Ousado que sou, já que não entendo praticamente nada de música clássica (nem sei distinguir as notas musicais, na verdade), cá estou para fazer um breve relato da maravilhosa experiência sensorial que foi ver e ouvir a Orquestra Sinfônica de Sergipe executar, ontem à noite, a Cantata “Carmina Burana”, de Carl Orff, na íntegra.
Entramos tarde, e nos deparamos com o Teatro Tobias Barreto completamente tomado. Não haviam mais assentos livres, por isso nos posicionamos entre os corredores para ouvir o maestro Guilherme Mannis apresentar o programa da noite, com a importante recomendação de que as pessoas não aplaudissem entre os movimentos, apenas ao final, quando fossem saudados pela orquestra. Retira-se ele, entram os músicos, sob aplausos, evidentemente. Entra novamente o maestro acompanhado do pianista Amaral Vieira - é o que deduzo pela informação que está no programa recebido na entrada. Saber, mesmo, não sei. Sei que o cara lá, já coroa, era o destaque, já que seu piano ficou em primeiro plano no palco durante a apresentação da primeira peça da noite, o “Concerto para piano em Lá Maior KV 488”, de Wolfgang Amadeus Mozart, e ao final da apresentação, uma garota subiu ao palco e entregou-lhe um bouquet de flores.
Pequeno intervalo, e é chegada a hora da grande atração da noite, a execução da obra de Orff baseada nos textos poéticos medievais da Bura Sancti Benedicti. Entra novamente a orquestra, entra o coro principal e o coro infantil, sob aplausos. Entra o Maestro e mais duas pessoas, os solistas, deduzo eu. Mais aplausos. Todos a postos, silêncio no teatro lotado, eis que “Fortuna”, a célebre e popularíssima (até demais, já foi usada como abertura até de CD/DVD da Calcinha Preta) primeira cantata de Carmina Burana, ressoa pelo recinto em todo o seu esplendor. Este trecho está para a peça de Orff assim como o "tchan tchan tchan tchan" do primeiro movimento está para a quinta sinfonia de Beethoven: pouca gente conhece a obra completa, mas todos reconhecem suas aberturas. O público, esquecido da recomendação ou apenas tomado pelo entusiasmo, aplaude calorosamente. A orquestra e o maestro não se abalam e prosseguem com a peça, e aí sim podemos curtir a obra como um todo e em silencio, como deve ser.
Posso até estar falando uma grande besteira, já que vi pouquíssimas apresentações ao vivo de orquestras sinfônicas em minha vida, mas quero crer que a ORSSE está muito bem afiada. As belíssimas canções fluem uma atrás da outra, com o auxilio luxuoso de legendas projetadas em cima do palco para que possamos acompanhar o conteúdo do que é cantado em latim medieval e em médio-alto alemão vernacular. Alguns bem engraçados, diga-se de passagem, como um que é nada menos que um lamento de um cisne que já foi belo e plumoso e agora encontra-se enegrecido, assado e prestes a servir de repasto ante ameaçadoras dentaduras. Ou os cantos de taverna, especialmente um narrado por um ébrio, numa belíssima interpretação de um dos solistas, o careca, gesticulando como um bêbado, o que provocou um merecido rompate de entusiasmo da parte do público, que mais uma vez explodiu em aplausos, merecidamente.
Ao final, surge uma solista (fêmea), que também mandou muito bem, culminando na penúltima e uma das mais belas cantatas, “Ave formosíssima”, que é emendada com uma reprise da primeira, “o Fortuna”, encerrando a peça. Ovação total, saem o maestro e os solistas, para em seguida voltar. Mannis, que é paulista, pega o microfone e fala que este é um dos mais emocionantes momentos pelos quais passou em sua temporada profissional em Sergipe. A orquestra nos oferece um bis do gran finale e é isso. Minha namorada me fala que está se sentindo uma felizarda por ter olhos para ver e ouvidos para ouvir uma coisa maravilhosa como esta. Eu concordo e me lembro de uma das muitas frases acertadíssimas do filósofo alemão Friedrich Nietsche: “sem música, a vida seria um erro”.
por Adelvan
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Guilherme Mannis no twitter:
* Obrigado Sergipe... Hj foi demais!
* Só demonstra que música clássica vale a pena. Que venham mais datas para a ORSSE em 2011.
* A orquestra tem hj um publico muito grande, que se alterna nos concertos. Quando há highlights, ninguem quer ficar de fora. E com razão.
A conclusao: deve haver mais concertos nessas ocasioes. Se não valorizar o que é bom aqui, vai valorizar o que? Producoes vazias de fora?
Valorizar producoes que nao deixam nada no estado? Nem pensar. Quem ama a ORSSE e acredita nela estava de sorriso aberto e orgulhoso.
MarceloDeda Precisei vir hoje a Bsb,mas parabenizo a ORSE pelo trabalho “@dilsonramoslima: @marciorocha1 Temos uma orquestra que orgulha os sergipanos.”
5 comentários:
Ótima resenha sobre o evento de ontem. Eu muito entusiasmada e sortuda assisti a tudo sentadinha numa cadeira que me foi cedida por um gentil rapaz conterrâneo. E, também não entendo coisa alguma de música, infelizmente. Mas, bastante crítica que sou a ORRSE foi ótima na execução. A única coisa que tenho a reclamar é o coral de crianças que me pareceu muito pequeno para se fazer ouvir. Mesmo assim tudo muito bem feito.Devo agradecê-lo novamente pela oportunidade, pelo convite e pela compania ontem. Agora estou bastante animada para assistir outras apresentações da orquestra.
Bom saber que esse blog serviu para alguma coisa.
A riqueza dos detalhes de suas impressões sobre a apresentação da Carmina Burana, feito inédito em Sergipe, reviveu em mim os bons momentos de estar naquela plateia. Não obstante que podemos afirmar, qualquer pessoa pode ouvir, apreciar e entender música clássica. Basta ter concentração naquilo que é apresentado e boa vontade para aguardar o desenrolar dos fatos e o fim grandioso dos longos movimentos. Vc deu um show de comentários, digno de um dos melhores críticos musicais, em Sergipe, talvez o único.
Caramba, Rose, obrigado. São comentários assim que nos estimulam a continuar nos esforçando para registrar nossas impressões sobre as coisas que nos tocam.
Tive a cara de pau de mandar o link dessa resenha pro Maestro Guilherme Mannis via Facebook e ele postou a resposta simpática que reproduzo aqui:
"Meu caro, obrigado. A crítica estaria perfeita se vc pegasse os nomes dos cantores no programa kkkkk... mas valeu pelas impressões. É assim mesmo.
Assim como o Rock, a música clássica é um infinito de tendências, períodos, estéticas e épocas. Vc saberá compreender cada vez mais a medida que for assistindo mais concertos. É um processo.
Se vc gostou, é um bom sinal. Um sinal de que aquilo te sensibilizou, e é esse nosso trabalho e nossa função. No meu entender, toda música bem feita toca. A mensagem é passada. É isso que tenho tentado implementear com essa orquestra. Demorou, mas agora os frutos estão sendo colhidos.
Valeu! Gde abraço!
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