quarta-feira, 18 de novembro de 2009
+ 1 Virada Cinematográfica em Aracaju
por Adelvan Kenobi
Fotos: Divulgação
Ocorreu no último sábado, dia 14 de novembro de 2009, mais uma edição da Virada Cinematográfica de Aracaju, no Cinemark do Shopping Jardins. Desta vez foi uma edição temática, “Filmes extremos” – Uma verdadeira “tour de force” de horror - psicológico, escatológico, sugerido e explicito.
Coroada com uma boa presença de publico, a sessão começou com a mais nova e polêmica produção de Lars Von Trier, “Anticristo”. O filme, que segundo o diretor foi feito para expiar uma crise depressiva pela qual passava, é um verdadeiro delírio plástico e conceitual. Começa com uma longa e belíssima cena em câmera lenta onde ficamos a par do acontecimento que se torna o estopim de toda a trama – a morte de uma criança, vítima da negligencia dos pais. Logo de cara já diz a que veio, já que a referida cena, que serve também como prólogo (é dividido em capítulos), não se furta em estampar na telona uma cena de penetração explícita, em câmera lenta – algo inusitado e surpreendentemente belíssimo de se ver, para além do choque (ou apenas surpresa, para os menos carolas) inicial.
A partir daí somos lançados numa espiral de dor e sofrimento, quando o casal tenta superar o trauma com base nos conhecimentos do marido, interpretado por Willem Dafoe. A mulher, que é vivida por uma esquálida Charlotte Gainsbourgh, cai numa depressão profunda e é convencida por seu companheiro a tentar superar a situação sem recorrer a drogas. Seus temores e mágoas são então expostos de maneira crua e direta e confrontados com a racionalidade dos métodos científicos. Num dado momento o marido (que também é psicanalista) resolve que a situação tem que ser encarada em sua raiz e passa a invstigar qual seria seu maior temor, o que os leva a uma cabana isolada no meio da floresta, cabana esta (não por acaso batizada de Éden) que havia sido usada por ela pouco tempo atrás para se isolar com seu filho e tentar terminar uma tese de mestrado. Aos pouco as mágoas e problemas de relação mal resolvidos ou simplesmente "empurrados com a barriga" vão finalmente aflorando e ele se dá conta de que não se conhecem tão bem quanto pensavam. É então atraído para seu mundo de delírios angustiados (“se você olhar demais para o abismo, o abismo passará a olhar para você”, já dizia Nietsche). Metáforas se sucedem em cenas bizarras e não recomendadas a estômagos fracos, estampadas de forma pra lá de explícita na tela. Mas mais bizarro ainda foi o comportamento de certa parcela do público, que parecia não conhecer o significado dessa palavra, a tal da metáfora, e enxergava o que via no filme de forma literal, chegando muitas vezes a cair em gargalhadas diante de cenas especialmente inusitadas. Uma turma de energúmenos sentada atrás de mim, por exemplo, passou todo o tempo de projeção comentando cada frame do filme apontando seus supostos absurdos. Insistiam, por exemplo, que a perna do personagem, presa a uma roda de moinho, numa evidente referência ao peso da relação desgastada, já deveria estar infectada e ele ardendo em febre e portanto incapaz de estar se movimentando, como fazia. Tive vontade de me levantar e perguntar se algum deles era formado em medicina, e caso fosse e confirmasse a veracidade da afirmação, se o mesmo já havia ouvido falar em liberdade artística. Me contive e fiquei apenas resmungando de indignação em minha cadeira, o que por si só começou a incomodar a pessoa que estava ao meu lado, que passou a se incomodar mais com meu incômodo do que com o incômodo da situação em si, numa espécie de efeito dominó.
A sessão seguinte, não sei se por conta de uma chamada à atenção quanto á educação e ao simples fato de que haviam pessoas no recinto que vieram para ver os filmes, sem necessariamente ter que ouvir comentários em voz alta durante toda a projeção, feita pelo produtor Roberto Nunes, foi bem mais tranqüila. O que pode ter acontecido também é que o público se viu de tal modo envolvido pelo clima de suspense e tensão crescente que esqueceu de comer pipoca e falar besteira com a pessoa ao lado. O filme foi “Atividade Paranormal”, um verdadeiro fenômeno de publico mundo afora, ainda inédito nos cinemas brasileiros. Pelo trailer que havia visto na internet não tinha colocado muita fé, mas me surpreendi, e muito, positivamente. O enredo é bem batido, a velha historia de espíritos (ou demônios) assombrando um casal. O namorado resolve instalar uma câmera no quarto para registrar os acontecimentos e, a partir daí, a trama vai se desenrolando de forma brilhante, liberando as assustadoras imagens da assombração a conta-gotas, num timing perfeito. Uma verdadeira aula de edição e desenvolvimento de uma idéia simples, que culmina com um final de tirar o fôlego. Nota 10, nunca mais tinha me divertido tanto numa sessão de suspense e horror – no caso também muito mais psicológico e sugerido, mas nem por isso menos aterrorizante.
O terceiro e último filme exibido na noite foi o clássico “Massacre da Serra Elétrica”, de Tobe Hooper , lançado em 1974. Foi bom ver essa verdadeira pérola do cinema “trash” em tela grande. O publico mais uma vez caiu em gargalhadas, mas desta vez fez sentido, dado o conteúdo sarcástico e carregado de humor negro da película. Eu mesmo lembro de ter rido muito com a cena bizarra do avô da família de canibais tentando reviver os “velhos tempos” e o exagero de gritos da “mocinha” na longa cena de perseguição final.
Ao final de tudo, um farto e delicioso café da manhã.
Que venha a próxima.
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Abaixo, conteúdo extraido do "Press Book" de "Anticristo".
Agradeço a Roberto Nunes por ter me enviado o material.
“Gostaria de convidá-los para uma espiada por trás das cortinas, uma espiada dentro do sombrio mundo da minha imaginação: na natureza dos meus medos, na natureza de Anticristo.”
Lars von Trier
Um casal em luto se isola no ‘Éden’, isolada cabana na floresta, onde esperam se recuperar de uma perda e do casamento em crise. Porém, a natureza assume o curso e as coisas vão de mal a pior...
CONFISSÃO DO DIRETOR:
Há dois anos, sofri de depressão. Foi uma nova experiência para mim. Tudo, sem exceção, parecia sem importância, trivial. Não conseguia trabalhar. Seis meses depois, apenas como um exercício, escrevi um roteiro. Foi um tipo de terapia, mas também uma procura, um teste para ver se eu ainda faria algum filme.
O roteiro foi finalizado e filmado sem muito entusiasmo, feito como se eu estivesse utilizando apenas metade da minha capacidade física e intelectual. O trabalho no roteiro não seguiu o meu modus operandi habitual. Cenas foram acrescentadas sem razão. Imagens foram compostas sem lógica ou função dramática. No geral, elas vieram de sonhos que eu tinha no período, ou sonhos que eu tive anteriormente.
Mais uma vez, o assunto foi a “natureza”, mas de uma forma diferente e mais direta do que antes: de uma maneira mais pessoal.
O filme não contém nenhum código moral específico e apenas possui o que alguns chamariam de “necessidades básicas” de um enredo.
Eu li Strindberg quando eu era jovem. Li com entusiasmo as coisas que ele escreveu antes de ir a Paris e tornar-se um alquimista e durante esse período dele lá... o período depois chamado de “crise infernal” – foi o Anticristo minha “crise infernal”? Minha afinidade com Strindberg?
De qualquer forma, não posso oferecer nenhuma desculpa por Anticristo. Além claro, da minha crença absoluta no filme – o mais importante de toda minha carreira!
Lars von Trier, Copenhagen, 25/03/09.
SINOPSE:
Um casal (interpretado Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg) devastado pela morte de seu único filho se muda para uma cabana isolada na floresta Éden, onde coisas estranhas e obscuras começam a acontecer.
A mulher é uma intelectual escritora que não consegue se livrar do sentimento de culpa pela morte do filho, e ele, um psicanalista, tenta exercer seu meio de trabalho para ajudar a esposa.
Anticristo é divido em partes: Prólogo e Epilogo e ainda capítulos que se passam na floresta do Éden: Dor, Luto, Desespero e Os três Mendigos
Site Oficial:
http://www.antichristthemovie.com
Site California Filmes:
Http://www.californiafilmes.com.br
FICHA TÉCNICA:
Título: Anticristo (Antichrist)
Direção: Lars Von Tries
Elenco: Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg
Duração: 104 min
Câmera: Digital Cameras RED + Phantom
Ratio: 1:2,35
Formato: 35 mm color / DCP
Som: Dolby Digital 5.1.
Língua: Inglês
Ano de Produção: 2009
Classificação: 18 anos
ELENCO:
WILLEM DAFOE
Willem Dafoe tem características físicas nada convencionais, com isso, manteve a conduta de seguir com personagens, que são geralmente figuras marginais e/ou excêntricas. Com formação no teatro, fez sua estréia cinematográfica no obscuro O Portal do Paraíso (1980). Mas foi notado pela primeira vez em Viver e Morrer em Los Angeles (1985), no papel de um vilão sádico.
A partir desse ponto sua carreira tomou a direção ascendente. Oliver Stone o chamou para interpretar o sargento Elias de Platoon (1986) e Martin Scorsese o dirigiu em A Última Tentação de Cristo (1988) onde interpretou Jesus Cristo. Esses dois filmes lhe renderam indicações ao Oscar de Melhor Ator.
Um ator versátil e muito requisitado, já foi dirigido por grandes cineastas como Abel Ferrara em Go Go Tales (2007) e Sam Raimi em Homem-Aranha (2007). Dafoe havia travalhado com von Trier anteriormente em Manderley (2005).
Filmografia selecionada:
• Um Segredo entre Nós (2008), dirigido por Dennis Lee
• Go Go Tales (2007), dirigido por Abel Ferrara
• A Férias do Mr. Bean (2007), dirigido por Steve Bendelack
• O Plano Perfeito (2006), dirigido por Spike Lee
• Manderlay (2005), dirigido por Lars von Trier
• o Aviador (2004), dirigido por Martin Scorsese
• A vida marinha com Steve Zissou (2004), dirigido por Wes Anderson
• Era uma vez no México (2003), dirigido por Robert Rodriguez
• Auto Focus (2002), dirigido por Paul Schrader
Melhor Ator Coadjuvante - Chicago Film Critics Association Awards
• Homem Aranha (2002), dirigido por Sam Raimi
• A Sombra do Vampiro (2000), dirigido por E. Elias Merhige
Indicadao como Melhor Ator Coadjuvante
• Psicopata Americano (2000), dirigido por Mary Harron
• eXistenZ (1999), dirigido por David Cronenberg
• O Paciente Inglês (1996), dirigido por Anthony Minghella
• O Dono da Noite (1992), dirigido por Paul Schrader
• Coração Selvagem (1990), dirigido por David Lynch
• Mississippi em Chamas (1988), dirigido por Alan Parker
• A Última Tentação de Cristo (1988), dirigido por Martin Scorsese
• Platoon (1986), dirigido por Oliver Stone
Indicadao como Melhor Ator Coadjuvante
• Viver e Morrer em Los Angeles (1985), dirigido por William Friedkin
CHARLOTTE GAINSBOURG
Ganhadora do prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes de 2009, a tímida Charlotte Gainsbourg é atriz e cantora.
Nascida na Inglaterra, Charlotte é filha do poeta e cantor francês Serge Gainsbourg e da atriz Jane Birkin. Dessa forma, cresceu em uma família ligada ao teatro e à música, atuando em o seu primeiro filme em 1984, Paroles et musique. Em 1986 ganhou o César (o Oscar francês) de atriz mais promissora, pela sua participação no filme L'éffrontée e, em 2000, voltou a ganhá-lo, desta vez de melhor atriz coadjuvante no filme La Bûche.
Recentemente atuou em 21 Gramas (2004) ao lado de Sean Penn, e ainda esteve nos filmes Sonhando Acordado (2006) de Michel Gondry e em Não Estou lá (2007) onde foi dirigida por Todd Haynes.
Para além da sua carreira como atriz, gravou dois álbuns e cantou a canção-título de um dos seus filmes. Como curiosidade, é de Charlotte a voz que abre a canção “What it Feels Like for a Girl”, do álbum “Music” (2001) de Madonna.
A Revista americana “Vanity Fair” em 2007 elegeu Charlotte a mulher mais elegante do planeta, e hoje ela é musa da grife de roupas Gérard Darel, sobe o título de: “uma nova elegância sem artifício”.
Atualmente Charlotte Gainsbourg vive e trabalha em França, onde é casada com o ator e realizador Yvan Attal, pai dos seus dois filhos.
Filmografia selecionada:
• Persecution (2008), dirigido por Patrice Chéreau
• Eu Não Estou Lá (2007), dirigido por Todd Haynes
• Novo Mundo (2006) dirigido por Emanuele Crialese
• A Noiva Perfeita (2006) dirigido por Eric Lartigau
• Sonhando Acordado (2006), dirigido por Michel Gondry
• Lemming - Instinto animal (2005) dirigido por Dominik Moll
• 21 Gramas (2004), dirigido por Alejandro González Iñárritu
• La bûche (1999), dirigido por Danièle Thompson
Cesar Award melhor atriz coadjuvante
• Jane Eyre - Encontro com o amor (1996), dirigido por Franco Zeffirelli
• La petite voleuse (1988), dirigido por Claude Miller
• L’effrontée (1985), dirigido por Claude Miller
Cesar Award Atriz Promissora
DIREÇÃO E ROTEIRO: LARS VON TRIER
O cineasta dinamarquês Lars von Trier nasceu em Copenhague em 30 de abril de 1956. A partícula "von" foi adotada por Lars von Trier durante o período em que esteve no Danish Film School. O motivo para sua inclusão no sobrenome foi o apelido que seus amigos da época lhe deram.
Ficou conhecido mundialmente após fundar, junto com Thomas Vinterberg, o manifesto Dogma 95, no qual há 10 regras para a produção de filmes, como: não usar cenários, não usar trilha sonora, usar apenas câmera de ombro... Seu único filme que segue essas regras é: Os Idiotas.
Lars von Trier tem sempre seus filmes exibidos no Festival Cannes. Com Europa (1991), ganhou três prêmios, entre eles, o do Juri, em 1996 ganhou a Palma de Ouro com Ondas do Destino, prêmio que se repetiu em 2000 com o filme Dançando no Escuro que ainda concorreu ao Oscar de Melhor Canção. Os dois filmes da trilogia "América - País das Possibilidades", Dogville e Manderley concorreram também a Palma de Ouro.
No Festival de Cannes, desse ano (2009), Lars von Trier foi o grande polêmico da edição, com Anticristo. O filme dividiu opinião no festival, alguns críticos amaram, outros odiaram e as sessões de imprensa foram marcadas por aplausos e vaias. Durante a coletiva de imprensa, um jornalista britânico exigiu que o diretor explicasse Anticristo. Lars von Trier respondeu que não deveria explicar nada, e que eles (os jornalistas e público) eram seus convidados, e não ao contrário.
Para o futuro Lars Von Trier trabalha em um projeto pessoal que roda 3 minutos de filme todos dias, em diferentes locações da Europa. Sua intenção é realizar este trabalho durante 33 anos e, como teve início em 1991, a previsão é que o filme seja lançado apenas em 2024.
Ainda para terminar a trilogia “América – País das Possibilidades” o diretor já anunciou o começo da pré produção do filme Wasington, previsto para 2010 e o romance Caroline Mathildes år.
Filmografia:
• O Grande Chefe (2006)
Golden Shell nomination - San Sebastián International Film Festival
• Manderlay (2005)
Cannes Film Festival (official selection)
Toronto International Film Festival (official selection)
• As Cinco Obstruções (The Five Obstructions, 2003)
Toronto International Film Festival (official selection)
Sundance Film Festival (official selection)
• Dogville (2003)
Cannes Film Festival (official selection)
Toronto International Film Festival (official selection)
• Dançando no Escuro (2000)
Palme d’Or - Cannes Film Festival
• Os Idiotas (1998)
Cannes Film Festival (official selection)
• Riget II (The Kingdom II, TV, 1997)
Venice Film Festival (official selection)
• Ondas do Destino (1996)
Grand Prix - Cannes Film Festival
Toronto International Film Festival (official selection)
• Riget I (The Kingdom, TV, 1994)
Best Director - Karlovy Vary
International Film Festival
• Europa (1991)
Jury Prize - Cannes Film Festival
• Medea (TV, 1988)
• Epidemic (1987)
Cannes Film Festival (official selection)
• Forbrydelsens Element (Element of Crime, 1984)
Grand Prix - Cannes Film Festival
• Befrielsesbilleder (Pictures of Liberation Images of Relief, 1982)
Berlin International Film Festival (official selection)
ANTHONY DOD MANTLE - Diretor de Fotografia (selecionada)
• Quem quer ser um Milhonário? (2008), dirigido por Danny Boyle
• En mand kommer hjem (When a Man Comes Home, 2007) dirigido por Thomas Vinterberg
• O Último Reid a Escócia (2006), dirigido por Kevin Macdonald
• Manderlay (2005), dirigido por Lars von Trier
• Querida Wendy (2005), dirigido por Thomas Vinterberg
• Trainspotting (2004), dirigido por Danny Boyle
• Dogville (2003), dirigido por Lars von Trier
• Amor é Tudo (2003), dirigido por Thomas Vinterberg
• Extermínio (2002), dirigido por Danny Boyle
• Julien Donkey Boy (1999), dirigido por Harmony Korine
• Mifune (Mifune’s Last Song, 1999) dirigido por Søren Kragh-Jacobsen
• Festa de Família (The Celebration, 1998), dirigido por Thomas Vinterberg
REVIEWS:
“Anticristo não é um filme que deve ser explicado... Deve ser atravessado e enfrentado. Deslindá-lo, principalmente à luz do elemento inesperado que Von Trier introduz no desfecho, ao recapitular aquele lindíssimo prólogo, é tarefa para os dias ou semanas seguintes... A única certeza que se pode ter, aqui, é a de estar diante de algo raro, se não único – um artista de coragem absoluta, e de despudor irrestrito.” Isabela Boscov – Revista VEJA – 26 de agosto de 2009
**** “Não há respostas fáceis nesta hipnótica sessão de análise que traz enigmas e simbologias a ser decifrados pelo espectador – e eis aí um dos maiores méritos desde belíssimo trabalho de significados plurais.” Miguel Barbieri Jr. – Revista VEJA São Paulo / Rio – 26 de agosto de 2009
“Mais uma vez o enfat terrible Trier cumpriu a meta de chocar... Ela (Charlotte Gainsbourg) realmente salvou Anticristo do fracasso. No meio do caos imposto pelo diretor, a atriz francesa achou forças para compor uma personagem perigosa, imprevisível e comovente. Eva em estado puro.” Luís Antônio Giron – Revista Época – 24 de agosto de 2009
“É Lars von Trier, de Dogville, fazendo seu terror cabeça” Revista Época São Paulo – Agosto / 09
“Gritos, violência, sangue, sexo... Para fazer ANTICRISTO, o novo filme de Lars Von trier, a atriz francesa Charlotte Gainsbourg ultrapassou todos os seus limites e ajudou a compor um filme difícil e sem meios-termos. Para amar ou odiar.” Florecen Trédez – Revista ELLE – Agosto / 09
“... Promete gerar muitas discussões.” Roberto Larroude – Revista Sexy – Agosto / 09
“É difícil saber com certeza o que se passou logo depois de assistir a essa produção de terror. O prólogo, com cenas de sexo explícito, é das coisas mais belas vistas no cinema nos últimos tempos. São imagens que ficam, algo bem difícil nos dias de hoje.” Mariane Morisawa – Revista Preview – Agosto / 09
“As cenas vão do sublime (o prólogo em preto-e-branco) ao trash...” Thiago Stivaletti – Revista BRAVO – Agosto / 09
“O dom de exorcizar – No terror sexual ANTICRISTO, o diretor Lars Von Trier arrasta uma vez mais a mulher ao mundo mau.” Sean O’Hagan de Copenhague para Revista CARTA CAPITAL – 22 de julho de 2009
“Haneke vence em Cannes, mas ANTICRISTO não será esquecido” Manchete da Agencia REUTERS por Mike Collet-White e James Mackenzie 25/05/2009
“ANTICRISTO, de Lars von Trier, leva gelo à espinha do público de Cannes” Portal G1 – Diego Assim em Cannes 17/05/2009
“Tão perturbador quanto o filme é saber que temos todos uma violência latente que pode ser desencadeada em situações-limite. Cabe controlá-la, o que no cinema de Lars Von Trier significaria uma concessão ,algo que definitivamente, não seria compatível com o cineasta que já declarou que “gostaria de tentar reinventar o cinema” Tuna Dwek – Magic Bus e Site Rubens Ewald Filho
O Polêmico filme do Festival de Cannes 2009:
Depois das duas exibições do filme ANTICRISTO para imprensa durante o festival de Cannes, muito se falou a respeito de respostas polêmicas que o diretor teria dado, como: “Eu sou o melhor diretor do mundo”.
O site do festival disponibiliza o vídeo da coletiva de imprensa. No vídeo é possível ver que respostas como essas, foram dadas de forma irônica devido a uma pergunta extremamente agressiva de um jornalista britânico, Baz Bamigboye, do tablóide Main Online. http://bazblog.dailymail.co.uk/2009/05/index.html
Para ver o vídeo na integra acesse:
http://www.festival-cannes.com/en/mediaPlayer/9902.html
Agradecimento: João Marcelo F. de Mattos
UM CAIXÃO A CAMINHO DE CASA - ENTREVISTA
Entrevista da FILM #66
publicada pelo Instituto de Cinema Dinamarquês Maio 2009
Knud Romer, que participou de Os Idiotas de Lars von Trier, em 1998, conversou com o diretor em abril, quando ele tinha acabado de dar os últimos toques em seu mais recente filme, Anticristo.
“Você está parecendo um padre” von Trier disse quando nos cumprimentamos fora da sala de exibição no Filmbyen, onde eu veria seu último trabalho, Anticristo. O filme está tão envolto em segredos e precauções de segurança que eu me sinto como num cofre cheio de ouro. “Bom, estou aqui para salvar sua alma imortal”, ironizo.
Noventa minutos depois eu me levanto do meu lugar, profundamente abalado. Dirigindo de volta para casa, o medo e a paranóia voltam com tudo quando um carro funerário passa por mim na estrada.
A tarefa de entrevistar von Trier é um pouco intimidante. Um mestre da ironia e do sarcasmo, ele consegue dominar qualquer conversa e transformar você e suas piores feridas no assunto principal. Eu espero por ele no Filmbyen e a equipe me avisa que ele vai se atrasar. Acima das portas de seu escritório está escrito, em vermelho-sangue: “O caos reina”. Uma hora depois eles me avisam que Von trier quer fazer a entrevista em sua casa, vinte quilômetros ao norte dali. Estou tão nervoso que tenho medo de sair da estrada. Aproximando da pequena estrada que leva à casa dele, ao olhar para um pequeno riacho, bato meu carro numa cerca e em algumas pedras no estacionamento de uma outra casa, antes de ouvir, finalmente, uma voz gritando de uma porta aberta: “Knud, aqui”!
Von Trier está graciosamente personificado. Sua esposa, Bente, fez waffles e chá de ervas – as duas coisas mais relaxantes do mundo. Eu aceito as duas coisas quando percebo que a entrevista vai ser no porão, em dois pufes, e que von Trier está vestindo apenas meias pretas, uma cueca preta folgada e uma camiseta preta. De repente, já não sei mais o que vai acontecer – ainda mais porque eu pretendo discutir como, da mesma maneira que outros grandes diretores, ele continua fazendo sempre o mesmo filme, com variações diferentes e cada vez mais radicais. Isso, no caso dele, é um filme sobre um cara passivo e paranóico, megalomaníaco, que está acamado (como em Ondas do Destino) ou enterrado vivo (como em Anticristo), que abusa sexualmente de uma mulher enferma, ou mentalmente doente, até a morte, com o intuito de produzir imagens de um desejo sado masoquista e satisfazer sexualmente sua condição de voyeur. Minha paranóia está fora de controle – francamente, tenho medo der o próximo!
Eu não fui, claro. Não foi o Anticristo que eu encontrei lá no porão, mas o diretor, em seu estado mais simpático e aberto – ao ponto mesmo da quase nudez – que vive à beira do abismo, com uma consciência aguda da morte, para criar o rico visual apocalíptico que faz de o Anticristo uma obra-prima. Uma hora e meia depois, eu me arrependo de não ser um entrevistador melhor. É minha primeira vez, na verdade, e falo demais. Na saída, faço algo que não se faz – bem cuidadosamente – abraço von Trier para demonstrar meu agradecimento. De volta ao carro, meu nervosismo e medo e minha paranóia desaparecem e dessa vez – é verdade, eu juro – ultrapasso um carro funerário no meu caminho de volta para casa.
Lars von Trier: Estou muito ansioso para ouvir sua primeira pergunta. Lembre-se que tem que ser uma longa!
Knud Romer: Você fez vários filmes conceituais, nos quais, você se “escondeu”. Agora, Von Trier, o produtor de imagens apocalípticas está de volta. Por que você fez a primeira coisa e por que está de volta?
LvT: É tudo imagem para mim – mesmo que haja linhas feitas à giz no chão. Mas eu (hesita), eu estava me sentindo pra baixo, deprimido – eu cheguei ao fundo do poço – e duvidei que eu fosse capaz de fazer outro filme. Porém, retornei a alguns materiais da minha juventude. Eu era muito interessado em Strindberg*, especialmente na pessoa dele. Ele era incrível. Então tentei fazer um filme – nunca falei sobre isso antes e é difícil colocar em palavras – então tentei fazer um filme no qual eu tivesse que jogar a razão para longe por um momento.
KR: “O caos reina”.
LvT: Sim (ri). Produzi várias imagens que tentei juntar. Também, foi muito interessante fazer um filme com apenas dois personagens.
KR: Cenas de um Casamento (de Ingmar Bergman – 1973)…
LvT: Sim, Cenas de um Casamento, mas de uma maneira um pouco diferente. Eu gostei de Cenas de um Casamento. Achava um grande filme.
KR: Mas esse casamento está mais para Strindberg do que para Bergman.
LvT: Sim, eles se levam por caminhos mais próximos a Strindberg.
KR: A visão da mulher no seu filme é provavelmente mais ligada a Strindberg do que a Bergman?
LvT: Sim, e é provável que eu seja questionado sobre isso novamente, minha visão da mulher. Sempre tive uma visão romântica acerca da batalha dos sexos, sobre a qual Strindberg escrevia sempre. Continuamos a descrever as relações entre os sexos. Não sei se uma verdade inequívoca existe.
FILMES DE GÊNERO – ENTRE ASPAS
KR: Agora, você faz “filmes de gênero” – entre muitas aspas. Você continua contando a mesma história, a sua história, de formas diferentes, sob diferentes ângulos, como muitos outros cineastas e autores. Qual a sua relação com os gêneros cinematográficos? Ondas do Destino é um melodrama e Dançando no Escuro um musical. Anticristo é um suspense ou até mesmo um terror. Você descreveria sua relação com os gêneros de forma romântica ou como uma brincadeira?
LvT: O gênero é uma inspiração. A minha história é praticamente a mesma sempre. Estou bem ciente disso agora. Mas “gêneros” – acho que nunca seguirei um a risca, pois acredito que é necessário acrescentas algo a eles. Se eu fosse um chef, essa seria a minha versão de um porco assado clássico.
KR: Você parece se servir das expressões convencionais para depois vira-las de cabeça para baixo.
LvT: Eu cheguei a estudar Cinema na universidade e era muito fã de filmes de gênero. O Segredo das Jóias! Filme noir, sabe, isso tudo era fantástico.
KR: Uma pessoa preguiçosa que só assistir a seus filmes, terá conhecido todos os gêneros que existem.
LvT: Sim, todos no mesmo filme (ri). Mas eu não sou exatamente fiel aos diferentes gêneros. Não diria isso. Eu gosto quando as coisas ultrapassam as fronteiras.
KR: Alguns poderiam dizer que você – com um espírito cada vez mais transgressor – se aproxima de um dos gêneros mais tabus, a pornografia.
LvT: Bem, posso dizer que flertei com a pornografia, especialmente em Os Idiotas. De alguma forma, sexualidade e o gênero terror estão ligados. Mas pornografia? Não sei. É pornografia? Talvez. Mas a pornografia sempre me incomodou. Filmes pornôs são feitos com uma função. Geralmente, são muito crus.
LvT: Você faz perguntas difíceis. Mas, claro, o assunto é interessante. Eu realmente tento fazer com que meus filmes afetem as emoções do público. Porém, faço isso tentando criar uma imagem com a maior expressividade que eu conseguir para mim mesmo. Então eu posso dizer que, mesmo que seja um pouco de mentira, não penso no público quando faço meus filmes. Basicamente, satisfaço a mim mesmo com as imagens que eu crio. Ao mesmo tempo, não posso negar que elas são criadas com o objetivo de causar um efeito.
KR: O filme me causou muito medo. Não lido bem com o medo, ele me assombra. Se eu tivesse que criar aquelas imagens na minha mente primeiro e depois ter que enfrentar suas expressões emocionais profundas, eu teria um ataque nervoso.
LvT: Um filme é um reflexo pálido da realidade. Se você está numa sala de cinema e chora, é uma pálida imitação de uma emoção similar que você teve na vida real. Dessa forma, um filme é sempre algo de segunda mão, uma emoção emprestada da vida real. Se alguém se assusta é porque, provavelmente, tem algum medo que pode ser tirado dentro e ser usado durante uma experiência cinematográfica. Mas o cinema tem outras qualidades além de provocar emoções. ‘O Grito’, de Munch, por exemplo, que meu filho acabou de copiar num desenho. ‘O Grito’ é uma expressão magnífica de uma emoção, mas as pessoas não saem correndo e gritando de dentro dos museus por causa disso.
KR: Seus filmes são ‘gritos’?
LvT: Humm. Anticristo é o que mais se aproxima de um ‘grito’. Ele surgiu na minha vida em um momento em que eu me sentia muito mal. A inspiração pode ser encontrada em seu próprio medo, em suas próprias emoções. É daí que surgem as coisas, mas a partir disso, elas se transformam em outros elementos. Não é como se acontecesse uma telepatia entre o diretor e o público, como com Presto, essa é a chave que te coloca no estado em que eu estava. Não é assim. A razão pela qual o gênero terror – e eu nem estou certo de que o filme seja de terror – é interessante para mim, é porque eu gosto de fazer muitas coisas diferentes.
PARANÓIA PASSIVA
KR: Para mim é um alívio ver você retornar a algo 100% romântico, simbólico e universal com reminiscências católicas, e todo esse papo – é quase pré-romântico, gótico de alguma forma, Conde Drácula.
LvT: Sim, é mesmo. Eu não consigo analisá-lo, mas visualmente, estamos no gênero romântico, sem dúvida.
KR: Você diz que um filme não é uma cópia fiel de um pedaço da vida. A realidade de um filme de terror – uma experiência passiva e paranóica da realidade, aquela da megalomania, quando tudo gira em torno de você – indica um espectador passivo. É como medo do escuro: um estado passivo de paranóia que vemos sempre nos seus filmes, com o protagonista completamente paralisado, acamado, enterrado vivo!
LvT (ri): Sim. Não esqueça, eu li Edgar Allan Poe. Ele mesmo era uma figura romântica.
KR: É algo bonito os seus filmes expressarem medo do escuro, considerando que eles são feitos para a sala escura, onde o espectador está completamente vulnerável.
LvT: Uma vez pensei em fazer teatro porque pensei que era possível ficar mais assustado no teatro do que no cinema. Eu estava planejando fazer uma versão de O Exorcista no teatro. Eu me sinto mal no cinema com facilidade, mas no teatro, com mais facilidade ainda, porque é ao vivo. Ver uma peça é algo terrível para mim. Agora que estamos falando sobre públicos, parece que apenas uma parte muito pequena passa bem pela experiência. Mas estou muito feliz em relação a esse filme e às imagens nele. Elas vieram de uma inspiração que é real para mim. Demonstrei honestidade nesse trabalho. Acho que fiz isso em Os Idiotas e em outros filmes também. Mas nesse filme, essas imagens são o brilho de uma época bem anterior da minha vida.
KR: Você parece lidar com a “cena primária”, o primeiro encontro de uma criança com a sexualidade dos pais e a incapacidade de lidar com isso, que é um mistério mesmo. A criança não sabe o que está acontecendo, mas a experiência transporta-nos para um poderoso estado de medo e desejo. Segundo Freud, essa é a mãe de todas as cenas primárias, o medo que acaba com todos os outros.
LvT: Estou ouvindo…
KR: Certo, péssima pergunta… De certa maneira o filme é uma terapia, mas o terapeuta no filme não tem muito o jeito de terapeuta não. Ele é praticamente um sádico, certo?
LvT: Eu tive algumas experiências com terapia cognitiva, que parece ser baseada na forma como terapeutas fazem você superar o medo de cair num abismo, por exemplo, e esse é o fim do medo. Aparentemente, é uma forma bem sucedida de terapia. Claro, depende da altura do abismo. Eles se saem muito bem com pequenos declives. Ah, eu gosto de brincar e provocar, essas coisas. Os meus protagonistas masculinos são basicamente idiotas, que não entendem nada. Em Anticristo também. Então, é claro que as coisas dão errado! E como o medo é uma coisa e a realidade é outra, já podíamos esperar por isso. O medo pode mudar o mundo? Eu acho que sim – ele pode.
EXORCISMO
KR: Os personagens desse filme parecem estar completamente paralisados. Presos em uma cabana, as possibilidades de interferência e mudança são limitadas. Tudo que eles têm é uma chave de fenda e palavras para lutar contra uma realidade extremamente assustadora. Como o Catolicismo entrou na história? Filmes de terror antigos têm alho e crucifixo – assim como o Catolicismo. Parece haver muita bagagem católica nesse filme.
LvT: Certo. Mas eu não posso responder, porque sou um péssimo católico. Na verdade, eu nem sou religioso. Estou cada vez mais ateu.
KR: Ainda assim, o Catolicismo é a religião favorita dos que não acreditam, porque possui muitas expressões: rituais, ornamentos e por aí vai. Isso nos leva de volta ao que conversamos sobre subverter e brincar com os gêneros cinematográficos. O Catolicismo também oferece essa possibilidade.
LvT: Sim, ele pode fascinar e atrair – pelo menos eu fui. Eu vejo muita liberdade nessa possibilidade. Para mim, o Protestantismo sempre foi a grande besta. Mas a religião em geral é uma droga. Isso eu sei bem.
KR: Mas todo esse sistema de possibilidades está presente, tanto em Ondas do Destino quanto em Anticristo.
LvT: Eu deixo o livro do Nietzsche, O Anticristo, na meu criado-mudo desde os 12 anos de idade. É o grande estudo dele que desnuda o Cristianismo.
KR: Engraçado você mencionar sua idéia de transformar O Exorcista em peça de teatro, porque o exorcismo é algo muito católico. Você está exorcizando seus próprios demônios ou demônios da vida real? A psicanálise não é uma forma de exorcismo também?
LvT: Mas esses demônios são meus amigos. Talvez seja essa a vantagem de fazer filmes: os demônios, que podem causar dor quando você os conhece, têm outros papéis. Eles se tornam seus amigos quando você os coloca em um filme. Eles se tornam parceiros, cúmplices. Talvez, Munch tenha se sentido muito bem com ‘O Grito’. Munch, em certo momento, veio para a Dinamarca ser curado por um Dr. Jacobsen, que tratou dois grandes artistas, Strindberg e Munch. Ambos ressurgiram totalmente transformados. Munch, definitivamente, para o pior. Munch era bem mais interessante antes de vir para a Dinamarca e passar pelo que passou. A coisa pode ir bem longe, mas pelo menos é interessante, se o que dizem for verdade: quando a loucura retrocede, a qualidade do trabalho também cai. Pode ser…
KR: E vale o preço?
LvT: Nunca vale o preço! Eu não quero ser repetitivo, mas eu tenho me sentido muito mal!
KR: Deixe-me voltar para o tema da paranóia. O oposto da sensação de ser perseguido e ter medo é estar no topo de tudo e ter controle. Ao invés de ser perseguido por alguém que intimide, você se coloca na posição de dominador e controla os outros? É por isso que fica calmo e feliz quando está dirigindo um filme? LvT: Eu geralmente me sinto assim, mas não dessa vez. Eu não tenho medo de fazer filmes, nem de fazer uma declaração e ser julgado depois. Dessa vez, eu senti medo até de estar lá. Há uma certa claustrofobia envolvida na produção de algo grande assim e em ser o centro – e dessa vez, eu fui um centro muito fraco, mais do que nos meus outros filmes. Eu me senti, de fato, sem alegria nenhuma. Agora, que acabamos de fazer a mixagem do filme, eu estou me sentindo bem feliz. Tem sido muito bom, mas por outro lado, não houve êxtase. Alguns dos meus outros filmes eram como jogos, nos quais o diretor decidia o que e como jogar.
KR: Pode ser então que, com tanta coisa acontecendo, você tenha feito uma obra-prima como resultado? A força e a transgressão das imagens do filme são como uma luz que se apaga!
LvT: Uau! A diferença é que eu retornei a coisas da minha juventude, um material que tinha algo a dizer, incluindo coisas embaraçosas que evitei usar antes. É somente isso, em uma fase em que não estou me sentindo muito feliz.
KR: E isso tem alguma coisa a ver com envelhecer?
LvT: Acho muito que sim!
KR: Com quantos anos você está?
LvT: Farei 53, merda.
ATORES E O PÚBLICO
KR: Gostaria de conversar sobre seus atores. Como foi trabalhar com eles? Afinal você exigiu muito deles.
LvT: Trabalhei com Willem antes, em Manderlay. Ele é um cara ótimo. Perguntou se eu tinha trabalho para ele, então escrevi dizendo que tinha esse filme, mas que minha esposa não achava que ele toparia. Acho que isso o provocou. Mas ele não tem constrangimento em mostrar seu corpo e eu nem acho que ele deveria ter. Entramos em contato com algumas atrizes que realmente não tinham coragem para o papel. Charlotte se prontificou e leu o roteiro. Ela não teve dúvidas. Isso é a melhor coisa que pode acontecer: dois atores que estão de fato interessados em fazer o filme. E muito foi cobrado deles, então eles tinham que estar a fim. Os dois fizeram um ótimo trabalho! Nunca vi alguém trabalhar tão intensamente quanto Charlotte. O roteiro dela está cheio de notas que, ainda bem, ela não quis mostrar para ninguém. Muito, muito dedicada.
KR: Como você se sente em relação à reação que pode obter em Cannes?
LvT: A platéia de Cannes é geralmente muito aberta. O que não pode ser mostrado? Sexo?
KR: Há um certo pudor em relação aos órgãos genitais.
LvT: Eu prefiro pensar que ainda tenho um público que aprecia quando as coisas são mostradas.
KR: Você acredita que as crueldades nesse filme, a manifestação extremada, terão algum efeito sobre quem assistir ao filme – ou seja, interferir na recepção?
LvT: Não faço idéia. Eu quero que as pessoas vejam o filme, claro. Uma carreira é como uma série de perguntas para um certo grupo. Se eles acompanham toda a jornada, eles são “minha” gente. Mas acima de tudo, eu quero que o filme encontre seu público.
KR: Isso é um fetichismo, não é, ser cultuado? Acaba que você também é uma figura de fetiche …
LvT: É!
KR: Por exemplo, você usa uma câmera especial que é capaz de filmar em velocidade extremamente lenta. Ao invés de algo “pá-pum, muito obrigado, moça”, você segue na direção oposta: sofrimento estático, medo estático, paranóia estática – tudo ressaltado por imagens em câmera tão lenta, quase fixas.
LvT: Há muito tempo eu tive a idéia de fazer uma cena longa apenas ao som de uma ópera. E mergulhando de volta na caixa de brinquedos da minha memória, lá estava a câmera lenta, que se tornou uma coisa muito simples de fazer e tem sua beleza particular. No fundo, não sou muito fã de fazer coisas utilizando técnicas antigas. Mas fiz vista grossa para isso, porque esse é um filme urgente, praticamente um salva-vidas. Eu tinha que fazer alguma coisa, ou iria voltar para a cama e ficar olhando para a parede. Muitas das imagens do filme vieram de viagens imaginárias que fiz durante minha vida. Aprendi algumas técnicas do xamanismo e encontrei muitas imagens nessas viagens. Tem essa batida de tambor que te coloca num estado de transe e te leva para um mundo paralelo. É muito interessante e muito divertido também. Nunca experimentei LSD, mas é para ser como uma viagem de ácido, sem o ácido.
KR: É engraçado como continuamos falando as mesmas coisas, de maneiras diferentes. Há sempre uma atitude passiva em relação ao que se ama, imagens estáticas, imagens extasiadas, paranóia passiva, medo e voyeurismo – tudo para satisfazer um desejo sado masoquista.
LvT: (sorri) Claro, os rótulos ajudam!
KR: Não negue! Uma certa dose de inclinações perversas faz parte de qualquer vida minimamente natural e saudável.
LvT: Sim, vamos acreditar nisso, nós dois, ou seríamos execrados! Minhas perversões, que estão refletidas nesse filme, não são novidade. Apenas o como é diferente aqui. E porque uma parte do material tem origem na minha juventude, pode ser, sem razão evidente, arrebatador. As emoções e o medo tiveram que ser perseguidos até a última gota de nosso sangue. Esse é um filme mais infantil, eu diria.
KR: Alguns poderiam chamá-lo de pesquisa sobre a sexualidade infantil.
LvT: Sério? É, pode ser! Sem dúvidas. Explica bem!
KR: Na verdade, isso nos leva de volta ao começo, sua visão romântica de Strindberg.
MULHERES
KR: Nicole Kidman chegou a perguntar em algum momento porque “você é tão mau com as mulheres”? Acima de qualquer coisa, Strindberg era conhecido por sua misoginia. Eu sei que você não detesta as mulheres. Mas você não tem medo de ser cobrado ao levar a misoginia ao extreme? A sexualidade feminina como o mal. Como a serpente no Paraíso, que merece ser punida. Isso é tudo uma brincadeira romântica?
LvT: Acabei de ver um documentário sobre caça às bruxas. Diga o que quiser, mas essa história é incrível. É um material excelente. Eu não acredito em bruxas. Não acredito que mulheres ou sua sexualidade seja o mal, mas é assustador. É importante ter liberdade quando está fazendo um filme. Quem se importa com o que eu penso? Algumas imagens e conceitos são interessantes em diferentes maneiras de combinação. Eles mostram partes da alma humana e das ações humanas. Isso é interessante. Eu também me provoco, você sabe. Minha mãe era uma defensora ferrenha dos direitos da mulher. Eu sou muito aberto em relação à igualdade entre os sexos. Eu só não acredito que isso vá de fato acontecer um dia. Os sexos são muito diferentes, ou também não teria graça. Não acho que mulheres devam ser subjugadas, ainda mais com violência. É claro que sou contra isso. A caça às bruxas era algo realmente horrível. Mas a imagem da bruxa tem tantos pontos de fascínio que – porque eu deixei esse filme surgir para mim, ao invés de pensá-lo – o que acabou indo parar no filme tende mais ao caricato. É como pendurar uma rede cata-mosquito: pensamentos e imagens podem ficar presos e entram para o filme. Porém, me chamar de misógino é equivocado.
Knud Romer, nasceu em 1960, atuou em Os Idiotas, de Lars von Trier, e é co-roteirista de Offscreen, filme de Christoffer Boe. Romer estudou Literatura Comparada na Universidade de Copenhagen e trabalhou muitos anos com propaganda. Seu romance autobiográfico, Den som blinker er bange for døden (He Who Blinks Is Afraid of Death) de 2006, foi um bestseller na Dinamarca e foi vendido para mais de 12 países. O livro recebeu um prêmio de vendas na França, Le Prix Initiales d’automne, e o prêmio espanhol Calamo de literatura. Uma tradução para o inglês está prevista para 2010, pela editora Serpent’s Tail.
*August Strindberg - Fonte: Wikipédia
August Strindberg (22 de janeiro de 1849 - 14 de maio de 1912), pintor, escritor e dramaturgo sueco, é autor, entre outros, de O Pelicano. Figura ao lado de Henrik Ibsen, Søren Kierkegaard e Hans Christian Andersen como o maior escritor escandinavo. É um dos pais do teatro moderno. Seus trabalhos são classificados como pertencentes os movimentos literários Naturalismo e Expressionismo.
Frequentou a Universidade de Uppsala, tendo-a abandonado para trabalhar como jornalista e actor, até que ingressou na Biblioteca Real (1874) o que lhe permitiu assegurar o seu futuro econômico. As suas primeiras peças teatrais denotam influências de Ibsen e Kierkegaard e aí transparece uma personalidade amarga e torturada: O Livre Pensador (1869), Hermion (1869), O Professor Olof (1872), A Viagem de Pedro Afortunado (1882) e A Mulher do Cavaleiro Bent (1882).
O fracasso do seu primeiro matrimônio com Siri von Essen (1877-1891) deu à sua obra um tom misógino, que está patente, em especial nos contos de Esposos (1884) e nos dramas de carácter naturalista Camaradas (1897), O Pai (1887) e A Menina Júlia (1888), a sua obra mais importante.
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4 comentários:
Obrigada pela maravilhosa leitura, mestre. Apareça!
REALMENTE UMA PENA eu ter perdido esta sessão.
Espero que o sucesso desta edição aumente ainda mais a força de eventos como este.
Essa foi, definitivamente, umas das melhores viradas que eu já participei. A proposta do evento e os filmes escolhidos, sobretudo os dois primeiros, foram sensacionais.
Parabéns pelo texto, Adelvan.
Tb perdi essa porra!
Vai se fuder!..
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