segunda-feira, 12 de julho de 2010

Onde nascem os monstros ...


A vida de um ex-soldado em Gori, cidade natal de Josef Stalin

Por Maurício Horta

Fonte: Carta Capital

Este é o poema A Manhã, o primeiro de Josef Stalin. Suas belas descrições da paisagem georgiana estão na antologia infantil Língua Materna, e até hoje são recitadas com orgulho pelos estudantes de Gori”, diz a matrona Olga Topchshivili, de pesada maquiagem e tom professoral, enquanto guia cinco americanos e um casal chinês pelos escuros corredores acarpetados em vermelho do Museu Estatal de Stalin. “Traduzi-lo? Ah, é muito complexo... Mas você pode comprar a coleção de poemas em nossa lojinha.”

Estamos na cidade natal de Stalin, o último lugar onde a imagem do generalíssimo é abertamente cultuada. E não é só no museu vazio. Se em Moscou suas estátuas estão confinadas ao Cemitério dos Monumentos Derrubados, em Gori ela permanece ereta a 12 metros de altura, de costas para a prefeitura e de frente para um minicassino, na avenida principal da cidade: Stalinis Gamziri. (No dia 25 de junho, a estátua foi retirada. A operação, realizada na madrugada, procurou evitar protestos da população.)

“Aqui mostramos sua vida pessoal”, segue Olga, fazendo com seu indicador um círculo no ar, em torno das paredes cobertas por imagens do bigodudo, desde os tempos de seminarista em Tbilisi até seu mórbido retrato deitado no caixão. De repente, sua voz muda para um tom mais baixo: estamos diante da foto do soldado Yakov, o filho rejeitado do ditador. “Os nazistas o capturaram e o ofereceram em troca de um marechal. Mas para Stalin todos eram igualmente filhos seus, e ele jamais trocaria um soldado por um marechal.” Um segundo de silêncio e a guia volta ao tom de ditado ortográfico. “Esta é sua filha Svetlana, que se exilou nos EUA 1967, após queimar seu passaporte soviético. Mas ela pôde voltar a Tbilisi em 1984, quando visitou este museu várias vezes.”

A independência da Geórgia, em 1991, foi seguida pela destruição de símbolos soviéticos por todo o país, menos em Gori. Para seus moradores, a memória de seu mais notório cidadão faz a cidadezinha de 50 mil habitantes parecer mais que uma pequena estrada que liga a capital Tbilisi aos portos no Mar Negro. Com Stalin, Gori entra para a história, e por isso os mais velhos fazem vistas grossas para seus expurgos e continuam a dedicar a ele o primeiro brinde no bar. Com os jovens é diferente. Tudo o que querem é estar longe das páginas dos livros de história ou dos jornais.

“Dane-se Stalin, dane-se Saakashvili, dane-se este lugar”, e o ex-soldado Giga Gogilashvili, de 27 anos, bate os copos cheios de vodca com o amigo armênio Eduard, inclinados contra a parede de sua casa, pontilhada por tiros de metralhadora. Na madrugada de 8 de agosto de 2008, o presidente georgiano Mikhail Saakashvili, um pró-EUA que busca a entrada do país na Otan (Aliança Militar Ocidental), ordenou um ataque-surpresa contra sua região separatista Ossétia do Sul, 30 quilômetros ao norte daqui.

Quando Giga atravessou naquele dia os 500 metros que separam sua casa da base militar de Gori, sabia que entrava numa guerra perdida: bastaram dois dias para a cidade ser ocupada pela Rússia, aliada dos separatistas ossetas, e competir com a Olimpíada de Pequim pela atenção do mundo.
Emasculados pelo poderio russo, soldados georgianos correram para se esconder nas casas de Gori. O pai de Giga escondeu cinco deles em seu porão, enquanto atendia aos pedidos de vodca dos soldados russos. Para muitos, já era tarde demais, e, quando soube que 13 dos mortos eram seus amigos de infância, Giga decidiu desertar. “O filho de um tinha nascido três dias antes da guerra. E outro deixou a mulher grávida. Então disse ao meu major que não iria ser mais a mulher de Saakashvili.”

O sonho de Giga é migrar para o Canadá, onde vive seu melhor amigo, ou juntar-se ao irmão, que desde a guerra mora ilegalmente na Alemanha. Como foi preso, precisa esperar mais três anos para poder sair do país. Enquanto isso, está solteiro e, como 16,4% dos georgianos, desempregado, bem longe de suas duas paixões: mulheres e Mercedes. “Não sei qual eu amo mais.”

A culpa não é apenas da guerra, que diminuiu em 7% o PIB georgiano: o crescimento econômico de mais de 10% nos anos anteriores, resultado de reformas liberalizantes de Saakashvili, podem ter feito sedãs de luxo alemães pipocarem nas ruas de Tbilisi, mas o declínio pós-soviético continua intacto em cidades como Gori, ignoradas pelos barões das importações e pelo turismo.

Para se iludir um pouco, Giga senta-se todo dia em frente à televisão na casa dos pais, mudando do canal pornô russo para transmissões do Campeonato Alemão de Turismo (DTM). Porém, basta gritar “dane-se, BMW”, e – puf – a energia cai mais uma vez. Volta então o bordão “dane-se Gori, dane-se a Geórgia” e Giga, frustrado, sai de casa para pegar uma garrafa de vodca na mercearia vizinha – a conta fica para a mãe, a professora Tamara, que sustenta a família dando aulas de inglês. Na testa do rapaz, uma cicatriz lembra não a guerra nem a prisão, mas um acidente de carro quando ele e os amigos dirigiam bêbados por Gori. No cair da tarde da cidade interiorana, esses amigos passam para dizer olá, e se unem para mais um brinde.

“Deixa eu dizer uma coisa. Stalin foi um monstro. Quando fugiu da Sibéria, matou e comeu dois colegas para sobreviver no caminho. E Saakashvili é um maldito pederasta que matou seu povo numa guerra idiota. Está vendo? Deste lugar não sai nada de bom”, diz Giga. Um suspiro e então as garrafas se esvaziam. Eduard, que não precisou ir para a guerra, cantarola uma triste canção armênia, abraça o amigo e beija sua bochecha, num ato de fraternidade masculina. Suas pernas se trançam, os dois caem no chão e Giga corta seu supercílio esquerdo, gargalhando até sua mãe correr atrás da algazarra inebriada e sentenciar. “Chega por hoje, vocês beberam demais.” Com o olhar grave e destreza trazida pela prática, ela pega o filho pelo braço e o bota para dormir.

De manhã, Tamara amanhece sorridente. Entre um gole e outro de café instantâneo brasileiro, ela pinta suas pálpebras com sombra azul para ir à escola dar aula, enquanto seu marido, desempregado, apaga na casa os vestígios da guerra numa reforma que já dura dois anos. Ela sabe que, quando acordar, o filho vai curar a ressaca com mais uma garrafa de cerveja, mas ela não pode pensar nisso a toda hora. “Tem mais algo que eu possa fazer por você?”, pergunta. “Oh, meu filho, isso é horroroso, mas, sim, posso traduzir.” Pega o livreto com o poema de Stalin e com um carregado sotaque britânico declama: “O rouxinol diz com sua suave voz – seja coberta de flores, amável terra (...) e que você, oh georgiano, traga a felicidade à pátria mãe”.

+ Sobre a Geórgia:

A Geórgia (em georgiano: საქართველო, transl. Sakartvelo) é uma pequena república do Cáucaso localizada na fronteira entre Europa e Ásia. Limita a norte e a leste com a Rússia, a leste e a sul com o Azerbaijão, a sul com a Arménia e a Turquia e a oeste com o mar Negro. Sua capital é Tbilisi, também conhecida em português como Tíflis.

Considerada uma nação transcontinental, a Geórgia é membro do Conselho da Europa desde 27 de abril de 1999. O país se integrou à Comunidade de Estados Independentes em 1994, mas o seu parlamento aprovou por unanimidade em 14 de agosto de 2008 a sua saída da comunidade, devido ao apoio militar russo às causas de independência da Abecásia e da Ossétia do Sul.

Conflitos separatistas - O processo de paz entre o governo e os separatistas da Ossétia do Sul e da Abecásia não avança em 2000. O presidente georgiano, Mikhail Saakashvili, controla as rebeliões com a garantia de lealdade à Federação Russa, de onde lhe vem o apoio militar. Mas a ofensiva de Moscou na vizinha Chechênia, em 1999, atrapalha as relações com os russos, que acusam a Geórgia de apoiar os rebeldes chechenos.

* Ossétia do Sul - os ossetas são um povo de origem persa que se misturaram com os eslavos a partir do século XVII, e cujo território foi dividido administrativamente entre as repúblicas soviéticas da Rússia e da Geórgia durante o regime stalinista (1924-1953). Em 1990, a Ossétia do Sul declarou sua independência, primeiro passo para integrar-se à república russa da Ossétia do Norte. A Geórgia tornou-se independente da União Soviética em 1991 e lançou uma ofensiva militar contra os ossetas. Os choques terminam depois da mediação da Federação Russa, em 1992, e da criação de uma força de paz integrada por russos, ossetas e georgianos. O conflito caminhava para uma solução pacífica, sem status político definido para a região, até agosto de 2008, quando forças georgianas entraram no território osseta, o que levou a intervenção russa na região, que acabou por envolver não só os dois países em conflito, mas também os Estados Unidos e a União Européia, parceiros da Geórgia.
* Abecásia - Habitada por maioria de etnia abecásia até os anos trinta, quando Josef Stálin envia para a região milhares de georgianos. A Geórgia não reconhece o movimento separatista dos abecásios, alegando que são minoria (18%). Mas os rebeldes criam a República Autônoma da Abecásia, em 1992, o que deu início aos conflitos. Um cessar-fogo foi alcançado em 1993, seguido do envio de uma força de paz da Comunidade dos Estados Independentes (CEI) e de uma missão de observadores da ONU em 1994. Mesmo assim, há freqüentes irrupções de violência. Em outubro de 1999, o governo abecásio promoveu um referendo sobre a independência, que obteve 97% de apoio, mas não foi reconhecido pela Geórgia. A ONU e a Federação Russa prorrogaram para 2000 sua permanência na área.

Em julho de 2008, iniciaram-se as hostilidades entre a Geórgia e as forças armadas da Ossétia do Sul, no confronto que ficou conhecido como Guerra na Ossétia do Sul em 2008. Este rapidamente evoluiu para uma guerra em grande escala entre a Geórgia, por um lado, e a Rússia, Ossétia e separatistas da Abecásia, por outro. Na noite de 7 de agosto, as forças armadas georgianas começaram a atacar a Ossétia do Sul, apoiadas pela artilharia e lança-foguetes múltiplos [4] [5] O ataque a Tskhinvali (Ossétia do Sul), tem início na sexta-feira, 08 de agosto. Após isso, a Rússia entrou no conflito em apoio à Ossétia do Sul e a guerra estendeu-se por alguns dias. A Rússia lançou o reconhecimento internacional da independência de Abecásia e Ossétia do Sul, sendo o primeiro país a reconhecer a sua independência.

Em novembro de 1989, a Ossétia do Sul declara sua autonomia em relação à República Socialista Soviética Georgiana, detonando um conflito de três meses. A Geórgia e a Ossétia do Sul dão início a um novo conflito armado que inicia-se em 1990 e dura até 1992, ano em que Rússia, Geórgia e Ossétia do Sul acertam a criação de uma força de paz.

A tensão seguinte está relacionada com o beneplácito que a OTAN deu à Geórgia e à Ucrânia para entrarem nessa organização, contudo não ficou estabelecida nenhuma data para a sua adesão.

No mês de Abril de 2008, houve uma escalada da tensão com o suposto abate de um avião tripulado sobre a Ossétia do Sul, acontecimento denunciado pela Geórgia, mas negado pela Rússia. Seguidamente houve outros incidentes aéreos, assim como acusações cruzadas de provocações.

Nos últimos anos a zona tem aumentado a sua importância estratégica na rota do transporte energético, rivalizando a Rússia e o ocidente a sua influência na zona (não esquecer que os Estados Unidos da América têm 120 instrutores militares para treinar o exército georgiano. Os Estados Unidos da América afirmaram que não estão implicados no conflito, porém a Geórgia é o terceiro país com mais tropas no Iraque).

A Geórgia, por seu turno, diz que pretende manter a soberania daquela região separatista, visto ser um território internacionalmente reconhecido como da Geórgia.

Em Agosto de 2008, a situação destabilizou-se, Tskhinvali, a capital osseta, é palco de intensos tiroteios por parte dos franco-atiradores georgianos, incluindo lança-granadas. Durante a noite de 7 de Agosto para 8 de Agosto de 2008, as forças armadas da Geórgia começaram uma ofensiva, que segundo as autoridades da Ossétia do Sul constitui a declaração de guerra.

Geórgia começou a atacar a capital Tskhinvali, e várias localidades que a rodeiam com sistemas múltiplos de lançamento de foguetes BM-21 "Grad", tanques e aviões de combate. A Ossétia do Sul e Rússia denunciaram uma eventual limpeza étnica. Segundo alguns relatos, os georgianos não teriam deixado actuar as ambulâncias. Um comboio com ajuda humanitária teria sido atacado. A Geórgia mobiliza os seus reservistas e decide convocar mesmo alguns militares que se encontravam estacionados no Iraque.

O Conselho de Segurança das Nações Unidas convocado urgentemente pela Rússia não conseguiu chegar a nenhuma declaração. Os Estados Unidos da América e a União Europeia, entre outros, pedem uma solução pacífica.

Alguns analistas em diplomacia internacional acreditam que este conflito foi planeado/planejado pela Geórgia para poder ingressar na OTAN, já que para ser membro desta organização um estado não pode ter problemas territoriais não solucionados. Segundo estes mesmos especialistas, a Abecásia é o próximo alvo da Geórgia.

A Rússia justificou o envio de blindados sob a alegação de que pretende defender as populações e cidadãos russos da Ossétia do Sul, havendo registos de pelo menos 10 mortos e 30 feridos do lado russo. A Rússia acusou mesmo as forças de paz tropas georgianas de atacarem companheiros russos.

No dia 9 de agosto de 2008, o Conselho de Segurança das Nações Unidas não chegou a acordo para tomar uma decisão. Os Estados Unidos afirmaram em 10 de Agosto que se a Rússia prosseguir a ofensiva na Geórgia, as relações entre os dois países poderão ser afetadas[1] Os Estados Unidos afirmaram ainda que irão propor uma resolução ao Conselho de Segurança das Nações Unidas que condena a ofensiva russa propor uma resolução ao Conselho de Segurança da ONU, ainda este domingo, onde vão condenar o «assalto» russo contra a Geórgia.

«Vamos propor uma resolução que torna claro que as acções russas na Geórgia são inaceitáveis para a comunidade internacional e onde vamos condenar este assalto militar», afirmou Richard Grenell, porta-voz da delegação dos EUA na ONU.[1] O encarregado de negócios russo nos Estados Unidos da América não tem planos para invadir a Geórgia, mas o que é facto é que já havia informações e relatos de que isso estaria a acontecer.

No dia 6 de agosto de 2008, o presidente georgiano afirmou ter ordenado um cessar-fogo unilateral, apesar de poucas horas depois se tenham iniciado os combates com o bombardeamento da capital, Tskhinvali quinta-feira (7 de Agosto de 2008). As autoridades da Ossétia do sul afirmaram que os bombardeios de 7 e 8 de Agosto teriam provocado 15 mortos. As autoridades georgianas afirmam que aviões russos bombardearam a 8 de Agosto de 2008 posições georgianas em Gori e Kareli. Fontes georgianas afirmam que em 8 de Agosto de 2008 entraram na capital, apesar de as autoridades da Ossétia do Sul afirmarem exactamente o contrário: ou seja quem controla são elas e não os georgianos.

Fontes georgianas afirmam que aviões russos atacaram a base aérea em Vaziani, nos arredores de Tbilissi, afirmando que a Rússia está a transportar a guerra para o território da Geórgia. A Geórgia entretanto declarou cessar-fogo entre as 11 e 14 horas locais do dia 8 de Agosto de 2008. A Geórgia reclama a intervenção dos Estados Unidos da América.

O Ministro da Reintegração da Geórgia afirmou que as suas tropas controlavam totalmente a cidade de Tskhinvali, a capital, dando um ultimato até às 16 horas do dia 8 de Agosto de 2008 para que os ossetas deponham as armas. As autoridades russas afirmam que a capital foi totalmente destruída pelos georgianos e que há centenas de civis mortos, segundo afirma o líder osseta Eduard Kokoiti.

A Geórgia afirmou, a 10 de Agosto de 2008 que vários locais dentro de seu território e fora do território da Ossétia do Sul foram atacadas por tropas russas, entre eles o próprio Aeroporto Internacional de Tblisi, facto testemunhado por fontes da Reuters, mas rejeitado pela Rússia.

No dia 11 de agosto, a Rússia rejeita uma proposta de cessar-fogo feita pela Geórgia e disse também que sequer consideraria um documento pedindo uma trégua neste momento. Segundo informações de forças de paz na Ossétia do Sul, a Geórgia continua a usar força militar e, com isso, não podemos considerar esse documento", disse um porta-voz do Kremlin a jornalistas

Fonte: Wikipedia

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