E a idéia parece estar mesmo começando a deixar de ser um tabu, já que até aqui, na provinciana capital do menor estado do país, foi realizada uma Marcha da Maconha relativamente bem sucedida, com cerca de 400 participantes. Cortesia da repercussão negativa da repressão brutal e sem sentido patrocinada pelos trogloditas da policia paulista, comandada pelo proto-fascista Geraldo Alckimin, da Opus Dei, e da Guarda Civil Metropolitana do incolor e inodoro Gilberto Kassab, cujo novo partido não é "nem de direita, nem de esquerda, nem do centro".
Mas a maior surpresa mesmo foi ver no Fantástico, da ainda toda-poderosa Rede Globo, uma materia correta e sem alarmismos xenófobos sobre o tema. Abaixo, reproduzo a reportagem de Rian Santos, do jornal do Dia, sobre a marcha em Aracaju, e a íntegra do texto da reportagem da revista semanal dominical.
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Marcha afronta a caretice de Aracaju
Quem marcha sai de um lugar na esperança de alcançar outro. Na tarde do último domingo, cerca de quatrocentos jovens – chute do próprio escrevinhador dessas palavras rasteiras. Uma estimativa deliberada, de quem estava no meio da muvuca e tentava mensurar o sucesso do movimento de alguma maneira – caminharam pela orla de Atalaia exercendo o maior de todos os direitos garantidos pela nossa Constituição. As câmeras da TV Sergipe não deram as caras. Não vi sequer um repórter com crachá pendurado no pescoço acompanhando a galera. Não faz mal. O que importa é que a gente estava lá.Liberdade de expressão não é brincadeira e a saúde de qualquer democracia está sujeita a seu exercício. Quase nenhuma fumaça, muita alegria. Na concentração, os organizadores da marcha deixaram claro. Embora o corpo seja uma festa, ninguém ali estava promovendo um carnaval. O objetivo era chamar atenção para a causa, provocar o debate. A única motivação da Marcha da Maconha realizada em Aracaju foi a provocação de uma discussão franca a respeito das políticas públicas sobre drogas no Brasil.
Os argumentos que embasam a luta são, além de muito conhecidos, abundantes. Não é preciso o conhecimento de um cientista social para deduzir a relação entre uma legislação que criminaliza, além do tráfico, o cultivo e o consumo de uma planta, e a violência vivenciada pela população no cotidiano das cidades. As palavras de ordem entoadas durante a caminhada, entretanto, resumiam a peleja de maneira mais sucinta e direta. “Dilma Rousseff, legalize o beck!”; “U-hu Aracaju! Todo mundo fuma um!”; “Polícia é pra ladrão, pra maconheiro não!”; “Pula, sai do chão, quem é contra a repressão!” e, a menos politizada, e talvez por isso mesmo a que mais emocionou os maconheiros presentes, “Eu sou maconheiro, com muito orgulho, com muito amor”.
Quando a coisa bate – Antes da dispersão, a marcha passou pela Passarela do Caranguejo, onde a manifestação pacífica ganhou forte conotação política. Ali, distraídos pelo barulho dos bares, nossos familiares, nossos vizinhos, foram obrigados a nos reconhecer entre os maconheiros a quem sempre consideraram marginais. Pense no susto!
O pior é que não somos apenas os quatrocentos que saíram de casa e caminharam alguns metros para afrontar a caretice de uma cidade provinciana. Nos prédios mais altos de Aracaju, residem maconheiros. Nas melhores escolas da cidade, estudam maconheiros. Na fila do pão, na academia, no cinema, entre os amigos de sua filha, pode estar um maconheiro. Você quer mesmo que esse povo todo – um pessoal educado, que lhe dá bom dia ao entrar no elevador e cede a vez no supermercado para os idosos serem atendidos primeiro – vá em cana por causa de um pedaço de mato?
por Rian Santos - riansantos@jornaldodiase.com.br
Foto: Igor Andrade
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Sábado, 21 de maio, Centro de São Paulo. A Marcha da Maconha, proibida pela Justiça, vai às ruas e é reprimida pela polícia.
“Não adianta querer tratar um debate de ideias com porrada. A gente não vai aceitar, a gente vai continuar”, argumenta o jornalista Júlio Delmanto.
As vozes pela descriminalização, ou até pela liberação da maconha, estão ganhando apoio de peso. O líder do PT na Câmara dos Deputados, Paulo Teixeira, já defendeu publicamente até a formação de cooperativas para o plantio de maconha.
E agora o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, prestes a completar 80 anos, conduz um documentário que defende a descriminalização do uso de drogas e a regulação do uso da maconha.
Por que o presidente resolveu meter a mão nesse vespeiro? “Porque é um vespeiro. As pessoas não tem coragem de quebrar o tabu e dizer: vamos discutir a questão”, diz Fernando Henrique Cardoso.
No filme "Quebrando o tabu", que estreia nesta semana, Fernando Henrique Cardoso e ex-presidentes do México, Ernesto Zedillo; da Colômbia, César Gaviria; e dos Estados Unidos, Jimmy Carter e Bill Clinton reconhecem: falharam em suas políticas de combate às drogas.
Perguntado sobre o motivo pelo qual não foi implementado em seu governo, Fernando Henrique Cardos responde: “Primeiro porque eu não tinha a consciência que tenho hoje. Segundo que eu também achava que a repressão era o caminho”.
Todos concluem que a guerra mundial contra as drogas, iniciada há 40 anos, é uma guerra fracassada. Bilhões de dólares são gastos no mundo inteiro, mas o consumo cresce, e cresce o poder do tráfico, espalhando a violência. As armas constantemente recolhidas dos traficantes no Rio de Janeiro são a prova de que a polícia trabalha enxugando gelo. É preciso ir além das apreensões de drogas e do combate aos traficantes.
“Um ponto central é questionar a lógica de guerra, não é defender o uso da droga. É apenas dizer: ‘vamos ver, vamos pensar se não existem jeitos mais inteligentes e mais eficientes de lidar com esse assunto’”, diz o diretor do filme Fernando Gronstein Andrade.
No Brasil, a maconha é a droga mais difundida. Consumida por 80% dos usuários de drogas; 5% da população adulta. Mas é inofensiva a ponto de ser legalizada?
“Não há droga inofensiva. Qualquer coisa depende da dose, da sensibilidade do indivíduo. Agora, entre as drogas usadas sem finalidade médica para fins de divertimento, para fins de recreação, a maconha é bastante segura”, afirma Elisaldo Carlini,médico da Unifesp especializado em drogas.
Palavra de quem há mais de 40 anos estuda a questão e trata dependentes. O professor Elisaldo Carlini representa o Brasil nas comissões de drogas da Organização Mundial da Saúde (OMS) e das Nações Unidas.
“Defendo totalmente a descriminalização”, diz Carlini.
“Eu sou contra porque quanto mais fácil você tornar a droga disponível na sociedade, maior será o consumo”, defende o psiquiatra da Unifesp Ronaldo Laranjeira.
O professor Ronaldo Laranjeira trata de dependentes químicos há 35 anos. “Ela é uma droga perigosa. Um dos principais exemplos é que 10% de todos os adolescentes menores de 15 anos que experimentam com a maconha vão ter um quadro psicótico”, afirma.
Na lista das drogas mais perigosas publicada na revista médica “Lancet”, respeitada no mundo inteiro, a maconha aparece em 11º lugar, bem atrás do álcool e até mesmo do cigarro, que são vendidos legalmente.
“Álcool é mais letal do que maconha. Não se diz isso, mas é. Pelo menos os dados mostram isso. Então, temos que discutir e diferenciar, regular o que pode e o que não pode”, defende o ex-presidente Fernando Henrique.
Regular não é o mesmo que legalizar. E foi isso que Fernando Henrique Cardoso descobriu indo para a Holanda. Lá a maconha é vendida em cafés. Mas o governo não legalizou o uso indiscriminado. Funciona assim: a regulamentação determina que você não pode consumir nas ruas, nem vender fora dos cafés; nos locais determinados, fuma-se maconha sem repressão policial.
“Na Holanda é muito interessante. Os meninos de colégio – eu conversei com eles - não têm curiosidade pela maconha, porque é livre”, garante Fernando Henrique Cardoso.
O consumo de maconha é tolerado e, mesmo assim, vem caindo. Desde 2006, a lei brasileira já trocou a prisão por penas alternativas para quem é pego com drogas e considerado usuário, não traficante. Mas que quantidade de drogas, que situação caracteriza o tráfico? Isso a lei deixa a critério do juiz.
É uma linha difícil de estabelecer. Como o doutor Drauzio Varella explica no documentário: “Como a droga é criminalizada, é um crime você possuir a droga, não vão dez pessoas comprar se uma pode comprar e dividir entre as dez. E o menino que usa droga percebe que, dessa maneira, também se ele vender um pouquinho mais caro, a dele sai de graça”, argumenta o médico no filme.
Nesse caso, o usuário vira traficante e acaba na prisão, onde, como se sabe, a droga circula facilmente.
Em Portugal, o consumo de entorpecentes não dá mais cadeia desde 2001. Mas há uma penalidade: o usuário tem que fazer tratamento médico e prestar serviço social.
“A maior parte dos que usam drogas quer sair dessa situação. E a existência de um caminho que não os leve à cadeia, mas que leve ao tratamento, é positiva”, ressalta Fernando Henrique.
O ministro da Saúde de Portugal explica que dez anos depois o tratamento é gratuito para dependência em todo tipo de droga – da maconha ao crack.
“Dez anos depois, o que nós vemos? Os nossos jovens consomem menos drogas ilícitas”, revela o ministro.
“Eu não vejo nenhum sentido em criminalizar o uso e a posse dessas drogas todas. É um caso de saúde, não é um caso de polícia”, avalia Elisaldo Carlini.
Mas qual é a estrutura que o Brasil tem hoje para tratar seus dependentes?
“Essas pessoas ficam perambulando pelo sistema de saúde ou perambulando, literalmente, pelas ruas, no caso dos usuários de crack. E você fica desassistindo ativamente essa população”, comenta Ronaldo Laranjeira.
O Ministério da Saúde já fez as contas do que falta para tratar dependentes químicos: 3,5 mil leitos hospitalares, 900 casas de acolhimento e 150 consultórios de rua, para chegar às cracolândias, por exemplo. Mas a previsão é atingir essa meta só em 2014.
“Como ministro da Saúde, tenho opinião como ministro. Exatamente isso: nós do Sistema Único de Saúde (SUS) precisamos reorganizar essa rede e ampliá-la rede para acolher usuários de drogas, sejam lícitas ou ilícitas”, afirma Alexandre Padilha.
Na Suíça e na Holanda, existem os projetos chamados de redução de danos: dependentes de drogas pesadas, como heroína, recebem do governo a droga e agulhas limpas.
“É terrível ver isso. Mas você vê também que ali está um doente, não um criminoso”, constata Fernando Henrique Cardoso.
Triste, mas é essa redução de danos que evita a transmissão de doenças infecciosas, mortes por overdose e a ligação dos usuários com o crime.
“Eu não estou pregando isso para o Brasil, porque a situação é diferente, o nível de cultura, riqueza e violência é diferente. Cada país tem que buscar seu caminho. É isso que eu acho fundamental. Quebrar o tabu, começar a discutir e ver o que nos fazemos com a droga”, diz Fernando Henrique Cardoso.
Ouvindo um ex-usuário famoso, o documentário dá uma pista: campanhas de prevenção abertas e honestas podem funcionar.
“O grande perigo da droga é que ela mata a coisa mais importante que você vai precisar na vida: o seu poder de decidir. A única coisa que você tem na sua vida é o seu poder de decisão. Você quer isso ou quer aquilo? Seja aberto, seja honesto. Realmente, a droga é fantástica, você vai gostar. Mas cuidado, porque você não vai poder decidir mais nada. Basta isso”, alerta o escritor Paulo Coelho.
Painel do Fantástico
O Fantástico abriu uma votação para saber a votação do público sobre a regulamentação do uso da maconha no Brasil. O resultado da pesquisa instantânea do nosso painel foi: 57% dos telespectadores que votaram defenderam que o consumo deve ser permitido e regulamentado.
Um comentário:
"Você quer mesmo que esse povo todo – um pessoal educado, que lhe dá bom dia ao entrar no elevador e cede a vez no supermercado para os idosos serem atendidos primeiro – vá em cana por causa de um pedaço de mato".
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