gente uns bons e tranqüilos quinze minutos horrorshow admirando Bog e Todos os Seus Bem Aventurados Anjos e Santos no sapato esquerdo, e com luzes pipocando dentro do mosgue. Ou se podia pitar leite com facas, como a gente costumava dizer, e isso deixava a gente afiado e pronto pra uma sujeira de vinte−contra−um, e era isso que a gente estava pitando naquela noite com que eu estou começando a história.

Nossos bolsos estavam cheios de dengue, portanto, não havia realmente necessidade, do ponto de vista de crastar mais tutu, de toltchocar um veque velho qualquer num beco e videar ele nadando no próprio sangue, enquanto a gente contava a féria e dividia por quatro, nem de fazer ultraviolência com alguma trêmula ptitsa estarre de cabelo branco numa loja e aí sair esmecando com o recheio da caixa. Mas, como diz o outro, o dinheiro não é tudo.

Nós quatro estávamos vestidos no rigor da moda que, naquele tempo, eram umas malhas pretas muito justas, com um acolchoado preso as virilhas por baixo da malha, sendo isso pra proteger e também uma espécie de desenho que ficasse visível, havendo uma certa luz, de modo que eu tinha um com formato de aranha, Pete tinha um rúquer (quer dizer, mão), Georgie tinha uma flor muito bacaninha e o coitado do Tapado, um cretino dum litso (rosto, quer dizer) de palhaço, porque o Tapado não tinha muita noção das coisas e era, sem sombra da menor duvida, o mais tapado de nós quatro. Depois, a gente estava usando jaquetas cintadas sem lapelas, mas com aqueles enchimentos enormes nos ombros (a gente dizia pletchos) e que eram uma espécie de arremedo de quem tinha os ombros realmente assim. Depois, meus irmãos, a gente estava usando aqueles gravatões largos, feito lenços, esbranquiçados, que pareciam purê de cartófel, ou batata, com uma espécie de desenho marcado em cima do tecido com um garfo. A gente usava o cabelo não muito longo e calçava botas pesadas horrorshow pra chutar.

− Qual vai ser o programa, hein?

Tinha três devótchecas sentadas juntas no balcão, mas nós, os maltchiques éramos quatro e geralmente o negócio era um por todos e todos por um. As tais gurias também estavam no rigor da moda, de perucas roxas, verdes e cor−de−laranja nos respectivos gúlivers, cada peruca não custando menos do que três ou quatro semanas de trabalho de cada uma delas, pelos meus cálculos, e usavam pintura combinando (quer dizer, arco−íris em volta dos glazes e a rote muito pintada). Depois, elas estavam de vestidos longos pretos, muito lisos e, na altura dos grudes,tinham plaquetas de prata com diversos nomes de maltchiques escritos − Joe, Mike e outros mais. Era pra ter Os nomes dos diversos maltchiques com quem elas tinham espatado antes dos catorze anos. Olhavam muito na nossa direção e eu estava com vontade de dizer que nós três (isso seria com o canto da boca, é claro) devíamos dar uma saída pra fazer um pouco de pol e deixar o coitado do Tapado pra trás, porque era só questão de cupetar pra ele um meio litro de branco, mas dessa vez com uma bombada de sintemesque dentro, mas isso não ia ser da regra do jogo. O Tapado era muito feio, que nem o nome dele, mas numa briga suja ele era muito horrorshow e muito bom de bota.

− Qual vai ser o programa, hein?

( ... )

Tradução: Nelson Dantas

NOTA: O filme "A Laranja Mecânica", de Stanley Kubrick, baseado na obra Anthony Burgess, faz 40 anos de lançamento em 2011. Para comemorar a data, uma cópia restaurada foi exibida no último Festival de Cannes e um Box comemorativo foi lançado em Blu-ray. O pacote traz dois discos com material inédito sobre a produção, o documentário “Turning Like Clockwork” (25 min.), um longo depoimento do ator Malcom McDowell, protagonista do filme no papel do perturbado Alex DeLarge, o documentário “Still Tickin’: The Return of Clockwork Orange” e um making of.

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